Ozempic: o
que significará o fim de sua patente?
Uma
droga relativamente nova tornou-se onipresente nas editorias de saúde dos
principais jornais brasileiros e internacionais. Também toma conta das redes
sociais e notícias de fofoca, por ter virado febre entre famosos. Até Lula e
Janja estão usando as canetas injetáveis, alardeia a imprensa. O novo elixir é
mais conhecido por sua marca principal: Ozempic. Mas a substância presente nos
medicamentos leva o nome de semaglutida, uma mimetização do hormônio GLP-1,
produzido no intestino e no cérebro com a função de regular os níveis de
glicose no sangue.
A
semaglutida foi criada visando o tratamento da diabetes tipo 2. Ela estimula o
pâncreas a liberar insulina quando os níveis de glicose no sangue estão
elevados, ajudando a regular a glicose no sangue após as refeições. E,
diferente de drogas mais antigas, não provoca o aumento de peso. Na verdade,
tem o efeito contrário: ao estimular a sensação de saciedade por um período
muito mais longo que o GLP-1 natural produzido pelo corpo, é muito eficaz no
emagrecimento. Estima-se que seu uso constante, aliado a dieta e exercícios
físicos, pode reduzir o peso de uma pessoa em 10% após um ano. Há sinais, ainda
não comprovados, de que pode ser também auxílio poderoso no combate a
enfermidades do coração, fígado e rins.
O
Ozempic, frequentemente referido como remédio arrasa-quarteirão, representou
uma pequena revolução na indústria europeia. A responsável por sua fabricação –
e detentora de sua patente – é a Novo Nordisk, empresa dinamarquesa com mais de
100 anos, maior produtora de insulina do mundo. Com a semaglutida, a corporação
chegou a outro patamar: recentemente, seu valor de mercado alcançou 570 bilhões
de dólares – maior que o PIB de seu país de origem. Tornou-se a maior empresa
da Europa, ultrapassando a LVMH, que fabrica produtos de luxo como as bolsas
Louis Vuitton, o champagne Veuve Clicquot e a marca de joias Bvlgari. Agora,
seu reinado pode estar chegando ao fim.
O
mundo alcança níveis de sobrepeso e obesidade alarmantes, e seus principais
responsáveis, além do sedentarismo, são os alimentos ultraprocessados –
formulações alimentícias industriais extremamente pobres mas cheias de aditivos
químicos para ressaltar seu sabor e aparência. Pão de forma, macarrão
instantâneo e salgadinhos são apenas alguns exemplos da miríade de
ultraprocessados disponíveis nos supermercados. São baratos, práticos e
apetitosos. Em um mundo empobrecido e acelerado, e impulsionados pelo lobby da
indústria alimentícia, espalharam-se e geraram lucros vultosos. Também são –
veja só – altamente causadores de doenças crônicas como a diabetes. Nesse
contexto, o Ozempic e similares encontraram seu lugar ao sol.
Mas
há uma barreira importante para sua disseminação: seu altíssimo custo.
Protegido por patentes, o uso mensal do medicamento chega a custar 935 dólares,
nos Estados Unidos. Há alguns meses, o senador estadunidense Bernie Sanders
abriu uma investigação para descobrir como seu preço é determinado – há
estimativas de que o custo de produção seja menos de 5 dólares por caneta. No
Brasil, seu preço mensal varia de R$ 994,03 a R$ 1.308,32, a depender da
tributação de cada estado. Não está disponível no SUS, embora já haja casos de
pacientes que entram na justiça para recebê-lo pelo sistema público.
É
justo ou aceitável impor um preço tão alto por uma droga potencialmente
revolucionária para tratar a diabetes tipo 2, uma doença cuja taxa global é de
183 por 100 mil? Mas esse cenário pode se transformar rapidamente, num período
próximo. Isso porque a patente da Novo Nordisk está prestes a chegar ao fim em
países importantes. É o caso de duas enormes nações com indústria farmacêutica
entre as mais avançadas do mundo: Índia e China. Neles, as normas que proíbem a
produção da semaglutida expiram em 2026. E ambos estão prontos para
aproveitar-se da situação e oferecer o medicamento por preços muito mais
acessíveis.
Quando
o Ozempic foi autorizado na China, em 2021, abriu-se à Novo Nordisk um mercado
gigantesco. Suas vendas duplicaram. Estima-se que o país terá 150 milhões de
pessoas com obesidade e 540 milhões com sobrepeso em 2030. Mas a indústria
chinesa está fortemente preparada para o dia em que a patente deixar de
existir: há ao menos 15 versões genéricas sendo preparadas pelas farmacêuticas
locais – 11 em estados avançados de testes clínicos, segundo levantamento da
Reuters. A Novo Nordisk procura estender sua propriedade por mais tempo, mas há
pouca esperança de que isso aconteça. Na verdade, há chances de que a patente
caia até antes.
Uma
matéria da Nature ajuda a compreender a importância do investimento das
indústrias chinesa e indiana no processo. Busca-se, além de produzir a versão
genérica da semaglutida, desenvolver biossimilares: substâncias que se
assemelham muito ao produto de referência e são derivados de organismos vivos
modificados, como leveduras. Há, ainda, a busca por medicamentos novos: “A
ambição não é apenas ter um produto mais barato, mas ter algo que seja tão bom,
senão melhor”, afirmou Guy Rutter, um consultor da indiana Sun Pharmaceuticals,
à revista. Quanto ao preço, as estimativas são animadoras. Abhijit Zutshi,
diretor comercial da gigante indiana Biocon, estima que pode cair de 50% a 90%.
Produzida
em países do Sul Global, essa transformação no mercado de medicamentos para
diabetes tipo 2 e para obesidade pode ter grande impacto no mundo. Como expõe
uma série de reportagens (1, 2, 3) publicada por Outra Saúde, a indústria de
medicamentos indiana é conhecida como “a farmácia do terceiro mundo”. Para
chegar ao patamar de 9ª maior produtor farmacêutico, o país desafiou e
pressionou as regras dos países abastados e da Organização Mundial do Comércio.
Suas exportações para as nações africanas e asiáticas garantem que esses países
sigam abastecidos com remédios que não seriam adquiridos nos preços impostos
pelas farmacêuticas ocidentais. Hoje, companhias privadas pressionam por adoção
de modelo de negócios similar ao do Ocidente, o que pode representar um risco
ao fornecimento de remédios aos países empobrecidos. Mas a indústria segue
pujante.
No
Brasil, a patente da semaglutida também chega ao fim em 2026 – mas a regressão
industrial das últimas décadas foi arrasadora, e o país não tem a mesma chance
de seus parceiros do BRICS. Em 2021, a Novo Nordisk pediu à Justiça a
prorrogação do prazo da propriedade intelectual do medicamento, mas foi negada
pela 5ª Turma do TRF-1. Um medicamento semelhante para o tratamento da
diabetes, a liraglutida, expira neste primeiro semestre de 2024. Há expectativa
no mercado de que empresas transnacionais vendam os genéricos chineses e
indianos no país.
Fonte:
Por Gabriela Leite, em Outra Saúde
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