Para
entender o ascenso de parlamentares antifeministas
Camila
Galetti, doutora em sociologia pela Universidade de Brasília (UNB) e
pesquisadora de antifeminismo e
extrema direita, iniciou nas eleições de 2018 a análise do crescente discurso
antifeminista entre parlamentares mulheres de direita e centro-direita. Naquele
ano, a significativa mudança na Câmara dos Deputados, que passou de uma
representatividade feminina de 10% para 15%, impulsionada principalmente pela eleição de parlamentares de
partidos de direita e extrema direita, chamou sua atenção e foi um dos pontos
de partida de sua pesquisa.
Galetti investigou
os afetos e motivações que permeiam a aversão à agenda feminista entre as
parlamentares desse campo, considerando diversos recortes sociais, como classe,
raça, grau de instrução e relação com a política. Seu objetivo era compreender
como essas mulheres se apoiam em discursos que, paradoxalmente, prejudicam seus
próprios direitos. No último pleito, o número de parlamentares mulheres também
aumentou. Atualmente, a Câmara é composta por 90 deputadas e 423
deputados federais. O PL tem a maior bancada com 99 cadeiras,
seguido da bancada PT-PV-PC do B com 81, segundo dados do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE).
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Confira a entrevista.
·
Como podemos definir o
antifeminismo e quais as relações e interfaces que ele tem com a afirmação do
machismo?
Ele
é uma reação aos movimentos feministas. Ele tem como finalidade diluir,
amenizar todas as pautas que perpassam as questões das mulheres, sobretudo por
se compreender, a partir dessa perspectiva, que os feminismos são uma ameaça à
categoria mulher, aos discursos essencialistas, a um projeto político de
Estado, de cultura, que estão baseados nos papeis sociais de gênero. Sua
finalidade é diluir a pauta das mulheres e fazer um contramovimento, fazer essa
disputa de narrativas.
·
Ele pode ser
considerado um movimento?
Eu
não o considero um movimento social porque ele se apresenta como um
contramovimento e ainda não tem características que o tornem um movimento
social. Apesar de ter uma agenda em comum com movimentos masculinistas, que é a
destruição das pautas e da visibilidade dos movimentos feministas, ele não está
organizado a esse ponto. Os redpill, incels, por exemplo, têm organização, têm
ação, enquanto o antifeminismo, no momento, é uma resposta. Ele é
embrionário, tem suas figuras centrais, porém não é organizado ao ponto de ser
considerado um movimento social. Ele está muito atrelado à ideologia da extrema
direita, então ele é uma ramificação dessa extrema direita e vai se manifestar
nesse espectro ideológico. É um dos fios condutores.
·
Você comentou sobre
ele estar atrelado a essa questão da ideologia, ele é exclusivo da extrema
direita?
Ele
é exclusivo de governos autoritários. A historiadora Charu Gupta fala que a primeira experiência de
antifeminismo no mundo foi a do nazismo. Esses discursos essencialistas, as
ideias do que é uma mulher, do que é um homem e quais as funções sociais que
eles vão desempenhar. Então, percebemos que ele está atrelado ao autoritarismo
e esse autoritarismo se manifesta na extrema direita.
·
Então, ele surge nesse
período marcado por governos autoritários?
Sim.
Na experiência da Alemanha nazista, na experiência do fascismo na Itália. E aí
tem algo que é fundamental quando falamos nesse assunto. Eu demorei bastante
tempo para chegar até isso porque me perguntava “Como uma mulher tem esse
discurso tão atrelado a um pensamento patriarcal?”.
Analisando
as deputadas federais de extrema direita, percebi que elas são recompensadas
por estarem naquela posição e falarem o que elas falam. Primeiro, porque
majoritariamente são mulheres brancas, então há uma questão racial muito forte.
Essas mulheres se atrelam a esses discursos porque, de fato, acreditam num
discurso homogêneo, de limpeza mesmo. Elas acreditam numa categoria única de
ser mulher e sabemos que não existe só um jeito de ser mulher porque há
recortes de raça, etnia, de classe social.
O
antifeminismo captura questões que são caras ao movimento feminista quando diz
que as mulheres são guerreiras, que elas não precisaram do movimento feminista
para terem direito ao voto, que não precisam deles para estarem na política
institucional. Essa é a maior narrativa delas. E muitas vezes tiramos a agência
e a autonomia dessas mulheres por acharmos que elas são cortinas de ferro. Mas
elas possuem autonomia e são recompensadas por serem como elas são.
·
Pode comentar mais
sobre essa relação entre o discurso antifeminista e o discurso
fascista?
O
fascismo, seja ele Itália ou em outro lugar, promoveu a ideia de que as
mulheres são desprovidas de racionalidade, são seres apenas emocionais e,
portanto, incapazes de liderarem ou planejarem assassinatos em massa, por
exemplo. Então, elas precisam ser mantidas nesse lugar de inferioridade porque
são incapazes. Trata-se de um discurso essencialista. [Benito] Mussolini,
por exemplo, tinha uma frente chamada “Deus, Pátria e Família” formada por mulheres católicas com quem ele negociou o
direito ao voto em troca de apoio, contudo ele só as deixava votar com a
permissão dos homens. Ou seja, ele entendeu que as mulheres eram importantes
para o seu projeto político, mas existia uma hierarquia. Então, o fascismo vai
se estabelecendo a partir dessa lógica patriarcal. Por isso é possível, sim,
fazer essa associação, e, sobretudo, entendendo que o fascismo foi estruturado
a partir das desigualdades e hierarquias sociais de gênero. Por ter se estabelecido
assim, as mulheres têm um papel secundário na sociedade
As
mulheres só têm visibilidade, como já mencionei, se elas estiverem reproduzindo
o discurso patriarcal. O que é contraditório porque elas falam de família, de
cuidado, mas elas estão lá no Planalto, na Câmara dos Deputados, 12 horas por
dia, e não estão exercendo o cuidado, fugindo do papel destinado pela lógica
que elas mesmas acreditam. Por isso que elas também resgatam o discurso de “Vou
cuidar da nação”, “Vou cuidar do Brasil”, “Quem ama cuida”, “Eu tenho família,
tenho filhos”.
Levam
essa questão do cuidado para esse espaço sem realmente estarem preocupadas com
ela, como a gente bem sabe.
·
Voltando ao que leva
uma mulher a adotar o discurso antifeminista, seria a questão da recompensa?
Também.
Mas há o sentimento de amparo que o patriarcado produz. Eu também pesquiso o
fenômeno pela chave dos afetos e a nossa sociedade, da maneira como está
estruturada, gera medo e insegurança para as mulheres. Seja na rua ou no
ambiente de trabalho, existe o medo de sofrer assédio, a questão de decidir
sobre o seu próprio corpo, etc. Então, se eu tiver um companheiro homem, um
provedor do lar, eu vou me sentir segura. Se eu estou na política
institucional, sou antifeminista, mas tenho um companheiro, eu tenho coisas que
contribuem para que eu me sinta segura e validada na sociedade.
¨
CAROLLINE SARDÁ
COMBATE ANTIFEMINISMO E DESINFORMAÇÃO
Ao
observar jovens e adolescentes disseminando ideias antifeministas nas redes
sociais, a publicitária e criadora de conteúdo digital Carolline Sardá decidiu
investigar as fontes por trás desse discurso, que tem ganhado cada vez mais
visibilidade na internet. Desde então, ela se dedica a desmentir
argumentos que visam bloquear a equidade de gênero e compartilha histórias e informações
sobre o feminismo com o objetivo de fazer frente às desinformações espalhadas
sobre o movimento. Segundo Sardá, o antifeminismo é uma agenda engajada
em restaurar padrões pré-estabelecidos do patriarcado e tem construído
narrativas de ódio às mulheres e de ataque aos direitos conquistados por elas.
Portanto, merece atenção e combate. Algo que ela pretende fazer,
inclusive, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) caso ocupe a
cadeira do deputado estadual Marcos José de Abreu, o Marquito (Psol),
pré-candidato à prefeitura de Florianópolis, do qual é primeira suplente.
Questionada sobre o tipo de postura que pretende adotar caso assuma, Sardá se
propõe a ser uma voz contrária ao antifeminismo e à extrema direita, defendendo
uma abordagem mais ativa e crítica em relação às decisões e posicionamentos dos
políticos que ocupam aquele espaço. Ao Catarinas, ela afirma que é necessário
fazer os fascistas recuarem e voltarem a temer.
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Confira a entrevista.
·
Como você começou a
produzir conteúdo voltado a rebater argumentos antifeministas?
Eu
comecei a observar meninas no TikTok e no Instagram falando sobre antifeminismo
e querendo ensinar outras pessoas sobre o assunto. Então, decidi ir atrás das
fontes dessas meninas e foi aí que eu descobri várias antifeministas e passei a
consumir o conteúdo dessa bolha para ver o que elas estavam falando sobre o
movimento do qual faço parte. Em 2020, com a Covid, o governo Bolsonaro e todos
aqueles negacionismos, o feminismo também virou uma pauta muito forte de debate
e vários jovens estavam no TikTok falando sobre negacionismo da vacina,
feminismo, comunismo, marxismo cultural, doutrinação nas escolas, etc. Nós da
militância começamos a observar esse fenômeno e tentar descobrir quais eram as
fontes desses jovens para começar a desmenti-las. Inclusive, há um argumento muito específico
envolvendo César Zama, que segundo as antifeministas seria responsável por
conceder o direito ao voto às mulheres. Hoje em dia, elas mesmas não
conseguem mais repetir isso de tanto que eu já bati nessa tecla na internet.
Por eu ter uma audiência grande, as minhas seguidoras propagam o que eu
explico. Então, quando explico “pessoal, o feminismo não é contra a
maternidade” e apresento vários projetos de leis de deputadas feministas, essas
jovens conseguem desmentir as antifeministas, tornando insustentável o
argumento delas. O acesso à informação para desmentir o antifeminismo tem sido
essencial para quebrar a narrativa delas.
·
Como se dá essa
propagação de desinformação na internet?
O
que as antifeministas fazem, hoje, na internet é o que Olavo de Carvalho
chamava de guerra cultural. Elas estão criando uma guerra de narrativas. Então,
além de propagarem muita desinformação online, publicarem vários livros, também
estão investindo em cursos, e-books, aulas gratuitas no YouTube, oficinas e
congressos de antifeminismo. Isso está crescendo cada vez mais. E em 2020, eu,
junto com outras pessoas, comecei a debater com essa galera. Às vezes eu
entrava em lives só para conversar com as meninas e perguntar:
Por que você virou antifeminista? Você tem 16 anos, como você virou
antifeminista? E a resposta geralmente era “Eu estudei sobre feminismo. Eu li
todas as autoras”. Mas não era isso. Elas tinham lido o livro “Perversão e
Subversão” da Ana Caroline Campagnolo (deputada estadual do PL) que resume tudo
que você pode imaginar de absurdo que não existe no movimento feminista.
Eu
vejo as mentiras das antifeministas e levo a informação correta para a
internet, pensando principalmente no público jovem, porque além dos debates que
eles fazem no TikTok eles também discutem esses temas nas escolas. Então, ou
essa galera vai chegar em mim para aprender ou vai chegar em alguma
antifeminista. Daí a importância de levar a informação para a internet da
maneira mais rápida e didática possível. É nesse caminho que surge a minha
pesquisa e a minha divulgação de conteúdo.
·
No Catarinas, assim
como nos espaços feministas, temos uma questão que nos desafia: denunciar o
antifeminismo, assim como o fascismo, sem dar palco às pessoas que compartilham
desses ideários. Afinal, temos alguns exemplos, em SC mesmo, do quanto antifeministas
se utilizaram dessas instâncias para se promoverem. Como fazer isso?
Foi
exatamente por conta disso que a Karen nasceu
(personagem criada e interpretada por Sardá nas redes sociais). Antes eu
fazia reacts de vídeos de antifeministas e percebi que isso
poderia estar apresentando essas pessoas para quem nem as conhecia. Então,
conclui que não precisava combater a pessoa, mas o argumento, a narrativa, a
desinformação. Ao invés de eu reagir a um vídeo específico, eu coloco uma
peruca loira e escrevo um roteiro para desmentir os argumentos antifeministas. Os
conteúdos de humor funcionam muito bem para contestar esse tipo de conteúdo. Me
inspiro muito na Mari Kruger e na Lara Santana que fazem
personagens baseados nesses arquétipos de homem tóxico e mulher
negacionista. Não faço mais react diretamente dos
conteúdos delas. Não tenho nada contra quem faz. Só acho que hoje em dia,
principalmente em ano de eleição, as pessoas estão esperando por isso. É uma
estratégia fazer conteúdo chocante e que deixe as pessoas indignadas para que
quem fez esse conteúdo consiga se eleger nas municipais deste ano. A Karen está
sendo a minha ferramenta para desmentir as antifeministas sem dar visibilidade
para elas.
·
Qual a relação entre
antifeminismo e fascismo?
Essa
visão de que as mulheres deveriam ficar em casa, cuidando dos filhos e gerando
a prole já era uma visão da Alemanha nazista. Sob (Benito) Mussolini, na Itália
fascista, também era propagado o formato da família tradicional, a hegemonia, a
supremacia (masculina). O antifeminismo diz, claramente, que as evoluções que
nós temos na legislação, no progressismo, são uma degradação moral, termo que
era utilizado por Joseph Goebbels na propaganda nazista na Alemanha. Nós vemos
antifeministas falando coisas que se assemelham perfeitamente ao fascismo,
dando check na definição de fascismo. Elas são completamente
anticomunistas, ultraconservadoras e tradicionalistas. Elas têm um
pensamento muito semelhante ao modelo de mulher da Alemanha nazista, que pode
ser traduzido como “cozinhar, lavar e cuidar”. O modelo da mulher nazista é
exatamente o modelo que as antifeministas querem. A mulher dona de casa, que
não está no ambiente público, apenas no ambiente privado, que cuide dos filhos
e que apenas gere. Cuide do marido, não seja ambiciosa, nem subversiva.
Aqui
no Brasil, na ditadura de 1964, nós recém tínhamos conquistado o direito ao
voto em 1932. A luta pela redemocratização e todos os direitos das mulheres
caíram por terra com o início da ditadura.As mulheres não podiam sequer se
juntar para fazer reuniões, convenções, coletivos, porque existia novamente um
novo modelo de mulher: submissa e da família tradicional. Podemos observar isso
onde o fascismo cresce. Com a ascensão do bolsonarismo, por exemplo, vimos a
ascensão do antifeminismo. Os pensamentos fascistas de Bolsonaro se entrelaçam
perfeitamente com os pensamentos conservadores e misóginos das antifeministas
que criam, de certa maneira, um ódio às mulheres subversivas, às mulheres que
não querem seguir a norma padrão. E o fascismo tem essa característica de
dominação do corpo da mulher.
Quem
em sã consciência faria uma CPI em cima de uma criança de 11 anos que
sofreu uma violência? Apenas uma pessoa fascista. Por que essa mulher faria
isso? Porque ela tem um modelo de vida, um modelo de família, no qual uma
criança ter o direito de abortar é degradação da sociedade. O Estado tem que
estar em cima dessa menina. O Estado tem que manipular o útero dessa menina. Entende?
Para ela, essa menina faz parte do Estado, ela é uma incubadora do Estado. Quer
pensamento mais fascista do que esse? Sabendo que na Alemanha nazista mulheres
eram utilizadas para gerar mais e mais crianças. É um pensamento muito
fascista. Não tem outra palavra.
·
Você é a primeira
suplente do deputado estadual Marcos José de Abreu, o Marquito (Psol), que é
pré-candidato à prefeitura de Florianópolis. Portanto, você assume a cadeira na
Assembleia Legislativa do Estado (Alesc) quando a campanha começar. Como será sua
estratégia de enfrentamento ao fascismo e ao antifeminismo? Você vai assumir
frontalmente o lugar de antagonista?
Sim,
eu tenho muito interesse em assumir sendo essa pessoa bem posicionada em
relação ao antifeminismo e à extrema direita em Santa Catarina. Tenho planos,
inclusive, de conscientização sobre o feminismo, palestras, políticas públicas
que envolvem o ensino sobre a história da mulher e direitos femininos no
estado, porque há muitos casos de feminicídio, violência doméstica, abuso
sexual e impunidade de agressores. Se eu estivesse dentro da Alesc, eu
seria a antagonista do antifeminismo e da extrema direita, principalmente do
fascismo.
Um
dos meus pilares durante a campanha,
um dos lemas que eu tinha, é que não temos que ter medo do fascismo. Temos que
fazer os fascistas voltarem a ter medo. Precisamos ser mais combatentes, menos
submissos dentro da Alesc, principalmente quando eles têm posicionamentos
extremistas no plenário, posicionamentos violentos em relação a minorias
(maiorias minorizadas) e, às vezes, não tem ninguém ali para realmente bater de
frente com essas pessoas.
Assumindo
o meu mandato, eu seria essa pessoa posicionada, questionadora, provavelmente
muito subversiva. Nós temos militantes de esquerda dentro da Alesc, mas sinto
que ainda falta uma certa subversão às instituições. Ainda existe um pensamento
muito pacífico em relação aos extremistas que estão lá dentro e que se sentem
no poder, livres para falar as coisas mais absurdas. É o caso da CPI do aborto que hoje é uma arma das antifeministas, mas nós não vimos
o que se resolveu disso. Nós vimos a Ana Campagnolo vir na internet dizer que
existia uma máfia abortista em Santa Catarina. Provas ela não trouxe.
Relatórios ela não trouxe. E ninguém cobrou isso. Onde estão as pessoas
posicionadas dentro da Alesc questionando sobre as conclusões da tal CPI do
aborto que fez com que essa deputada fosse reeleita com recorde de votos? É
isso que falta dentro da Alesc: gente questionadora, subversiva. Gente que olha
as instituições e questiona. Vejo que as pessoas ali dentro simplesmente
aceitam, estão submissas às instituições.
De
que maneira as instituições podem contribuir para barrar ações antifeministas
no parlamento e também em outros espaços institucionais, como o Congresso
Antifeminista realizado na Alesc?
No
ano passado já tinha acontecido algo parecido no 8 de março. Vejo que as
instituições poderiam se antecipar, já sabendo que, no dia 8 de março, uma
antifeminista ocupará a Alesc, deveriam promover uma ocupação feminista na
Assembleia. Convocar coletivos feministas para participar. Ter Maria da Penha e
Joanna Maranhão falando sobre as leis que levam seus nomes, por exemplo. Se
espera muito que as antifeministas tomem uma atitude para que a gente tome uma
atitude depois. Pode ter certeza de que ano que vem, no 8 de março, terá um
segundo congresso antifeminista no auditório Antonieta de Barros, pois elas
fazem questão de colocar nesse auditório para bater de frente com as
feministas.
Então,
o que a Alesc está fazendo para que em 2025 isso não aconteça? Já está montando
uma estrutura para levar feministas para lá? Quando levamos coletivos
feministas para dentro da casa do povo, também levamos políticas públicas, pois
são essas mulheres que estão atuando na base, no front, e entendem o que
precisa ser feito pelas catarinenses vítimas de violência de gênero, por
exemplo. Se eu assumisse enquanto deputada, eu levaria coletivos,
movimentos, para a Assembleia e o que saísse desses encontros, de manifestos
construídos coletivamente, seria transformado em políticas públicas. Até
costumamos falar que o debate vem pingando de cima para baixo. Não é um diálogo
feito da base para cima. Vem de quem acha que entende do assunto e não de quem
realmente está na ponta. Durante a minha campanha eleitoral eu falei que uma
das minhas metas era levar para dentro da Alesc o poder popular. Enquanto isso,
as instituições não chamam a gente. Não nos dão espaço. Não convidam as
feministas para ocupar a casa do povo. Santa Catarina está deixando lacunas
para o antifeminismo crescer e não podemos deixar isso acontecer. Temos que
ocupar todas as lacunas. Onde o antifeminismo está, o feminismo também tem que
estar.
E
quais são os argumentos do discurso antifeminista?
Eu
tenho uma lista aqui. Vou citar alguns: O feminismo quer destruir a família; o
feminismo é contra a dona de casa; o feminismo nunca conquistou nenhum direito
para as mulheres; você não é uma verdadeira feminista se você não segue
exatamente o que as teóricas escrevem em seus livros, principalmente teóricas
dos anos 1950, 1960 e 1970, europeias e norte-americanas. Além disso, dizem que
as feministas querem a superioridade da família; não existe feminista cristã;
mulheres negras não podem ser feministas; os casos de violência doméstica são
falsos; as feministas lutam por direitos iguais, mas não por deveres iguais,
entre outros.
Também
existem alguns tópicos específicos relacionados ao direito ao voto. Por
exemplo, “Getúlio Vargas concedeu direito ao voto de presente para as mulheres.
Ele nunca conheceu as sufragistas”, mesmo tendo foto de Getúlio com as
sufragistas. “Não existiram sufragistas negras”, mesmo Almerinda Farias Gama
tendo sido uma das mais importantes do sufrágio no Brasil. Além do tópico
sobre a descriminalização do aborto, algo que o Catarinas sabe muito bem por
conta, também, do que aconteceu na CPI do aborto. Elas acreditam que aborto não
é uma questão de saúde pública, que as feministas são contra as pessoas terem
filhos. Elas também são contra os tipos já legalizados de aborto e elas
têm projetos dentro
do Congresso Federal que tem o objetivo de revogar os direitos já conquistados
em relação ao procedimento. Também acreditam que a educação sexual é o que
sexualiza crianças e estimula a sexualidade das pessoas.
·
Algo relacionado ao
debate de gênero, à pauta trans, também aparece nesses supostos
argumentos?
Sim.
Elas têm uma teoria que, ironicamente, se alinha muito com o que as feministas
radicais, as TERF (abreviação para feminista radical trans-excludente),
acreditam. Para elas, as pessoas trans são cavaleiras do patriarcado porque
elas criariam estereótipos de gênero e performariam a feminilidade e a
masculinidade que deveria ser do sexo feminino e sexo masculino, falando aqui
do jeito que elas colocam. Então, as antifeministas alegam que Judith
Butler quer a subversão das identidades, ou seja, quer abolir a essência de
homens e mulheres e que isso vai afetar as crianças e que isso é perigoso. Elas
acreditam que isso vai ser uma mudança primeiro nas escolas, na linguagem, no
esporte, nas prisões, por exemplo. É nesse tipo de pensamento que políticos
como Nikolas Ferreira e outros tantos no Congresso Federal se baseiam porque
eles leem a Campagnolo, eles consomem esse conteúdo.
·
O que leva uma mulher
a adotar esse tipo de discurso?
Vou
citar o livro Amar para Sobreviver (Dee L. R. Graham) porque realmente acho que é uma
síndrome de Estocolmo social uma mulher ser antifeminista. É quase se aliar com
o seu abusador para não ser abusado. É estar do lado de quem bate para não
apanhar. Essas mulheres acham que sendo ultraconservadoras vão ter espaço nas
zonas de poder, nos espaços em que geralmente somos violentadas. Elas acham
que, por serem antifeministas, os homens não vão machucá-las. Algumas defendem
que não existe violência doméstica porque realmente acham que se elas falarem
que a violência doméstica não existe elas não vão sofrer violência dos
homens. Mas elas também têm suas diferenças de perfis. Por exemplo, as
que estão na política adotam esse discurso pela manutenção do poder. Elas não
querem que o feminismo cresça, porque não querem que mais mulheres ocupem os
espaços que elas ocupam. Existem as religiosas fundamentalistas que acreditam
fielmente que o feminismo é o mal do século. É algo que vai destruir a família
tradicional, a feminilidade, que é contra Deus. Para elas o feminismo é a
personificação do diabo. Para elas não tem como existir feminista cristã.
Tem
também a empresária neoliberal. São antifeministas por conta do capital. Para
elas, o feminismo vai afetar o acúmulo de capital que elas têm em razão dos
direitos trabalhistas, licença maternidade, auxílio creche e vários outros
direitos que são reivindicados por feministas. Além de tudo isso, existe
muita campanha antifeminista desde a época do sufragismo. As mulheres eram
tratadas como se fossem bebês chorões por lutarem pelo direito ao voto. Eram
vistas como fracassadas, frustradas, revoltadas, que não teriam marido e muitas
mulheres não querem ser isso. Muitas têm medo de serem vistas assim. Não gostam
de ser chamadas de feministas porque o termo, para muitas pessoas, é
pejorativo.
Esses
tempos eu recebi uma mensagem de uma menina de 13 anos me dizendo que ela foi
xingada na escola de feminista porque ajudou uma colega que estava sendo
assediada. Eu falei “ser chamada de feminista não é xingamento”. E ela me
respondeu que na escola dela é. São meninas de 12, 13 anos que escutam que ser
feminista é algo ruim. É uma imagem que se cria em cima desse estereótipo
pejorativo da feminista.
Fonte:
Por Camila Galetti em entrevista Kelly Ribeiro, no Portal Catarinas
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