sábado, 29 de junho de 2024

Para entender o ascenso de parlamentares antifeministas

Camila Galetti, doutora em sociologia pela Universidade de Brasília (UNB) e pesquisadora de antifeminismo e extrema direita, iniciou nas eleições de 2018 a análise do crescente discurso antifeminista entre parlamentares mulheres de direita e centro-direita. Naquele ano, a  significativa mudança na Câmara dos Deputados, que passou de uma representatividade feminina de 10% para 15%, impulsionada principalmente pela eleição de parlamentares de partidos de direita e extrema direita, chamou sua atenção e foi um dos pontos de partida de sua pesquisa.

Galetti investigou os afetos e motivações que permeiam a aversão à agenda feminista entre as parlamentares desse campo, considerando diversos recortes sociais, como classe, raça, grau de instrução e relação com a política. Seu objetivo era compreender como essas mulheres se apoiam em discursos que, paradoxalmente, prejudicam seus próprios direitos. No último pleito, o número de parlamentares mulheres também aumentou. Atualmente, a Câmara é composta por 90 deputadas e 423 deputados federais. O PL tem a maior bancada com 99 cadeiras, seguido da bancada PT-PV-PC do B com 81, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

<>< Confira a entrevista.

·        Como podemos definir o antifeminismo e quais as relações e interfaces que ele tem com a afirmação do machismo?

Ele é uma reação aos movimentos feministas. Ele tem como finalidade diluir, amenizar todas as pautas que perpassam as questões das mulheres, sobretudo por se compreender, a partir dessa perspectiva, que os feminismos são uma ameaça à categoria mulher, aos discursos essencialistas, a um projeto político de Estado, de cultura, que estão baseados nos papeis sociais de gênero. Sua finalidade é diluir a pauta das mulheres e fazer um contramovimento, fazer essa disputa de narrativas.

·        Ele pode ser considerado um movimento?

Eu não o considero um movimento social porque ele se apresenta como um contramovimento e ainda não tem características que o tornem um movimento social. Apesar de ter uma agenda em comum com movimentos masculinistas, que é a destruição das pautas e da visibilidade dos movimentos feministas, ele não está organizado a esse ponto. Os redpill, incels, por exemplo, têm organização, têm ação, enquanto o antifeminismo, no momento, é uma resposta. Ele é embrionário, tem suas figuras centrais, porém não é organizado ao ponto de ser considerado um movimento social. Ele está muito atrelado à ideologia da extrema direita, então ele é uma ramificação dessa extrema direita e vai se manifestar nesse espectro ideológico. É um dos fios condutores.

·        Você comentou sobre ele estar atrelado a essa questão da ideologia, ele é exclusivo da extrema direita? 

Ele é exclusivo de governos autoritários. A historiadora Charu Gupta fala que a primeira experiência de antifeminismo no mundo foi a do nazismo. Esses discursos essencialistas, as ideias do que é uma mulher, do que é um homem e quais as funções sociais que eles vão desempenhar. Então, percebemos que ele está atrelado ao autoritarismo e esse autoritarismo se manifesta na extrema direita.

·        Então, ele surge nesse período marcado por governos autoritários? 

Sim. Na experiência da Alemanha nazista, na experiência do fascismo na Itália. E aí tem algo que é fundamental quando falamos nesse assunto. Eu demorei bastante tempo para chegar até isso porque me perguntava “Como uma mulher tem esse discurso tão atrelado a um pensamento patriarcal?”.

Analisando as deputadas federais de extrema direita, percebi que elas são recompensadas por estarem naquela posição e falarem o que elas falam. Primeiro, porque majoritariamente são mulheres brancas, então há uma questão racial muito forte. Essas mulheres se atrelam a esses discursos porque, de fato, acreditam num discurso homogêneo, de limpeza mesmo. Elas acreditam numa categoria única de ser mulher e sabemos que não existe só um jeito de ser mulher porque há recortes de raça, etnia, de classe social.

O antifeminismo captura questões que são caras ao movimento feminista quando diz que as mulheres são guerreiras, que elas não precisaram do movimento feminista para terem direito ao voto, que não precisam deles para estarem na política institucional. Essa é a maior narrativa delas. E muitas vezes tiramos a agência e a autonomia dessas mulheres por acharmos que elas são cortinas de ferro. Mas elas possuem autonomia e são recompensadas por serem como elas são.

·        Pode comentar mais sobre essa relação entre o discurso antifeminista e o discurso fascista?  

O fascismo, seja ele Itália ou em outro lugar, promoveu a ideia de que as mulheres são desprovidas de racionalidade, são seres apenas emocionais e, portanto, incapazes de liderarem ou planejarem assassinatos em massa, por exemplo. Então, elas precisam ser mantidas nesse lugar de inferioridade porque são incapazes. Trata-se de um discurso essencialista. [Benito] Mussolini, por exemplo, tinha uma frente chamada “Deus, Pátria e Família” formada por mulheres católicas com quem ele negociou o direito ao voto em troca de apoio, contudo ele só as deixava votar com a permissão dos homens. Ou seja, ele entendeu que as mulheres eram importantes para o seu projeto político, mas existia uma hierarquia. Então, o fascismo vai se estabelecendo a partir dessa lógica patriarcal. Por isso é possível, sim, fazer essa associação, e, sobretudo, entendendo que o fascismo foi estruturado a partir das desigualdades e hierarquias sociais de gênero. Por ter se estabelecido assim, as mulheres têm um papel secundário na sociedade

As mulheres só têm visibilidade, como já mencionei, se elas estiverem reproduzindo o discurso patriarcal. O que é contraditório porque elas falam de família, de cuidado, mas elas estão lá no Planalto, na Câmara dos Deputados, 12 horas por dia, e não estão exercendo o cuidado, fugindo do papel destinado pela lógica que elas mesmas acreditam. Por isso que elas também resgatam o discurso de “Vou cuidar da nação”, “Vou cuidar do Brasil”, “Quem ama cuida”, “Eu tenho família, tenho filhos”.

Levam essa questão do cuidado para esse espaço sem realmente estarem preocupadas com ela, como a gente bem sabe.

·        Voltando ao que leva uma mulher a adotar o discurso antifeminista, seria a questão da recompensa?

Também. Mas há o sentimento de amparo que o patriarcado produz. Eu também pesquiso o fenômeno pela chave dos afetos e a nossa sociedade, da maneira como está estruturada, gera medo e insegurança para as mulheres. Seja na rua ou no ambiente de trabalho, existe o medo de sofrer assédio, a questão de decidir sobre o seu próprio corpo, etc. Então, se eu tiver um companheiro homem, um provedor do lar, eu vou me sentir segura. Se eu estou na política institucional, sou antifeminista, mas tenho um companheiro, eu tenho coisas que contribuem para que eu me sinta segura e validada na sociedade.

 

¨      CAROLLINE SARDÁ COMBATE ANTIFEMINISMO E DESINFORMAÇÃO

Ao observar jovens e adolescentes disseminando ideias antifeministas nas redes sociais, a publicitária e criadora de conteúdo digital Carolline Sardá decidiu investigar as fontes por trás desse discurso, que tem ganhado cada vez mais visibilidade na internet.  Desde então, ela se dedica a desmentir argumentos que visam bloquear a equidade de gênero e compartilha histórias e informações sobre o feminismo com o objetivo de fazer frente às desinformações espalhadas sobre o movimento.  Segundo Sardá, o antifeminismo é uma agenda engajada em restaurar padrões pré-estabelecidos do patriarcado e tem construído narrativas de ódio às mulheres e de ataque aos direitos conquistados por elas. Portanto, merece atenção e combate.  Algo que ela pretende fazer, inclusive, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) caso ocupe a cadeira do deputado estadual Marcos José de Abreu, o Marquito (Psol), pré-candidato à prefeitura de Florianópolis, do qual é primeira suplente.  Questionada sobre o tipo de postura que pretende adotar caso assuma, Sardá se propõe a ser uma voz contrária ao antifeminismo e à extrema direita, defendendo uma abordagem mais ativa e crítica em relação às decisões e posicionamentos dos políticos que ocupam aquele espaço. Ao Catarinas, ela afirma que é necessário fazer os fascistas recuarem e voltarem a temer.

<><> Confira a entrevista. 

·        Como você começou a produzir conteúdo voltado a rebater argumentos antifeministas?

Eu comecei a observar meninas no TikTok e no Instagram falando sobre antifeminismo e querendo ensinar outras pessoas sobre o assunto. Então, decidi ir atrás das fontes dessas meninas e foi aí que eu descobri várias antifeministas e passei a consumir o conteúdo dessa bolha para ver o que elas estavam falando sobre o movimento do qual faço parte. Em 2020, com a Covid, o governo Bolsonaro e todos aqueles negacionismos, o feminismo também virou uma pauta muito forte de debate e vários jovens estavam no TikTok falando sobre negacionismo da vacina, feminismo, comunismo, marxismo cultural, doutrinação nas escolas, etc. Nós da militância começamos a observar esse fenômeno e tentar descobrir quais eram as fontes desses jovens para começar a desmenti-las.  Inclusive, há um argumento muito específico envolvendo César Zama, que segundo as antifeministas seria responsável por conceder o direito ao voto às mulheres.  Hoje em dia, elas mesmas não conseguem mais repetir isso de tanto que eu já bati nessa tecla na internet. Por eu ter uma audiência grande, as minhas seguidoras propagam o que eu explico. Então, quando explico “pessoal, o feminismo não é contra a maternidade” e apresento vários projetos de leis de deputadas feministas, essas jovens conseguem desmentir as antifeministas, tornando insustentável o argumento delas. O acesso à informação para desmentir o antifeminismo tem sido essencial para quebrar a narrativa delas. 

·        Como se dá essa propagação de desinformação na internet? 

O que as antifeministas fazem, hoje, na internet é o que Olavo de Carvalho chamava de guerra cultural. Elas estão criando uma guerra de narrativas. Então, além de propagarem muita desinformação online, publicarem vários livros, também estão investindo em cursos, e-books, aulas gratuitas no YouTube, oficinas e congressos de antifeminismo. Isso está crescendo cada vez mais. E em 2020, eu, junto com outras pessoas, comecei a debater com essa galera. Às vezes eu entrava em lives só para conversar com as meninas e perguntar: Por que você virou antifeminista? Você tem 16 anos, como você virou antifeminista? E a resposta geralmente era “Eu estudei sobre feminismo. Eu li todas as autoras”. Mas não era isso. Elas tinham lido o livro “Perversão e Subversão” da Ana Caroline Campagnolo (deputada estadual do PL) que resume tudo que você pode imaginar de absurdo que não existe no movimento feminista. 

Eu vejo as mentiras das antifeministas e levo a informação correta para a internet, pensando principalmente no público jovem, porque além dos debates que eles fazem no TikTok eles também discutem esses temas nas escolas. Então, ou essa galera vai chegar em mim para aprender ou vai chegar em alguma antifeminista. Daí a importância de levar a informação para a internet da maneira mais rápida e didática possível. É nesse caminho que surge a minha pesquisa e a minha divulgação de conteúdo. 

·        No Catarinas, assim como nos espaços feministas, temos uma questão que nos desafia: denunciar o antifeminismo, assim como o fascismo, sem dar palco às pessoas que compartilham desses ideários. Afinal, temos alguns exemplos, em SC mesmo, do quanto antifeministas se utilizaram dessas instâncias para se promoverem. Como fazer isso?

Foi exatamente por conta disso que a Karen nasceu (personagem criada e interpretada por Sardá nas redes sociais). Antes eu fazia reacts de vídeos de antifeministas e percebi que isso poderia estar apresentando essas pessoas para quem nem as conhecia. Então, conclui que não precisava combater a pessoa, mas o argumento, a narrativa, a desinformação. Ao invés de eu reagir a um vídeo específico, eu coloco uma peruca loira e escrevo um roteiro para desmentir os argumentos antifeministas. Os conteúdos de humor funcionam muito bem para contestar esse tipo de conteúdo. Me inspiro muito na Mari Kruger e na Lara Santana que fazem personagens baseados nesses arquétipos de homem tóxico e mulher negacionista.  Não faço mais react diretamente dos conteúdos delas. Não tenho nada contra quem faz. Só acho que hoje em dia, principalmente em ano de eleição, as pessoas estão esperando por isso. É uma estratégia fazer conteúdo chocante e que deixe as pessoas indignadas para que quem fez esse conteúdo consiga se eleger nas municipais deste ano. A Karen está sendo a minha ferramenta para desmentir as antifeministas sem dar visibilidade para elas. 

·        Qual a relação entre antifeminismo e fascismo? 

Essa visão de que as mulheres deveriam ficar em casa, cuidando dos filhos e gerando a prole já era uma visão da Alemanha nazista. Sob (Benito) Mussolini, na Itália fascista, também era propagado o formato da família tradicional, a hegemonia, a supremacia (masculina). O antifeminismo diz, claramente, que as evoluções que nós temos na legislação, no progressismo, são uma degradação moral, termo que era utilizado por Joseph Goebbels na propaganda nazista na Alemanha. Nós vemos antifeministas falando coisas que se assemelham perfeitamente ao fascismo, dando check na definição de fascismo. Elas são completamente anticomunistas, ultraconservadoras e tradicionalistas.  Elas têm um pensamento muito semelhante ao modelo de mulher da Alemanha nazista, que pode ser traduzido como “cozinhar, lavar e cuidar”. O modelo da mulher nazista é exatamente o modelo que as antifeministas querem. A mulher dona de casa, que não está no ambiente público, apenas no ambiente privado, que cuide dos filhos e que apenas gere. Cuide do marido, não seja ambiciosa, nem subversiva. 

Aqui no Brasil, na ditadura de 1964, nós recém tínhamos conquistado o direito ao voto em 1932. A luta pela redemocratização e todos os direitos das mulheres caíram por terra com o início da ditadura.As mulheres não podiam sequer se juntar para fazer reuniões, convenções, coletivos, porque existia novamente um novo modelo de mulher: submissa e da família tradicional. Podemos observar isso onde o fascismo cresce. Com a ascensão do bolsonarismo, por exemplo, vimos a ascensão do antifeminismo. Os pensamentos fascistas de Bolsonaro se entrelaçam perfeitamente com os pensamentos conservadores e misóginos das antifeministas que criam, de certa maneira, um ódio às mulheres subversivas, às mulheres que não querem seguir a norma padrão. E o fascismo tem essa característica de dominação do corpo da mulher. 

Quem em sã consciência faria uma CPI em cima de uma criança de 11 anos que sofreu uma violência? Apenas uma pessoa fascista. Por que essa mulher faria isso? Porque ela tem um modelo de vida, um modelo de família, no qual uma criança ter o direito de abortar é degradação da sociedade. O Estado tem que estar em cima dessa menina. O Estado tem que manipular o útero dessa menina. Entende? Para ela, essa menina faz parte do Estado, ela é uma incubadora do Estado. Quer pensamento mais fascista do que esse? Sabendo que na Alemanha nazista mulheres eram utilizadas para gerar mais e mais crianças. É um pensamento muito fascista. Não tem outra palavra. 

·        Você é a primeira suplente do deputado estadual Marcos José de Abreu, o Marquito (Psol), que é pré-candidato à prefeitura de Florianópolis. Portanto, você assume a cadeira na Assembleia Legislativa do Estado (Alesc) quando a campanha começar. Como será sua estratégia de enfrentamento ao fascismo e ao antifeminismo? Você vai assumir frontalmente o lugar de antagonista?

Sim, eu tenho muito interesse em assumir sendo essa pessoa bem posicionada em relação ao antifeminismo e à extrema direita em Santa Catarina. Tenho planos, inclusive, de conscientização sobre o feminismo, palestras, políticas públicas que envolvem o ensino sobre a história da mulher e direitos femininos no estado, porque há muitos casos de feminicídio, violência doméstica, abuso sexual e impunidade de agressores.  Se eu estivesse dentro da Alesc, eu seria a antagonista do antifeminismo e da extrema direita, principalmente do fascismo.

Um dos meus pilares durante a campanha, um dos lemas que eu tinha, é que não temos que ter medo do fascismo. Temos que fazer os fascistas voltarem a ter medo. Precisamos ser mais combatentes, menos submissos dentro da Alesc, principalmente quando eles têm posicionamentos extremistas no plenário, posicionamentos violentos em relação a minorias (maiorias minorizadas) e, às vezes, não tem ninguém ali para realmente bater de frente com essas pessoas.

Assumindo o meu mandato, eu seria essa pessoa posicionada, questionadora, provavelmente muito subversiva. Nós temos militantes de esquerda dentro da Alesc, mas sinto que ainda falta uma certa subversão às instituições. Ainda existe um pensamento muito pacífico em relação aos extremistas que estão lá dentro e que se sentem no poder, livres para falar as coisas mais absurdas.  É o caso da CPI do aborto que hoje é uma arma das antifeministas, mas nós não vimos o que se resolveu disso. Nós vimos a Ana Campagnolo vir na internet dizer que existia uma máfia abortista em Santa Catarina. Provas ela não trouxe. Relatórios ela não trouxe. E ninguém cobrou isso. Onde estão as pessoas posicionadas dentro da Alesc questionando sobre as conclusões da tal CPI do aborto que fez com que essa deputada fosse reeleita com recorde de votos? É isso que falta dentro da Alesc: gente questionadora, subversiva. Gente que olha as instituições e questiona. Vejo que as pessoas ali dentro simplesmente aceitam, estão submissas às instituições.

De que maneira as instituições podem contribuir para barrar ações antifeministas no parlamento e também em outros espaços institucionais, como o Congresso Antifeminista realizado na Alesc? 

No ano passado já tinha acontecido algo parecido no 8 de março.  Vejo que as instituições poderiam se antecipar, já sabendo que, no dia 8 de março, uma antifeminista ocupará a Alesc, deveriam promover uma ocupação feminista na Assembleia. Convocar coletivos feministas para participar. Ter Maria da Penha e Joanna Maranhão falando sobre as leis que levam seus nomes, por exemplo. Se espera muito que as antifeministas tomem uma atitude para que a gente tome uma atitude depois. Pode ter certeza de que ano que vem, no 8 de março, terá um segundo congresso antifeminista no auditório Antonieta de Barros, pois elas fazem questão de colocar nesse auditório para bater de frente com as feministas.

Então, o que a Alesc está fazendo para que em 2025 isso não aconteça? Já está montando uma estrutura para levar feministas para lá? Quando levamos coletivos feministas para dentro da casa do povo, também levamos políticas públicas, pois são essas mulheres que estão atuando na base, no front, e entendem o que precisa ser feito pelas catarinenses vítimas de violência de gênero, por exemplo.  Se eu assumisse enquanto deputada, eu levaria coletivos, movimentos, para a Assembleia e o que saísse desses encontros, de manifestos construídos coletivamente, seria transformado em políticas públicas. Até costumamos falar que o debate vem pingando de cima para baixo. Não é um diálogo feito da base para cima. Vem de quem acha que entende do assunto e não de quem realmente está na ponta. Durante a minha campanha eleitoral eu falei que uma das minhas metas era levar para dentro da Alesc o poder popular. Enquanto isso, as instituições não chamam a gente. Não nos dão espaço. Não convidam as feministas para ocupar a casa do povo. Santa Catarina está deixando lacunas para o antifeminismo crescer e não podemos deixar isso acontecer. Temos que ocupar todas as lacunas. Onde o antifeminismo está, o feminismo também tem que estar. 

E quais são os argumentos do discurso antifeminista? 

Eu tenho uma lista aqui. Vou citar alguns: O feminismo quer destruir a família; o feminismo é contra a dona de casa; o feminismo nunca conquistou nenhum direito para as mulheres; você não é uma verdadeira feminista se você não segue exatamente o que as teóricas escrevem em seus livros, principalmente teóricas dos anos 1950, 1960 e 1970, europeias e norte-americanas. Além disso, dizem que as feministas querem a superioridade da família; não existe feminista cristã; mulheres negras não podem ser feministas; os casos de violência doméstica são falsos; as feministas lutam por direitos iguais, mas não por deveres iguais, entre outros. 

Também existem alguns tópicos específicos relacionados ao direito ao voto. Por exemplo, “Getúlio Vargas concedeu direito ao voto de presente para as mulheres. Ele nunca conheceu as sufragistas”, mesmo tendo foto de Getúlio com as sufragistas. “Não existiram sufragistas negras”, mesmo Almerinda Farias Gama tendo sido uma das mais importantes do sufrágio no Brasil.  Além do tópico sobre a descriminalização do aborto, algo que o Catarinas sabe muito bem por conta, também, do que aconteceu na CPI do aborto. Elas acreditam que aborto não é uma questão de saúde pública, que as feministas são contra as pessoas terem filhos. Elas também são contra os tipos já legalizados de aborto e elas têm projetos dentro do Congresso Federal que tem o objetivo de revogar os direitos já conquistados em relação ao procedimento. Também acreditam que a educação sexual é o que sexualiza crianças e estimula a sexualidade das pessoas. 

·        Algo relacionado ao debate de gênero, à pauta trans, também aparece nesses supostos argumentos? 

Sim. Elas têm uma teoria que, ironicamente, se alinha muito com o que as feministas radicais, as TERF (abreviação para feminista radical trans-excludente), acreditam. Para elas, as pessoas trans são cavaleiras do patriarcado porque elas criariam estereótipos de gênero e performariam a feminilidade e a masculinidade que deveria ser do sexo feminino e sexo masculino, falando aqui do jeito que elas colocam.  Então, as antifeministas alegam que Judith Butler quer a subversão das identidades, ou seja, quer abolir a essência de homens e mulheres e que isso vai afetar as crianças e que isso é perigoso. Elas acreditam que isso vai ser uma mudança primeiro nas escolas, na linguagem, no esporte, nas prisões, por exemplo. É nesse tipo de pensamento que políticos como Nikolas Ferreira e outros tantos no Congresso Federal se baseiam porque eles leem a Campagnolo, eles consomem esse conteúdo. 

·        O que leva uma mulher a adotar esse tipo de discurso?

Vou citar o livro Amar para Sobreviver (Dee L. R. Graham) porque realmente acho que é uma síndrome de Estocolmo social uma mulher ser antifeminista. É quase se aliar com o seu abusador para não ser abusado. É estar do lado de quem bate para não apanhar. Essas mulheres acham que sendo ultraconservadoras vão ter espaço nas zonas de poder, nos espaços em que geralmente somos violentadas. Elas acham que, por serem antifeministas, os homens não vão machucá-las. Algumas defendem que não existe violência doméstica porque realmente acham que se elas falarem que a violência doméstica não existe elas não vão sofrer violência dos homens.  Mas elas também têm suas diferenças de perfis. Por exemplo, as que estão na política adotam esse discurso pela manutenção do poder. Elas não querem que o feminismo cresça, porque não querem que mais mulheres ocupem os espaços que elas ocupam. Existem as religiosas fundamentalistas que acreditam fielmente que o feminismo é o mal do século. É algo que vai destruir a família tradicional, a feminilidade, que é contra Deus. Para elas o feminismo é a personificação do diabo. Para elas não tem como existir feminista cristã. 

Tem também a empresária neoliberal. São antifeministas por conta do capital. Para elas, o feminismo vai afetar o acúmulo de capital que elas têm em razão dos direitos trabalhistas, licença maternidade, auxílio creche e vários outros direitos que são reivindicados por feministas.  Além de tudo isso, existe muita campanha antifeminista desde a época do sufragismo. As mulheres eram tratadas como se fossem bebês chorões por lutarem pelo direito ao voto. Eram vistas como fracassadas, frustradas, revoltadas, que não teriam marido e muitas mulheres não querem ser isso. Muitas têm medo de serem vistas assim. Não gostam de ser chamadas de feministas porque o termo, para muitas pessoas, é pejorativo. 

Esses tempos eu recebi uma mensagem de uma menina de 13 anos me dizendo que ela foi xingada na escola de feminista porque ajudou uma colega que estava sendo assediada. Eu falei “ser chamada de feminista não é xingamento”. E ela me respondeu que na escola dela é. São meninas de 12, 13 anos que escutam que ser feminista é algo ruim. É uma imagem que se cria em cima desse estereótipo pejorativo da feminista.

 

Fonte: Por Camila Galetti em entrevista Kelly Ribeiro, no Portal Catarinas

 

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