sexta-feira, 28 de junho de 2024

Da irmã de Nunes ao prefeito de Embu-Guaçu: “Cobra a gente mata. Aguarde meu irmão”

— Ladrão, cobra falsa, canalha, seu puto, prefeitinho do caralho. Cobra a gente mata para não picar a gente. Aguarde meu irmão.

Quem fala é a advogada Janaína Reis Miron, nascida Janaína Reis Costa Barboza, conforme denúncia feita em 2022 pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). O irmão dela é o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. A mãe deles sempre pertenceu ao mesmo partido do filho, o MDB. Por ele foi vereadora e, segundo a filha, é pré-candidata à prefeitura de Embu-Guaçu, onde presidiu a Câmara.

Não é o único registro de ameaça — ou de suposta ameaça — feita por Janaína. Nesse caso, ela teria ficado indignada com a disposição do prefeito José Antônio Pereira de deixar o partido. Além de demonstrar profunda insatisfação com sua gestão. De Olho nos Ruralistas teve acesso a diversos processos na Justiça contra ela. E a um boletim de ocorrência onde ela é acusada de dizer estar disposta a “acabar com a vítima”.

A irmã de Ricardo Nunes é um dos personagens principais do terceiro episódio da série Endereços, sobre o poder em São Paulo. De Olho nos Ruralistas postou nesta quarta-feira (26) o vídeo em seu canal no YouTube, sobre as conexões políticas do prefeito com o município de Embu-Guaçu, na região metropolitana.

Confira:

Dois dias antes, na segunda-feira, a reportagem enviou as perguntas relativas ao episódio à Secretaria Especial de Comunicação da prefeitura paulistana. A resposta chegou na tarde de ontem. Segundo sua assessoria de imprensa, Ricardo Nunes disse que “a postura do veículo De Olho nos Ruralistas tem se assemelhado a perseguição, um crime previsto na Lei Federal 14.132, de 31 de março de 2021”.

Este observatório enviou também perguntas para Janaína, mas ainda não obteve respostas. Caso ela se pronuncie, o espaço está garantido para que ela divulgue suas versões em relação aos casos mencionados.

AMEAÇAS CONTRA PREFEITO COMEÇARAM NO WHATSAPP E MIGRARAM PARA FACEBOOK

O episódio envolvendo o prefeito Zé Antônio (União Brasil) ocorreu em dois momentos. Ele registrou um primeiro boletim de ocorrência na polícia no dia 19 de janeiro de 2022. Ele apresentou uma conversa no Whatsapp onde ela diz que ele não terá mais legenda, o MDB, porque “é cobra”. E cobra “a gente mata para não picar a gente”. Após algumas referências imprecisas a um montante de R$ 1,5 milhão, Janaína diz — segundo o B.O. — que ele não vale nada. “Aguarde meu irmão.”

Janaína foi intimada por policiais, mas se recusou a assinar a intimação. Foi quando ela passou a usar o Facebook para fazer novas ameaças ao prefeito, conforme a denúncia feita pelo Ministério Público: “Indo para o DEM? Infidelidade partidária, safado. Vou te detonar a cada dia mais. Você tem saco roxo, seu pilantra? Mexeu com a pessoa errada. Pois se você tem saco roxo, seu veado (…), manda polícia na minha casa, seu veado enrustido. Me processa, seu vagabundo do caralho”.

Zé Antônio administra um município de 70 mil habitantes, com dois núcleos urbanos principais: Embu-Guaçu e o distrito de Cipó-Guaçu, mais ao sul, onde moram Maria do Céu Reis, mãe de Ricardo Nunes, e Janaína. O prefeito tem casa no condomínio Fazenda da Ilha, ao leste do centro, em nome da mulher, Regina Carnovale Nunes. O distrito de Cipó-Guaçu fica numa latitude próxima à do Sítio Vista Verde, propriedade do prefeito em Marsilac, extremo sul de São Paulo. A família tem cavalos nos dois municípios, não declarados à Justiça Eleitoral.

Embu-Guaçu tem 100% de seu território em área de mananciais e integra a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, criada em 1991 pela Unesco. O município é responsável por 30% da capacidade da represa de Guarapiranga, que abastece 4 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo. Em períodos de estiagem, o reservatório da zona sul chega a ultrapassar o Sistema Cantareira em distribuição, cumprindo um papel fundamental na segurança hídrica da capital.

Janaína foi denunciada pelo Ministério Público pelas duas ameaças direcionadas ao prefeito. Mas nunca se manifestou nos autos: a Justiça não conseguiu localizá-la em nenhum dos endereços em Embu-Guaçu e São Paulo. Um deles, o da antiga sede da Nikkey em Cipó-Guaçu, mesmo endereço informado pela mãe em declarações à Justiça Eleitoral.

·        FEIRANTE DE EMBU DAS ARTES ACUSOU ADVOGADA DE EXTORSÃO

Janaína Reis também foi alvo de acusação em Embu das Artes, outro município na região metropolitana de São Paulo que compõe a Bacia do Guarapiranga.

Em dezembro de 2018, o feirante Jessé Ferreira da Silva afirmou ter recebido uma ligação da advogada; ela oferecia seus serviços para facilitar a emissão de licenças de operação junto à prefeitura. Ele decidiu contratar os serviços de Janaína. O relato de Jessé consta do processo que tramita no Juizado Especial Cível, em Sorocaba. Logo após o acordo verbal, a irmã de Ricardo Nunes afirmou ter sido roubada e passar por dificuldades financeiras. E solicitou que fossem adiantados R$ 3 mil dos R$ 5 mil estabelecidos como honorários.

Os serviços não foram prestados. Nas trocas de mensagens anexadas ao processo, Janaína negocia a devolução do valor, afirmando que pediria o dinheiro emprestado ao irmão. Logo depois, ela afirma que não conseguiu contato com Ricardo Nunes, na época em seu segundo mandato como vereador em São Paulo, pois ele estava em Dubai.

Enquanto alegava dificuldades para devolver o dinheiro, Janaina fazia promessas. Em uma das mensagens, ela afirmava possuir influência em prefeituras como São Lourenço da Serra e Itanhaém, e que faria de Jessé “um homem muito rico”. Diante das cobranças, sempre segundo o feirante, a irmã de Nunes se irritou e o ameaçou, afirmando ser “mulher de bandido”.

Foi nesse momento que Jessé acionou a advogada judicialmente, requerendo a devolução da quantia e indenização por danos morais. Janaína foi condenada na esfera cível, mas o processo acabou sendo arquivado posteriormente por falta de manifestação do autor quanto à execução. O pedido de danos morais foi negado.

Janaína Reis Miron chegou a ser presa em duas circunstâncias. Em outubro de 2022, na Rodovia SP-209, altura de Botucatu (SP), dois policiais militares pararam uma caminhonete que andava em “zigue-zague”, quase colidindo com outros veículos. A advogada, que estava na direção, se negou a fornecer seus documentos.

Segundo o boletim de ocorrência, ela apresentava “situação de embriaguez flagrancial”. Ao receber voz de prisão, Janaína gritou com os agentes, definindo-os como “um bando de vagabundos, inferiores ao seu marido, capitão da Polícia Militar”. Ela ainda insinuou, de acordo com a polícia, que estava sendo conduzida à delegacia somente porque os policiais “queriam dinheiro”.

Após a detenção, durante a audiência de custódia, a irmã de Nunes foi solta para responder em liberdade. O processo está em curso. Em sua defesa, Janaína afirma que estava sob efeito de remédios prescritos para tratamento de saúde mental, e que não havia consumido álcool na ocasião. O capitão da PM citado por Janaína era seu ex-marido Claudecir Messias Miron. Segundo o processo, a advogada havia sido presa por furto em 1999; foi liberada após passar a noite na delegacia. O documento cita ainda antecedentes por maus tratos, lesão corporal e embriaguez ao volante. Não houve condenação em nenhum dos casos.

 

¨      Empresa de Ricardo Nunes venceu licitação do Metrô sob protesto de concorrentes

Principal empresa da família de Ricardo Nunes, a Nikkey Controle de Pragas foi contratada pela Companhia do Metropolitano de São Paulo (CMSP) para dedetizar as estações de metrô da capital paulista. O valor? R$ 4,15 milhões. A licitação foi finalizada em dezembro de 2021, durante a gestão do tucano João Dória. Nunes já era prefeito e ainda era sócio da Nikkey — ele deixou a empresa em janeiro do ano seguinte.

A situação foi percebida pelas concorrentes, que pediram o impedimento da Nikkey. A resposta do pregoeiro foi categórica: “A empresa vencedora da licitação, bem como seus sócios não encontram-se listados no item 2 (Da Participação) do edital, de tal sorte que inexiste impedimento da participação e consequente contratação”.

item mencionado na justificativa se refere às condições para o impedimento de participação na licitação, estabelecendo como inaptas as empresas cujo administrador ou sócio detentor de mais de 5% do capital social seja diretor ou empregado da CMSP. “Foi verificado que o prefeito não tem vinculação com a Cia do Metrô, pois não é Diretor e nem faz parte do Conselho de Administração”, afirmou o pregoeiro. “Nesse cenário, não há impedimento”.

Em 2022, a Nikkey passou para o nome de Ricardo Nunes Filho, primogênito do prefeito, e de sua esposa Amanda Zillig. Ricardo Nunes criou a empresa em 1997. Ela é tema do segundo episódio da série Endereços, em nosso canal no YouTube, sobre o poder em São Paulo.

Em resposta à reportagem, a assessoria de imprensa da CMSP informou não enxergar conflito de interesses. “A empresa vencedora do certame cumpriu os requisitos técnicos e de habilitação exigidos no edital, atendendo também ao regulamento interno do Metrô, que zela pela conformidade e integridade em seus contratos”, diz a nota.

Essa não foi a única situação envolvendo contratações públicas da Nikkey. O vídeo e as reportagens de apoio trazem mais informações sobre a empresa e sua história, desde sua origem humilde como uma dedetizadora na zona sul até os contratos com gigantes do agronegócio no Porto de Santos. Em destaque, a participação em licitações com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) e com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

O primeiro vídeo da série que inaugura a cobertura eleitoral do De Olho nos Ruralistas pode ser conferido aqui: “O Sítio de Nunes em Área de Nascente“.

PREFEITURA DE SÃO PAULO POSSUI PARTICIPAÇÃO NO METRÔ

A licitação do Metrô vencida pela Nikkey envolve o fornecimento e aplicação de produtos desinfestantes nas estações e dependências da companhia para controle integrado de pragas urbanas, com ênfase em ratos, cupins e insetos vetores da dengue, zikavirus, chikungunya e febre amarela. O edital inclui as linhas Azul, Verde, Vermelha e Prata, sob administração direta da Companhia do Metropolitano. O período do contrato é de 24 meses.

A proposta inicial da empresa de Ricardo Nunes para a licitação era de R$ 30 milhões. Diante de um pedido de reavaliação feita pelo Metrô aos participantes, a Nikkey chegou ao menor preço, de R$ 4.149.999,00 — superando em R$ 282 mil reais a segunda proposta mais baixa.

Apesar de ter como acionista controlador o governo do estado, o Metrô possui uma pequena participação da prefeitura de São Paulo. Segundo o relatório integrado de 2023, o poder municipal detém 2,22% das ações da companhia. Em sua origem, em 1968, a prefeitura era a controladora da operação, com 76,94% da composição acionária, tendo sua participação reduzida gradualmente nas décadas seguintes.

São várias as parcerias firmadas entre a CMSP e a prefeitura. De ações para o público idoso à obras de mobilidade na zona sul. A participação de Ricardo Nunes em inaugurações do Metrô é constante. Com o ex-governador João Dória (PSDB), ele prestigiou o início das operações da estação Vila Sônia, da linha 4 – Amarela, operada pelo consórcio ViaQuatro, da CCR. Foi durante a gestão do tucano que a Nikkey firmou o contrato de controle de pragas com o Metrô.

Nos últimos dois anos, durante o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), a colaboração entre os poderes aumentou. Cabo eleitoral da reeleição de Nunes, o ex-ministro de Bolsonaro não poupa elogios ao colega. “Uma pessoa que está sempre animada, uma pessoa que não se abate nunca, uma pessoa que está sempre com um sorriso no rosto, que está sempre ajudando a gente”, afirmou, durante o anúncio da construção de uma nova estação da CPTM.

Na sexta-feira (21), os dois assinaram um contrato de parceria com o consórcio ViaMobilidade, também da CCR, para a expansão da Linha 5 – Lilás até a região do Jardim Ângela, na zona sul da capital.

NIKKEY DIZ QUE CONTRATOS FORAM LEGAIS E REALIZADOS COM TRANSPARÊNCIA

Procurada pela reportagem, a Nikkey Controle de Pragas e Serviços Técnicos emitiu uma nota assinalando ser uma empresa “legalmente constituída, com mais de 25 anos de história e trajetória reconhecida pela seriedade no seu ramo de atuação”. “A Nikkey tem orgulho do que construiu e reitera que estará sempre vigilante”, diz o comunicado. “Diante de reportagens descontextualizadas e com objetivos eleitoreiros e escusos, a empresa irá recorrer ao Judiciário para defender a sua honra e legado diante de qualquer ameaça ou deturpação de sua história”.

A empresa informa que foi aberta em 1997 com capital social de R$ 20 mil. Os dados batem com os da Junta Comercial do Estado de São Paulo. Com “capital próprio de seus sócios”— Ricardo Nunes e José Sergio Silvestre — e valor “atualizado ao longo dos anos”, conforme o desenvolvimento da empresa. O nome Nikkey foi escolhido por significar perseverança, longevidade e prosperidade.

“Os contratos mencionados foram resultados de processo licitatório na modalidade pregão eletrônico e menor preço realizado dentro da legalidade, com toda a transparência devida e participação de diversas empresas”, responde a Nikkey. “Importante reiterar que nunca, em sua história, a Nikkey teve contratos com a Prefeitura de São Paulo”.

De Olho nos Ruralistas constatou que a empresa fez, em julho de 2020, uma ação de desinfecção e higienização “sem custos” da subprefeitura da Capela do Socorro, região onde fica a sede da empresa. A alguns meses da eleição, com divulgação da própria subprefeitura. O vídeo do observatório fala dos contratos da empresa com creches conveniadas da prefeitura, por meio da Associação da Criança e do Adolescente (Acria), conforme noticiado por Folha e Estadão.

Esses contratos foram assinados pela Nikkey Serviços, um desdobramento da empresa principal. Baixada em 2021, ela teve como sócias Mayara Nunes e Regina Carnovale, respectivamente filha e esposa do prefeito de São Paulo. Ao contrário do mencionado em nosso vídeo, Regina não foi sócia da Nikkey Controle de Pragas, apenas da unidade de serviços.

A empresa tem contratos com prefeituras pelo país, como a de Alfenas (MG). Com o governo federal, os principais contratos são com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e com o Ministério de Minas e Energia, em especial com a Petrobras.

 

Fonte: De Olho nos Ruralistas

 

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