Indígenas
do Peru e do Brasil se unem para proteger povos isolados para além das
fronteiras
Organizações
indígenas do Peru e do Brasil estão unindo forças para pressionar os
respectivos governos para salvaguardar um corredor territorial de 16 milhões de
hectares na Amazônia, que se estende desde o Rio Tapiche, no Peru, até o Rio
Javari, no Brasil.
As
15 organizações indígenas, que incluem a Organização Regional dos Povos
Indígenas da Amazônia Oriental (Orpio) a União dos Povos Indígenas do Vale do
Javari (Univaja), planejam criar uma comissão binacional para definir políticas
transfronteiriças destinadas à proteção dos povos indígenas em isolamento e
contato inicial que vivem dentro do Corredor Territorial Javari-Tapiche e
transitam livremente entre os dois países. O corredor se espalha pelos
departamentos de Loreto e Ucayali no Peru, e Amazonas e Acre no Brasil. Abriga
também a maior diversidade de primatas no mundo, incluindo macacos-aranha (Ateles
belzebuth) e saguis-pigmeus (Callithrix pygmaea).
“Propusemos
a criação de uma comissão binacional formada por organizações indígenas para
fortalecer as estratégias de proteção dos povos isolados, bem como para
convocar e exigir ações urgentes dos países para deter as invasões
territoriais”, disse Apu Miguel Manihuari Tamani, líder indígena que faz parte
do conselho de administração da Orpio. “[Há] necessidade de articular esforços
para o monitoramento, gestão e vigilância do território entre organizações
indígenas, tanto em nível nacional quanto transfronteiriço”.
Esse
esforço enfrenta desafios de políticos de ambos os países que favorecem um
modelo de agronegócio e desenvolvimento que eliminaria e restringiria o
reconhecimento dos territórios indígenas para lavouras ou indústrias.
A
ideia de instalar um corredor neste local não é recente. Desde 2011, as
organizações têm pressionado pela proteção deste corredor territorial e de
outros. Entre 2016 e 2021, a Orpio liderou estudos para comprovar a existência
do Corredor Territorial Javari-Tapiche no lado peruano da fronteira,
apresentados ao Ministério da Cultura do Peru em 9 de dezembro de 2021.
Devido
ao progresso lento por parte do Estado e ao aumento das ameaças a esses
territórios, a Orpio elaborou um novo projeto de lei para pressionar o governo
peruano a reconhecer formalmente o Corredor Territorial Javari-Tapiche e vários
outros, como o Yasuní-Napo-Tigre e o Putumayo-Amazonas, além de conceder aos
povos isolados as proteções de que precisam. Ainda em fase inicial, o projeto
está sendo compartilhado com outras organizações da região, com o objetivo de
apresentar uma proposta conjunta ao Congresso peruano e aos demais setores do
Estado responsáveis pela proteção desses povos nos próximos meses.
A
antrópologa Beatriz Huertas disse à Mongabay que, possivelmente, os corredores
abrigam a maior concentração de povos indígenas isolados do mundo. Mas as
atividades ilícitas em ambos os lados da fronteira Brasil-Peru, incluindo a
rápida expansão das culturas de folhas de coca, mineração ilegal, desmatamento
e tráfico de drogas, representam um risco para as pessoas isoladas e em contato
inicial.
“Eles
não são como nós, que temos nossa comunidade, que temos nossa casinha; eles são
nômades, assim como nós ou nossos ancestrais já foram um dia”, disse Apu
Roberto Tafur Shupingahua, coordenador da Plataforma de Organizações Indígenas
para Proteção do Corredor Territorial Javari-Tapiche da Orpio. “O problema é
que o Estado [peruano] abandonou as comunidades durante muitos anos e, se não
fosse pelas nossas organizações, nada chegaria a essas comunidades.”
A
Ministra da Cultura do Peru, Leslie Urteaga, disse à Mongabay que se reuniu com
as organizações indígenas em 22 de março para discutir as propostas.
Questionada sobre quais ações tomou para lidar com as ameaças aos povos
isolados, informou que o ministério organizou 757 patrulhas em 2023 para
detectar ameaças ligadas a possíveis atividades ilícitas e, este ano, realizou
mais de 200, além de nove operações de monitoramento.
·
Atuação além das fronteiras criadas
A
natureza transfronteiriça desse esforço é rara, comentou Hilton da Silva
Nascimento, do Centro de Trabalho Indígena (CTI) brasileiro. “Tudo é novo e
precisamos lembrar que isso envolve dois países diferentes, duas histórias
diferentes, duas formas diferentes de fazer política, alianças com o Congresso
e as forças de poder de ambos os países.”
O
objetivo é simplesmente defender “nossos irmãos Piaci [acrônimo usado para
definir povos isolados e em contato inicial]” onde quer que estejam, explicou
Tamani. “Eles não conhecem fronteiras; vão do Peru ao Brasil e não conhecem
esses limites.”
Nascimento
explica que, ao criar políticas indígenas transfronteiriças, as organizações
indígenas poderão formar uma rede mais formal para troca de informações e
experiências entre si, como conhecimentos sobre proteção e gestão territorial.
Outro objetivo é promover a coordenação entre ambos os Estados em questões de
saúde, como alcançar um modelo de saúde intercultural com uma abordagem
transfronteiriça.
Um
desafio enfrentado pelas organizações indígenas é que os congressos do Brasil e
do Peru são em grande parte compostos por membros a favor do agronegócio. Nos
últimos anos, eles têm promovido vários projetos de lei contrários aos povos
indígenas e ao meio ambiente, como a polêmica tese do marco temporal do Brasil
para Terras Indígenas, que pode ter reduzido novas demarcações, encolhido
territórios aprovados e aberto áreas indígenas para projetos de mineração e
infraestrutura.
No
ano passado, o Congresso do Peru debateu um projeto de lei polêmico que buscava
alterar as leis de proteção aos povos isolados do país e reavaliar a existência
de todas as reservas indígenas que continham essas populações. O projeto de
lei, que, segundo especialistas em direitos humanos e ambientais, é legalmente
falho e uma violação dos direitos humanos, foi oficialmente descartado em
junho, em parte devido aos esforços das organizações indígenas que fizeram
lobby para detê-lo. No entanto, outros projetos de lei semelhantes estão a
caminho. Em 10 de janeiro, o Congresso conseguiu aprovar uma emenda à lei
florestal e da vida selvagem do país, que José Francisco Calí Tzay, relator
especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, argumentou que poderia
“legalizar e encorajar a expropriação dos povos indígenas de suas terras”.
“Os
congressos do Peru e do Brasil têm promovido projetos de lei que são tão
prejudiciais aos povos indígenas em geral, e aos povos isolados em particular,
que constituem graves ataques à vida e à continuidade desses povos”, expressou
Huertas. “São projetos de lei que visam despojar os Piaci de seus territórios
para disponibilizá-los para fins econômicos, independentemente de este caminho
ameaçar a própria existência desses povos.”
Fonte:
Mongabay
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