sexta-feira, 28 de junho de 2024

Sementes da desestruturação estatal no Líbano foram plantadas pela França, dizem analistas

Um Estado completamente desestruturado, ao ponto de poder ser chamado de "não-Estado", o Líbano hoje vive um dos seus momentos mais difíceis ao somar uma grave crise econômica e política com tensões crescentes com Israel.

No episódio desta terça-feira (26) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, as origens da crise do Líbano foram investigadas por especialistas em Oriente Médio, desde a sua saída das mãos do Império Otomano, seu tempo enquanto colônia francesa à ressurgência do conflito com Israel no final de 2023.

·        Como está o Líbano?

Envolto há décadas em problemas políticos e econômicos, como o assassinato do primeiro-ministro Rafik Hariri em 2005, o Líbano pode ser considerado hoje um "não-Estado", segundo o pensamento de intelectuais libaneses atuais, como Amal Saad-Ghorayeb, diz à Sputnik Brasil a pesquisadora de Oriente Médio, doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e membro do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais Karime Cheaito.

Segundo Cheaito, é possível traçar um vínculo desde o Império Otomano até o momento atual, de modo a explicar "de onde chegamos e porque chegamos onde chegamos". No entanto, além de analisar essas questões estruturais, vale a pena também analisar o cenário conjuntural.

"Desde os anos 2000, o Líbano estava vivendo sucessivas crises políticas e econômicas que vão desembocar com o seu auge em 2019."

Nesse ponto, a pesquisadora destaca alguns fenômenos recentes: a inadimplência do setor público e o crescimento da dívida; o problema de liquidez do setor bancário e o consequente bloqueio de saques; a estagnação econômica do país; e a crise política gerada pela falta de um presidente — eleito pelo Parlamento — que atingiu o país entre 2014 e 2016 e depois de 2022 até os dias de hoje.

Além disso, aponta Cheaito, o país passou por momentos críticos no passado recente, como a Revolução dos Cedros em 2005, ocorrida por conta do assassinado de Hariri e que viu a saída da ocupação síria do país; a crise do lixo de 2015, que aconteceu pelo fracasso do governo em endereçar o fechamento do aterro de Beirute; as manifestações tardias da Primavera Árabe, que ocorreram em 2019 e, por fim, a explosão do porto em 2020.

O Líbano, esclarece Najad Khouri, economista, MBA em relações internacionais e pesquisador sênior do Grupo de Estudos de Pesquisas do Oriente Médio (GEPOM), é um país com pequena extensão territorial, cerca de 220 km de comprimento. "Em termos de área geográfica, tem 10 mil km²", ou seja, uma área menor que o estado do Rio de Janeiro.

De acordo com Khouri, por sua baixa extensão, o país sempre foi muito dependente de seus vizinhos para obter produtos essenciais. "É um país sem recursos, cuja população tem uma tendência a sair para o exterior [...]. Os recursos próprios libaneses são os próprios libaneses."

A frase do pesquisador tem dois sentidos. O primeiro é que como "o Líbano não tem indústria pesada, não tem indústria leve e importa tudo praticamente", muitas das divisas do país são oriundas de emigrantes libaneses.

Já o segundo aponta para a vocação de serviços do país, que, com pouco território, possui uma riqueza muito grande na área de serviços, com hospitais e universidades de referência no mundo árabe, além de um enorme potencial de turismo e um setor bancário que, até certo ponto, foi um paraíso fiscal muito forte.

"O Líbano tem um segredo bancário, pode entrar qualquer dinheiro do mundo inteiro e ninguém pergunta de onde vem esse dinheiro."

·        A ingerência francesa

Muitos desses problemas do Líbano podem ser traçados para uma causa: o sistema de governo sectário, alertam ambos os analistas.

Atualmente, o governo do Líbano é organizado de uma forma a dividir o poder entre as grandes correntes religiosas do país: os muçulmanos, xiitas e sunitas, e os cristãos maronitas, explica Khouri.

"A presidência da república tem que ser cristão maronita [...], o primeiro-ministro tem que ser muçulmano sunita, e o chefe do parlamento tem que ser muçulmano xiita."

Essa divisão sectária de governo, contudo, nem sempre aconteceu. Pelo contrário, essa divisão sectária foi imposta quando o país se tornou um protetorado da França após a Segunda Guerra Mundial. "O sectarismo é um modo de relação social e política moderno", diz Cheaito.

Esse modo de governo sectário, explicita ela, "significa que as identidades religiosas são transportadas para a esfera política e se tornam identidades políticas".

"A partir do momento em que a França politiza essas identidades religiosas, diversos problemas vão começar a acontecer."

Essa divisão pode ser insuficiente para explicar todos os problemas do Líbano, uma vez que, primeiramente, "esses grupos não são homogêneos", diz Cheaito. E, em segundo lugar, questões como o problema financeiro e a estagnação industrial ocorrem por outros fatores, mas ainda assim o sectarismo ainda se encontra refletido em muitos aspectos do dia a dia político do país.

É por conta dessa divisão, atenta Khouri, que os políticos libaneses acabam trabalhando apenas para suas próprias bases eleitorais em detrimento de um Líbano unido. "Cada um defende a sua parte em detrimento do interesse dos outros."

"Não está havendo um diálogo construtivo, está havendo um diálogo destrutivo."

Cada grupo político libanês também é influenciado externamente por grupos muitas vezes opostos. O Irã, por exemplo, tem bastante influência sobre os muçulmanos xiitas do país, enquanto a Arábia Saudita "tem uma influência muito grande sobre os sunitas de Beirute e de Trípoli, que também forma uma inteligência, uma força econômica e política muito grande", afirma Khouri.

Já a parte cristã do Líbano busca sua referência externa na França, antigo poder colonial e um dos maiores parceiros europeus do país do Levante. "Quando houve a crise do Porto, Macron foi imediatamente para Beirute."

 

¨      Guerra em Gaza 'perdeu propósito' e escalada contra Hezbollah 'é suicídio', diz ex-general das FDI

O general aposentado das Forças de Defesa de Israel (FDI) disse em uma entrevista de rádio que a Ucrânia tinha proposto ensinar as FDI sobre como enfrentar drones, mas explicou que as FDI não estavam interessadas na oposta.

O general brigadeiro Itzhak Brik, já reformado das FDI, disse acreditar que uma guerra contra o Hezbollah do Líbano poderia significar "a ruína do Terceiro Templo" e disse que a "iniciativa que está sendo construída no sistema de segurança para lançar um ataque ao Hezbollah é um suicídio coletivo", escreveu ele esta semana.

"Se prestarmos atenção ao que o Hezbollah está fazendo à Galileia nos últimos meses, encontraremos assentamentos em ruínas, sem pessoas, em milhares de hectares de terra queimada. Cenas que podem ser vistas em Gaza são vistas hoje no Norte", disse Brik em entrevista. "A Cúpula de Ferro não consegue parar os veículos aéreos não tripulados [VANT], foguetes e mísseis há meses. Não estamos preparados para dezenas de mísseis todos os dias e nem para os milhares que teremos na próxima guerra."

O general também disse que Israel precisa "dar um tempo" em sua guerra em Gaza e acrescentou que a campanha perdeu o seu propósito. Ele sugeriu que as FDI precisam fazer uma pausa nos combates para que possam se reagrupar e se organizar, porque não o fazem “há 20 anos".

Na quarta-feira (26), o dr. Seyyed Mohammad Marandi, professor de literatura inglesa e estudos orientais na Universidade de Teerã, falou à Sputnik sobre um potencial conflito entre as FDI e o Hezbollah.

"Eles basicamente querem destruir um local muito sagrado para os muçulmanos que existe há muitos séculos e desde o início da ascensão do Islã. E o regime sionista, sendo o regime israelense um regime etno-supremacista, está empenhado em levar isto adiante, muito mais rapidamente hoje em dia porque os elementos mais direitistas e extremistas do movimento sionista estão agora no poder", disse Marandi.

"E assim, eles deixaram de lado a pretensão de tolerância e a pretensão de direitos humanos, de respeitar os direitos humanos, que é algo com que eles, os regimes anteriores de Israel, nunca se importaram", acrescentou o professor. "Eles sempre abusam dos palestinos. Eles sempre os matam em massa. Mas hoje em dia o massacre e a matança estão ocorrendo em escala industrial."

"Esta é a situação catastrófica que Netanyahu criou para o regime. E se decidirem atacar o Líbano ou invadir o Líbano, a situação só vai piorar. O Hezbollah é muito poderoso. Está muito bem treinado. Eles estão altamente motivados. Eles se prepararam para esta situação", acrescentou. "O mundo já está indignado com o que estão fazendo em Gaza. Se fizerem a mesma coisa no Líbano, isso só aumentará a indignação e fará com que os EUA pareçam ainda mais perversos aos olhos do mundo."

Quando perguntado pela Sputnik se o possível conflito seria "catastrófico" para a economia dos EUA, o especialista afirmou que os problemas econômicos de Israel, sem dúvida teriam repercussão em seus aliados ocidentais, mas que seria ainda pior para a Europa.

"A situação econômica nos EUA não é boa, mas a situação econômica na Europa é muito pior. E se houver uma crise, a situação vai piorar muito na Europa", afirmou o professor. "Eles são mais vulneráveis que os EUA. Eles não produzem petróleo. E os refugiados irão se mudar para a Europa."

"É extraordinário que os norte-americanos e os europeus, quando apoiaram o apartheid na África do Sul, quando o apoiaram em Ruanda, não tenham pago um preço tão elevado naquela altura porque estava muito longe. Foi durante a Guerra Fria", continuou ele. "Hoje, isso está sendo feito diante de um público global, esse genocídio. É muito perto de casa. Está muito perto, dos principais centros produtores de petróleo e gás."

"Se esta guerra se estender ao Líbano, as probabilidades de se tornar uma guerra regional serão muito elevadas. Se os norte-americanos, por exemplo, começarem a atacar o Líbano de qualquer modo ou forma, não tenho dúvidas de que perderão tudo no Iraque. A resistência no Iraque não os deixará escapar impunes. E então, isso traria uma situação economicamente catastrófica. Portanto, é incrível como os norte-americanos e os europeus estão dispostos a arriscar tudo pelo bem deste regime", sugeriu Marandi.

O especialista sugeriu então que o regime israelense tem conduzido durante "décadas" uma fachada diplomática e de relações públicas que lhe permite ser "suficientemente astuto" para escapar impune do genocídio.

 

¨      Chanceler da Turquia teria cancelado participação da cúpula na Suíça sobre a Ucrânia devido a Israel

Hakan Fidan participou da sessão principal, mas deixou o evento imediatamente a seguir, depois que soube da participação de Israel e da delegação grega da República do Chipre.

O ministro das Relações Exteriores da Turquia cancelou sua participação em uma discussão na cúpula sobre a Ucrânia na Suíça devido a um convite de Israel e de uma delegação cipriota grega, disse uma fonte diplomática em Ancara à Sputnik.

"Esperava-se que Hakan Fidan, ministro das Relações Exteriores, moderasse uma discussão sobre segurança alimentar junto com o ministro das Relações Exteriores do Quênia, mas um dia antes da cúpula soube-se que Israel e a administração cipriota grega do sul do Chipre também haviam sido convidados", contou ela.

De acordo com a fonte, Fidan deixou a sala de reuniões imediatamente após discursar na sessão principal da cúpula.

"Ele não ouviu os oradores que falaram depois dele e não participou de outras atividades naquela noite. O ministro Fidan também cancelou sua participação na discussão que ele deveria comoderar no domingo [16 de junho] e regressou imediatamente para a Turquia", explicou a fonte.

A Suíça organizou a conferência sobre a Ucrânia no resort Burgenstock, nos arredores de Lucerna, que decorreu em 15 e 16 de junho. Representantes de mais de 90 países e várias organizações participaram do evento. A Rússia não foi convidada, embora seja uma das partes do conflito. A China, assim como outros países, optou por não participar, enquanto o Brasil, que evitou enviar representantes de alto escalão do governo, foi representado pela embaixadora Cláudia Fonseca Buzzi

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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