O que
esperar da eurocética Hungria à frente da UE?
Não
foi exatamente uma surpresa quando a Hungria revelou na semana passada um
slogan oficial com conotações trumpistas para o seu mandato de seis meses
à frente da presidência da União Europeia (UE).
Mesmo assim, "Make Europe Great Again" (Faça a
Europa Grande Novamente) ainda causou certo alvoroço em Bruxelas.
O
primeiro-ministro ultranacionalista da Hungria, Viktor Orbán, um aliado próximo do
ex-presidente dos EUA, Donald
Trump, e também próximo do brasileiro Jair
Bolsonaro, é o líder mais eurocético da União Europeia.
Na
última década, seu governo entrou em conflito com a administração da UE e de Estados-membros do bloco em temas como o retrocesso
democrático interno da
Hungria, migração e, mais
recentemente, o apoio militar à Ucrânia.
Budapeste
utilizou frequentemente seu veto em votações importantes, paralisando políticas
quando todas as outras nações do bloco estavam prontas para seguir em frente.
O
país também teve bilhões de euros de fundos da UE inicialmente retidos devido a
violações da democracia e do Estado de Direito, embora parte desse dinheiro
tenha sido posteriormente liberado na sequência de reformas.
Além
disso, só na semana passada, a Hungria foi multada em 200 milhões de euros por
desrespeitar a lei de asilo da UE.
·
Desconfiança do Parlamento Europeu
A
presidência do Conselho da UE é um cargo rotativo de seis meses, alternado
entre os 27 Estados-membros. Dado que o papel da presidência é agir como um
"intermediário honesto" entre os membros e elevar-se acima do
interesse nacional, e que o país que detém a presidência é responsável por
fazer avançar a agenda legislativa do bloco, o Parlamento Europeu questionou
a aptidão de Budapeste para a tarefa.
Em
junho do ano passado, a maioria dos legisladores da UE aprovou uma resolução
perguntando: "como a Hungria será capaz de cumprir esta tarefa de forma
credível em 2024, tendo em conta o seu desrespeito quanto à legislação da
EU?". No entanto, a objeção não vinculativa não foi adiante.
Em
1º de julho de 2024, a Hungria começará a presidir reuniões ministeriais e
cúpulas, sucedendo a Bélgica, atual detentora da presidência. Até ao final do
ano, representará, também, outros Estados-membros nas negociações com o
Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, o poder
executivo da UE.
·
"Intermediário honesto" com um
toque trumpista
Na
terça-feira, em uma coletiva de imprensa em Budapeste, o ministro húngaro de
Assuntos Europeus, Janos Boka, prometeu que seu país trabalharia de forma
produtiva. "Como presidência, seremos intermediários honestos, trabalhando
lealmente com todos os Estados-membros e instituições", disse.
Boka
afirmou que a Hungria se esforçará durante seu mandato para aumentar a
competitividade econômica da UE, reforçar sua política de defesa, lutar por uma
"política de alargamento consistente e baseada no mérito" e conter a
migração ilegal com fronteiras mais estreitas e deportações mais eficientes em
cooperação com países não pertencentes à UE.
Além
disso, Budapeste teria como objetivo remodelar o Fundo de Coesão
– mecanismo que procura equilibrar as disparidades entre as regiões mais
ricas e mais pobres do bloco – impulsionar uma "política agrícola da
UE orientada para os agricultores", tendo simultaneamente em mente os
protestos contra as medidas climáticas da UE, e enfrentar os desafios
demográficos.
E
depois veio o slogan oficial: "Faça a Europa Grande Novamente",
disse Boka – uma referência clara ao famoso slogan de Trump "Make
America Great Again" (Faça a América Grande Novamente),
estampado em bonés de basebol vermelhos nos EUA.
As
relações UE-EUA despencaram durante a presidência de Trump (2017-2021). Apesar
de uma recente condenação criminal, Trump é candidata à Casa Branca pelo
partido republicano nas eleições de novembro.
"Na
verdade, mostra a expectativa de que juntos seremos mais fortes do que
individualmente, mas que deveremos poder continuar a ser quem somos quando nos
unirmos", destacou Boka referindo-se ao slogan da Hungria.
·
Um membro "rebelde" assume
as rédeas
Para
Alberto Alemanno, professor de direito da UE na universidade HEC de Paris,
a Hungria não deveria assumir a presidência.
"A
minha maior preocupação em relação à presidência húngara é que normalize ainda
mais a ideia de que um Estado-membro rebelde possa desrespeitar as regras do
jogo e, ao mesmo tempo, se beneficiar dele", disse à DW.
Budapeste
assume o poder num momento de transição em Bruxelas. As eleições para o Parlamento Europeu ocorreram em junho, e a nova Comissão Europeia só verá a
sua composição definitiva no final do ano. Neste contexto, provavelmente haverá
pouquíssimas novas iniciativas legislativas.
·
Obstáculo para Kiev
A
presidência húngara é particularmente sensível para a Ucrânia, que busca
ingressar na UE. Kiev espera avançar rapidamente para abrir conversações
concretas sobre as reformas necessárias para que sua adesão possa ir adiante,
conhecidas no jargão da UE como "capítulos de negociação".
Na
terça-feira, Boka sugeriu que nenhum movimento importante neste sentido deve
ocorrer antes de 2025.
"De
acordo com as minhas expectativas, durante a presidência húngara, a questão da
abertura de capítulos não será levantada de forma alguma", disse a
jornalistas.
·
Acordo verde sob pressão da direita
Alemmano
também acredita que a presidência húngara pode influenciar as políticas
climáticas históricas da UE e, particularmente, o estabelecimento de metas para
2030 que deveriam colocar a UE no caminho para alcançar a neutralidade climática até
2050.
"O
governo [do partido] Fidesz da Hungria criticou frequentemente o 'Acordo Verde' da UE e a
agenda climática", diz Alemmano. "Num cenário político que se espera
que se desloque para a direita [após as recentes eleições na UE], a presença de
um país cético em relação ao clima à frente do Conselho durante o segundo
semestre de 2024 poderá impactar o posicionamento da UE", argumenta.
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Sem grandes perturbações
No
entanto, a Hungria não deve ser um problema à frente da presidência. A grande
maioria das propostas legislativas provém da Comissão Europeia e são assinadas
pelos Estados-membros e pelo Parlamento Europeu.
Um
diplomata da Europa Ocidental disse à DW, sob condição de anonimato, que espera
seis meses bastante normais.
"Orbán
e seu povo estão muito conscientes de que outros Estados-membros intervirão e
assumirão o poder se eles bagunçarem a agenda da UE", disse.
"No
máximo, eles usarão a plataforma para fazer 'brincadeiras', como no caso do
slogan. Cabe a todos nós sermos disciplinados o suficiente para não mordermos a
isca", afirmou.
¨
UE não está preparada
para ameaça de incêndios florestais
Chamas
destruíram casas e oliveiras durante dias na Grécia no verão europeu do ano
passado. O fogo devastou uma área maior do que a cidade de Nova York e deixou
um rastro de cinzas e luto. Esse foi o maior incêndio florestal já
registrado na Europa.
Embora
os incêndios florestais sejam um fenômeno natural na região, o aumento das temperaturas e a
intensificação dos períodos de seca criam um clima mais seco e propenso ao
fogo, fazendo as chamas se espalharem mais rápido e mais ferozmente, além de
duraram mais tempo.
Na
Europa, assim como no resto do mundo, os incêndios florestais estão ocorrendo
com mais frequência e intensidade. Somente em 2023, eles queimaram na União
Europeia (UE) uma área pouco maior ao equivalente a duas vezes o tamanho de
Luxemburgo, que possui 2.586 km². O fogão causou danos de mais de 4 bilhões de
euros (R$ 23 bilhões) e liberou na atmosfera 20 megatoneladas de CO2 – o
equivalente a quase um terço das emissões anuais da aviação internacional na
UE.
Diante
deste cenário, fica a questão se a Europa está preparada para enfrentar o
crescente risco de incêndios florestais devido à expectativa de aumento das temperaturas.
"Os
incêndios florestais estão se tornando cada vez mais significativos",
afirma Balazs Ujvari, porta-voz da Comissão Europeia. "Cada vez mais há
situações com as quais os países-membros não conseguem lidar."
Até
agora, o foco da resposta da UE tem sido a expansão das capacidades de combate
a incêndios por meio do Mecanismo de Proteção Civil do bloco e do programa
RescEU, que presta apoio a países que enfrentam catástrofes naturais.
No
ano passado, foi duplicada a frota de aviões, helicópteros e bombeiros, com os
incêndios na Grécia mobilizando a maior operação de resposta aérea da Europa.
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Apenas resposta é pouco
Segundo
Ujvari, a UE possui 28 aviões, quatro helicópteros e 556 bombeiros estacionados
em quatro países propensos a incêndios. O porta-voz destacou ainda que 600
milhões de euros foram direcionados para a expansão da frota até o final desta
década.
Ujvari
acrescenta ainda que a União Europeia pode disponibilizar imagens das áreas
atingidas feitas pelo sistema de satélites Copernicus para ajudar as
autoridades locais no monitoramento e combate a focos de incêndio.
Alguns
cientistas e especialistas argumentam, porém, que a UE poderia fazer mais para
prevenir os incêndios. Cerca de 90% do orçamento para o combate a incêndios
florestais é destino a reposta e apenas 10% para a prevenção, segundo
estimativas de Anna Deparnay-Grunenberg, eurodeputada alemã do Partido Verde.
De
acordo com Alexander Held, especialista do Instituto Florestal Europeu, a
ocorrência de incêndios que são extremamente difíceis de controlar, como os que
atingiram Portugal em 2017 e devastaram 500 mil hectares, causando mais de 100
mortes, enfatiza os limites da priorização da resposta.
"A
ciência e a experiência nos contam que para prevenir esses desastres não
adianta investir no combate ao fogo, porque ele não pode ser combatido. A única
coisa que podemos fazer é evitar que eles ocorram ou garantir que eles não
queimem numa intensidade além do limite de controle", afirma Held.
O
especialista pondera que a UE precisa investir mais em prevenção de incêndios
rurais e em soluções baseadas na natureza. "Quanto mais mudanças
climáticas observamos, mais deveríamos investir para tornar o ambiente menos
inflamável."
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Mais manejo florestal
Há
muitos métodos disponíveis para uma gestão mais sustentável dos solos e para o
aumento da resiliência de florestas, explica Julia Bognar, diretora do programa
sobre uso do solo e clima do Instituto para Política Ambiental Europeia.
Isso
inclui o desbaste e espaçamento adequado das árvores, a redução da vegetação do
solo por meio de queimadas controladas e a introdução de mais animais de pasto,
como bois e cabras, que comem arbustos secos, que agem como combustível na
propagação de incêndios florestais. Além disso, evitar monoculturas, como as
plantações de eucaliptos em Portugal, também tornam as florestas mais
resilientes.
"As
florestas têm melhor capacidade de armazenar água e prevenir secas com uma
maior diversidade de árvores e com árvores mais antigas", acrescenta
Bognar.
As
abordagens precisam ser costuradas para os climas de cada países, pontua Held,
explicando que, em locais mais quentes como o sul da Espanha, isso envolveria a
queima controlada em períodos de clima ameno e o estabelecimento de um mosaico
de diferentes usos da terra, incluindo a diminuição de pastagens que mantém a
biomassa, que se transforma em combustível quando está quente e seco.
"Na
Europa Central, a resiliência significa promover florestas de folhas largas,
florestas mistas e florestas úmidas e sombreadas", diz Held, acrescentando
que medidas técnicas como corta-fogos e zonas de proteção também poderiam
ajudar.
O
especialista afirma ainda que encorajar a gestão do solo como práticas como
agricultura orgânica e silvicultura sustentável também são fundamentais.
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Solução de longo prazo
Bognar
destaca que cada vez mais práticas de prevenção de incêndios estão sendo
compartilhadas na Europa. Elas incluem as diretrizes para a gestão florestal
sustentável publicadas em 2003 pela Comissão Europeia. "Mas não há
necessariamente um esforço concentrado a nível da UE para pressionar por esse
tipo de mudança."
A
especialista afirma que repensar a abordagem europeia diante da crescente
ameaça de incêndios florestais requer soluções de longo prazo, como o avanço da
proposta de um Quadro de Monitoramento Florestal e a implantação da Lei de Restauração da Natureza,
que visa promover a resiliência ao fogo aumentando a biodiversidade florestal.
Held
também destaca que há alguns fundos que podem ser usados para a prevenção, mas
há pouca compreensão e coordenação de como acessar a esses recursos e faltam
estratégias nacionais sólidas de prevenção. Uma exceção, porém, é Portugal,
ressalta.
Desde
os incêndios de 2017, o país
mudou sua abordagem para enfatizar a gestão florestal, incluindo o incentivo
para a plantação de espécies nativas adaptadas ao fogo, a criação de áreas
artificiais com pouca vegetação, que funcionam como barreiras para o fogo, e de
zonas de proteção em torno de edifícios em áreas de risco.
A
França também tem feito mudanças. O país aprovou uma legislação no ano passado
que pune proprietários de terra que falham na limpeza da vegetação rasteira de
suas florestas.
Mas,
segundo Jesus San-Miguel, pesquisador do Centro de Pesquisa Conjunta da
Comissão Europeia, uma barreira fundamental no continente é o fato da Comissão
Europeia poder fornecer apenas aconselhamento e apoio. Afinal, os
países-membros são os responsáveis pela gestão florestal e prevenção de
incêndios.
"Prevenção
é um processo lento, menos visível do que o combate ao fogo. Quando há muitos
aviões fazendo o trabalho, parece que se está realmente fazendo muito, mas a
prevenção deve ser priorizada, pois ela é muito mais barata", acrescenta
San-Miguel.
Fonte:
Deutsche Welle
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