Os efeitos
do aquecimento global no Cerrado: mais emissões de gás nocivo e menos
produtividade agrícola
Não
é especulação, é ciência. Um estudo de pesquisadores brasileiros usou modelos
matemáticos para concluir que o aquecimento global, causado
pelas mudanças climáticas em curso, vai aumentar as emissões de óxido nitroso
(N2O), um gás de efeito estufa cerca de 300 vezes mais potente que o dióxido de
carbono (CO2), nos próximos 50 anos. O trabalho mostrou também que haverá
redução de biomassa aérea e da produtividade dos grãos de soja e milho, as duas
culturas avaliadas.
As
simulações dos modelos matemáticos também indicaram que os sistemas agrícolas
que utilizam plantas de cobertura, como o Sistema de Plantio Direto, por
exemplo, também terão queda de rendimento com o passar dos anos, mas, em média,
em menor grau que as formas tradicionais de cultivo. Também haverá menor
emissão de N2O em comparação aos sistemas convencionais.
Para
realizar o estudo, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) e da Universidade de Brasília (UnB) usaram dois modelos de simulações
matemáticas. Um deles é o de simulação solo-planta o STICS (do inglês Simulateur
mulTIdisciplinaire pour les Cultures Standard). “Ele foi desenvolvido na
França e adaptado por nós da Embrapa Cerrados para as nossas condições”, conta
o pesquisador dessa unidade da Embrapa, Fernando Macena.
“Esse
modelo simula o crescimento, desenvolvimento e a produtividade das culturas de
grãos, bem como as emissões de N2O em sistemas de plantio convencional e
plantio direto, em função das características climáticas de um determinado
local.”
O
segundo utilizado no trabalho foi o ETA-HADGEM, um modelo climático global
calibrado para a América do Sul por cientistas do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), que simula o clima do futuro, incluindo variáveis
como temperaturas máximas e mínimas diárias do ar, radiação solar incidente e
chuvas, medidas pela estação meteorológica da Embrapa Cerrados, em Planaltina
(DF), nos três quadrimestres do ano – janeiro, fevereiro, março e abril (final
da estação quente e chuvosa); maio, junho, julho e agosto (estação seca e mais
fria) e setembro, outubro, novembro e dezembro (início da estação quente e
chuvosa).
Os
dados gerados pelo ETA-Hadgem apontaram para uma tendência significativa de
aumento das temperaturas médias das máximas e mínimas anuais no período de 2021
a 2070 para o local avaliado. “Os resultados do ajuste desse modelo climático
indicam, ainda, uma tendência de aumento de até 1,8º C na média de temperaturas
mínimas diárias, e 2,2º C na média de temperaturas máximas diárias para o
período analisado”, diz Macena.
O
aumento mais significativo ocorre no terceiro quadrimestre do ano, que coincide
com o início da estação quente e chuvosa (verão) e o início da semeadura e
crescimento das culturas na região. “Esses dados de clima gerados pelo
ETA-Hadgem alimentaram o modelo Stics, que simulou os impactos dessas mudanças
no desenvolvimento e rendimento das culturas estudadas e na emissão de N2O”,
acrescenta Macena.
O
estudo começou em 1995, quando foi instalado um experimento de longa duração no
campo experimental da Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF), que contava com
parcelas que recebiam um tratamento considerado convencional e outras com
diferentes tipos de rotação de culturas sob plantio direto.
Posteriormente,
já nas safras 2013/14 e 2014/15, os pesquisadores coletaram dados para
calibração do modelo STICS para soja e milho, tanto sob plantio convencional
como direto. “Nesse momento, as principais informações que coletamos foram
atributos do solo; crescimento, desenvolvimento e rendimento das culturas
(grãos, matéria seca total da parte aérea, área foliar); umidade do solo (0–5 e
5–10 cm de profundidade); temperatura do solo (5 cm de profundidade); e
emissões de óxido nitroso (N2O)”, conta o pesquisador Alfredo José Barreto
Luiz, um dos autores do trabalho.
A
partir da reunião de todos essas informações, a equipe deu início aos trabalhos
de análise delas, com a realização de eventuais checagens, correções ou
ajustes. Foram também obtidos os dados da estação meteorológica e rodado o
modelo ETA-HADGEM, após correção de vieses, para a geração das séries de
previsões para o futuro, de 2020 a 2070.
Com
esses dados e o modelo STICS calibrado, foi então a vez de rodá-lo para cada
ano e para cada forma de plantio, de maneira a gerar resultados de produção das
culturas e emissão de N2O para as cinco décadas no futuro. “Depois de muitas
análises e discussão, começamos a fase da redação de um texto que resumisse
toda a complexidade dessas diversas fase do trabalho de uma forma
compreensível, que só se encerrou com a submissão do artigo em 2023, que foi
publicado agora em 2024”, conta Luiz.
De
acordo com ele, se as previsões de aquecimento do modelo ETA-Hadgem se
confirmarem, o modelo STICS mostra que os ciclos das culturas serão afetados no
sentido de sua diminuição, ou seja, a colheita acontecerá mais cedo, o que leva
a uma redução na produção de biomassa e de grãos.
Além
disso e apesar do ciclo ser reduzido, a emissão de N2O será maior. “Isso é
ainda mais preocupante, pois quer dizer que o aquecimento vai causar maior
emissão de um gás que é importante como causa do próprio aquecimento,
realimentando o efeito das mudanças climáticas”, diz Luiz. “A boa notícia é que
em todos os cenários, para soja ou milho, o sistema de manejo pelo plantio
direto aumenta a produção de grãos e de biomassa e reduz a emissão de N2O em
comparação ao sistema convencional.”
Em
números mais precisos, as simulações mostraram tanto na soja como no milho, a
média das emissões acumuladas anuais de N2O no período projetado de 50 anos é
significativamente maior no cultivo tradicional (1,7206 kg/ha e 2,3832 kg/ha
respectivamente) do que no plantio direto (0,6947 kg/ha e 0,7331 kg/ha). Em
cada década avaliada, as emissões cumulativas de N2O no primeiro sistema são
cerca de 2,5 vezes maiores quando comparados ao segundo.
No
caso da produtividade de grãos, o modelo mostra que média do milho é
significativamente maior no plantio direto (6,6 mil t/ha) que no tradicional
(5,87 mil t/ha). Em relação à soja, a produtividade média não apresentou
diferença significativa entre os sistemas de plantio, com valores médios de
1,599 t/ha para o CT e 1,574 t/ha para o NT.
Diante
desses resultados, os autores fazem algumas recomendações aos produtores. “Uma
delas é adotar, sempre que possível, o sistema de plantio direto ou cultivo
mínimo nos Cerrados”, diz Luiz. “Com isso, o objetivo é diminuir os riscos de
redução da produtividade e ajudar na redução da emissão de gases de efeito
estufa.”
Fonte:
Um só Planeta
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