Eduardo
Rezende: ‘Número de trabalhadores sindicalizados segue caindo no Brasil. Por
que isto acontece?’
No
dia 21 de junho (sexta), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) atualizou os dados referentes à taxa de sindicalização no país. Conforme
os dados obtidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
Contínua, em 2023 houve queda no número de trabalhadores sindicalizados,
seguindo a grave tendência apresentada nas últimas duas décadas.
Em
seu site oficial, o IBGE aponta que, em 2023, dos cerca de 100,7 milhões de
trabalhadores ocupados, apenas 8,4 milhões — 8,4% da população ocupada — eram
associados a sindicatos. Este número expressa uma queda de 7,8% — ou de 713 mil
pessoas — se comparado ao ano anterior.
Os
dados da PNAD (2004-2013) e da Pnad-Contínua (2012-2023) elucidam um processo
de queda da taxa de sindicalização brasileira desde o início da série
histórica. É verdade que neste processo houve algumas leves melhorias do
índice, com um pequeno crescimento entre 2004 e 2006, e entre 2007 e 2008,
todavia, o que se nota, enquanto tendência, é uma queda crescente, com notável
agravamento a partir de 2016.
A
queda da taxa de sindicalização é sentida em diferentes setores da economia,
inclusive entre aquelas categorias de trabalhadores com os maiores percentuais
de sindicalização e/ou de maior tradição de luta, como é o caso dos
trabalhadores agrupados na administração pública, defesa e seguridade social,
educação, saúde humana e serviços sociais; na agricultura, pecuária, produção
florestal, pesca e aquicultura; e na indústria geral.
A
título de exemplo, a sindicalização entre os empregados no setor privado com
carteira de trabalho assinada se reduziu de 11%, em 2022, para 10,1%, em 2023,
e os trabalhadores no setor público, incluindo servidores estatutários e
militares, caiu de 19,9% para 18,3%.
• Reforma trabalhista e impactos na
sindicalização
Especialistas
apontam que a queda da taxa de sindicalização se relaciona aos impactos da
reforma trabalhista e das mudanças no mercado de trabalho brasileiro, bem como
aos efeitos da crise econômica internacional. O que é uma verdade, embora
parcial.
A
reforma trabalhista de 2017, elaborada e aprovada pelo governo golpista de
Michel Temer (MDB), legalizou um conjunto de práticas que afetaram as condições
de trabalho e vida da classe trabalhadora, trazendo consequências negativas à
economia e ao mercado de trabalho, à proteção social e, não menos importante, à
ação sindical.
Uma
farta bibliografia tem discutido e investigado essas consequências
recentemente, e cumpre ressaltar que, diante das novas formas de contratação e
negociação, bem como do fim do imposto sindical, as organizações sindicais
precisaram lutar contra uma série de retrocessos ao mesmo tempo em que também
tentavam se adaptar à nova realidade.
Os
efeitos foram de dimensão material e também moral, conforme é possível
apreender a partir dos dados mensurados pelo instituto Inteligência em Pesquisa
e Consultoria (IPEC), que mostra que os sindicatos apresentaram o menor índice
de confiança social (ICS) em 2018, abaixo da média em todo o período histórico,
revelando o poder da publicidade, financiada pelo empresariado, para legitimar
a aprovação da reforma e conter as mobilizações contrárias a ela.
Ante
os impactos e o agravamento da crise econômica internacional e das
transformações no mercado de trabalho brasileiro, o sindicalismo brasileiro
entrou em um período de defensiva, abarcando tanto o governo
neodesenvolvimentista de Dilma Rousseff (PT) quanto os governos neoliberais de
Michel Temer e Jair Bolsonaro (PL).
O
índice de greves mensurado pelo Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta o crescimento de greves de caráter
defensivo desde 2013, indicando que a luta das organizações sindicais, desde
então, tem sido contra a perda de direitos já garantidos, em contraposição à
luta por novos direitos.
O
contexto global também deve ser levado em conta, uma vez que o neoliberalismo,
enquanto projeto político, tem impactos econômicos e também ideológicos. A
construção subjetiva de que os próprios sujeitos são responsáveis pelo sucesso
ou fracasso em diferentes âmbitos da vida, sobretudo o profissional, e a força
do discurso individualizante, que esvazia o sentido da luta coletiva por
direitos, produz impactos sobre um imaginário de horizonte mais coletivo e
solidário e a disposição à organização.
• Reformular a estrutura e as práticas
sindicais
A
estrutura corporativa do sindicalismo brasileiro e as práticas de organização
sindical dos trabalhadores também precisam ser levadas em consideração na
análise do processo de queda da taxa de sindicalização, mas não costumam ser
muito enfatizadas pelos especialistas.
Se
por um lado vemos a diminuição do número de trabalhadores sindicalizados, por
outro vemos o aumento do número de organizações que os representam legalmente,
independentemente do vínculo associativo que é estabelecido entre essas partes.
Dados
de 2015 estimam a existência de 43 confederações, 549 federações e 10.817
sindicatos oficializados, isto é, reconhecidos legalmente pelo Estado
brasileiro, para cumprir as prerrogativas da negociação e representação dos
trabalhadores. Este número elevado de organizações indica a fragmentação da
representação e organização coletiva promovida pela estrutura sindical
brasileira, fundada na década de 1930 e mantida com a Constituição de 1988.
Este
modelo de organização sindical, que ao longo do tempo mais se fortaleceu do que
perdeu o vigor, é defendido, total ou parcialmente, por parte das organizações
sindicais — mas não apenas, já que os diferentes governos, democráticos ou
autoritários, têm atuado no sentido de mantê-la, e que a classe patronal não
demonstra interesse em extingui-la. Isto indica, portanto, um comodismo da
prática política do sindicalismo, que promove a manutenção da ordem social e
dos interesses econômicos da classe dominante.
São
três os componentes básicos da estrutura sindical brasileira. A oficialidade
das organizações sindicais, por meio da posse da carta sindical, que é
conferida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), permitindo, ao Estado, o
controle das organizações dos trabalhadores; a delimitação de atuação das
organizações sindicais para uma determinada categoria profissional, isto é, os
trabalhadores formais de um ramo ou setor específico, e em um determinado
território, que pode ser de abrangência municipal ou regional; e, por fim, o
financiamento compulsório, descontado dos trabalhadores.
Sobre
isso, é importante ressaltar que embora a reforma trabalhista de 2017 tenha
extinguido o imposto sindical, desde 2023 o sindicalismo conta com a taxa
assistencial, que — apesar do discurso do governo, do sindicalismo e mesmo da
imprensa insistir em diferenciá-la do velho imposto —, mantém a característica
de ser cobrada compulsoriamente dos trabalhadores.
Ora,
como é possível existir uma quantidade tão expressiva de organizações sindicais
diante da queda da taxa de sindicalização? E como isso se relaciona com a
estrutura sindical? Por três motivos principais. Primeiramente, porque os
sindicatos representam trabalhadores formalizados que, independente da sua
sindicalização, serão abarcados pela negociação coletiva. Em segundo lugar,
porque a existência da organização sindical é instituída de cima para baixo,
isto é, do Estado para os trabalhadores. Em terceiro lugar, e relacionado ao
motivo anterior, pela possibilidade de financiamento e sobrevivência material
das organizações sindicais ser dissociada da atuação e reconhecimento junto à
base, ou seja, da vontade dos trabalhadores em se sindicalizar ou de se sindicalizarem
a um outro sindicato que avaliam ser um representante melhor para seus
interesses. Grosso modo, a estrutura sindical fragmenta trabalhadores,
pulveriza organizações sindicais e gera um sindicalismo que atua — mesmo que
apenas formalmente — sem trabalhadores sindicalizados.
Se
a delimitação legal da atuação voltada a determinadas categorias profissionais,
e a consequente fragmentação dessas categorias, dificulta a atuação política do
sindicalismo brasileiro, sua indisposição em atuar junto aos trabalhadores
informais e a outros tipos de organizações coletivas também favorece seu
enfraquecimento e perda de protagonismo junto a outros setores da sociedade.
O
primeiro governo de Lula da Silva (PT) tentou encampar uma reforma sindical
fracassada. Em promessa de campanha para o terceiro governo, em 2022 o
ex-sindicalista prometeu uma reforma sindical junto à revogação das reformas
trabalhista e previdenciária. Nenhuma das três medidas avançou, e é notável que
estão cada vez mais distantes de qualquer possibilidade de aprovação no
Congresso Nacional. Mas mais do que isso, estão também cada vez mais distantes
da vontade política do governo e de parte significativa do sindicalismo, que,
acomodada a esta realidade, não se move para pressionar por essas medidas.
O
processo de queda da taxa de sindicalização é preocupante. Ao contrário das
análises fatalistas, não expressa que o sindicalismo está morto ou morrendo,
mas indica que é necessário que este agente, que ocupou e ainda ocupa um papel
central na conquista de direitos sociais, civis e políticos, e, portanto, na
manutenção da democracia, precisa se reinventar frente a tantas adversidades.
Constituir
em unidade um projeto político e econômico que dê respostas aos problemas do
mercado de trabalho e que transcenda agendas de campanha, agitá-lo junto à
sociedade e conquistá-la por meio de uma prática cotidiana e militante, e
engajar-se frente ao conjunto dos trabalhadores, formais e informais,
transcendendo os muros da estrutura sindical, é o caminho que deve ser tomado,
mesmo que tardiamente.
• Para entender o declínio global na
sindicalização. Por Clemente Ganz Lúcio
Um
dos maiores desafios do movimento sindical brasileiro é o de reverter a queda
da densidade sindical, que decorre da menor taxa de sindicalização e da
diminuição da cobertura sindical protetiva realizada por meio dos contratos
coletivos de trabalho (acordos e convenções coletivas). Observa-se também esse
fenômeno em vários outros países, onde é objeto de atenção e de iniciativas
estratégicas das organizações sindicais que buscam revertê-lo.
Os
fatores e causas que explicam esse fenômeno é debatido por pesquisadores e
dirigentes. A OCDE fez um amplo estudo¹ analisando o sistema de relações de
trabalho nos 36 países que compõem essa organização. O estudo indica que houve
queda na densidade sindical na maioria daqueles países nas últimas quatro
décadas motivada, por um lado, pela redução da taxa de sindicalização que era
de 33% em 1975 e passou para 16% em 2018 e, por outro lado, pela diminuição da
proteção sindical representada pelo contingente de trabalhadores protegidos por
acordos coletivos, que passou de 45% em 1985 para 32% em 2017. Neste artigo
vamos trazer as causas que motivam a queda da densidade sindical apontadas no
referido estudo.
A
análise comparativa entre os países da OCDE ressalta movimentos diferentes em
termos de tendências, ritmo, intensidade e contexto de declínio da
sindicalização, assim como observa que há países, em menor número, com
resultados opostos, ou seja, aumento da densidade sindical. A heterogeneidade
da evolução da taxa de sindicalização indica causas que remetem à combinação
entre fatores globais e elementos específicos de cada país.
As
causas que explicam a queda na densidade sindical nos países da OCDE, segundo a
revisão da literatura realizada no estudo, são: a globalização, as mudanças
demográficas na força de trabalho, a desindustrialização, o encolhimento do
setor manufatureiro, a queda do emprego no setor público, a disseminação de
formas flexíveis de contratos e mudanças normativas e institucionais.
A
globalização pressiona severamente a competição entre empresas e gera
dependência de investimento externos estrangeiros para sustentar o crescimento
econômico, restringindo a ampliação da capacidade produtiva instalada e a
geração de empregos de qualidade, movimentos que atuam para enfraquecer a
capacidade de organização e de negociação dos trabalhadores. A imigração é
outro fenômeno da globalização e que afeta a densidade sindical porque os
trabalhadores estrangeiros se sentem ainda mais vulneráveis se estabelecerem
qualquer relação sindical, com medo do desemprego, da denúncia e da
perseguição. Perversamente, fora do sindicato, ampliam a sua desproteção.
As
transformações na estrutura da economia produzem o encolhimento da indústria ou
do setor manufatureiro onde há forte sindicalização. De outro lado, observa-se
o crescimento do setor de serviços onde os empregos precários e a menor
sindicalização imperam. Isso fica ainda mais evidente diante do fechamento ou
encolhimento de tamanho de grandes fábricas. A terceirização é outro fenômeno
da globalização que reorganiza o sistema produtivo e que gera exclusão da
participação, representação e proteção sindical.
A
queda do emprego público, no qual a estabilidade e o vínculo de longa duração
contribuem para a sindicalização, é outro fenômeno que explica os números de
queda da densidade sindical.
Interessante
observar que a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho
costumava ser apontada como uma das causas da menor propensão à sindicalização.
Entretanto, estudos recentes evidenciam que houve redução na disparidade de
gênero na sindicalização, observando-se inclusive uma inversão da situação em
alguns países nos quais se observa maiores taxas de sindicalização entre as
mulheres do que entre os homens.
Aventava-se
também que uma maior escolaridade da força de trabalho poderia se desdobrar em
uma menor sindicalização. Os estudos não corroboram essa hipótese explicativa.
Já
a composição etária da força de trabalho é uma causa destacada para a queda na
filiação sindical. Os jovens representam 7% do total de sindicalizados na área
da OCDE e são os menos propensos a se sindicalizar em todos os países
analisados. A taxa de sindicalização por idade segue a forma de U invertido,
menor entre os mais novos e os mais velhos e maximizada na faixa dos 40 anos.
O
contínuo ambiente de desvalorização social da negociação coletiva e da atuação
sindical de organização e de representação proporciona um “aprendizado
regressivo” durante o amadurecimento na vida laboral que se manifesta na menor
participação sindical, o que, por sua vez, enfraquece as formas coletivas de
atuação. É durante a vida laboral, dia após dia, que os trabalhadores
experimentam, descobrem e aprendem qual é o papel do sindicato. O intencional
afastamento e desqualificação da atuação coletiva gera um efeito “bola de neve”
no qual a diminuição da força da voz coletiva dos trabalhadores aumenta sua
desproteção, precariza e gera insegurança, o que acaba afastando ainda mais os
trabalhadores dos sindicatos, o que reduz ainda mais sua capacidade de representação
coletiva.
Outro
fator essencial que explica o fenômeno de queda na sindicalização é o avanço
das mudanças nas formas de contratação, as formas atípicas de emprego como o
meio período, o prazo determinado, o emprego temporário e de curta duração, os
contratos mediados por agências de mão de obra, ou por plataformas e
aplicativos, entre outros. Rotatividade, informalidade, menor permanência média
nos empregos, resultam em menor sociabilidade nos locais de trabalho, o que
limita ainda mais as oportunidades de vínculo sindical. Os indicadores são
evidentes ao demonstrarem que os trabalhadores contratados fora do padrão de
contrato de prazo indeterminado têm menor sindicalização.
Mudanças
na gestão das empresas têm aumentado a resistência para a promoção de relações
sindicais. Observa-se o uso de consultores externos para promover práticas e
cultura antissindical como a ameaça de fechamento de unidades locais de
empresas ou de demissão de quem se vincular ao sindicato ou participar de suas
atividades, entre outras. Ameaça e medo são vetores que atuam para a baixa
sindicalização.
O
uso de métodos de gestão orientado para medir desempenho individual, a
remuneração baseada em incentivos individuais, a desvalorização da negociação
coletiva e incentivo às tratativas individuais contribuem para o afastamento
dos trabalhadores dos sindicatos e das tratativas coletivas.
Há
também as deficiências nas estratégias sindicais para expandir sua base nos
setores que ampliam a participação na economia ou para enfrentar os novos
métodos de gestão das empresas. Muitas vezes a competição intersindical e a
fragmentação da base de representação são causas que potencializam o declínio
sindical. De outro lado, fusões que levam a um tipo de agregação de cúpula e
com baixa presença no local de trabalho podem favorecer a um maior
distanciamento dos trabalhadores em relação aos sindicatos.
Algumas
reformas nas legislações nacionais têm desvalorizado a negociação coletiva,
privilegiando a negociação por empresa ou individual em detrimento à
contratação setorial. Outras reformas intencionalmente dificultam o trabalho de
sindicalização.
Mudanças
institucionais que retiram dos sindicatos seu papel na promoção de políticas
públicas como na previdência social, saúde e segurança, políticas de proteção
dos empregos também motivam movimentos de distanciamento dos trabalhadores dos
seus sindicatos.
Métodos
de gestão empresarial de maior participação de um lado e, de outro, políticas
publicas mais protetivas e universais (garantia de emprego, salário mínimo,
benefícios coletivos e públicos) podem “retirar” atribuições dos sindicatos o
que pode contribuir para uma maior distanciamento dos sindicatos no contato
cotidiano com os trabalhadores.
Todos
esses fenômenos precisam ser considerados em uma reflexão crítica e propositiva
para compreender, em cada contexto situacional do país, o fenômeno da queda da
densidade sindical. O desafio é elaborar e desenvolver estratégias consistentes
para recolocar a centralidade do papel da negociação coletiva para a regulação
das relações e condições de trabalho, e dar sentido e significado ao trabalho
sindical para enfrentar as mudanças no mundo do trabalho e proteger as
democracias em cada país.
Fonte:
Brasil de Fato/IHU
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