sexta-feira, 28 de junho de 2024

Eduardo Rezende: ‘Número de trabalhadores sindicalizados segue caindo no Brasil. Por que isto acontece?’

No dia 21 de junho (sexta), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atualizou os dados referentes à taxa de sindicalização no país. Conforme os dados obtidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, em 2023 houve queda no número de trabalhadores sindicalizados, seguindo a grave tendência apresentada nas últimas duas décadas.

Em seu site oficial, o IBGE aponta que, em 2023, dos cerca de 100,7 milhões de trabalhadores ocupados, apenas 8,4 milhões — 8,4% da população ocupada — eram associados a sindicatos. Este número expressa uma queda de 7,8% — ou de 713 mil pessoas — se comparado ao ano anterior.

Os dados da PNAD (2004-2013) e da Pnad-Contínua (2012-2023) elucidam um processo de queda da taxa de sindicalização brasileira desde o início da série histórica. É verdade que neste processo houve algumas leves melhorias do índice, com um pequeno crescimento entre 2004 e 2006, e entre 2007 e 2008, todavia, o que se nota, enquanto tendência, é uma queda crescente, com notável agravamento a partir de 2016.

A queda da taxa de sindicalização é sentida em diferentes setores da economia, inclusive entre aquelas categorias de trabalhadores com os maiores percentuais de sindicalização e/ou de maior tradição de luta, como é o caso dos trabalhadores agrupados na administração pública, defesa e seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais; na agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura; e na indústria geral.

A título de exemplo, a sindicalização entre os empregados no setor privado com carteira de trabalho assinada se reduziu de 11%, em 2022, para 10,1%, em 2023, e os trabalhadores no setor público, incluindo servidores estatutários e militares, caiu de 19,9% para 18,3%.

•           Reforma trabalhista e impactos na sindicalização

Especialistas apontam que a queda da taxa de sindicalização se relaciona aos impactos da reforma trabalhista e das mudanças no mercado de trabalho brasileiro, bem como aos efeitos da crise econômica internacional. O que é uma verdade, embora parcial.

A reforma trabalhista de 2017, elaborada e aprovada pelo governo golpista de Michel Temer (MDB), legalizou um conjunto de práticas que afetaram as condições de trabalho e vida da classe trabalhadora, trazendo consequências negativas à economia e ao mercado de trabalho, à proteção social e, não menos importante, à ação sindical.

Uma farta bibliografia tem discutido e investigado essas consequências recentemente, e cumpre ressaltar que, diante das novas formas de contratação e negociação, bem como do fim do imposto sindical, as organizações sindicais precisaram lutar contra uma série de retrocessos ao mesmo tempo em que também tentavam se adaptar à nova realidade.

Os efeitos foram de dimensão material e também moral, conforme é possível apreender a partir dos dados mensurados pelo instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria (IPEC), que mostra que os sindicatos apresentaram o menor índice de confiança social (ICS) em 2018, abaixo da média em todo o período histórico, revelando o poder da publicidade, financiada pelo empresariado, para legitimar a aprovação da reforma e conter as mobilizações contrárias a ela.

Ante os impactos e o agravamento da crise econômica internacional e das transformações no mercado de trabalho brasileiro, o sindicalismo brasileiro entrou em um período de defensiva, abarcando tanto o governo neodesenvolvimentista de Dilma Rousseff (PT) quanto os governos neoliberais de Michel Temer e Jair Bolsonaro (PL).

O índice de greves mensurado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta o crescimento de greves de caráter defensivo desde 2013, indicando que a luta das organizações sindicais, desde então, tem sido contra a perda de direitos já garantidos, em contraposição à luta por novos direitos.

O contexto global também deve ser levado em conta, uma vez que o neoliberalismo, enquanto projeto político, tem impactos econômicos e também ideológicos. A construção subjetiva de que os próprios sujeitos são responsáveis pelo sucesso ou fracasso em diferentes âmbitos da vida, sobretudo o profissional, e a força do discurso individualizante, que esvazia o sentido da luta coletiva por direitos, produz impactos sobre um imaginário de horizonte mais coletivo e solidário e a disposição à organização.

•           Reformular a estrutura e as práticas sindicais

A estrutura corporativa do sindicalismo brasileiro e as práticas de organização sindical dos trabalhadores também precisam ser levadas em consideração na análise do processo de queda da taxa de sindicalização, mas não costumam ser muito enfatizadas pelos especialistas.

Se por um lado vemos a diminuição do número de trabalhadores sindicalizados, por outro vemos o aumento do número de organizações que os representam legalmente, independentemente do vínculo associativo que é estabelecido entre essas partes.

Dados de 2015 estimam a existência de 43 confederações, 549 federações e 10.817 sindicatos oficializados, isto é, reconhecidos legalmente pelo Estado brasileiro, para cumprir as prerrogativas da negociação e representação dos trabalhadores. Este número elevado de organizações indica a fragmentação da representação e organização coletiva promovida pela estrutura sindical brasileira, fundada na década de 1930 e mantida com a Constituição de 1988.

Este modelo de organização sindical, que ao longo do tempo mais se fortaleceu do que perdeu o vigor, é defendido, total ou parcialmente, por parte das organizações sindicais — mas não apenas, já que os diferentes governos, democráticos ou autoritários, têm atuado no sentido de mantê-la, e que a classe patronal não demonstra interesse em extingui-la. Isto indica, portanto, um comodismo da prática política do sindicalismo, que promove a manutenção da ordem social e dos interesses econômicos da classe dominante.

São três os componentes básicos da estrutura sindical brasileira. A oficialidade das organizações sindicais, por meio da posse da carta sindical, que é conferida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), permitindo, ao Estado, o controle das organizações dos trabalhadores; a delimitação de atuação das organizações sindicais para uma determinada categoria profissional, isto é, os trabalhadores formais de um ramo ou setor específico, e em um determinado território, que pode ser de abrangência municipal ou regional; e, por fim, o financiamento compulsório, descontado dos trabalhadores.

Sobre isso, é importante ressaltar que embora a reforma trabalhista de 2017 tenha extinguido o imposto sindical, desde 2023 o sindicalismo conta com a taxa assistencial, que — apesar do discurso do governo, do sindicalismo e mesmo da imprensa insistir em diferenciá-la do velho imposto —, mantém a característica de ser cobrada compulsoriamente dos trabalhadores.

Ora, como é possível existir uma quantidade tão expressiva de organizações sindicais diante da queda da taxa de sindicalização? E como isso se relaciona com a estrutura sindical? Por três motivos principais. Primeiramente, porque os sindicatos representam trabalhadores formalizados que, independente da sua sindicalização, serão abarcados pela negociação coletiva. Em segundo lugar, porque a existência da organização sindical é instituída de cima para baixo, isto é, do Estado para os trabalhadores. Em terceiro lugar, e relacionado ao motivo anterior, pela possibilidade de financiamento e sobrevivência material das organizações sindicais ser dissociada da atuação e reconhecimento junto à base, ou seja, da vontade dos trabalhadores em se sindicalizar ou de se sindicalizarem a um outro sindicato que avaliam ser um representante melhor para seus interesses. Grosso modo, a estrutura sindical fragmenta trabalhadores, pulveriza organizações sindicais e gera um sindicalismo que atua — mesmo que apenas formalmente — sem trabalhadores sindicalizados.

Se a delimitação legal da atuação voltada a determinadas categorias profissionais, e a consequente fragmentação dessas categorias, dificulta a atuação política do sindicalismo brasileiro, sua indisposição em atuar junto aos trabalhadores informais e a outros tipos de organizações coletivas também favorece seu enfraquecimento e perda de protagonismo junto a outros setores da sociedade.

O primeiro governo de Lula da Silva (PT) tentou encampar uma reforma sindical fracassada. Em promessa de campanha para o terceiro governo, em 2022 o ex-sindicalista prometeu uma reforma sindical junto à revogação das reformas trabalhista e previdenciária. Nenhuma das três medidas avançou, e é notável que estão cada vez mais distantes de qualquer possibilidade de aprovação no Congresso Nacional. Mas mais do que isso, estão também cada vez mais distantes da vontade política do governo e de parte significativa do sindicalismo, que, acomodada a esta realidade, não se move para pressionar por essas medidas.

O processo de queda da taxa de sindicalização é preocupante. Ao contrário das análises fatalistas, não expressa que o sindicalismo está morto ou morrendo, mas indica que é necessário que este agente, que ocupou e ainda ocupa um papel central na conquista de direitos sociais, civis e políticos, e, portanto, na manutenção da democracia, precisa se reinventar frente a tantas adversidades.

Constituir em unidade um projeto político e econômico que dê respostas aos problemas do mercado de trabalho e que transcenda agendas de campanha, agitá-lo junto à sociedade e conquistá-la por meio de uma prática cotidiana e militante, e engajar-se frente ao conjunto dos trabalhadores, formais e informais, transcendendo os muros da estrutura sindical, é o caminho que deve ser tomado, mesmo que tardiamente.

 

•           Para entender o declínio global na sindicalização. Por Clemente Ganz Lúcio

Um dos maiores desafios do movimento sindical brasileiro é o de reverter a queda da densidade sindical, que decorre da menor taxa de sindicalização e da diminuição da cobertura sindical protetiva realizada por meio dos contratos coletivos de trabalho (acordos e convenções coletivas). Observa-se também esse fenômeno em vários outros países, onde é objeto de atenção e de iniciativas estratégicas das organizações sindicais que buscam revertê-lo.

Os fatores e causas que explicam esse fenômeno é debatido por pesquisadores e dirigentes. A OCDE fez um amplo estudo¹ analisando o sistema de relações de trabalho nos 36 países que compõem essa organização. O estudo indica que houve queda na densidade sindical na maioria daqueles países nas últimas quatro décadas motivada, por um lado, pela redução da taxa de sindicalização que era de 33% em 1975 e passou para 16% em 2018 e, por outro lado, pela diminuição da proteção sindical representada pelo contingente de trabalhadores protegidos por acordos coletivos, que passou de 45% em 1985 para 32% em 2017. Neste artigo vamos trazer as causas que motivam a queda da densidade sindical apontadas no referido estudo.

A análise comparativa entre os países da OCDE ressalta movimentos diferentes em termos de tendências, ritmo, intensidade e contexto de declínio da sindicalização, assim como observa que há países, em menor número, com resultados opostos, ou seja, aumento da densidade sindical. A heterogeneidade da evolução da taxa de sindicalização indica causas que remetem à combinação entre fatores globais e elementos específicos de cada país.

As causas que explicam a queda na densidade sindical nos países da OCDE, segundo a revisão da literatura realizada no estudo, são: a globalização, as mudanças demográficas na força de trabalho, a desindustrialização, o encolhimento do setor manufatureiro, a queda do emprego no setor público, a disseminação de formas flexíveis de contratos e mudanças normativas e institucionais.

A globalização pressiona severamente a competição entre empresas e gera dependência de investimento externos estrangeiros para sustentar o crescimento econômico, restringindo a ampliação da capacidade produtiva instalada e a geração de empregos de qualidade, movimentos que atuam para enfraquecer a capacidade de organização e de negociação dos trabalhadores. A imigração é outro fenômeno da globalização e que afeta a densidade sindical porque os trabalhadores estrangeiros se sentem ainda mais vulneráveis se estabelecerem qualquer relação sindical, com medo do desemprego, da denúncia e da perseguição. Perversamente, fora do sindicato, ampliam a sua desproteção.

As transformações na estrutura da economia produzem o encolhimento da indústria ou do setor manufatureiro onde há forte sindicalização. De outro lado, observa-se o crescimento do setor de serviços onde os empregos precários e a menor sindicalização imperam. Isso fica ainda mais evidente diante do fechamento ou encolhimento de tamanho de grandes fábricas. A terceirização é outro fenômeno da globalização que reorganiza o sistema produtivo e que gera exclusão da participação, representação e proteção sindical.

A queda do emprego público, no qual a estabilidade e o vínculo de longa duração contribuem para a sindicalização, é outro fenômeno que explica os números de queda da densidade sindical.

Interessante observar que a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho costumava ser apontada como uma das causas da menor propensão à sindicalização. Entretanto, estudos recentes evidenciam que houve redução na disparidade de gênero na sindicalização, observando-se inclusive uma inversão da situação em alguns países nos quais se observa maiores taxas de sindicalização entre as mulheres do que entre os homens.

Aventava-se também que uma maior escolaridade da força de trabalho poderia se desdobrar em uma menor sindicalização. Os estudos não corroboram essa hipótese explicativa.

Já a composição etária da força de trabalho é uma causa destacada para a queda na filiação sindical. Os jovens representam 7% do total de sindicalizados na área da OCDE e são os menos propensos a se sindicalizar em todos os países analisados. A taxa de sindicalização por idade segue a forma de U invertido, menor entre os mais novos e os mais velhos e maximizada na faixa dos 40 anos.

O contínuo ambiente de desvalorização social da negociação coletiva e da atuação sindical de organização e de representação proporciona um “aprendizado regressivo” durante o amadurecimento na vida laboral que se manifesta na menor participação sindical, o que, por sua vez, enfraquece as formas coletivas de atuação. É durante a vida laboral, dia após dia, que os trabalhadores experimentam, descobrem e aprendem qual é o papel do sindicato. O intencional afastamento e desqualificação da atuação coletiva gera um efeito “bola de neve” no qual a diminuição da força da voz coletiva dos trabalhadores aumenta sua desproteção, precariza e gera insegurança, o que acaba afastando ainda mais os trabalhadores dos sindicatos, o que reduz ainda mais sua capacidade de representação coletiva.

Outro fator essencial que explica o fenômeno de queda na sindicalização é o avanço das mudanças nas formas de contratação, as formas atípicas de emprego como o meio período, o prazo determinado, o emprego temporário e de curta duração, os contratos mediados por agências de mão de obra, ou por plataformas e aplicativos, entre outros. Rotatividade, informalidade, menor permanência média nos empregos, resultam em menor sociabilidade nos locais de trabalho, o que limita ainda mais as oportunidades de vínculo sindical. Os indicadores são evidentes ao demonstrarem que os trabalhadores contratados fora do padrão de contrato de prazo indeterminado têm menor sindicalização.

Mudanças na gestão das empresas têm aumentado a resistência para a promoção de relações sindicais. Observa-se o uso de consultores externos para promover práticas e cultura antissindical como a ameaça de fechamento de unidades locais de empresas ou de demissão de quem se vincular ao sindicato ou participar de suas atividades, entre outras. Ameaça e medo são vetores que atuam para a baixa sindicalização.

O uso de métodos de gestão orientado para medir desempenho individual, a remuneração baseada em incentivos individuais, a desvalorização da negociação coletiva e incentivo às tratativas individuais contribuem para o afastamento dos trabalhadores dos sindicatos e das tratativas coletivas.

Há também as deficiências nas estratégias sindicais para expandir sua base nos setores que ampliam a participação na economia ou para enfrentar os novos métodos de gestão das empresas. Muitas vezes a competição intersindical e a fragmentação da base de representação são causas que potencializam o declínio sindical. De outro lado, fusões que levam a um tipo de agregação de cúpula e com baixa presença no local de trabalho podem favorecer a um maior distanciamento dos trabalhadores em relação aos sindicatos.

Algumas reformas nas legislações nacionais têm desvalorizado a negociação coletiva, privilegiando a negociação por empresa ou individual em detrimento à contratação setorial. Outras reformas intencionalmente dificultam o trabalho de sindicalização.

Mudanças institucionais que retiram dos sindicatos seu papel na promoção de políticas públicas como na previdência social, saúde e segurança, políticas de proteção dos empregos também motivam movimentos de distanciamento dos trabalhadores dos seus sindicatos.

Métodos de gestão empresarial de maior participação de um lado e, de outro, políticas publicas mais protetivas e universais (garantia de emprego, salário mínimo, benefícios coletivos e públicos) podem “retirar” atribuições dos sindicatos o que pode contribuir para uma maior distanciamento dos sindicatos no contato cotidiano com os trabalhadores.

Todos esses fenômenos precisam ser considerados em uma reflexão crítica e propositiva para compreender, em cada contexto situacional do país, o fenômeno da queda da densidade sindical. O desafio é elaborar e desenvolver estratégias consistentes para recolocar a centralidade do papel da negociação coletiva para a regulação das relações e condições de trabalho, e dar sentido e significado ao trabalho sindical para enfrentar as mudanças no mundo do trabalho e proteger as democracias em cada país.

 

Fonte: Brasil de Fato/IHU

 

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