A
'síndrome de James Bond' que faz homens sofrerem em silêncio
O
tema da saúde mental masculina vem merecendo mais importância na última década
– e muitas pessoas defendem que esta atenção já vem muito tarde.
As
altas taxas de suicídio entre os homens colocam este tema em posição de
destaque na agenda nacional britânica. O suicídio é a maior causa de morte
entre os homens com menos de 50 anos no Reino Unido.
Mas
muitos homens continuam enfrentando dificuldades para discutir seus sentimentos
de forma abertamente vulnerável. Agora, um novo filme examina como os homens
ainda encapsulam suas emoções e questiona como é possível mudar este
comportamento arraigado e sistemático.
O
diretor de Silent Men ("Homens silenciosos", em tradução livre),
Duncan Cowles, é o primeiro a admitir suas próprias dificuldades para se abrir
emocionalmente às pessoas mais próximas. Ele brinca que lidar com o assunto
para o documentário foi "como me arrastar para trás através de uma cerca
viva".
Mas
ele conta à BBC News, durante o Festival de Documentários de Sheffield, na
Inglaterra, que percebeu a importância de percorrer esta jornada, pois os
riscos de ignorar as emoções são muito mais assustadores.
"Acho
que ainda existe muita pressão social em torno daquelas características
masculinas tradicionais", afirma Cowles. "Ser forte e as coisas
associadas a ser um líder, ou essa figura estável, segura e confiável."
"Talvez
ainda exista algo de sedutor na ideia daquele homem à moda antiga, aquele
personagem James Bond com quem muitos de nós talvez tenhamos crescido. Acho que
ele ainda é bastante procurado por muitas pessoas."
"Minha
experiência é que, quando ficamos um pouco mais abertos e vulneráveis, podemos
realmente gerar relacionamentos mais fortes e, com isso, mais alegria, conexão
e realização. E, ainda assim, somos levados a nos fechar", ele conta.
A
noção de que os homens sofrem em silêncio não é nova. Em 1854, o escritor
americano Henry David Thoreau escreveu sua mais famosa observação: "A
maioria dos homens leva uma vida de silencioso desespero."
A
frase que sobreviveu por 170 anos e continua a ser citada com frequência até
hoje é um testemunho do quanto as pessoas se identificam com ela – e de como se
fez tão pouco progresso neste campo desde aquela época.
Thoreau
tocou em uma sensação vivida por muitos homens, naquela época e agora, de não
estarem realizados, seja na carreira, nos relacionamentos ou por razões que
eles não conseguem expressar com detalhes.
Dominados
pelos compromissos ou pela vida mundana do seu próprio dia a dia e, ao mesmo
tempo, incapazes ou reticentes para expressar suas emoções, os homens costumam
enfrentar dificuldades para lidar com este tipo de situação.
• A teoria do cobertor azul
"Imagino
que eu sempre tive dificuldades com isso, de me abrir e demonstrar minhas
emoções para a família", afirma Cowles, explicando seus motivos para
produzir o filme.
"Quando
eu estava na universidade, fiz um pequeno filme investigando esta questão, mas
sempre pareceu que este é um ponto não totalmente resolvido na minha
vida."
Enquanto
se prepara para explorar o tema no início do filme, Cowles posta um anúncio
online. Ele procura homens que possam falar para o documentário. Em seguida,
ele entrevista alguns dos que responderam ao anúncio.
Ele
viaja pelo país e conversa com homens de diferentes estilos de vida por vários
anos. Ele chegou a comparecer a um retiro onde os homens se reúnem por um fim
de semana para fazer terapia de grupo.
"Eu
quis sair na minha própria jornada, conversando paralelamente com os homens,
como parte do filme", explica ele. "Mas acabou sendo um filme mais
pessoal do que eu imaginava."
O
cineasta escocês entrevista membros da sua própria família e estuda como suas
personalidades moldaram a dele próprio.
"Meu
pai gosta de fazer furos na parede e dos seus selos, mas ele não é bom em
comunicação verbal", destaca Cowles logo de início. Muitos espectadores
irão reconhecer o quadro que ele pinta do pai.
Uma
especialista em traumas entrevistada para o filme menciona um estudo que
concluiu que os bebês em cobertores azuis – e, portanto, considerados como
sendo meninos – recebiam toque por muito menos tempo do que as meninas.
"Isso
é muito interessante", destaca ela. "O que estamos fazendo na nossa
cultura de socialização dos meninos para que eles sejam menos tocados, não
sejam vistos como vulneráveis e não precisem de tanto apoio emocional quanto as
meninas?"
"O
reforço – 'seja um menino valente, homens não choram' – aquele processo de
fazer você se tornar um homem, quando alguém diz a você o que é um homem, que o
homem precisa ser emocionalmente forte. Todas estas construções sociais meio
que deixam você preso, causando imensos números de problemas de saúde mental
para os homens. Temos um grande problema nas mãos."
Silent
Men é o primeiro documentário de longa metragem de Cowles. Mas ele já ganhou um
prêmio Bafta na Escócia pelo seu curta-metragem Isabella, em 2016.
Questionado
se foi difícil fazer com que os homens apresentados no filme falassem sobre
seus sentimentos, Cowles responde:
"Curiosamente,
não, porque existe algo sobre falar para um estranho que, às vezes, parece
muito mais fácil do que falar para alguém da própria família. Acho que é porque
você tem menos a perder."
É
interessante observar a percepção de outros homens. Um dos colaboradores,
Ainslie, declarou que sua visão mudou depois que ele foi pai. Mas não
necessariamente da forma em que se poderia pensar.
Ele
conta que a responsabilidade de ser pai, na verdade, fez com que ele tivesse
menos tempo e oportunidades de expressar suas próprias emoções.
Outro
homem, Dom, diz frequentemente ao seu filho mais novo o quando ele o ama. Ele
conta que odeia a ideia de que alguém próximo a ele possa morrer sem saber o
quanto aquela pessoa significa para ele.
Um
dos momentos mais tocantes – e engraçados – do filme ocorre quando acaba a
bateria do microfone do irmão de Cowles. Ele aproveita aquele exato momento,
quando não pode ser totalmente ouvido, para dizer a Duncan: "Eu te
amo."
Apesar
de todas essas conversas fortes, o filme é temperado com momentos de leveza. Em
alguns pontos, o diretor interrompe abruptamente conversas difíceis para
apresentar imagens de praias relaxantes e abelhas pousando em flores.
"Algo
que eu realmente quis fazer com este filme foi torná-lo acessível, sem que
fosse totalmente restrito às doenças mentais, mas que também contivesse humor e
deixasse as pessoas com um sorriso no rosto", conta Cowles.
O
documentário caminha rumo à sua conclusão quando Cowles se senta com seus pais
para dizer a eles o quanto ele os ama. Os dois são receptivos, mas seu pai meio
que desdenha do ar "fantasioso" de demonstrar emoções, sugerindo que
"não é algo normal para um homem".
Por
isso, o pai de Cowles defende que, quando alguém não se abre, na verdade, é um
bom sinal. Para ele, não sentir a necessidade de se mostrar vulnerável
significa que, de forma geral, ele está se sentindo satisfeito.
Refletindo
agora sobre os comentários do seu pai, Cowles comenta que "ele vem de uma
geração que não quer ver alguém visivelmente preocupado. Por isso, se você não
demonstra nada, é um bom sinal [para ele] porque significa que você está bem.
Sei o que ele quer dizer."
"Os
mais jovens parecem ter uma opinião diferente sobre este tipo de assunto e
estão mais dispostos a se abrir", observa ele. "Eles têm consciência
sobre esta questão."
Cowles
admite em frente à câmera seu receio de que precisará fingir ter feito
progressos para dar ao filme um final feliz. Mas, na verdade, talvez ele não
tenha conseguido fazer mudanças significativas.
Mas,
meses depois do término do filme, o cineasta afirma que a produção
"certamente" alterou seu comportamento.
"Eu
não chamaria de uma transformação hollywoodiana", diz ele, rindo.
"Tem sido algo bem gradual e eu não diria que sou perfeito, em nenhum
aspecto."
"Mas,
em comparação com o que eu era antes, minha parceira reconhece que eu mudei
bastante, que sou mais consciente sobre isso e capaz de admitir quando devo me
abrir um pouco mais."
Fonte:
Por Steven McIntosh. repórter de entretenimento da BBC News
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