A
não-solução dos militares para a Terra Yanomami
No
último dia 7, a revista Carta Capital informou que o ministro da Defesa, José
Múcio, defendeu o acesso de empresas de mineração à Terra Indígena Yanomami,
como forma de substituir o garimpo ilegal, porque o governo não dispõe de
recursos para cuidar da segurança regional. “Nós ficamos lutando pela conquista
de um território que nós poderíamos estabelecer que a iniciativa privada
poderia nos ajudar na ocupação do território”, disse. Segundo ele, “o índio
ganharia”. As afirmações foram feitas no Seminário Internacional sobre
Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia”.
Ele
ainda complementou que isso já é feito em outros países. “Esse modelo seria
brasileiro? Não, esse modelo é americano – Las Vegas é dos índios –, da Nova
Zelândia, do Canadá, da Austrália. Esse modelo já funciona no mundo. Tirar os
bandidos do processo e botar a sociedade para participar das áreas dos
indígenas. Eles receberiam bem mais e as terras estariam preservadas”.
A
declaração de Múcio causou perplexidade, pois o território Yanomami fica na
fronteira com a Venezuela e o Exército mantém, na área, pelotões de fronteira
para garantir a segurança nacional. Ele ignorou o questionamento já feito pelo
presidente Lula sobre como o Exército defenderia o país de uma invasão externa,
se não é capaz de erradicar o garimpo predatório.
Os
garimpos que operam na região são altamente capitalizados, dominados por
pequenos grupos poderosos, que mobilizam e manipulam a mão de obra informal de
milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade. Dispõem de sofisticada
logística aérea, que utiliza uma rede de pistas de pouso clandestinas,
inclusive em território venezuelano. Investigações da Polícia Federal comprovam
fortes vínculos entre os garimpos e o narcotráfico, envolvendo facções do crime
organizado de ambos os países.
• Risco reputacional
Múcio
não parece preocupado com a reputação das Forças Armadas. Nem com a dele
próprio, já que, sendo o ministro que responde pela estratégia de defesa
nacional, não deveria embarcar numa tese tão mal informada. O ouro que ocorre é
de aluvião e está presente em vários cursos d’água do território. Não há
pesquisa mineral que comprove a existência de jazidas profundas, adequadas à
mineração industrial convencional e legalizada.
A
pesquisa é indispensável para localizar e dimensionar a jazida, além de
identificar outras características relevantes para aferir a viabilidade
econômica da sua exploração. Naquelas condições, o custo da própria pesquisa
seria elevado e não seria possível realizá-la em áreas sob controle do garimpo.
Retirar os garimpeiros seria condição básica para o ingresso de qualquer
empresa.
Mesmo
liberadas dos invasores, áreas degradadas por garimpo implicam um gigantesco
passivo, adicional aos custos operacionais e logísticos, que não interessa a
qualquer empresa. O garimpo depreda a própria jazida, erodindo o seu potencial
de rentabilidade.
Além
disso, em se tratando do povo Yanomami, conhecido no mundo todo, qualquer
empresa séria levaria em conta o enorme risco reputacional inerente (que Múcio
desprezou). Problemas operacionais, danos ambientais e conflitos com indígenas
poderiam causar danos irreparáveis de imagem, dificultando o acesso a fundos de
investimentos e a mercados mais exigentes.
• Abdução
O
modelo “Las Vegas” que Múcio deseja aplicar aos Yanomami é totalmente impróprio
para uma população indígena de recente contato e que ainda dispõe de grupos
isolados, que sequer mantêm relações regulares com a sociedade nacional. As
áreas de mineração aventadas, no Canadá, Austrália e outros países, estão em
geleiras ou em desertos que nada têm a ver com a Amazônia, com a sua
biodiversidade e sistema hídrico.
Além
disso, o modelo de Múcio está longe de ser o mais conveniente, pois são
frequentes os conflitos entre empresas de mineração e povos originários nesses
países. O ministro poderia balizar melhor as suas declarações se estivesse
informado sobre os contratos já existentes entre a Vale e os Xikrin do Cateté
(PA), ou da Paranapanema com os Waimiri-Atroari (AM), cujos territórios são
vizinhos das minas.
Se
José Múcio encontrar uma empresa que encare o risco reputacional, ocupe e
retire os invasores de uma área de garimpo, assuma o passivo, pesquise e
descubra uma jazida economicamente viável e banque os custos inerentes,
conseguirá comprovar, apenas pontualmente, a sua hipótese. A substituição se
dará na área daquela jazida, não afetando as demais áreas invadidas pelo
garimpo.
A
hipótese de Múcio pressupõe, ainda, a regulamentação em lei da pesquisa e lavra
de minérios em Terras Indígenas, prevista na Constituição, mas até hoje não
efetivada pelo Congresso. O tema está implícito numa ação direta de
inconstitucionalidade por omissão (ADO), a ser julgada pelo STF, mas não há
data para uma decisão. Por isso, a tese carrega muitas dúvidas sobre a
disposição do Ministério da Defesa para retirar os invasores e proteger o
território indígena até lá e depois.
• O que fazer
Múcio
deveria encarar de frente não apenas o custo e a ineficácia das operações
intermitentes de retirada de garimpeiros, mas também dos pelotões de fronteira
que não atendem às ameaças presentes. Deveria rever o atual sistema de controle
do tráfego aéreo e considerar a implantação de uma base intermodal, que acolha
todos os órgãos públicos e seja capaz de monitorar todos os acessos à região.
Com
o respaldo do presidente Lula e do Itamaraty, Múcio poderia articular acordos
de cooperação com a Guarda Nacional da Venezuela, para impedir o trânsito de
garimpeiros e de insumos entre os dois países, combater o crime organizado e
desenvolver ações assistenciais conjuntas para as comunidades fronteiriças.
Deveria,
também, promover a incorporação da crise climática à visão estratégica das
Forças Armadas (FAs), apequenada pelo negacionismo nos últimos anos. As FAs
devem se antecipar à emergência, em vez de atuar a reboque dela. As Terras
Indígenas e outras áreas de floresta são fundamentais para o país enfrentar a
ameaça climática.
Finalmente,
ou primeiramente, antes de fazer declarações públicas tão importantes e
sujeitas a repercussões, Múcio deveria alinhá-las com Lula, com a ministra dos
Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e com dirigentes da Casa de Governo,
instalada em Boa Vista (RR) para articular as ações junto aos Yanomami. A
palavra do ministro da Defesa tem de ser de governo, para resolver, e não para
terceirizar a responsabilidade pela segurança nacional.
• Funai busca alternativas para
facilitar o acesso do Estado brasileiro à Terra Indígena Yanomami
A
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) está buscando maneiras de
melhorar o acesso à Terra Indígena Yanomami (TIY). Para isso, a presidenta da
Funai, Joenia Wapichana, aproveitou sua agenda no Reino Unido para visitar a
indústria FAUN Trackway Limited, no País de Gales, nesta segunda-feira (24). A
presidenta destaca que a empresa possui tecnologia inovadora para a construção
de pistas de pouso em áreas remotas.
“Essa
indústria tem desenvolvido materiais para pistas de pouso, e hoje a Funai está
aqui, em uma articulação da Diretoria de Proteção Territorial, visando à
reforma das pistas na Terra Indígena Yanomami. Isso visa permitir a chegada de
cestas de alimentos e facilitar o acesso do serviço público ao território”,
ressalta Joenia Wapichana.
Também
acompanharam a visita a diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável,
Lúcia Alberta, e a assessora de Comunidades e Florestas na Embaixada do Reino
Unido no Brasil, Iara Menezes.
O
objetivo da Funai, em parceria com a Empresa Brasileira de Infraestrutura
Aeroportuária (Infraero), é promover obras de melhoria em cinco pistas de pouso
e decolagem na Terra Indígena Yanomami, facilitando assim a presença do Estado
brasileiro para promover os direitos dos povos indígenas e restaurar sua
autonomia e bem-estar. As pistas que devem passar por melhorias, conforme
contrato com a Infraero, estão localizadas em Auaris, Surucucu, Missão
Catrimani, Maloca Paa-Piu e Palimiú, todas em Roraima.
O
gerente comercial da FAUN apresentou a tecnologia utilizada pela empresa. De
acordo com ele, o material é projetado para minimizar os danos ambientais e
proteger habitats delicados, além de ser 100% reciclável. A durabilidade também
é superior em comparação a outros materiais. Os painéis, feitos de alumínio,
reduzem os danos causados nas pistas — um problema frequente na região. A Funai
está avaliando as opções para qualificar o atendimento aos povos da região.
Com
mais de 9,5 milhões de hectares, uma área maior que Portugal, a TIY é o maior
território indígena do Brasil. A extensão e as especificidades da área
apresentam desafios logísticos significativos para atender as necessidades dos
indígenas.
A
Funai é responsável por coordenar e orientar a política indigenista no Brasil.
A autarquia tem priorizado o diálogo com os povos indígenas como forma de
melhor atendê-los, respeitando a diversidade e especificidade de cada um. Para
enfrentar a emergência na TIY, agravada pelo garimpo ilegal, a Funai e outros
órgãos do Governo Federal têm empenhado esforços para retirar os invasores e
atender os povos da região. .
• Brazil Forum UK
Nos
dias 22 e 23 de junho, a presidenta da Funai participou com painelista da 9ª
edição do Brazil Forum UK, realizado pela Universidade de Oxford, no Reino
Unido. Joenia Wapichana defendeu a promoção dos direitos sociais dos povos
indígenas como forma de quebrar paradigmas colonialistas e compreender a
relação que eles têm com seus territórios. Ela destacou a necessidade de
fortalecer a presença do Estado com um tratamento específico e diferenciado em
segurança pública contra invasores, bem como garantir a gestão territorial e
ambiental feita pelos próprios indígenas.
Fonte:
Por Márcio Santilli, no Congresso em Foco/Ascom Funai
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