quinta-feira, 27 de junho de 2024

A não-solução dos militares para a Terra Yanomami

No último dia 7, a revista Carta Capital informou que o ministro da Defesa, José Múcio, defendeu o acesso de empresas de mineração à Terra Indígena Yanomami, como forma de substituir o garimpo ilegal, porque o governo não dispõe de recursos para cuidar da segurança regional. “Nós ficamos lutando pela conquista de um território que nós poderíamos estabelecer que a iniciativa privada poderia nos ajudar na ocupação do território”, disse. Segundo ele, “o índio ganharia”. As afirmações foram feitas no Seminário Internacional sobre Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia”.

Ele ainda complementou que isso já é feito em outros países. “Esse modelo seria brasileiro? Não, esse modelo é americano – Las Vegas é dos índios –, da Nova Zelândia, do Canadá, da Austrália. Esse modelo já funciona no mundo. Tirar os bandidos do processo e botar a sociedade para participar das áreas dos indígenas. Eles receberiam bem mais e as terras estariam preservadas”.

A declaração de Múcio causou perplexidade, pois o território Yanomami fica na fronteira com a Venezuela e o Exército mantém, na área, pelotões de fronteira para garantir a segurança nacional. Ele ignorou o questionamento já feito pelo presidente Lula sobre como o Exército defenderia o país de uma invasão externa, se não é capaz de erradicar o garimpo predatório.

Os garimpos que operam na região são altamente capitalizados, dominados por pequenos grupos poderosos, que mobilizam e manipulam a mão de obra informal de milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade. Dispõem de sofisticada logística aérea, que utiliza uma rede de pistas de pouso clandestinas, inclusive em território venezuelano. Investigações da Polícia Federal comprovam fortes vínculos entre os garimpos e o narcotráfico, envolvendo facções do crime organizado de ambos os países.

•           Risco reputacional

Múcio não parece preocupado com a reputação das Forças Armadas. Nem com a dele próprio, já que, sendo o ministro que responde pela estratégia de defesa nacional, não deveria embarcar numa tese tão mal informada. O ouro que ocorre é de aluvião e está presente em vários cursos d’água do território. Não há pesquisa mineral que comprove a existência de jazidas profundas, adequadas à mineração industrial convencional e legalizada.

A pesquisa é indispensável para localizar e dimensionar a jazida, além de identificar outras características relevantes para aferir a viabilidade econômica da sua exploração. Naquelas condições, o custo da própria pesquisa seria elevado e não seria possível realizá-la em áreas sob controle do garimpo. Retirar os garimpeiros seria condição básica para o ingresso de qualquer empresa.

Mesmo liberadas dos invasores, áreas degradadas por garimpo implicam um gigantesco passivo, adicional aos custos operacionais e logísticos, que não interessa a qualquer empresa. O garimpo depreda a própria jazida, erodindo o seu potencial de rentabilidade.

Além disso, em se tratando do povo Yanomami, conhecido no mundo todo, qualquer empresa séria levaria em conta o enorme risco reputacional inerente (que Múcio desprezou). Problemas operacionais, danos ambientais e conflitos com indígenas poderiam causar danos irreparáveis de imagem, dificultando o acesso a fundos de investimentos e a mercados mais exigentes.

•           Abdução

O modelo “Las Vegas” que Múcio deseja aplicar aos Yanomami é totalmente impróprio para uma população indígena de recente contato e que ainda dispõe de grupos isolados, que sequer mantêm relações regulares com a sociedade nacional. As áreas de mineração aventadas, no Canadá, Austrália e outros países, estão em geleiras ou em desertos que nada têm a ver com a Amazônia, com a sua biodiversidade e sistema hídrico.

Além disso, o modelo de Múcio está longe de ser o mais conveniente, pois são frequentes os conflitos entre empresas de mineração e povos originários nesses países. O ministro poderia balizar melhor as suas declarações se estivesse informado sobre os contratos já existentes entre a Vale e os Xikrin do Cateté (PA), ou da Paranapanema com os Waimiri-Atroari (AM), cujos territórios são vizinhos das minas.

Se José Múcio encontrar uma empresa que encare o risco reputacional, ocupe e retire os invasores de uma área de garimpo, assuma o passivo, pesquise e descubra uma jazida economicamente viável e banque os custos inerentes, conseguirá comprovar, apenas pontualmente, a sua hipótese. A substituição se dará na área daquela jazida, não afetando as demais áreas invadidas pelo garimpo.

A hipótese de Múcio pressupõe, ainda, a regulamentação em lei da pesquisa e lavra de minérios em Terras Indígenas, prevista na Constituição, mas até hoje não efetivada pelo Congresso. O tema está implícito numa ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), a ser julgada pelo STF, mas não há data para uma decisão. Por isso, a tese carrega muitas dúvidas sobre a disposição do Ministério da Defesa para retirar os invasores e proteger o território indígena até lá e depois.

•           O que fazer

Múcio deveria encarar de frente não apenas o custo e a ineficácia das operações intermitentes de retirada de garimpeiros, mas também dos pelotões de fronteira que não atendem às ameaças presentes. Deveria rever o atual sistema de controle do tráfego aéreo e considerar a implantação de uma base intermodal, que acolha todos os órgãos públicos e seja capaz de monitorar todos os acessos à região.

Com o respaldo do presidente Lula e do Itamaraty, Múcio poderia articular acordos de cooperação com a Guarda Nacional da Venezuela, para impedir o trânsito de garimpeiros e de insumos entre os dois países, combater o crime organizado e desenvolver ações assistenciais conjuntas para as comunidades fronteiriças.

Deveria, também, promover a incorporação da crise climática à visão estratégica das Forças Armadas (FAs), apequenada pelo negacionismo nos últimos anos. As FAs devem se antecipar à emergência, em vez de atuar a reboque dela. As Terras Indígenas e outras áreas de floresta são fundamentais para o país enfrentar a ameaça climática.

Finalmente, ou primeiramente, antes de fazer declarações públicas tão importantes e sujeitas a repercussões, Múcio deveria alinhá-las com Lula, com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e com dirigentes da Casa de Governo, instalada em Boa Vista (RR) para articular as ações junto aos Yanomami. A palavra do ministro da Defesa tem de ser de governo, para resolver, e não para terceirizar a responsabilidade pela segurança nacional.

 

•           Funai busca alternativas para facilitar o acesso do Estado brasileiro à Terra Indígena Yanomami

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) está buscando maneiras de melhorar o acesso à Terra Indígena Yanomami (TIY). Para isso, a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, aproveitou sua agenda no Reino Unido para visitar a indústria FAUN Trackway Limited, no País de Gales, nesta segunda-feira (24). A presidenta destaca que a empresa possui tecnologia inovadora para a construção de pistas de pouso em áreas remotas.

“Essa indústria tem desenvolvido materiais para pistas de pouso, e hoje a Funai está aqui, em uma articulação da Diretoria de Proteção Territorial, visando à reforma das pistas na Terra Indígena Yanomami. Isso visa permitir a chegada de cestas de alimentos e facilitar o acesso do serviço público ao território”, ressalta Joenia Wapichana.

Também acompanharam a visita a diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, Lúcia Alberta, e a assessora de Comunidades e Florestas na Embaixada do Reino Unido no Brasil, Iara Menezes.

O objetivo da Funai, em parceria com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), é promover obras de melhoria em cinco pistas de pouso e decolagem na Terra Indígena Yanomami, facilitando assim a presença do Estado brasileiro para promover os direitos dos povos indígenas e restaurar sua autonomia e bem-estar. As pistas que devem passar por melhorias, conforme contrato com a Infraero, estão localizadas em Auaris, Surucucu, Missão Catrimani, Maloca Paa-Piu e Palimiú, todas em Roraima.

O gerente comercial da FAUN apresentou a tecnologia utilizada pela empresa. De acordo com ele, o material é projetado para minimizar os danos ambientais e proteger habitats delicados, além de ser 100% reciclável. A durabilidade também é superior em comparação a outros materiais. Os painéis, feitos de alumínio, reduzem os danos causados nas pistas — um problema frequente na região. A Funai está avaliando as opções para qualificar o atendimento aos povos da região.

Com mais de 9,5 milhões de hectares, uma área maior que Portugal, a TIY é o maior território indígena do Brasil. A extensão e as especificidades da área apresentam desafios logísticos significativos para atender as necessidades dos indígenas.

A Funai é responsável por coordenar e orientar a política indigenista no Brasil. A autarquia tem priorizado o diálogo com os povos indígenas como forma de melhor atendê-los, respeitando a diversidade e especificidade de cada um. Para enfrentar a emergência na TIY, agravada pelo garimpo ilegal, a Funai e outros órgãos do Governo Federal têm empenhado esforços para retirar os invasores e atender os povos da região. .

•           Brazil Forum UK

Nos dias 22 e 23 de junho, a presidenta da Funai participou com painelista da 9ª edição do Brazil Forum UK, realizado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Joenia Wapichana defendeu a promoção dos direitos sociais dos povos indígenas como forma de quebrar paradigmas colonialistas e compreender a relação que eles têm com seus territórios. Ela destacou a necessidade de fortalecer a presença do Estado com um tratamento específico e diferenciado em segurança pública contra invasores, bem como garantir a gestão territorial e ambiental feita pelos próprios indígenas.

 

Fonte: Por Márcio Santilli, no Congresso em Foco/Ascom Funai

 

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