Ângela
Carrato: Banco Central de rabo preso com o mercado financeiro e mídia silencia
e mente
Através
de notícias, comentários e editoriais, a mídia corporativa brasileira festejou
a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) que manteve a taxa de juros
em 10,5%.
De
acordo com ela, a decisão foi correta e o grande perdedor é o presidente Lula.
O
grande derrotado por esta decisão, que interrompeu uma sequência de sete quedas
seguidas na taxa Selic, é a maioria da população brasileira.
É
ela que continuará pagando caro, caríssimo, pelo país ocupar a nada honrosa
posição de vice-líder dos mais altos juros do mundo, atrás apenas da Rússia que
se encontra em guerra.
Desde
o início de seu terceiro governo, Lula tem apontado os juros nas alturas como
um dos principais entraves ao desenvolvimento do Brasil.
Que
industrial ou empresário vai investir em atividade produtiva, quando sentado no
sofá vê seu dinheiro se multiplicar no mercado financeiro?
Os
juros altos são excelentes para os muito ricos e bilionários, mas péssimo para
a maioria da sociedade, pois não gera empregos, impede investimentos produtivos
e emperra o desenvolvimento.
Não
há, na história mundial, um único país que tenha garantido qualidade de vida
para sua população à base do rentismo.
Então,
o que faz com que essa mídia se coloque, de forma tão entusiasmada, a favor de
uma medida que é contra o Brasil e o povo brasileiro?
A
resposta é simples, porém desconhecida da maioria das pessoas.
A
mídia corporativa brasileira é controlada pelo mercado financeiro e o aplauso à
decisão do Copom significa, na prática, um aplauso que os bilionários fazem a
si mesmos. Algo como: mais uma vez saímos ganhando e a maioria que se dane.
É
contra isso que o presidente Lula tem lutado desde o início de seu atual
governo. Luta que assumiu ares de verdadeira guerra nas três últimas semanas
que antecederam à reunião do Copom.
Enquanto
Lula mostrava que o fato de a economia brasileira ir bem, com os seus
principais indicadores positivos – inflação baixa, desemprego em queda e a
caminho do pleno emprego e o país batendo recorde em investimento estrangeiro –
a mídia passou a fazer exatamente o inverso.
Tratou
de criar um ambiente de incerteza na área econômica a fim de justificar a não
continuidade no corte da taxa de juros.
Voltou
a acenar com o “bicho papão” da inflação e do desequilíbrio nas contas
públicas.
Há
anos não se via tanta manchete econômica em jornais, revistas, emissoras de
rádio e de TV, todas assinalando que as contas públicas estão “descontroladas”
e que o governo precisa fazer “cortes no orçamento”.
Alguns
veículos foram ainda mais longe, dando a receita para o governo: uma nova
reforma da Previdência e cortes nas áreas sociais, em especial saúde e
educação.
Receitas
tão descaradas não surpreendem.
São
os muito ricos e bilionários querendo controlar o governo em função de seus
próprios interesses.
Vale
lembrar que em abril, o presidente do Banco Central, o bolsonarista Roberto
Campos Neto, já havia “alertado” que a queda do desemprego poderia ser algo
negativo.
“Ela
dificulta a contratação para as empresas e você tem que começar a subir o
salário”, explica. Para Campos Neto, aumentar salários significa aumentar a
inflação!
Postura
que deixa bem claro onde ele se situa.
O
Copom é o órgão do Banco Central, formado por seu presidente e diretores que, a
cada 45 dias, definem a taxa básica de juros da economia.
A
declaração de Campos Neto não é, portanto, a de um cidadão comum: é a do
principal responsável pela política monetária no país.
Não
por acaso, esse tipo de declaração contribuiu em muito para fomentar as
“incertezas” no mercado e elas acabaram fazendo com que o dólar aumentasse e as
ações na bolsa de valores caíssem.
Como
se declarações criando instabilidades no mercado não bastassem, Campos Neto
passou, nas últimas semanas, a articular abertamente contra a política
econômica desenvolvimentista do governo Lula.
Reuniu-se
com representantes do mercado financeiro a fim de criticar e tentar
desacreditar as ações de Lula. Reuniu-se com políticos da oposição de
extrema-direita, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas,
estimulando-o a ser candidato à presidência da República em 2026 e
oferecendo-se para ser o seu ministro da Fazenda.
Se
o presidente do Federal Reserve Bank (FED), o banco central dos Estados Unidos,
adotasse postura semelhante, teria que pedir demissão ou seria demitido.
Até
porque é impensável um presidente de banco central que não esteja afinado com a
política econômica do governo do seu país. Aqui, Campos Neto virou um herói
para a mídia dos rentistas.
Quando,
no final do governo Bolsonaro, foi aprovada a chamada “independência” do Banco
Central, o argumento era que o órgão não poderia ficar a mercê dos interesses
do governo de plantão.
A
justificativa obviamente era fajuta. O que os muito ricos e bilionários queriam
– e conseguiram – era impor uma trava e uma garantia para os seus próprios
interesses, caso o vitorioso fosse Lula.
A
mídia bateu palmas para a medida, lembrando que um Banco Central “independente”
do governo era essencial.
No
entanto agora, quando se tem um BC de rabo preso com o mercado financeiro, há
um silêncio absoluto na mídia.
Mídia
que tenta brindar Campos Neto de toda forma, a ponto de não noticiar suas
reuniões com a extrema-direita.
Político
tarimbado, o presidente Lula aproveitou a entrevista coletiva que concedeu à
mídia internacional, ao fim da reunião de cúpula do G-7, na Itália, para
colocar os pingos nos is.
Perguntado
sobre a repercussão no Brasil de sua posição em defesa de tachar os mais ricos,
foi certeiro: não há repercussão, porque a mídia brasileira é controlada pelo
mercado financeiro.
O
mundo inteiro ficou sabendo disso, menos, é claro, quem ainda se informa pela
mídia corporativa daqui.
As
seis famílias que controlam mais de 70% da informação no Brasil – Marinho,
Frias, Santos, Macedo, Saad, Mesquita – estão intimamente ligadas ao chamado
“mercado”.
São
bilionárias e ganham mais dinheiro com suas aplicações financeiras do que com
suas atividades em comunicação.
A
título de exemplo, Luiz Frias, proprietário da Folha de S. Paulo e do portal
UOL, é também o dono do PagSeguro.
Já
a família Mesquita, do jornal Estado de S. Paulo, acaba de vender a publicação
para representantes do mercado financeiro. A negociação, pelo que se comenta,
girou em torno de R$ 120 milhões.
Esperar
o que de uma mídia nas mãos dos rentistas?
Mesmo
assim, Lula não se abalou. Na terça-feira, quando começou a reunião do Copom,
deu entrevista para rádio CBN, do grupo Globo, onde mostrou, por a mais b, qual
era a jogada do mercado financeiro e do próprio Campos Neto.
Uma
de suas colocações mais certeiras foi a comparação de Campos Neto a Sérgio
Moro.
Como
Moro, Campos Neto se diz independente, mas articula com a extrema-direita e
busca defender seus próprios interesses.
Moro
dizia combater a corrupção e acabou sendo ministro da Justiça de Bolsonaro.
Campos
Neto diz combater a inflação, mas está atrás de emprego como ministro da
Fazenda num eventual governo do truculento Tarcísio de Feitas.
Os
bilionários responderam criando mais instabilidade e fazendo com que a cotação
do dólar disparasse, chegando a R$5,41, a mais alta desde julho de 2022.
Preparavam mais uma crise, que poderia ser grave.
Como
o Copom tem, no momento, composição majoritária de diretores indicados por
Bolsonaro, era de se esperar que não houvesse como não houve, redução na taxa
de juros.
No
entanto, causou surpresa a votação unanime de seus nove membros, a favor da
manutenção dessa taxa em 10,5%. Votação que teve o apoio dos quatro diretores
indicados pelo próprio Lula.
Foi
o que bastou para a mídia corporativa falar em derrota do presidente e cantar
sua própria vitória.
Comemoração
que pode ter sido não só apressada como errada.
Pesquisa
divulgada pelo Datafolha essa semana mostra que a popularidade de Lula se
mantem e se amplia, ao contrário de previsões de que ela estaria desabando.
Ao
explicitar a jogada de Campos Neto para o público mais amplo, Lula não só
detonou com a tal independência do Banco Central, como carimbou na testa do
adversário o adjetivo de “inimigo do povo brasileiro”.
Quanto
aos diretores indicados por ele terem votado pela manutenção da taxa de juros,
pode ter sido uma jogada para estancar a crise que Campos Neto e a “Faria Lima”
haviam criado e pretendiam intensificar.
Se
nada disso corresponder à realidade, tal votação não deixou de ser um teste
para Lula saber com quem pode contar a partir de 31 de dezembro, quando termina
o mandato de Campos Neto e caberá a ele indicar o novo presidente da
instituição.
É
importante lembrar que a indicação tem que ser aprovada pelo Senado. Nesse
sentido, os senadores não terão como dizer que Gabriel Galípolo, diretor de
Política Monetária do BC, indicado e apontado como o preferido por Lula para
suceder Campos Neto, não teria independência suficiente para o cargo.
Fazer
do limão uma limonada tem se tornado uma das especialidades do atual governo.
Com
o recesso de meio de ano se aproximando e as eleições municipais dominando
praticamente todo o segundo semestre, o governo sabe que o período mais difícil
está chegando ao fim.
Arthur
Lira e suas pautas-bombas na Câmara dos Deputados estão desmoralizadas. Ele
próprio virou um inimigo público, depois que tentou, sem sucesso, usar o
absurdo projeto de lei que criminaliza as mulheres vítimas de aborto mais do
que os próprios estupradores como moeda para indicar seu sucessor no cargo.
Outras
investidas igualmente absurdas como a de privatizar as praias, tentar liberar o
trabalho infantil aos 14 anos ou a anistia para partidos políticos que não
cumpriram as cotas mínimas fixadas em eleições anteriores para candidaturas de
mulheres também não foram em frente.
Dito
de outra forma, o “reinado” de Lira está no fim e a partir do próximo ano,
Câmara e Senado terão novos presidentes.
Também
está no fim o controle de Campos Neto e da “Faria Lima” sobre as posições do
Banco Central.
Ganhar
ou perder faz parte da política.
No
episódio da manutenção das taxas de juros em patamares estratosféricos, perdeu
o povo brasileiro, não Lula e a sua política econômica, que vai bem apesar de
todas as mentiras da mídia e os entraves deixados pelos golpistas.
• Copom usa dados sob suspeita de
manipulação para justificar fim da queda dos juros; BC impõe sigilo
O
Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) usou dados que podem
ter sido manipulados por bancos para justificar sua decisão de manter a taxa
básica de juros em 10,5% ao ano tomada na última quarta-feira (19). A
informação consta da ata da última reunião do comitê, divulgada nesta
terça-feira (25).
Na
ata, membros do comitê entenderam que a taxa Selic não deveria ser reduzida
porque as expectativas de inflação dos agentes econômicos do país já estariam
apontando para uma tendência de aumento de preços. Neste contexto, manter os
juros num patamar elevado ajudaria a conter uma eventual alta da inflação.
"A
conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que
tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação
e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da
política monetária", diz o órgão, justificando sua decisão.
De
acordo com o próprio Copom, as expectativas de inflação consideradas para a
decisão são medidas por meio do Boletim Focus. O boletim é elaborado pelo BC
com base em previsões encaminhadas por bancos sobre indicadores econômicos,
incluindo inflação.
Recentemente,
economistas levantaram suspeitas de que essas previsões de bancos tenham sido
manipuladas para que o Copom, com base nelas, segurasse a taxa básica de juros
num patamar mais alto.
No
final de maio, o programa ICL Notícias realizou um estudo sobre o Focus
indicando a manipulação. Esse estudo foi divulgado no programa, transmitido
pelo Youtube, e comentado pelo economista Eduardo Moreira, que trabalhou por
anos no mercado financeiro. Após a divulgação do vídeo, o Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) pediu que o TCU apure a
influência de bancos na Selic.
O
Brasil de Fato solicitou ao BC acesso às previsões dos bancos que baseiam o
Boletim Focus via Lei de Acesso à Informação (LAI). O BC negou.
• Suspeita
No
mesmo dia em que o ICL Notícias divulgou seu estudo sobre o Boletim Focus, o
economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), postou dados que reforçam a suspeita de manipulação.
Para
ele, alguns bancos ouvidos pelo BC para elaboração do Focus podem ter elevado
deliberadamente sua previsão sobre inflação. Isso teria aumentado de forma
desproporcional a expectativa média sobre o indicador.
Olhando
só a média, seria possível entender que os agentes de mercado como um todo
estariam apostando numa inflação mais alta, o que justificaria a manutenção da
Selic em patamares mais elevados. No entanto, é possível que bancos mal
intencionados tenham repassado uma previsão sabidamente exagerada ao BC só para
influenciar o Copom.
No
início de maio, a mais alta previsão para a inflação de 2024 subiu de 4,66%
para 5,74% de um dia para outro. Já a mais alta previsão para a inflação para
2026 saltou de 5,7% para 8%, também de um dia para outro. As mudanças bruscas
fogem de padrões tradicionais de alterações de expectativas e parecem ter sido
causadas por um movimento de poucos bancos dentre os ouvidos pelo BC.
O
movimento, no entanto, acabou alterando a mediana calculada para o Focus. Em
abril, o Boletim indicava que os bancos esperavam que a inflação fechasse 2024
em cerca de 3,8%. Hoje, a previsão média é de 3,98%.
• Sigilo
Após
a divulgação das suspeitas sobre o Focus, o Brasil de Fato questionou o BC
sobre o assunto e solicitou uma verificação sobre que banco (ou bancos) teria
informado uma previsão de inflação tão alta. O BC não comentou nem repassou
qualquer informação.
O
BdF, então, protocolou um pedido ao BC baseado na LAI solicitando acesso à base
completa de previsões enviadas por bancos que basearam todas as edições do
Boletim Focus em 2024. O órgão negou acesso aos dados argumentando que eles são
"informação passível de gerar vantagem competitiva a outros agentes
econômicos".
Segundo
o BC, dados como esses não podem ser divulgados. Isso, inclusive, está previsto
no decreto que regulamentou a LAI (Decreto 7.724, de 2012).
O
BdF recorreu da decisão questionando como as previsões dos bancos poderiam
"gerar vantagem competitiva". O BC argumentou que os dados são
produzidos por profissionais, com apoio de estudos e pesquisas desenvolvidos
nessas instituições. "Dar publicidade a esses dados pode ter implicações
diversas, que podem resultar em vantagens/desvantagens competitivas para as
instituições participantes ou outras, concorrentes. Esses dados constituem
propriedade intelectual, que possibilita a quem a detém auferir eventuais
benefícios, diretos ou indiretos."
O
BC, aliás, divulga periodicamente um ranking dos cinco bancos que mais
acertaram previsões enviadas para o Focus. O BdF pediu acesso ao ranking
completo, considerando que o banco (ou bancos) que exagerou propositalmente em
sua previsão poderia aparecer nas últimas colocações.
O
BC negou acesso. "O ranking Top 5, tal como foi concebido, pressupõe a
divulgação das instituições que obtiveram melhores resultados com as suas
projeções. Os participantes estão cientes e de acordo e não há, portanto,
quebra de confidencialidade quando o BC faz a divulgação", argumentou.
"A divulgação dos rankings completos traria impactos bastante diferentes.
Esse tipo de exposição não foi previsto pelos participantes, que não
autorizaram a divulgação de seu resultado nessas condições."
• Críticas
Para
Roncaglia, o BC não poderia impor sigilo sobre as informações do Focus.
"Os dados são usados para basear uma política pública, a política
monetária. Não há motivo para que eles não sejam públicos."
O economista
ainda ressaltou que, ao mantê-los sob sigilo, o BC não só dificulta qualquer
apuração sobre eventuais manipulações e fraudes como as facilita. "A
proteção dos dados sobre o boletim acaba avalizando a possibilidade de
fraude."
Roncaglia
lembrou que a eventual manipulação do Boletim Focus não seria um caso isolado.
Em 2016, a Justiça de Nova York condenou executivos de grandes bancos por
manipulação da chamada taxa Libor, usada para remunerar investimentos. Por
conta da fraude constatada, a taxa acabou sendo extinta.
Procurado
para comentar o fato de o Copom usar informações sob suspeita de manipulação e
sendo investigadas pelo MP-TCU para decidir a Selic, o Banco Central não se
pronunciou. Também não comentou o que tem feito para minimizar a possibilidade
de fraude nas informações que baseiam o Boletim Focus.
Fonte:
Viomundo/Brasil de Fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário