O relato
do pai de Anne Frank sobre sua filha: 'Só aprendi a conhecê-la realmente por
meio do diário'
Em
25 de junho de 1947, o Diário de Anne Frank foi publicado pela primeira vez,
tornando-se um best-seller em todo o mundo.
Seu
pai, Otto Frank, foi o responsável por fazer das escritas da filha um livro tão
conhecido. Ele conta que, inicialmente, não suportava ler, e muito menos
pensava em publicar, o diário de Anne, que, nesta semana, completa 57 anos
desde o seu lançamento.
Em
1976, ele foi ao Estúdio Blue Peter da BBC para explicar por que fez isso.
"Eu só aprendi a conhecê-la realmente por meio de seu diário",
confessou Otto Frank a Lesley Judd, do Blue Peter, enquanto lhe mostrava os
escritos pessoais de sua amada e falecida filha Anne.
Na
verdade, Otto deu à sua inteligente e extrovertida filha um livro de autógrafos
como presente em seu aniversário de 13 anos, em 12 de junho de 1942.
Mas
Anne quase imediatamente decidiu usá-lo como um diário e começou a registrar
seus pensamentos mais íntimos, escrevendo como se estivesse revelando segredos
para um amigo próximo.
"Espero
poder confiar totalmente em você, como nunca pude fazer com ninguém antes”, leu
Otto na primeira anotação do diário de Anne no programa infantil de TV. "E
espero que você seja um grande apoio e conforto para mim."
Otto
fugiu com a família para Amsterdã em 1933, saindo de Frankfurt, onde Anne
nasceu, após o sucesso do Partido Nazista nas eleições federais alemãs e a
nomeação de Adolf Hitler como chanceler do Reich.
Mas
a segurança que a capital holandesa parecia oferecer diante da ameaça iminente
dos nazistas foi apenas um alívio temporário para a família.
Em
1940, Hitler, tendo agora tomado o poder e se declarado führer, invadiu a
Holanda.
Com
a ocupação alemã surgiu uma onda de medidas antissemitas. Os judeus foram
proibidos de manter negócios, forçados a usar estrelas amarelas de identificação
e tiveram de obedecer a um toque de recolher.
Otto,
como muitos judeus, vinha tentando emigrar para os EUA desde 1938. Mas a falta
de uma política de asilo e o longo processo para obter um visto fizeram com que
toda a burocracia não pudesse ser concluída antes que os nazistas fechassem os
escritórios consulares dos EUA em todos os territórios ocupados pelos alemães
em julho de 1941.
Um
mês depois do aniversário de Anne, em 1942, a filha mais velha de Otto, Margot,
recebeu uma convocação para se apresentar num campo de trabalhos forçados
alemão.
Para
fugir das autoridades, a família toda se mudou para um anexo secreto que Otto
descobrira por cima das suas instalações comerciais em Amesterdã.
Nos
dois anos seguintes, a família Frank ficou escondida naquele espaço, juntamente
com outra família e um amigo. No ambiente sufocante, todos eram forçados a
permanecer em silêncio durante o dia e, por medo de serem ouvidos, não podiam
usar o banheiro até que a noite chegasse, quando o escritório ficava vazio.
Alimentos
e suprimentos foram contrabandeados por um pequeno grupo de ajudantes de
confiança.
Durante
todo esse tempo, Anne continuou rabiscando seus pensamentos em segredo em seu
diário. Sentindo falta de amigos da sua idade, ela inventou personagens
fictícios como Kitty, para quem começou a escrever.
Sua
ansiedade, aspirações e tédio, juntamente com as frustrações rotineiras de
viver tão confinada com outras pessoas, estavam todas expostas nas páginas de
seu diário.
A
última data de registros é de 1º de agosto de 1944. Na manhã de 4 de agosto, a
Gestapo invadiu o esconderijo e todos os ocupantes foram presos. A razão de sua
descoberta ainda é contestada.
Os
Franks foram levados para o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, onde
Otto foi separado de sua esposa Edith e das filhas Margot e Anne. Ele nunca
mais as veria — as três morreriam nos campos.
Anne,
que junto com sua irmã acabou sendo transferida para o campo de concentração de
Bergen-Belsen, morreu de tifo em março de 1945, poucas semanas antes de o campo
ser libertado.
• Coragem e humanidade extraordinárias
Otto
foi o único membro do anexo que sobreviveu. Após a guerra, ele retornou a
Amsterdã para procurar sua família, ficando arrasado ao saber de seu destino.
Os
diários e cartas de Anne foram resgatados de seu esconderijo saqueado por seus
amigos Miep Gies e Bep Voskuijl, que puderam entregá-los a Otto quando ele
voltou. Mas, devido a tanta dor, era insuportável olhar para eles.
"Não
tenho forças para lê-los", escreveu ele à mãe na Suíça, em 22 de agosto de
1945.
Quando
Otto finalmente conseguiu abrir os diários, os escritos foram uma revelação
para ele.
Ofereceram-lhe
uma janela para a mente da sua filha adolescente inteligente, vulnerável e
expressiva, enquanto ela navegava pelas complexidades da adolescência nas
circunstâncias mais aterradoras.
Em
tom simples, eles detalhavam seus conflitos com a mãe e seus ressentimentos em
relação à irmã, suas preocupações com sua reputação e a mudança de seu corpo.
Também
revelaram o quão opressivo ela considerava o confinamento e o silêncio do
anexo, e a sua irritação palpável com as pessoas com quem vivia.
Ela
escreveu sobre seu isolamento e a ameaça constante e aterrorizante de sua
descoberta. Como ela se sentia como "um pássaro canoro que teve suas asas
cortadas e que se atira na escuridão total contra as grades de sua
gaiola".
Mas
Otto também teve pôde ter uma ideia dos pequenos momentos de alegria da filha:
a natureza que ela vislumbrou pela janela e seu romance com Peter van Daan, o
garoto que também morava no anexo.
Ela
escreveu sobre seus sonhos de patinar na Suíça e suas ambições de ser
publicada; seus pensamentos sobre sua identidade e seus relacionamentos com
amigos, reais e imaginários.
Ele
começou a compreender a mente complexa e imaginativa de Anne à medida que ela
mudava e amadurecia.
"Eu
não seria mais capaz de escrever esse tipo de coisa", escreveu ela sobre
uma de suas primeiras anotações em seu diário.
"Agora
que estou relendo meu diário, depois de um ano e meio, estou surpresa com minha
inocência infantil. No fundo, sei que nunca mais poderia ser tão inocente, por
mais que quisesse."
Acima
de tudo, Otto apreciou o dom de Anne como escritora e a extraordinária coragem
e humanidade que ela tinha diante do terror implacável das circunstâncias.
"Depois
de ler o diário, fiz algumas cópias e dei a amigos da família", disse ele
à BBC em 1976.
"Um
deles trabalhava em uma editora e me disse 'você não tem o direito de manter o
diário como propriedade privada, é um documento humano e você deveria
publicá-lo'."
Em
25 de junho de 1947, O Anexo Secreto, um livro compilado a partir das anotações
e escritos do diário de Anne, foi publicado.
Além
de corrigir alguns de seus erros de linguagem, Otto fez uma certa limpeza,
editando algumas das impressões críticas de Anne sobre seu casamento, passagens
sobre sua sexualidade e suas representações às vezes selvagens de pessoas que
ela conhecia.
O
livro foi um sucesso instantâneo, uma garota dando uma cara ao horror e à
magnitude quase incompreensíveis do genocídio nazista.
Em
1952 foi publicado em inglês com o título Anne Frank: The Diary of a Young
Girl. Foi transformada em uma peça de teatro ganhadora do Prêmio Pulitzer em
1956 e em um filme três anos depois.
As
palavras de Anne sobreviveram em muito à sua curta vida; elas foram traduzidas
para mais de 70 idiomas e continuam a repercutir entre leitores de todo o
mundo.
Questionado
se ele tinha alguma reserva sobre publicar e revelar os pensamentos mais
íntimos de sua filha, Otto Frank disse: "Não me arrependi porque Anne
escreveu em um de seus diários: 'Quero continuar vivendo depois da minha
morte', e, de certa forma, através de seu diário ela está vivendo em muitos
corações."
Fonte:
Por Myles Burke, para BBC News
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