Entenda a
fraude das lojas Americanas que levou à operação da PF e à recuperação judicial
de R$ 50 bilhões
Na
manhã desta quinta-feira (27) uma operação da Polícia Federal (PF) deu início a
um novo capítulo da história sobre a fraude contábil de mais de R$ 25 bilhões
que resultou na recuperação judicial da Americanas — a maior já vista no
Brasil, com uma dívida estimada em quase R$ 50,9 bilhões.
No
Rio de Janeiro, agentes da PF cumprem 14 mandados de busca e apreensão contra
ex-excutivos da companhia, além de pedir a prisão preventiva de Miguel
Gutierrez, ex-CEO da empresa, e Anna Christina Ramos Saicali, uma de suas
ex-diretoras.
Os
nomes de ambos também foram incluídos na lista de mais procurados do mundo da
Interpol, já que os dois estão no exterior.
Segundo
a investigação, os executivos que foram alvos da operação estavam envolvidos na
fraude das "inconsistências contábeis", revelada em janeiro de 2023 e
que descobriu um rombo nos balanços corporativos da empresa.
A
antiga diretoria da Americanas maquiava os resultados financeiros da empresa
para demonstrar um falso aumento de caixa que valorizava artificialmente as
ações da companhia na bolsa de valores brasileira, a B3. (entenda abaixo)
Em
poucos dias, a situação da Americanas degringolou. Depois de um derretimento
das ações na bolsa ao longo da semana e o início de disputas judiciais com
credores em busca de pagamentos, a Americanas foi obrigada a entrar com um
pedido de recuperação judicial. Relembre aqui a cronologia do caso.
Em
nota, a Americanas disse nesta quinta-feira que "reitera sua confiança nas
autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de
resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles
internos existentes. A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das
investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos".
• O funcionamento da fraude
De
acordo com a PF, a maquiagem dos números foi detectada, até agora, em operações
de risco sacado e verba de propaganda cooperada (VPC).
▶️ Risco sacado é uma operação muito comum entre companhias,
principalmente do setor de varejo. O analista de investimentos Vitor Miziara
explica que essa prática consiste em repassar dívidas com fornecedores para
bancos, fundos ou outras instituições financeiras.
"Quando
você tem uma dívida com um fornecedor, no risco sacado, você repassa essa
dívida para uma instituição financeira, que vai pagar direto para o fornecedor,
e então você fica devendo para a instituição para liberar créditos novos com o
fornecedor. Aí a instituição alonga o prazo dessa dívida e você paga o valor em
mais tempo", explica o analista.
No
entanto, no caso da Americanas, as dívidas que eram repassadas por meio do
risco sacado eram retiradas do balanço corporativo da empresa. Ou seja, as
acusações são de que os executivos retiravam o valor das dívidas com
fornecedores, como se elas já tivessem sido pagas, mas não sinalizavam que a
dívida agora era com uma instituição financeira.
"Em
vez de somar uma dívida aos valores devidos aos bancos na contabilidade, a
empresa apenas subtraia do que era devido aos fornecedores, como se a dívida já
tivesse sido completamente resolvida", comenta Miziara.
▶️As verbas de propaganda cooperada (VPCs) são incentivos
comerciais comuns no varejo. Nele, a empresa varejista faz propagandas
oferecendo os produtos de seus fornecedores, que resultam em um desconto do
valor que é devido pela companhia quando são vendidos.
Porém,
a investigação da PF aponta que eram contabilizadas nos balanços da empresa as
VPCs que nunca existiram ou que tiveram seus valores inflados.
Com
os números manipulados e fraudulentos, os executivos recebiam altos bônus por
um desempenho que era falso, além de conseguir lucros na venda das ações.
A
PF identificou os crimes de manipulação de mercado, uso de informação
privilegiada, associação criminosa e lavagem de dinheiro, o que pode gerar uma
pena de até 26 anos de prisão, caso os investigados sejam condenados.
• Relembre o caso Americanas
A
gigante varejista Americanas informou um rombo contábil bilionário no dia 11 de
janeiro de 2023. Naquele momento, a companhia disse que havia identificado
"inconsistências em lançamentos contábeis" nos balanços corporativos
no valor de quase R$ 20 bilhões.
Sergio
Rial, então presidente da empresa e quem assumiu após a saída de Miguel,
decidiu deixar o comando do negócio após apenas nove dias no comando.
Os
investidores — pessoa física e institucionais — iniciaram uma corrida para se
desfazer dos papéis. Isso fez com que as ações da companhia despencassem quase
80% em um único dia, e a fuga continuou nos pregões seguintes.
Em
uma conferência após sua demissão, Rial disse "a primeira grande conclusão
é que não estamos falando de um número que está fora do balanço. Só que ele não
está registrado de forma apropriada ao longo dos últimos anos", disse.
No
dia 19 de janeiro, a Americanas pediu a recuperação judicial na Justiça do Rio
de Janeiro e teve suas ações retiradas da B3. A primeira versão do plano de
recuperação foi apresentada em março, mas a empresa só teve um plano aprovado
no último dia 19 de dezembro, exatamente 11 meses depois.
A
dívida final apresentada no plano foi de mais de R$ 50 bilhões, sendo uma
dívida trabalhista de R$ 82,9 milhões e uma fraude de resultado de R$ 25,2
bilhões ao final de 2022.
O
processo de recuperação envolverá um aporte de R$ 12 bilhões dos
"acionistas de referência" — o trio de bilionários Jorge Paulo
Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Herrmann Telles — e a venda de ativos,
inicialmente o Hortifruti Natural da Terra e a Uni.Co (empresa de franquias das
marcas Imaginarium e Puket).
• As maiores recuperações judiciais em
curso no Brasil
Um
levantamento da plataforma de pesquisas para o mercado financeiro Quantum
Finance mostra que o valor da dívida envolvida na recuperação judicial da
Americanas é o maior do Brasil em andamento.
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Veja a lista dos 10 maiores valores de recuperações judiciais do Brasil:
1. Americanas: R$ 50,87 bilhões
2. Oi: R$ 50,61 bilhões
3. Light: R$ 16,76 bilhões
4. OSX Brasil: R$ 8,5 bilhões
5. Paranapanema: R$ R$ 5,2 bilhões
6. Coteminas: R$ 2,46 bilhões
7. Springs: R$ 2,19 bilhões
8. Renova: R$ 1,7 bilhões
9. João Fortes: R$ 1,5 bilhões
10. Teka: R$ 1,2 bilhões
• Dois delatores entregaram esquema da
Americanas à PF
Dois
funcionários das Lojas Americanas fecharam delação e entregaram todo o esquema
investigado na Operação Disclosure, deflagrada pela Polícia Federal (PF) nesta
quinta-feira (27) — da qual 14 ex-executivos são alvo.
As
delações serviram de meio de obtenção de prova. Eles entregaram e-mails e
mensagens. A PF, então, confirmou as informações a partir de diligências.
Entre
os investigados estão Miguel Gutierres, que era CEO, e está na Espanha; e Anna
Cristina Ramos Saicali, que era diretora, e está em Portugal.
A
PF já está em contato com as autoridades dos dois países, pois ambos são
considerados foragidos.
• Esquema
Catorze
ex-executivos das Lojas Americanas são alvo da operação que investiga fraudes
contábeis de R$ 25 bilhões dentro da empresa. Os investigados são:
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Foragidos
• Anna Christina Ramos Saicali
• Miguel Gomes Pereira Sarmiento
Gutierrez, ex-CEO
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Alvos de buscas
• Anna Christina da Silva Sotero
• Carlos Eduardo Rosalba Padilha
• Fabien Pereira Picavet
• Fábio da Silva Abrate
• Jean Pierre Lessa e Santos Ferreira
• João Guerra Duarte Neto
• José Timotheo de Barros
• Luiz Augusto Saraiva Henriques
• Marcio Cruz Meirelles
• Maria Christina Ferreira do
Nascimento
• Murilo dos Santos Correa
• Raoni Lapagesse Franco Fabiano
De
acordo com a PF, a fraude maquiou os resultados financeiros do conglomerado a
fim de demonstrar um falso aumento de caixa e consequentemente valorizar
artificialmente as ações das Americanas na bolsa.
Com
esses números manipulados, segundo a PF, os executivos recebiam bônus
milionários por desempenho e obtinham lucros ao vender as ações infladas no
mercado financeiro.
A
operação é fruto de investigação iniciada em janeiro de 2023, após a empresa
ter comunicado a existência de “inúmeras inconsistências contábeis” e um
rombo patrimonial estimado, inicialmente, em R$ 20 bilhões. Mais tarde, a
Americanas revelou que a dívida chegava a R$ 43 bilhões.
Foram
identificados vários crimes, como manipulação de mercado, uso de informação
privilegiada (ou insider trading), associação criminosa e lavagem de dinheiro.
Caso sejam condenados, os alvos poderão pegar até 26 anos de prisão.
A
força-tarefa contou com procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e
representantes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A atual administração
do Grupo Americanas também contribuiu com o compartilhamento de informações da
empresa.
Disclosure,
expressão utilizada pela Polícia Federal para designar a operação, é um termo
do mercado de capitais referente ao fornecimento de informações para todos os
interessados na situação de uma companhia e tem relação com a necessidade de
transparência das empresas de capital aberto.
• Quem é Miguel Gutierrez, ex-CEO
procurado pela PF por fraudes contábeis na Americanas
O
ex-CEO da varejista Americanas, Miguel Gutierrez é considerado foragido pela
Polícia Federal (PF), e terá seu nome colocado na lista dos mais procurados do
mundo da Interpol.
Ele
teve sua prisão preventiva determinada pela polícia em meio às investigações
por fraude contábil de mais de R$ 25 bilhões na empresa, que resultou em uma
recuperação judicial de R$ 50 bilhões, a maior do Brasil na atualidade.
Além
dele, a PF pediu a prisão de Anna Christina Ramos Saicali, uma das ex-diretoras
da Americanas na gestão de Gutierrez. Ela também é considerada foragida.
Agentes
da PF cumpriram 14 mandados de busca e apreensão contra ex-executivos da
companhia na Operação Disclosure. Segundo o blog da Camila Bomfim, dois
funcionários da Americanas fecharam delação e entregaram todo o esquema.
Segundo
a investigação, os resultados financeiros da Americanas foram maquiados para
demonstrar um falso aumento de caixa que valorizava artificialmente as ações da
companhia na bolsa de valores brasileira, a B3. (entenda o esquema adiante)
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Quem é Miguel Gutierrez
Bastante
discreto, Miguel Gutierrez vive na Espanha desde que o escândalo da Americanas
estourou, em janeiro de 2023. O ex-executivo nasceu em 1961, é brasileiro com
dupla cidadania espanhola.
Gutierrez
se formou em engenharia mecânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e em economia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Também fez um programa de formação de lideranças nos Estados Unidos.
Começou
sua carreira na Americanas em 1993, quando a companhia ainda era presidida por
Carlos Alberto Sicupira, um dos acionistas de referência da empresa e parte do
notório trio de bilionários, ao lado de Jorge Paulo Lemann e Marcel Herrmann
Telles.
Ao
longo de três décadas na companhia, passou por diversos setores e logo agradou
aos bilionários, pois era focado em estratégias para corte de custos nas
operações, segundo apuração da Bloomberg.
Gutierrez
assumiu a presidência da Americanas 10 anos após seu ingresso na empresa, onde
ficou até dezembro de 2022. Saiu porque renunciou ao cargo. Nestes 20 anos de
comando, Gutierrez fez raras aparições públicas.
No
seu lugar, entrou Sergio Rial, que havia feito carreira no banco Santander. O
executivo ficou no cargo por apenas nove dias, e pediu demissão após
identificar as fraudes contáveis nos balanços corporativos do grupo.
• Ex-CEO pedia documentos por pen drive
para se proteger, diz MPF
'Envia
pen drive ao MG como solicitado', pede um funcionário ao receber um documento
com dados usados para maquiar as contas da empresa. Miguel Gutierrez foi preso
nesta sexta (28) em Madri. Sua defesa nega irregularidades.
Miguel
Gutierrez, ex-CEO das Lojas Americanas — Foto: GloboNews/Reprodução
O
ex-CEO das Americanas, Miguel Gutierrez, recebia documentos por pen drive, e
não por e-mail, segundo o Ministério Público Federal (MPF), para se proteger.
"A
maior parte dos documentos não era enviada a Miguel Gutierrez por e-mail. Para
se resguardar, o CEO pedia que as informações fossem gravadas em pen drive e
entregues fisicamente", diz o MPF.
O
órgão cita uma troca de mensagens entre Flávia Carneiro e Carlos Padilha,
ex-funcionários da Americanas, sobre verbas de propaganda cooperada (VPC).
Essas verbas são comuns no varejo, mas, no caso da Americanas, foram usadas
para maquiar as contas.
"Padilha,
segue o controle de verba. É o item 4 do índice no kit de fechamento", diz
Flávia num e-mail de setembro de 2019.
O
e-mail continha um anexo que, segundo o MPF, discriminava os valores falsos de
VPC que, em julho de 2019, somavam R$ 3,9 bilhões.
No
mesmo dia, Padilha – que também é investigado – responde para a funcionária:
“Flávia,
fecha com o Sérgio e Paula e envia pen drive ao MG como solicitado. Posiciona
por favor. Obrigado”, diz a mensagem.
Gutierrez
foi preso nesta sexta-feira (28) em Madri, suspeito participação em fraudes
contábeis que chegaram a R$ 25 bilhões, segundo investigações da Polícia
Federal. A ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali, também alvo de mandado de
prisão, segue foragida.
Segundo
o MPF, Gutierrez participava de fraudes "desde o seu planejamento até a
publicação dos resultados".
A
defesa de Miguel Gutierrez declarou que ele jamais participou ou teve
conhecimento de qualquer fraude, e que tem colaborado com as autoridades.
Assessoria da ex-diretora Anna Saicali não se posicionou.
A
Americanas afirma que é vítima da antiga administração.
Fonte:
g1
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