O menino
sírio que cruzou cinco países da Europa a pé aos 13 anos
Khalil
tinha apenas seis anos quando deixou a Síria, palco de confrontos diários, no
auge de uma guerra civil.
Ele
morava na província de Homs, no oeste da Síria, com o pai, motorista de táxi, a
mãe e duas irmãs mais novas.
Homs,
a terceira maior cidade da Síria, onde 1,5 milhões de pessoas viviam antes do
confronto, foi um campo de batalha fundamental na revolta contra o presidente
Bashar al-Assad, com os moradores abraçando o apelo para o destituir no início
de 2011.
“Meu
vilarejo ficava entre duas montanhas e havia confrontos todas as noites”,
lembrou Khalil.
“Eu
via o fogo e a luz saindo das pontas das armas quando os soldados e rebeldes
atiravam uns contra os outros. Ficava muito assustado."
No
final de 2015, as forças rebeldes que controlavam a cidade deixaram Homs, e a
cidade foi para as mãos do governo.
Durante
a revolta, dezenas de milhares de pessoas foram detidas com base na "lei
antiterrorismo", que criminalizava quase qualquer atividade pacífica da
oposição. O pai de Khalil, Ibrahim, foi um dos detidos.
"O
governo o colocou na prisão. Quando ele saiu, nós [a família] tivemos que
passar por muita coisa. Então, decidimos deixar a Síria", conta Khalil.
E
assim começou sua jornada de uma década como um menino refugiado.
• Primeira parada: Líbano
Desde
o início do confronto na Síria, 12 milhões de pessoas foram deslocadas. Mais de
seis milhões deixaram o país.
Estima-se
que 1,5 milhão de sírios vivam no vizinho Líbano. Com uma população total
estimada em pouco mais de 5,3 milhões, o Líbano é o país com a maior proporção
de refugiados no mundo.
E
para a família de Khalil o Líbano também foi a primeira parada. Eles ficaram na
casa de um amigo da família por quase um ano, mas acabaram decidindo ir embora
por não vislumbrarem um futuro por lá.
Seguiram,
então, para a Turquia, legalmente, de avião.
Desde
o início da guerra civil, a Turquia adotou uma política de portas abertas aos
sírios e acolheu mais de 3,6 milhões de refugiados sírios registrados.
É o
país com o maior número de refugiados no mundo.
Khalil
e a família estabeleceram-se em Istambul, a maior cidade da Turquia, com 16
milhões de habitantes, onde mais de 500 mil sírios também vivem.
Ficaram
lá durante quatro anos, mas tiveram dificuldade em se integrar à sociedade
devido às crescentes tensões entre locais e refugiados.
"As
crianças me diziam, em Istambul: 'por que não volta para a Síria?' Tive de
enfrentar muitos problemas. Mas nada mudaria se eu simplesmente chorasse. Tinha
que tocar a minha vida."
Em
meados de 2019, começaram a surgir relatos de que a Turquia estava deportando
centenas de sírios, o que foi negado pelo governo turco na época.
Temendo
um cenário semelhante, a família de Khalil decidiu seguir em frente. E viajaram
para a cidade costeira de Bodrum, no sudoeste, para iniciar uma jornada através
do Mar Egeu em direção à Grécia.
Tentaram
três vezes sem sucesso. Foi somente na quarta tentativa, num barco que
transportava cerca de 50 pessoas, que Khalil e a família conseguiram colocar os
pés na ilha grega de Cós.
"Achamos
que estávamos em um sonho. Estávamos felizes, seguros e gratos a Deus.
'Vencemos', pensamos", disse Khalil. "Agora poderíamos construir
nosso futuro."
• 'Filho, você tem certeza?'
Mas
o "sonho" não durou muito. Em 2020, houve relatos de casos de
migrantes e refugiados expulsos das águas gregas em direção à Turquia.
Organizações
de direitos humanos criticaram o governo por maus tratos a solicitantes de
asilo, o que foi negado pelas autoridades gregas à época.
Ibrahim
temia que chegasse a vez da família. Khalil sugeriu que ele se separasse do
restante da família e viajasse sozinho para a Europa.
"Inicialmente
meu pai disse que não. Mas, depois de pensar um pouco, ele me perguntou:
'Filho, você tem certeza?' 'Sim', respondi. 'Tudo bem', ele disse. 'Você irá em
breve. Prepare-se.'"
Deixando
a família para trás, em outubro de 2020, aos 13 anos, Khalil partiu para a
Albânia com um grupo de outros refugiados.
Caminharam
por mais de 165 km, subindo montanhas e atravessando rios, sem comida, tendo
apenas um pouco de atum e chocolate como fonte de energia.
Levavam
suprimentos de água e sacos de dormir. Filmaram diversos momentos da difícil
jornada com seus smartphones e brincavam para manter o ânimo. As memórias
seriam compartilhadas com as famílias quando chegassem ao destino final.
Após
duas semanas de viagem, chegaram a Pristina, capital do Kosovo. Mas
determinados a ir mais longe, rapidamente voltaram a andar, desta vez em
direção à vizinha Sérvia.
Em
novembro de 2020, Khalil chegou à capital sérvia, Belgrado. "Terminei,
estou incrivelmente cansado", disse ele enquanto filmava a si mesmo às 5h
com a câmera do celular, em um dos cartões postais virtuais que logo enviaria à
família.
• Diversas tentativas
Khalil
queria ir em direção ao oeste da Sérvia, para a Áustria ou para a Holanda.
Fez
diversas tentativas de cruzar as fronteiras da UE: 11 para a Hungria, três para
a Croácia e uma para a Romênia. Todas deram errado.
Após
quatro meses tentando, as longas caminhadas em condições climáticas extremas
renderam-lhe problemas de saúde que o impediram de fazer novas viagens. Ele
teve que desistir e se estabelecer em Belgrado.
Estima-se
que mais de um milhão de migrantes e refugiados de todo o mundo tenham
utilizado a chamada rota dos Bálcãs na tentativa de entrar na UE desde 2015.
O
Conselho Europeu para Refugiados e Exilados (ECRE, da sigla em inglês) afirma
que milhares deles enfrentam todos os anos reações negativas, violência e
assédio por parte de contrabandistas ou forças de segurança e de fronteira,
enquanto vivem em condições desumanas e enfrentam diferentes riscos à saúde.
"Não
sinto que Belgrado seja a minha cidade, mas estou muito feliz aqui", disse
Khalil, agora um jovem de 17 anos, à BBC News Sérvia.
Nos
últimos três anos, a capital sérvia foi a nova casa de Khalil, onde passou a
frequentar a escola, aprendeu inglês e sérvio, e fez muitos amigos."Este é
o meu quarto e estes são os meus desenhos. Gosto de aproveitar meu tempo
livre", disse ele enquanto mostrava o abrigo modesto fornecido pelo
Serviço Jesuíta para Refugiados, uma das organizações não governamentais que
ajuda menores refugiados na Sérvia.
Fixado
na parede, um dos desenhos mostrava a primeira letra do nome de sua mãe
formando um coração. Outro era de uma menina, com asas de anjo, voando do mar
em direção ao céu.
"A
menina está sozinha e foi assim que me senti na época, queria mostrar
isso", disse Khalil.
"Estava
muito cansado depois de tudo que aconteceu na Grécia, na Albânia, no Kosovo.
Cheguei aqui e 'Graças a Deus vou descansar um pouco', pensei. Minha vida está
perfeita agora. Eu posso dormir. Eu posso ir para a escola."
• Capítulo final: uma família reunida
Enquanto
Khalil estava na Sérvia, e o pai e as irmãs ainda estavam na Grécia, a mãe
conseguiu chegar à Holanda e obter o status de refugiada.
Em
setembro de 2023, a família qualificou-se para o reagrupamento e, em poucos
meses, Khalil conseguiu juntar-se a eles na Holanda. Ele não via a família
havia quase quatro anos. Agora todos receberam asilo.
Ele
espera ir para a faculdade no próximo ano e estudar programação de
computadores.
"Quero
fazer novos amigos, viver uma vida em paz com a minha família e ficar longe das
guerras", diz ele.
"Minhas
experiências de vida me ensinaram a acreditar em mim mesmo e a ser forte para
alcançar tudo o que almejo."
Fonte:
Por Stefan Veselinovic and Selin Girit,
do Serviço Mundial da BBC
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