O AGRO
QUER TUDO: Alimentos orgânicos e agroecológicos ganham só 0,02% dos créditos da
agricultura familiar
O
governo federal lança nesta semana o novo Plano Nacional de Agricultura
Familiar e Produção Orgânica (Planapo). A ideia é estimular a produção de
alimentos orgânicos e a transição para a agricultura com base agroecológica,
que alia agricultura e preservação da natureza.
Contudo,
movimentos do campo ouvidos pela Repórter Brasil veem o anúncio com
desconfiança, pois consideram baixos os investimentos e afirmam que o orçamento
da União privilegia cada vez mais as commodities agrícolas e os
ultraprocessados.
Conhecida
como “Brasil Agroecológico”, essa política foi criada em 2012 e tem como
principal forma de financiamento o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar, Pronaf, que responde pela maior parte dos investimentos
do Plano Safra da Agricultura Familiar. Mas apesar do foco que o governo Lula
tem colocado na agricultura sustentável desde a eleição, os recursos destinados
à produção orgânica são irrisórios, segundo o Painel do Crédito Rural do
Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Na
safra atual (2023/2024), foram fechados apenas 218 contratos na linha de
crédito Pronaf Agroecologia, que financia os produtores orgânicos e
agroecológicos. O total aplicado é de apenas R$ 7 milhões, o que não chega a
0,02% do total liberado pelo Pronaf: R$ 49,7 bilhões. As informações da atual
safra são parciais e foram atualizadas em 8 de maio.
Somando
o Pronaf Agroecologia às outras três linhas de crédito para Agricultura de
Baixo Carbono (Pronaf Semiárido, Pronaf
Bioeconomia e Pronaf Floresta), o total chega a R$ 1,2 bilhão, ou 2,5% de todo
o Pronaf. Em número de contratos, são apenas 2% dos quase 1,4 milhão de acordos
fechados.
O
valor chama ainda mais atenção quando comparado aos créditos destinados à
agricultura empresarial pelo Plano Safra – R$ 364,2 bilhões, aumento de 26% em
relação à safra anterior. Por outro lado, o Plano Safra para a Agricultura
Familiar soma ao todo R$ 77,7 bilhões no ciclo 2023/2024.
“Não
dá para dizer que temos um plano à altura [das necessidades] nem no orçamento,
nem nas ações. Infelizmente há uma dificuldade orçamentária e uma falta de
diálogo entre os ministérios para investir de forma articulada na
agroecologia”, diz Leomárcio Araújo, do Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA).
O
governo federal vem construindo o novo plano agroecológico há quase um ano,
desde que recriou a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica
(composta por 14 ministérios e nove entidades governamentais) e a Comissão
Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (formada por 21 instituições da
sociedade civil), extintas no governo de Jair Bolsonaro (PL).
“As
propostas para esse novo plano do ponto de vista de metas e de orçamento
colocadas pelo governo são decepcionantes”, afirma “A expectativa era compensar
o tempo perdido e o plano voltar com força. [Mas] já perdemos um ano e meio de
governo sem que se tenha conseguido voltar às políticas fundamentais, isso é
problemático”, afirma Rogério Dias, presidente do Instituto Brasil Orgânico e
integrante da comissão de agroecologia.
Paulo
Petersen, da Articulação Nacional da Agroecologia, critica também que mesmo os
recursos da agricultura familiar são canalizados para produtores mais
capitalizados das regiões Sul e Sudeste. Os dados do MDA comprovam a afirmação.
Só
os estados de Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais
concentram 64% de toda a verba do Pronaf. “Defendemos que os recursos sejam
destinados à produção diversificada”, afirma Petersen.
Ceres
Hadich, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), lamenta que o governo continue culpando a gestão anterior pelo orçamento
baixo. O orçamento para o plano Safra deste ano não vai atender as necessidades
da agricultura familiar, e seguramente é o que vai acontecer também com o plano
de agroecologia”.
• Plano Safra empresarial X agricultura
familiar
Apesar
da retomada da política, os movimentos de trabalhadores rurais estão
desconfiados se as medidas serão efetivas, já que o governo federal vem
perdendo a queda de braço com a bancada ruralista não só no Congresso, mas
também no Executivo.
A
diferença entre os investimentos do Plano Safra na agricultura empresarial e na
familiar é um dos exemplos. Neste ano, a previsão do plano para agricultura
familiar é de R$ 80 bilhões. Já para a linha empresarial, deve passar de R$ 500
bilhões. O MDA informou que só irá se pronunciar após o lançamento oficial dos
planos.
“Estamos
falando de disputa de orçamento para diferentes modelos de agricultura. Eles
[agronegócio] conquistaram regalias e subsídios ao longo do tempo e mantêm a
força. O Executivo tem preocupação de buscar alternativas, mas temos dentro do
Congresso Nacional a bancada ruralista, que determina o orçamento e usa
evidentemente esta força para segurar o próprio governo”, afirma o deputado
federal Nilto Tatto (PT-SP), presidente da bancada ambientalista no Congresso.
A
Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada
ruralista, foi procurada, mas não se manifestou.
Neste
cenário, o modelo da agroecologia empilha derrotas no Legislativo. Uma das
principais foi a derrubada de vetos presidenciais à nova Lei dos Agrotóxicos,
apelidada por ambientalistas de “PL do Veneno”. Parlamentares governistas
cederam durante as negociações, e o Ministério da Agricultura passou a
centralizar o registro e a fiscalização dos produtos.
“Lembro
que em 2016 tínhamos o PL do Veneno, que é do agro, e o PL de Redução de
Agrotóxicos (PNARA), que é de iniciativa popular. Em 2018, o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, criou um grupo especial para analisar o PL do Veneno e
apensou o PNARA, praticamente matando
ali a ideia, porque eram dois projetos completamente antagônicos, com modelos
de agricultura diferentes. Dialogamos e conseguimos que eles fossem discutidos
em comissões diferentes, mas não adiantou. A FPA avançou e saiu vitoriosa com o
PL do Veneno”, relembra Tatto.
Petersen,
da Articulação Nacional da Agroecologia, critica ainda o fato de o governo não
interferir nos mercados de alimentos. Segundo ele, oferecer apenas crédito aos
pequenos agricultores não resolve a questão principal: melhorar a remuneração
pela produção diversificada de alimentos.
“Por
mais baixos que sejam os juros, se não tiver mercados locais, incentivo à
produção diversificada e assegurar preços mínimos, não mudará o rumo da
agricultura familiar, pois o que remunera bem hoje são as commodities”, diz “Os
mercados para alimentos locais estão sendo destruídos e substituídos por
grandes cadeias de varejo que comercializam ultraprocessados”, completa.
• Produtos perigosos. Por Flavio Aguiar
Reportagem
recente publicada pela agência de notícias Deutsche Welle (Matheus Gouvea de
Andrade, “Exportação de agrotóxicos banidos na União Europeia segue em alta”,
19 de junho de 2024) denuncia que vários pesticidas proibidos na União Europeia
continuam a ser produzidos em países-membros para serem exportados para o Sul
Global. E o Brasil está entre os maiores consumidores desses produtos
perigosos.
Em
2020 a Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, comprometeu-se a
promover o banimento desta produção. Entretanto, especialistas e ONGs que atuam
sobre o tema apontam que aparentemente este compromisso foi “esquecido”. E a
produção e a exportação continuam volumosas e lucrativas.
Estudo
publicado em abril deste ano “EU Pesticides Ban. What could be the consequences?” [“O banimento dos pesticidas da União Europeia. Quais seriam as
consequências?”) revela que 36% dos pesticidas importados da União Europeia
pelo Brasil são proibidos na Europa. No caso do México e do Peru este
percentual chega a 50%.
No
nosso país a campeã deste tipo de importação e uso nocivos é a soja, produzida
pelo agronegócio de norte a sul e de leste a oeste no país.
Um
dos produtos produzidos na União Europeia e importados pelo Brasil é a atrazina
que, além de usada na soja, é utilizada também na produção de milho. Uma
concentração excessiva deste produto pode prejudicar as glândulas e órgãos do
sistema endócrino, que produz hormônios para o organismo, afetando a capacidade
reprodutiva, podendo causar alguns tipos de câncer.
Além
disto a atrazina pode contaminar a água e afetar por meio desta a vida dos
insetos, como as abelhas. Ela está proibida na União Europeia desde 2004, mas o
Brasil continua a importação do produto em larga escala. Junto com os
glifosfatos ela é um dos produtos mais importados pelo país, a partir da União
Europeia, chegando a 200 toneladas por ano.
Segundo
relatório da ONG Public Eye, somente em 2018 a União Europeia exportou quase 82
mil toneladas de 41 pesticidas proibidos em seu território. Os campeões desta
exportação foram pela ordem, Itália, Alemanha, Holanda, França, Espanha e
Bélgica.
No
caso da Alemanha, 8,2% de suas exportações de agrotóxicos eram de produtos
proibidos na União Europeia. Em 2022 a Alemanha exportou 18.360 toneladas de
pesticidas proibidos na União. Segundo João Camargo, do Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa e co-autor do estudo sobre exportações
europeias de agrotóxicos proibidos no continente, isto demonstra um
comportamento decepcionante por parte do Partido Verde, que integra o atual
governo de Berlim.
A
pesquisadora Márcia Montanari, da Universidade Federal do Mato Grosso, aponta
que 30% dos pesticidas usados no Brasil estão proibidos em outros países. São
40 substâncias perigosas, 11 das quais provêm da União Europeia.
Reportagem
também da Deutsche Welle, publicada em 2022, afirma que a cada dois dias morre
um brasileiro por contaminação com agrotóxicos, sobretudo crianças e
adolescentes de até 19 anos, segundo dados da ONG Friends of Earth Europe.
A
pesquisadora da Universidade de São Paulo, Larissa Mies Bombardi, hoje vivendo
na Europa, autora, entre outras obras, do livro Agrotóxicos e colonialismo
químico, publicado em 2023, corrobora o dado, lembrando que as maiores vítimas
deste tipo de envenenamento são crianças, mulheres, indígenas e camponeses.
Segundo ela, o Brasil padece também de subnotificações sobre o tema. Para cada
caso notificado, lembra, pode haver até outros 50 não notificados por serem
seus efeitos menos dramáticos ou não identificados corretamente.
Por
fim, cabe ressaltar que estas exportações europeias de produtos nocivos à saúde
têm também um efeito bumerangue. Muitos produtos, como a soja, importados de
outros países, trazem de volta para a Europa os efeitos nocivos das
contaminações.
Fonte:
Repórter Brasil/A Terra é Redonda
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