Almir
Felitte: Nunes, Mello e a milicianização das eleições em SP
Talvez
a entrada do coach na disputa tenha sido o empurrão que faltava, ou talvez
fosse apenas uma questão de tempo mesmo. Mas desde que, no dia 14 de junho, ele
posou efusivo para fotos ao lado de Bolsonaro, Tarcísio e coronel Ricardo
Mello, o atual prefeito de São Paulo e candidato a reeleição Ricardo Nunes já
dava todas as mostras de que pularia de vez no colo do bolsonarismo e do
militarismo.
Dias
depois, a confirmação do que já estava claro há meses finalmente veio: o
coronel Ricardo Mello, do PL de Bolsonaro, será o candidato a vice-prefeito na
chapa da extrema direita que quer evitar a vitória de Guilherme Boulos (PSOL)
na maior cidade do país.
Mas
deixemos de lado as obviedades de que Nunes se confirma como um mero fantoche
de Bolsonaro nestas eleições, ou de que sua chapa seja a mais pura expressão da
extrema direita bolsonarista na cidade paulistana. Não porque elas sejam menos
importantes, mas porque, como disse, elas são obviedades, só colocadas em
dúvida por quem tem interesse em não deixar o óbvio tão às claras.
Quero
colocar em foco, aqui, o fato de que mais um policial militar do estado de SP
está tentando ocupar uma posição estratégica na política paulista. Aliás, mais
um PM saído da Rota.
Terceira
geração de oficiais da PM na família, Ricardo Mello se formou na Academia do
Barro Branco em 1992. Seu pai trabalhou com outro ex-Rota que entrou para a
política: o coronel Telhada, que comandou o batalhão entre 2009 e 2011, quando
entrou para a reserva. Hoje, Telhada é deputado federal pelo PP, partido que
integra a chapa de Ricardo Nunes e está no centro da polêmica para a escolha de
seu vice.
Isso
porque, pelo tempo de TV a que tem direito, o PP acreditava que teria o poder
de indicar o vice de Nunes para esta eleição. A indicação do coronel Mello (PL)
por Bolsonaro teria irritado uma ala do PP. Mas ninguém se mostrou mais
indignado com a decisão do que o deputado Delegado Olim, o qual já disse que
“não sobe em palanque” com Mello, que teria sido “uma merda como PM”.
Não
é surpresa, porém, que o coronel Telhada tenha nadado contra a maré do próprio
partido para exaltar o colega de Rota. “Conheço ele desde menino, trabalhei com
o pai dele. A nomeação dele causou surpresa e espanto por ele não ser
político”, disse Telhada. Para ele, “o coronel Mellinho”, como Telhada o chama,
“não é uma pessoa do convencimento, é alguém que gosta de impor as coisas, como
bom policial”.
Em
2015, quando Guilherme Derrite, em um áudio estrategicamente vazado na época em
que era tenente da PM, reclamava da punição a policiais violentos a seu
contragosto, o agora secretário de segurança pública de SP proferiu a seguinte
frase: “uma vez Rota, sempre Rota”. Uma frase que parece explicar bem por que o
coronel Telhada não viu problema algum em atropelar o próprio partido para
apoiar o nome do coronel Mello.
Aliás,
vale ressaltar um detalhe aqui que não poderia passar batido: neste áudio de
2015, a “revolta” gravada de Derrite seria pelo fato do então tenente Rafael
Telhada, hoje capitão da reserva, deputado estadual pelo PP e filho do coronel
Telhada, ter sido expulso da Rota por muitas ocorrências com mortes.
Rafael
Telhada ingressou na Academia do Barro Branco em 2004, um ano depois de
Guilherme Derrite. Talvez por isso mesmo Derrite o considere seu “amigo, irmão
e afilhado de braçal”, como revela no áudio em que também aproveita para
exaltar o Telhada pai por “tudo o que fez e continua fazendo pela Polícia
Militar”.
Mello,
Derrite, Telhada e Telhadinha, nomes que vão demonstrando uma verdadeira rede
política da PM paulista, que tem a Rota como centro nevrálgico de seu projeto
de poder. No mote de que “uma vez Rota, sempre Rota”, temos visto um verdadeiro
aparelhamento da máquina pública em SP através do loteamento de cargos entre
comparsas da corporação.
É o
que tem feito Guilherme Derrite, à frente da secretaria de segurança pública
paulista, onde ele já aumentou em um terço o número de PMs exercendo funções de
assessoria, formando o seu “exército de capitães” que recebem polpudas
bonificações de até R$ 7.000,00 mensais. Hoje, já são quase mil policiais
militares exercendo funções semelhantes em todo o estado de São Paulo.
Atitude
que se soma ao rebaixamento de 34 de 63 coronéis que exerciam funções de
comando na PM no início do ano, beneficiando a promoção de colegas de Rota.
Enquanto isso, o próprio Derrite acumula, ele mesmo, cargos no estado de São
Paulo assumindo uma vaga no conselho da Companhia Ambiental do Estado de São
Paulo e outra no conselho fiscal do Metrô, cada uma com uma remuneração de mais
de R$ 6.500,00 mensais. No Metrô, Derrite já agiu para manter a gratuidade da
passagem para policiais à paisana.
De
igual maneira vinha atuando o coronel Mello nos últimos anos. Escolhido por
Bolsonaro para presidir a Ceagesp, entre 2020 e 2022, Mello nomeou 22 policiais
militares entre 26 cargos comissionados na Companhia. Esta militarização levou
a situações absurdas, como a invasão do Sindicato de Carregadores Autônomos por
Mello acompanhado de assessores armados, entre outros casos de intimidações a
funcionários do entreposto.
Há
algum tempo, venho falando do processo de milicianização das polícias que,
através da politização de suas fileiras, vem impondo uma autonomia cada vez
maior às instituições policiais, sobretudo às PMs, cada vez mais distantes de
qualquer tipo de controle público ou popular. A ocupação de espaços
tradicionais de poder por policiais se insere neste perigoso contexto político
e, com a escolha do coronel Mello para vice de Ricardo Nunes, vemos a eleição
municipal de SP também sendo engolida por este fenômeno.
O
coronel Ricardo Mello não é apenas um nome escolhido pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro, mas também um claro representante deste movimento de politização e
milicianização das polícias no Brasil, que parece cada vez mais ter seu centro
político na Polícia Militar do estado de São Paulo.
Com
isso, a disputa pela Prefeitura de São Paulo ganha ares de importância
nacional. A possível vitória de Guilherme Boulos se trata de derrotar, uma vez
mais, o bolsonarismo, é claro. Mas, mais especificamente, ela também se trata
de derrotar um dos principais mecanismos de sustentação do fascismo à
brasileira: o da politização das polícias militares. Um fenômeno que pode
atingir seu ápice em 2026 se não for freado o quanto antes.
• Coronel convoca PMs para reunião na
Universal: “Louvem os templos”
Um
coronel da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) levou centenas de agentes da
corporação para um templo a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) na manha
desta terça (25) para uma reunião interna. O comandante afirmou que a presença
de “todo o efetivo” era obrigatória no local. A informação é do Metrópoles.
A
ordem para convocação foi feita no último dia 18 para o 11º Comando de
Policiamento de Área (CPA-M 11), o 8º e o 11º batalhões metropolitanos. O autor
do chamado foi o coronel João Alves Cangerana Junior, que disse que seriam
“tratados assuntos exclusivamente de trabalho” no tempo da Iurd.
Durante
a reunião, no entanto, o próprio coronel afirmou que é importante que os
agentes tenham uma religião e “louvem os templos”. Ele ainda disse que a
religião tem valores que “coadunam” com os da PM.
“Dentro
dessa visão holística, eu entendo também que a gente deva professar alguma
religião. Não por uma questão mística, até estamos em um templo, e a gente deve
louvar os templos, mas sim a importância da religiosidade para a humanidade. A
religião traz valores que são importantes e coadunam com os valores da Polícia
Militar. Então, também considero importante a saúde espiritual”, afirmou o
coronel.
A
reunião durou cerca de duas horas e o pastor Roni Negreiros, da Iurd, foi quem
encerrou o encontro. A pregação durou cerca e quatro minutos e o religioso
defendeu que é preciso ler a Bíblia para ter “bons relacionamentos” com a
família e colegas de trabalho.
Após
a pregação, a maioria dos PMs permaneceu no local, mesmo com um aviso do
coronel de que a presença não era mais obrigatória. Além das declarações
religiosas, também foram exibidas palestras sobre saúde mental, saúde física,
manutenção de viaturas, uniformes e até uso de câmeras corporais.
As
palestras sobre esses temas foram apresentadas de maneira genérica, o que gerou
a irritação de alguns PMs, que afirmaram que o encontro não teve “sentido”.
Outros agentes reclamaram que perderam dias de folga para comparecer ao
encontro na Iurd.
A
PM do estado tem realizado diversas reuniões em templos religiosos sob
argumento de que a quantidade de pessoas presentes nesses encontros não cabe
num batalhão ou auditório comum. A Secretaria de Segurança Pública (SSP)
afirmou que “as dependências do imóvel foram cedidas sem custos à corporação
para a apresentação”.
• STF dá 10 dias para Tarcísio explicar
escolas cívico-militares em SP; 'recupera o projeto pedagógico da ditadura',
diz professo
O
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e a Assembleia
Legislativa do Estado (Alesp) têm 10 dias para explicar a criação do modelo de
escolas cívico-militares ao Supremo Tribunal Federal (STF). A determinação foi
dada pelo ministro Alexandre de Moraes nesta segunda-feira (24).
Uma
ação movida pelo PT questiona a constitucionalidade do modelo educacional e
motivou a decisão de Moraes. O Psol também protocolou ação no STF com
questionamentos à proposta aprovada pela Alesp e sancionada por Tarcísio no mês
passado.
Salomão
Ximenes, professor de Direito e Políticas Educacionais da Universidade Federal
do ABC (UFABC), opinou sobre a criação das escolas cívico-militares no programa
Central do Brasil desta terça-feira (25). Ele classificou o modelo como
"ocupação militar das escolas".
"É
importante dizer também que São Paulo não é pioneiro na implantação das escolas
cívico-militares. Esse é um projeto que tem pelo menos 10 anos de existência no
país, foi implementado em diversos estados. E esse processo eu tenho chamado de
ocupação militar das escolas", critica.
Na
última quinta-feira (20), Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de
São Paulo, e Vinícius Neiva, secretário-executivo da Educação, assinaram uma
resolução que prevê quais serão as atribuições dos militares nas escolas.
Agentes
da Polícia Militar serão responsáveis por uma atividade extracurricular chamada
Projeto Valores. A disciplina prevê ensinar as funções dos três Poderes, entre
outros assuntos. O professor da UFABC diz que a proposta deve seguir projeto
que vigorou na ditadura.
"Vai
recuperar o projeto pedagógico da ditadura militar no país. Quando a gente
recupera a história da educação, com a implantação da ditadura, as disciplinas
de Sociologia e de Filosofia foram substituídas por duas disciplinas: a
Educação Moral e Cívica e a Organização Social e Política Brasileira, a famosa
OSPB. Foram disciplinas que vigoraram durante toda a ditadura e não à toa
deixaram de existir no processo de redemocratização", relembra.
"É
muito evidente que o conteúdo que está colocado é o conteúdo das disciplinas da
ditadura, baseada numa noção de cidadania. Porque o projeto fala em cidadania,
fala em participação, mas sobre que concepção? É uma concepção de uma cidadania
tutelada, autoritária, e não a cidadania que está inscrita na Constituição de
88, que é a ideia de uma cidadania plural em que prevalece o debate, o
respeito, a divergência, a possibilidade, inclusive, dos estudantes, das
comunidades, participarem efetivamente da gestão democrática das escolas",
argumenta o professor.
Salomão
Ximenes ainda aponta para outro objetivo principal da criação das escolas
cívico-militares: a complementação salarial de oficiais da reserva, que podem
ainda ganhar mais do que os professores concursados da rede pública estadual,
no caso de São Paulo.
Fonte:
Outras Palavras/DCM/Brasil de Fato
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