Brasil
está secando, aponta Mapbiomas
Em
2023, o território do Brasil ficou um pouco mais seco. Em todos os meses do
ano, inclusive durante a temporada de chuvas, a superfície de água encolheu,
aponta levantamento divulgado nesta quarta-feira (26/06) pela organização
não-governamental MapBiomas, uma rede que envolve universidades, ONGs e
empresas de tecnologia e que realiza estudos para monitorar mudanças na
cobertura e no uso da terra.
A
perda registrada no ano passado foi de 3% em comparação com 2022. É como se a
água esparramada sobre 5.700 km² tivesse evaporado – o equivalente a cinco
vezes a cidade de São Paulo.
Desde
1985, início do período analisado pelo Mapbiomas, a tendência observada no país
é de declínio. Especificamente em 2023, a redução foi de 1,5% em relação à
média histórica. Atualmente, a água cobre 183.000 km² do território brasileiro,
o que corresponde a 2% do total.
"A
tendência geral é de perda de água. A explicação para esse cenário é complexa e
se deve a vários fatores como mudança nos padrões de precipitação, aumento de
temperatura, verões mais quentes e mais longos, mudanças no uso do solo",
afirma à DW Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do Mapbiomas Água.
• Extremos de Norte a Sul
O
impacto dos eventos climáticos extremos de 2023 é um dos destaques preocupantes
da coleção de dados. A Amazônia, por exemplo, iniciou aquele ano com superfície
de água acima da média histórica e, meses depois, o bioma enfrentou uma seca
sem precedentes. O rio Negro registrou o menor índice desde que seu nível
começou a ser acompanhado, há 100 anos.
O
Pampa, do lado oposto do Brasil, iniciou os primeiros quatro meses de 2023 na
fase mais seca de sua série histórica. Em setembro, chuvas intensas começaram a
ocorrer no Sul e provocaram inundações, deixando milhares de desabrigados e
dezenas de mortos. "A chuva caiu principalmente em cidades que estão
dentro do bioma Mata Atlântica, mas a água escorreu para o Pampa e fez com que
aumentasse a disponibilidade", detalha Schirmbeck.
A
era dos extremos impulsionados pelas mudanças climáticas, analisa o
pesquisador, se mostrou com bastante clareza no ano que passou. "Há anos
escutamos dos cientistas que as mudanças climáticas provocariam eventos
extremos mais graves e com maior frequência. Isso foi visto nos extremos
geográficos do Brasil", comenta o coordenador da série do Mapbiomas.
• A crise no Pantanal
Proporcionalmente,
o Pantanal foi o bioma que mais secou desde 1985. Em 2023, a superfície de água
anual registrada ficou em 3.820 km², o que representou uma redução de 61% em
relação à média histórica. Além da diminuição da área alagada, o tempo em que este
terreno fica submerso também caiu.
"O
Pantanal é uma das maiores áreas úmidas do mundo e está sob preocupação
especial. A superfície de água anual, que permanece pelo menos seis meses, caiu
drasticamente, é a maior redução desde 1985", pontua Schirmbeck.
Há
quatro décadas, o Pantanal contava com mais de 65% de vegetação nativa em seu
entorno. Atualmente, não passa de 40%. Muitos desses pontos concentram
nascentes – que ajudam a inundar o terreno – , exatamente por onde avança a
fronteira agrícola.
Com
o bioma mais seco, a temporada de incêndios começou precocemente neste ano e
coloca à prova a sua resiliência. Nas duas primeiras semanas de junho, o número
de focos de calor é quase 700% maior que o mesmo período de 2020, o ano da pior
crise do fogo até então.
A
maior parte dos focos se concentra no município de Corumbá, Mato Grosso do Sul,
onde também foi registrada, em 2023, a maior perda de superfície de água
proporcional, com redução de 53% em comparação com a média histórica.
• Crescimento fabricado
Já
a superfície de água na Mata Atlântica cresceu, ficando 3% acima da média
histórica. Diversas localidades no bioma registraram altos níveis de
precipitação com inundações em áreas agrícolas e deslizamentos.
No
Cerrado e na Caatinga, a disponibilidade superficial da água também aumentou.
Isso pode ser explicado pela criação de reservatórios e hidrelétricas ao longo
do tempo. Atualmente, 23% de toda água disponível no país se concentra em áreas
construídas de armazenamento – a maioria está na Mata Atlântica.
Por
outro lado, a situação é diferente quando se analisam os corpos hídricos
naturais: sua superfície encolheu 30,8% em 2023 em relação a 1985. Metade das
bacias hidrográficas do país estavam abaixo da média no ano passado.
"No
Brasil, o ambiente natural está secando. O ganho de superfície é no ambiente
antrópico, construído pelo homem. Isso vai na contramão das soluções associadas
à água recomendadas num clima em mudança", afirma Schirmbeck, referindo-se
a soluções baseadas na natureza como cidades-esponjas e preservação de áreas
úmidas.
Essas
estratégias permitem o armazenamento de água da chuva no solo que, aos poucos,
escorre para os rios. Elas ajudam também a evitar enchentes nas grandes
cidades, como as que ocorreram no fim de abril e começo de maio no Rio Grande
do Sul.
• De cientista a refugiado climático
Os
dados do Mapbiomas Água usam como base as imagens do satélite Landsat 5. Ele
faz parte de um programa da agência espacial americana Nasa e integra a rede de
observação mais contínua de toda a Terra. Embora a antena do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe) capte desde a década de 1970 as imagens do
Landsat, a cobertura do território brasileiro de forma sistematizada se deu a
partir de 1985.
Morador
de Roca Sales, no Rio Grande do Sul, Schirmbeck precisou se refugiar em Belém,
Pará, para finalizar a pesquisa sobre o cenário de 2023. Ele deixou a cidade
gaúcha em 10 de maio depois das enchentes recordes atingirem duramente o
cotidiano da família.
A
casa construída em 1944 onde moravam os pais do pesquisador foi alagada. O
casal de idosos foi retirado pelo telhado numa madrugada. A residência onde
vivia com a esposa e a filha, de cinco anos, ficou isolada devido a um
deslizamento de terra e perdeu a conexão com a rede de energia elétrica.
"Eu
também virei um refugiado climático. Tudo o que estamos registrando é um alerta
para repensarmos urgentemente a nossa relação com o meio ambiente, para darmos
importância aos estudos científicos, aos dados, na tomada de decisão pelas
autoridades", comenta ao relatar a experiência.
• Por que Pantanal pode viver pior
temporada de fogo em 2024
O
Pantanal pode estar diante da temporada mais destruidora de fogo. Nas duas
primeiras semanas de junho, o número de focos de incêndio é quase 700% maior
que o mesmo período de 2020, o ano da pior crise até então.
O
fogo chegou mais cedo em 2024 e pegou algumas equipes de combate em fase de
contratação de pessoal. No calendário oficial, as brigadas temporárias
contratadas pelo Ministério de Meio Ambiente começam a sair em campo em junho e
enfrentam, de agosto a outubro, a fase mais crítica.
"A
temporada seca está só começando e já vemos o número de focos estourar. A
tendência é piorar daqui para frente. É bem preocupante o cenário no momento e
pode ser pior do que 2020", afirma à DW Gustavo Figueroa, diretor da SOS
Pantanal, organização da sociedade civil que atua na conservação do bioma.
O
fogo já chegou nas bordas deste lugar, que é considerado um refúgio para a vida
silvestre. Ali vivem mais de uma centena de espécies de animais – jacaré, onça
pintada, jaguatirica, anta, cotia e tatu-canastra são alguns deles. Pelo
caminho, Figueroa fotografou alguns bichos carbonizados.
"A
rotina do combate é complicada. Saímos de madrugada, um trator desloca os
equipamentos até a linha do fogo, são duas horas de percurso. É muito
desgastante", relata Figueroa, especialista em manejo e conservação da SOS
Pantanal.
De
Corumbá, Mato Grosso do Sul, onde o IHP está baseado, são seis horas de barco
pelo rio Paraguai até a região. O município concentrou o maior número de focos
de incêndio do país nas primeiras duas semanas de junho, com 32% do total.
Uma
portaria publicada no fim de abril pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autorizou o centro especializado
Prevfogo a contratar brigadas federais para a prevenção e combate aos incêndios
florestais.
Questionado
pela DW, o órgão informou por meio de nota que há equipes atuando no Pantanal,
mas não revelou o número exato de profissionais. Segundo o órgão, quase
100 brigadistas foram contratados até o
momento para combater os incêndios no bioma, e mais equipes estão previstas
neste ano.
• Na proteção de um corredor
Figueroa
acaba de retornar de dias de combate às chamas. Ele acompanhou os seis
integrantes da brigada permanente criada pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP).
Neste momento, o grupo atua num corredor de biodiversidade estratégico para o
futuro do bioma. Do tamanho de 300 mil campos de futebol, esse corredor fica
numa área que abrange a divisa entre Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e a
fronteira com a Bolívia, próxima à Serra do Amolar.
Depois
do cenário catastrófico de 2020, o IHP criou a brigada permanente. Naquele ano,
os incêndios consumiram 30% da porção brasileira do Pantanal e ficou claro para
os integrantes da entidade que saber combater o fogo não era o suficiente – era
preciso entender melhor o território, conhecer onde buscar água entre as chamas
e quais caminhos podem ser usados pelos animais nas rotas de fuga.
"A
brigada atua junto às comunidades para dar apoio, ajuda na manutenção perto de
escolas rurais para manter a área segura, promove ações ambientais, educativas.
Mas neste momento está tudo paralisado, o foco é combater o fogo", explica
Rodolfo César de Sousa, que atua na comunicação do IHP.
• Pantanal enfraquecido
A
temporada precoce de incêndios em 2024 encontra um Pantanal ainda em
recuperação. Em 2020, os grandes incêndios no bioma em território nacional
consumiram 43% de locais nunca antes queimados e provocaram a mortalidade em
massa da vida selvagem. Foram 39 mil quilômetros quadrados atingidos pelas
chamas. Um estudo publicado na Scientific Reports, do grupo Nature, estimou a
morte de 17 mil animais vertebrados em decorrência da catástrofe.
Além
disso, o último período chuvoso terminou com pouca água nos rios da região. O
monitoramento feito pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) aponta que, de todo
o volume de chuva esperado, 60% se confirmaram. O mapa que mostra as regiões
sob seca produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA) alerta para zonas
críticas sobre o Pantanal.
"Neste
ano, o rio Paraguai não extravasou. Ou seja, ele não inundou os campos
alagáveis que normalmente ficam cobertos de água no Pantanal. Então toda esta
vegetação vai secando e muita biomassa fica disponível para o fogo",
afirma Danilo Bandini, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS).
Mais
seco, qualquer faísca pode iniciar um grande incêndio. No Pantanal, 95% deles
são provocados pelo homem, de forma acidental ou intencionalmente. E um estudo
publicado recentemente na revista científica Global Change Biology mostrou que
a vida pode ter sérias dificuldades para voltar ao local devastado. Das oito
espécies de mamíferos pesquisadas na Serra do Amolar, seis apresentaram
mudanças no uso ou ocupação do habitat.
"Jaguatiricas,
catetos, tatus-canastra, cutia, veado mateiro e antas tiveram ocupação
decrescente após incêndios. O uso de habitat manteve-se estável apenas para a
onça-parda. O tatu-canastra, espécie rara e ameaçada no Brasil, experimentou o
declínio mais acentuado na ocupação", comenta Grasiela Porfírio,
coordenadora técnica científica de projetos do Instituto Homem Pantaneiro e uma
das autoras do artigo.
O
bioma ameaçado tem uma particularidade: mais de 90% dele estão dentro de
propriedades particulares. Uma pequena fatia do Pantanal, 4,68%, está protegida
dentro de unidades de conservação. É por isso que a criação de Reservas
Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), aquelas criadas voluntariamente por
proprietários rurais, é importante.
• Vigilância permanente
Para
Gustavo Figueroa, da SOS Pantanal, o apoio aéreo é importante para transportar
brigadistas nas áreas mais remotas é fundamental. "Facilitaria o combate e
economizaria tempo e energia dos brigadistas. Se o combate não começa rápido, é
quase impossível controlar depois que o fogo atinge grandes proporções",
comenta.
Uma
das recomendações dadas num artigo publicado por Danilo Bandini após a
experiência traumática de 2020 incluía a formação de mais brigadas com atuação
ao longo de todo ano, e não só no período seco.
"Desta
forma, elas poderiam fazer um trabalho de prevenção melhor para diminuir esses
grandes incêndios. O manejo integrado do fogo, incluindo a queima prescrita, é
uma das ferramentas de prevenção mais importantes, mas existem outras, como a
educação ambiental", afirma o pesquisador da UFMS.
Segundo
Bandini, a série histórica de dados coletados no Pantanal é limitada, o que
dificulta a análise sobre a influência das mudanças climáticas no bioma. Por
outro lado, os pesquisadores observam que mesmo os fenômenos que têm um ciclo
natural, como a seca, estão mais intensos e com estiagem mais prolongada.
Paralelamente,
mais 30 organizações da sociedade civil propuseram aos governos federal e
estaduais que busquem auxílio fora do país. A alternativa sugerida numa carta
entregue às autoridades sugere o Centro de Coordenação de Resposta de
Emergência da União Europeia como eventual parceiro.
"A
comunidade internacional acompanhou o que aconteceu com o Pantanal em 2020.
Enquanto ainda se recupera da devastação daquele ano, mais uma vez estamos
vendo números alarmantes de incêndios ainda no início da estação seca, o que é
extremamente preocupante. Estamos dispostos a colaborar com as organizações
brasileiras em seu pedido à União Europeia para evitar que uma tragédia maior
ocorra", diz Steve Trent, presidente e fundador da Environmental Justice
Foundation (EJF).
Fonte:
Deutsche Welle
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