quinta-feira, 27 de junho de 2024

Brasil está secando, aponta Mapbiomas

Em 2023, o território do Brasil ficou um pouco mais seco. Em todos os meses do ano, inclusive durante a temporada de chuvas, a superfície de água encolheu, aponta levantamento divulgado nesta quarta-feira (26/06) pela organização não-governamental MapBiomas, uma rede que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia e que realiza estudos para monitorar mudanças na cobertura e no uso da terra.

A perda registrada no ano passado foi de 3% em comparação com 2022. É como se a água esparramada sobre 5.700 km² tivesse evaporado – o equivalente a cinco vezes a cidade de São Paulo.

Desde 1985, início do período analisado pelo Mapbiomas, a tendência observada no país é de declínio. Especificamente em 2023, a redução foi de 1,5% em relação à média histórica. Atualmente, a água cobre 183.000 km² do território brasileiro, o que corresponde a 2% do total.

"A tendência geral é de perda de água. A explicação para esse cenário é complexa e se deve a vários fatores como mudança nos padrões de precipitação, aumento de temperatura, verões mais quentes e mais longos, mudanças no uso do solo", afirma à DW Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do Mapbiomas Água.

•           Extremos de Norte a Sul

O impacto dos eventos climáticos extremos de 2023 é um dos destaques preocupantes da coleção de dados. A Amazônia, por exemplo, iniciou aquele ano com superfície de água acima da média histórica e, meses depois, o bioma enfrentou uma seca sem precedentes. O rio Negro registrou o menor índice desde que seu nível começou a ser acompanhado, há 100 anos.

O Pampa, do lado oposto do Brasil, iniciou os primeiros quatro meses de 2023 na fase mais seca de sua série histórica. Em setembro, chuvas intensas começaram a ocorrer no Sul e provocaram inundações, deixando milhares de desabrigados e dezenas de mortos. "A chuva caiu principalmente em cidades que estão dentro do bioma Mata Atlântica, mas a água escorreu para o Pampa e fez com que aumentasse a disponibilidade", detalha Schirmbeck.

A era dos extremos impulsionados pelas mudanças climáticas, analisa o pesquisador, se mostrou com bastante clareza no ano que passou. "Há anos escutamos dos cientistas que as mudanças climáticas provocariam eventos extremos mais graves e com maior frequência. Isso foi visto nos extremos geográficos do Brasil", comenta o coordenador da série do Mapbiomas.

•           A crise no Pantanal

Proporcionalmente, o Pantanal foi o bioma que mais secou desde 1985. Em 2023, a superfície de água anual registrada ficou em 3.820 km², o que representou uma redução de 61% em relação à média histórica. Além da diminuição da área alagada, o tempo em que este terreno fica submerso também caiu.

"O Pantanal é uma das maiores áreas úmidas do mundo e está sob preocupação especial. A superfície de água anual, que permanece pelo menos seis meses, caiu drasticamente, é a maior redução desde 1985", pontua Schirmbeck.

Há quatro décadas, o Pantanal contava com mais de 65% de vegetação nativa em seu entorno. Atualmente, não passa de 40%. Muitos desses pontos concentram nascentes – que ajudam a inundar o terreno – , exatamente por onde avança a fronteira agrícola.

Com o bioma mais seco, a temporada de incêndios começou precocemente neste ano e coloca à prova a sua resiliência. Nas duas primeiras semanas de junho, o número de focos de calor é quase 700% maior que o mesmo período de 2020, o ano da pior crise do fogo até então.

A maior parte dos focos se concentra no município de Corumbá, Mato Grosso do Sul, onde também foi registrada, em 2023, a maior perda de superfície de água proporcional, com redução de 53% em comparação com a média histórica.

•           Crescimento fabricado

Já a superfície de água na Mata Atlântica cresceu, ficando 3% acima da média histórica. Diversas localidades no bioma registraram altos níveis de precipitação com inundações em áreas agrícolas e deslizamentos.

No Cerrado e na Caatinga, a disponibilidade superficial da água também aumentou. Isso pode ser explicado pela criação de reservatórios e hidrelétricas ao longo do tempo. Atualmente, 23% de toda água disponível no país se concentra em áreas construídas de armazenamento – a maioria está na Mata Atlântica.

Por outro lado, a situação é diferente quando se analisam os corpos hídricos naturais: sua superfície encolheu 30,8% em 2023 em relação a 1985. Metade das bacias hidrográficas do país estavam abaixo da média no ano passado.

"No Brasil, o ambiente natural está secando. O ganho de superfície é no ambiente antrópico, construído pelo homem. Isso vai na contramão das soluções associadas à água recomendadas num clima em mudança", afirma Schirmbeck, referindo-se a soluções baseadas na natureza como cidades-esponjas e preservação de áreas úmidas.

Essas estratégias permitem o armazenamento de água da chuva no solo que, aos poucos, escorre para os rios. Elas ajudam também a evitar enchentes nas grandes cidades, como as que ocorreram no fim de abril e começo de maio no Rio Grande do Sul.

•           De cientista a refugiado climático

Os dados do Mapbiomas Água usam como base as imagens do satélite Landsat 5. Ele faz parte de um programa da agência espacial americana Nasa e integra a rede de observação mais contínua de toda a Terra. Embora a antena do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) capte desde a década de 1970 as imagens do Landsat, a cobertura do território brasileiro de forma sistematizada se deu a partir de 1985.

Morador de Roca Sales, no Rio Grande do Sul, Schirmbeck precisou se refugiar em Belém, Pará, para finalizar a pesquisa sobre o cenário de 2023. Ele deixou a cidade gaúcha em 10 de maio depois das enchentes recordes atingirem duramente o cotidiano da família.

A casa construída em 1944 onde moravam os pais do pesquisador foi alagada. O casal de idosos foi retirado pelo telhado numa madrugada. A residência onde vivia com a esposa e a filha, de cinco anos, ficou isolada devido a um deslizamento de terra e perdeu a conexão com a rede de energia elétrica.

"Eu também virei um refugiado climático. Tudo o que estamos registrando é um alerta para repensarmos urgentemente a nossa relação com o meio ambiente, para darmos importância aos estudos científicos, aos dados, na tomada de decisão pelas autoridades", comenta ao relatar a experiência.

 

•           Por que Pantanal pode viver pior temporada de fogo em 2024

O Pantanal pode estar diante da temporada mais destruidora de fogo. Nas duas primeiras semanas de junho, o número de focos de incêndio é quase 700% maior que o mesmo período de 2020, o ano da pior crise até então.

O fogo chegou mais cedo em 2024 e pegou algumas equipes de combate em fase de contratação de pessoal. No calendário oficial, as brigadas temporárias contratadas pelo Ministério de Meio Ambiente começam a sair em campo em junho e enfrentam, de agosto a outubro, a fase mais crítica.

"A temporada seca está só começando e já vemos o número de focos estourar. A tendência é piorar daqui para frente. É bem preocupante o cenário no momento e pode ser pior do que 2020", afirma à DW Gustavo Figueroa, diretor da SOS Pantanal, organização da sociedade civil que atua na conservação do bioma.

O fogo já chegou nas bordas deste lugar, que é considerado um refúgio para a vida silvestre. Ali vivem mais de uma centena de espécies de animais – jacaré, onça pintada, jaguatirica, anta, cotia e tatu-canastra são alguns deles. Pelo caminho, Figueroa fotografou alguns bichos carbonizados.

"A rotina do combate é complicada. Saímos de madrugada, um trator desloca os equipamentos até a linha do fogo, são duas horas de percurso. É muito desgastante", relata Figueroa, especialista em manejo e conservação da SOS Pantanal.

De Corumbá, Mato Grosso do Sul, onde o IHP está baseado, são seis horas de barco pelo rio Paraguai até a região. O município concentrou o maior número de focos de incêndio do país nas primeiras duas semanas de junho, com 32% do total.

Uma portaria publicada no fim de abril pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autorizou o centro especializado Prevfogo a contratar brigadas federais para a prevenção e combate aos incêndios florestais.

Questionado pela DW, o órgão informou por meio de nota que há equipes atuando no Pantanal, mas não revelou o número exato de profissionais. Segundo o órgão, quase 100  brigadistas foram contratados até o momento para combater os incêndios no bioma, e mais equipes estão previstas neste ano.

•           Na proteção de um corredor

Figueroa acaba de retornar de dias de combate às chamas. Ele acompanhou os seis integrantes da brigada permanente criada pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP). Neste momento, o grupo atua num corredor de biodiversidade estratégico para o futuro do bioma. Do tamanho de 300 mil campos de futebol, esse corredor fica numa área que abrange a divisa entre Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e a fronteira com a Bolívia, próxima à Serra do Amolar.

Depois do cenário catastrófico de 2020, o IHP criou a brigada permanente. Naquele ano, os incêndios consumiram 30% da porção brasileira do Pantanal e ficou claro para os integrantes da entidade que saber combater o fogo não era o suficiente – era preciso entender melhor o território, conhecer onde buscar água entre as chamas e quais caminhos podem ser usados pelos animais nas rotas de fuga.

"A brigada atua junto às comunidades para dar apoio, ajuda na manutenção perto de escolas rurais para manter a área segura, promove ações ambientais, educativas. Mas neste momento está tudo paralisado, o foco é combater o fogo", explica Rodolfo César de Sousa, que atua na comunicação do IHP.

•           Pantanal enfraquecido

A temporada precoce de incêndios em 2024 encontra um Pantanal ainda em recuperação. Em 2020, os grandes incêndios no bioma em território nacional consumiram 43% de locais nunca antes queimados e provocaram a mortalidade em massa da vida selvagem. Foram 39 mil quilômetros quadrados atingidos pelas chamas. Um estudo publicado na Scientific Reports, do grupo Nature, estimou a morte de 17 mil animais vertebrados em decorrência da catástrofe.

Além disso, o último período chuvoso terminou com pouca água nos rios da região. O monitoramento feito pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) aponta que, de todo o volume de chuva esperado, 60% se confirmaram. O mapa que mostra as regiões sob seca produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA) alerta para zonas críticas sobre o Pantanal.

"Neste ano, o rio Paraguai não extravasou. Ou seja, ele não inundou os campos alagáveis que normalmente ficam cobertos de água no Pantanal. Então toda esta vegetação vai secando e muita biomassa fica disponível para o fogo", afirma Danilo Bandini, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Mais seco, qualquer faísca pode iniciar um grande incêndio. No Pantanal, 95% deles são provocados pelo homem, de forma acidental ou intencionalmente. E um estudo publicado recentemente na revista científica Global Change Biology mostrou que a vida pode ter sérias dificuldades para voltar ao local devastado. Das oito espécies de mamíferos pesquisadas na Serra do Amolar, seis apresentaram mudanças no uso ou ocupação do habitat.

"Jaguatiricas, catetos, tatus-canastra, cutia, veado mateiro e antas tiveram ocupação decrescente após incêndios. O uso de habitat manteve-se estável apenas para a onça-parda. O tatu-canastra, espécie rara e ameaçada no Brasil, experimentou o declínio mais acentuado na ocupação", comenta Grasiela Porfírio, coordenadora técnica científica de projetos do Instituto Homem Pantaneiro e uma das autoras do artigo.

O bioma ameaçado tem uma particularidade: mais de 90% dele estão dentro de propriedades particulares. Uma pequena fatia do Pantanal, 4,68%, está protegida dentro de unidades de conservação. É por isso que a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), aquelas criadas voluntariamente por proprietários rurais, é importante.

•           Vigilância permanente

Para Gustavo Figueroa, da SOS Pantanal, o apoio aéreo é importante para transportar brigadistas nas áreas mais remotas é fundamental. "Facilitaria o combate e economizaria tempo e energia dos brigadistas. Se o combate não começa rápido, é quase impossível controlar depois que o fogo atinge grandes proporções", comenta.

Uma das recomendações dadas num artigo publicado por Danilo Bandini após a experiência traumática de 2020 incluía a formação de mais brigadas com atuação ao longo de todo ano, e não só no período seco.

"Desta forma, elas poderiam fazer um trabalho de prevenção melhor para diminuir esses grandes incêndios. O manejo integrado do fogo, incluindo a queima prescrita, é uma das ferramentas de prevenção mais importantes, mas existem outras, como a educação ambiental", afirma o pesquisador da UFMS.

Segundo Bandini, a série histórica de dados coletados no Pantanal é limitada, o que dificulta a análise sobre a influência das mudanças climáticas no bioma. Por outro lado, os pesquisadores observam que mesmo os fenômenos que têm um ciclo natural, como a seca, estão mais intensos e com estiagem mais prolongada.

Paralelamente, mais 30 organizações da sociedade civil propuseram aos governos federal e estaduais que busquem auxílio fora do país. A alternativa sugerida numa carta entregue às autoridades sugere o Centro de Coordenação de Resposta de Emergência da União Europeia como eventual parceiro.

"A comunidade internacional acompanhou o que aconteceu com o Pantanal em 2020. Enquanto ainda se recupera da devastação daquele ano, mais uma vez estamos vendo números alarmantes de incêndios ainda no início da estação seca, o que é extremamente preocupante. Estamos dispostos a colaborar com as organizações brasileiras em seu pedido à União Europeia para evitar que uma tragédia maior ocorra", diz Steve Trent, presidente e fundador da Environmental Justice Foundation (EJF).

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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