OTAN e
Rússia estão à beira de uma escalada nuclear? Analistas debatem
Gastos
mundiais com armas nucleares estão em alta, com aumento do potencial destrutivo
de ogivas e novos sistemas de lançamento. Uso de armas dos EUA em ataque contra
Sevastopol com vítimas civis eleva a possibilidade de escalada entre grandes
potências.
Nesta
segunda-feira (24), o governo russo acenou com a possibilidade de rever a sua
doutrina de dissuasão nuclear, para adequá-la às realidades modernas impostas
pelo conflito ucraniano e expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN).
De
acordo com o porta-voz da presidência russa, Dmitry Peskov, a possibilidade de
alterar o documento que estipula o processo de tomada de decisão sobre o uso de
armas nucleares está em debate. O comentário foi feito após o chefe do Comitê
de Defesa do parlamento russo, Andrei Kartapolov, defender uma revisão
abrangente.
"O
fato é que as discussões estão em andamento e a questão de alinhar a doutrina
[nuclear] em geral com as realidades atuais está sendo trabalhada – o
presidente [da Rússia, Vladimir] Putin falou sobre isso. Esse trabalho está em
andamento, até o momento não tenho mais nada a dizer", disse Peskov aos
repórteres.
A
Doutrina Nuclear russa estipula os princípios básicos de sua política de
dissuasão nuclear e o processo de tomada de decisão sobre um eventual uso dos
arsenais russos. Defensiva por natureza, a doutrina russa restringe o uso de
armas nucleares a situações "extremas", nas quais o país seria
compelido a tomar essa drástica decisão.
"A
Rússia se reserva o direito de usar armas nucleares em resposta ao uso de armas
nucleares e outros tipos de armas de destruição em massa contra ela e/ou seus
aliados, bem como em caso de agressão contra a Rússia com o uso de armas
convencionais, quando a própria existência do Estado estiver em perigo",
versa o documento estatal russo.
A
eventual alteração na Doutrina Nuclear da Rússia pode se fazer necessária,
frente à autorização dada a Kiev pelas potências nucleares EUA e Reino Unido
para utilização de armamentos ocidentais contra alvos no território russo.
Neste
domingo (23), um ataque contra a cidade de Sevastopol, na Crimeia, utilizando
mísseis norte-americanos ATACMS, deixou pelo menos quatro mortos, incluindo
duas crianças, e mais de 150 feridos. Outras quatro crianças foram
transportadas para um hospital pediátrico em Moscou, e seguem em estado grave,
de acordo com informações divulgadas nesta terça-feira (25).
O
Ministério das Relações Exteriores da Rússia convocou a embaixadora dos EUA em
Moscou, Lynne Tracy, para expressar sua indignação com o uso irresponsável de
armas norte-americanas em seu território, e prometeu retaliação.
Especialistas
apontam que o conflito ucraniano se encontra em momento crítico, no qual o
potencial de escalada é real. Recentes dados do Instituto Internacional de
Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI) revelam um aumento generalizado nos
gastos internacionais com armas nucleares nos últimos anos, adicionando mais um
elemento temeroso ao já complicado ambiente internacional.
Um
dos estopins para a volta das armas nucleares à agenda internacional foi a
decisão da administração Donald Trump, nos EUA, de antagonizar abertamente com
países que consideram seus potenciais adversários geopolíticos, como Rússia e
China, disse a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Danielle Ayres.
"Há
uma grande clivagem, já que estamos em meio a uma disputa pela hegemonia
mundial, gerada em grande parte pela ascensão da China. Em 2019, o então líder
da Casa Branca, Donald Trump, aposta na divisão do mundo entre 'nós' e 'eles',
e começa a preparar os EUA para esse embate", disse Ayres à Sputnik
Brasil. "Os EUA têm interesse em manter essa disputa na arena militar,
afinal é um setor no qual os norte-americanos têm vantagem considerável."
Segundo
ela, países como a Rússia reagem a essa mudança, buscando reforçar a sua
capacidade dissuasória e a sua influência internacional. A modernização dos
arsenais nucleares e aumento de sua capacidade técnica são um dos instrumentos
para atingir esse objetivo.
"Por
outro lado, os novos dados apontam para o foco nas armas nucleares
estratégicas, que têm capacidade de atingir alvos a grandes distâncias e, no
caso de Rússia e EUA, provocar a destruição mútua", apontou Ayres.
"Mas, o investimento em armas nucleares táticas, aquelas que podem ser
usadas para destruição pontual de alvos militares, não cresceu tanto. Então
vemos que há um investimento por parte das potências na sua capacidade de
dissuasão."
A
capacidade dissuasória é a principal função das armas nucleares, que não são
construídas para serem, de fato, utilizadas no campo de batalha. Até o momento,
não há possibilidade de uso limitado de armas nucleares, isto é, garantindo
efeito destrutivo de pequena ou média escala.
"Em
condições normais, as armas nucleares são usadas como efeito dissuasório",
disse o mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército, Pedro Mendes Martins, à Sputnik Brasil. "A única vez que elas
foram usadas foi em 1945, em Hiroshima e Nagasaki, e depois nunca mais. Isso
mostra que as armas nucleares foram projetadas para que os países não as
utilizem."
Ogivas
modernas
O
aumento nos investimentos com arsenais nucleares pelas principais potências
nucleares, com destaque para EUA e Rússia, se dá pela necessidade de renovação
de ogivas antigas e otimização de seus custos de manutenção.
"Já
existia a tendência de aumento no investimento e modernização de arsenais
nucleares, por um motivo muito simples: ogivas nucleares têm prazo de validade.
Muitas ogivas da época da Guerra Fria precisam ser renovadas por motivos
técnicos", revelou Martins.
Segundo
ele, um olhar atento aos dados públicos sobre os principais arsenais nucleares
do mundo revela que "há uma redução dos arsenais nucleares de Rússia e
EUA, justamente por eles estarem trocando ogivas antigas por novas, mais
potentes".
"A
tendência de reciclar a capacidade nuclear é de longo prazo, afinal manter uma
ogiva nuclear é muito caro e demanda a mobilização de milhares de pessoas.
Então a redução quantitativa do arsenal, com a manutenção ou aumento do seu
poder, interessa às grandes potências", explicou Martins. "É possível
reduzir o custo econômico e de manutenção, mas com uma capacidade destrutiva
muito maior."
A
aceleração no ritmo dessa modernização nuclear chama mais atenção dos analistas
atualmente, em função do "contexto político muito mais grave em que
estamos, com uma guerra interestatal na Europa e outros conflitos de alta
intensidade".
·
Foco nos submarinos
A
renovação dos arsenais também consolida a tendência de investir em veículos de
lançamento que garantam a capacidade de retaliação nuclear, em especial os
submarinos nuclearmente armados, apontou o mestre em ciências militares.
"É
importante notar o aumento da relevância das armas nucleares instaladas em
mísseis balísticos lançados a partir de submarinos. A presença dessas ogivas em
submarinos que percorrem o planeta Terra 24 horas por dia é o que, atualmente,
garante a dissuasão nuclear das grandes potências", asseverou Martins.
Outras
tradicionais bases de lançamento de armas nucleares são os silos terrestres e
os aviões bombardeiros estratégicos. No entanto, as infraestruturas necessárias
para operar essas bases de lançamento são de larga escala e, portanto,
facilmente detectáveis.
"A
construção de silos para a instalação de armas nucleares atualmente é
facilmente identificada por satélites. Já no caso da Crise dos Mísseis em Cuba,
um avião B-52 americano foi capaz de perceber a construção de um silo",
explicou Martins. "Já o lançamento por aviões bombardeiros estratégicos
também tem problemas, por serem aeronaves de grande porte, as quais todos sabem
aonde ficam estacionadas."
Portanto,
as armas nucleares instaladas em silos e bombardeiros estratégicos são "os
alvos prioritários de um primeiro ataque nuclear, e podem ficar inutilizadas em
questão de minutos". Para garantir a retaliação nuclear é necessário ter
uma frota de submarinos prontos para responder a uma agressão.
"A
dissuasão fica garantida se o país possui submarinos nuclearmente armados,
capazes de realizar um ataque retaliatório a qualquer momento", disse
Martins. "Mas não é fácil nem barato manter submarinos nuclearmente
armados com ogivas em alerta, operando constantemente. Por isso poucos países
mantêm essa capacidade."
O
especialista acredita que, apesar do perigo, Rússia e EUA ainda têm capacidade
de negociar e impedir uma escalada nuclear, no contexto do conflito ucraniano.
Para ele, a comunidade internacional tem base legal e política para retomar os
acordos de controle de armamentos e restringir o uso desses arsenais.
Nesta
terça-feira (25), a candidata ao Senado dos EUA por Nova York, Diane Sare,
defendeu a retomada de negociações nucleares ente Washington e Moscou. Sare
disse à Sputnik que o diálogo na esfera nuclear é necessário e consiste em uma
"responsabilidade perante o mundo". Para ela, os EUA devem investir
na cooperação científica com a Rússia e "deixar para trás a retórica e a
prática da guerra".
¨
Aposta de Zelensky na
entrada da Ucrânia na OTAN é sonho 'distante e improvável', diz analista
O
futuro potencial da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)
continua a ser uma perspectiva distante, não importa o quanto Vladimir Zelensky
possa clamar pela adesão, sublinhou um artigo na The National Interest.
Durante
a cúpula anual da OTAN em Vilnius em 2023, foi acordado um pacote de três
medidas para aproximar a Ucrânia da aliança. No entanto, a OTAN evitou estender
um convite oficial a Kiev. Desde então, Vladimir Zelensky tem apostado na
cúpula do bloco em Washington, marcada para 9 a 11 de julho, para avançar no
cronograma.
"A
Ucrânia praticamente não será capaz de aderir à aliança transatlântica enquanto
as hostilidades com a Rússia continuarem", escreveu o jornalista Stavros
Atlamazoglou em sua análise.
A
própria razão pela qual Kiev tem batido persistentemente à porta da OTAN é
também o que impede a sua adesão — o Artigo 5, sublinhou o jornalista. Não
importa quanto apoio os EUA e os seus aliados possam estender à Ucrânia, a
aliança procurará "evitar o envolvimento imediato" nas hostilidades
em curso, sublinhou ele.
Apesar
do Artigo 5, ou cláusula de defesa comum, exigir que todos os países da OTAN
venham em auxílio de outro membro da aliança sob ataque de um ator estatal ou
não estatal, "não é uma reação automática", esclareceu. A Aliança
Atlântica "teria de avaliar primeiro a situação".
"O
Artigo 5 da Carta da OTAN, que determina a defesa coletiva, torna improvável a
adesão da Ucrânia enquanto o conflito continuar, pois levaria a OTAN a um
conflito direto com a Rússia", escreveu o autor.
O
regime neonazista de Kiev pode estar de olho na próxima cúpula da OTAN, em
julho, em Washington, para algum avanço nesta questão — mas isso não
acontecerá. É "extremamente improvável" que a cúpula produza
progressos concretos no sentido de a Ucrânia vir a se tornar o 33.º
Estado-membro da aliança, concluiu Atlamazoglou.
Ele
também apresentou uma série de comentários feitos por responsáveis dos EUA e da
OTAN que confirmam isto.
"O
presidente [norte-americano Joe Biden] acredita firmemente que a OTAN estará no
futuro da Ucrânia em algum momento", disse o porta-voz do Conselho de
Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, em recente coletiva de imprensa. Mas,
primeiro, a Ucrânia "tem de vencer a guerra com a Rússia",
acrescentou ele no dia 17 de junho.
Na
verdade, o presidente dos EUA, Joe Biden, disse que "não estava preparado
para a 'OTANização' da Ucrânia", em uma entrevista recente à revista Time.
Paz "não significa OTAN", disse ele. Ele também reconheceu ter
testemunhado "corrupção significativa" na Ucrânia em visitas ao país
durante seu mandato como vice-presidente. Em vez da entrada na OTAN, Kiev terá
de se contentar com "garantias de segurança".
Com
efeito, uma infinidade de acadêmicos, juristas e legisladores dos EUA
sublinharam em uma série de publicações que a potencial adesão da Ucrânia à
aliança não lhe garantiria mais assistência do que a que desfruta hoje, mesmo
que o Artigo 5 seja invocado. Salientaram que a linguagem do tratado especifica
que é da responsabilidade dos Estados-membros da OTAN e das suas legislaturas
decidir se e como ajudarão outros países-membros.
Em
junho passado, o senador Rand Paul abordou a questão da disposição de defesa
comum do Artigo 5 para sublinhar que "um ataque a um é um ataque a
todos" não desencadeia automaticamente uma resposta militar dos EUA.
"A
Constituição concede ao Congresso a autoridade exclusiva para determinar onde e
quando enviaremos os nossos filhos e filhas para lutar. Não podemos delegar
essa responsabilidade ao presidente, aos tribunais, a um organismo
internacional ou aos nossos aliados", disse Paul.
O
presidente russo, Vladimir Putin, reiterou que Moscou considera a continuação
do estatuto de não alinhado da Ucrânia vital para pôr fim ao conflito que já
dura há anos. O objetivo declarado de Kiev de aderir à aliança liderada pelos
EUA foi uma das razões da Rússia para lançar a sua operação militar especial em
fevereiro de 2022.
Em
14 de junho de 2024, Putin disse que a Rússia interromperia a sua operação
militar especial e iniciaria negociações com a Ucrânia assim que Kiev ordenasse
a saída das tropas dos territórios controlados pela Rússia e abandonasse os
planos de adesão à OTAN.
Fonte:
Sputnik Brasil
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