Microbiota
intestinal: veja como a saúde do intestino pode afetar o corpo todo
Todo
mundo algum dia já deve ter ouvido ou falado as expressões “senti um frio na
barriga” e “fiz das tripas o coração” sem se dar conta de que estava se
referindo ao intestino, e sem saber o quanto ele realmente é importante para o
funcionamento adequado do organismo. Agora a ciência está desvendando como os
milhões de microrganismos que vivem ali – a chamada microbiota – impactam
vários aspectos da vida, da saúde, do peso e até o humor das pessoas.
O
intestino vem sendo cada vez mais visto como um aliado no tratamento de doenças
sistêmicas, como obesidade, câncer, alergias, problemas respiratórios e
dermatológicos. “Sentimos vergonha dele, mas estamos tão ligados ao intestino
que isso transparece na nossa comunicação. Não é à toa que o intestino é
considerado nosso segundo cérebro”, diz Diogo Toledo, médico nutrólogo do
Hospital Israelita Albert Einstein.
De
fato, há uma conexão direta entre esses dois órgãos através de uma espécie de
“cabo” – o nervo vago –, que controla desde a frequência cardíaca até os
movimentos do trato digestivo. Essa é uma das razões pelas quais, quando a
pessoa leva um susto ou está sob tensão, sente dor abdominal ou vontade de
vomitar, por exemplo.
Além
disso, as pesquisas recentes destacam o papel do microbioma, o conjunto de
bactérias, fungos, vírus – bem como seus genes e metabólitos – que vivem em
nosso organismo, principalmente no intestino (o termo microbiota se refere
apenas aos microrganismos). Mais numerosos que as próprias células do corpo,
eles ajudam na digestão, metabolizando os nutrientes, formam uma barreira de
defesa contra patógenos e cumprem uma função imunológica, modulando a resposta
inflamatória. “A microbiota pode ser a chave para muitas perguntas ainda sem
resposta da ciência”, diz Toledo.
Quando,
por algum motivo, há o aumento de microrganismos prejudiciais ou a redução dos
benéficos, ocorre um desequilíbrio – a disbiose – e a microbiota deixa de
desempenhar adequadamente suas tarefas. Um ambiente ruim piora o processo de
absorção de nutrientes e a metabolização de remédios. Também pode intensificar
as reações inflamatórias, com a liberação exagerada de células imunológicas e
citocinas inflamatórias na corrente sanguínea. Esse conteúdo chega a órgãos
como cérebro, rins, pele, coração e fígado, podendo amplificar a resposta de
alguns quadros.
Isso
explica por que a microbiota intestinal vem sendo relacionada à exacerbação de
problemas como acne, obesidade, rinite alérgica, eczema, candidíase, síndrome
do intestino irritável, depressão e ansiedade. Para ter uma ideia, pesquisas
mostram que pessoas com dermatite atópica possuem menor diversidade de
bactérias intestinais do que aquelas sem a doença.
• Microbiota é única para cada
indivíduo
A
microbiota começa a se formar ainda na vida intrauterina e depende de fatores
como hábitos da mãe, se a criança foi amamentada e até do tipo de parto.
Depois, é afetada pelo estilo de vida, incluindo alimentação, atividade física,
tabagismo, uso de medicamentos (principalmente antibióticos), estresse, falta
de vitamina D e o próprio envelhecimento. “Sua composição é única para cada
indivíduo. É como uma assinatura”, diz Toledo. Além disso, ela varia ao longo
da vida.
Sintomas
relacionados a hábitos intestinais (como diarreia e constipação), distensão
abdominal e gases, entre outros, sinalizam que há algum desequilíbrio. O médico
também pode solicitar exames laboratoriais de fezes mais específicos diante de
alguma suspeita de problemas.
O
médico do Einstein explica que reequilibrar a microbiota passa por uma mudança
de estilo de vida. “Mas às vezes isso pode não ser suficiente”, diz o
nutrólogo. Nesses casos, é possível usar probióticos, que contém microrganismos
específicos na sua fórmula, e prebióticos, que são as fibras que alimentam
esses microrganismos e estimulam seu desenvolvimento. São produtos diferentes
dos encontrados em supermercados. Eles devem ser prescritos pelo médico ou
nutricionista e os resultados aparecem em cerca de 90 dias, no mínimo.
Alguns
estudos mostram ainda que a suplementação pode melhorar quadros de constipação
e reduzir crises de eczema, rinite e chiado em alguns casos, além de amenizar
sintomas de depressão.
• Molécula produzida no intestino pode
proteger contra gripe, indica estudo
Experimentos
com camundongos mostraram uma queda nos níveis da molécula conhecida como ácido
indol-3-propiônico (IPA, na sigla em inglês) durante a infecção pelo vírus
influenza, variante H3N2.
Ao
suplementar os animais infectados com uma versão sintética do IPA, os
pesquisadores observaram uma redução na carga viral e na inflamação dos
pulmões.
“Esses
resultados são promissores e sugerem que o IPA, no futuro, poderá ser usado
para ajudar a prevenir ou tratar a infecção pelo vírus influenza, responsável
por grandes epidemias. No entanto, mais estudos são necessários para confirmar
esses achados em humanos e para entender melhor como o IPA funciona”, esclarece
Marco Vinolo, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
O
estudo ocorreu no âmbito do projeto “Análise dos mecanismos moleculares
envolvidos na interação de metabólitos da microbiota e células do hospedeiro
durante a inflamação”, coordenado por Vinolo e apoiado pela FAPESP.
Os
resultados foram possíveis depois de uma série de experimentos com camundongos
conduzidos na França, sob coordenação de François Trottein, do Pasteur.
Posteriormente, foram feitas análises usando ferramentas de bioinformática, na
Unicamp, que inspiraram novos experimentos com animais no Instituto Pasteur.
“Usamos
três camadas de dados: a primeira foi a de metagenômica, que mostrou quais
bactérias estavam alteradas no intestino depois de 7 e 14 dias da infecção. Foi
avaliado todo o DNA desses microrganismos, quando nesse tipo de estudo
normalmente só se avalia um trecho de um gene que identifica as bactérias.
Nossa análise mostra não apenas as espécies bacterianas, mas os genes mais
presentes e suas respectivas funções”, explica Vinicius de Rezende Rodovalho,
um dos autores principais do trabalho, realizado durante seu pós-doutorado no
IB-Unicamp.
As
outras camadas de dados foram obtidas a partir das técnicas de metabolômica,
que avaliaram os metabólitos secretados pela microbiota presente no intestino e
os marcadores clínicos da doença, como carga viral e marcadores inflamatórios.
“Analisamos
esses dados de forma integrada, construindo uma rede de correlações que mostrou
um importante papel para o IPA. A partir disso, novos experimentos foram
realizados. Neles, suplementamos os animais com uma versão sintética da
molécula, produzida em laboratório, o que diminuiu a carga viral e a
inflamação. Isso traz um grande potencial para uma nova terapêutica da gripe”,
conta Vinolo.
• Suplemento
O
IPA é produzido por bactérias presentes na microbiota intestinal a partir do
processamento do triptofano, um aminoácido essencial presente em alimentos como
soja, trigo, milho, cevada, centeio, girassol, peixe e carne.
Trabalhos
de outros grupos já haviam mostrado efeitos do IPA para a melhora de distúrbios
metabólicos, regulando a glicemia, aumentando a sensibilidade à insulina e
inibindo a síntese de lipídios e fatores inflamatórios no fígado.
Outros
estudos mostravam ainda evidências da ação do triptofano e do IPA no equilíbrio
energético e no sistema cardiovascular, assim como potencial na prevenção de
inflamação, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, hipertensão,
doenças neurodegenerativas e osteoporose.
Por
conta do potencial do IPA como um suplemento no combate e prevenção da gripe,
os pesquisadores depositaram uma patente na União Europeia para esse uso do
ácido indol-3-propiônico. A expectativa é realizar novos estudos que possam
subsidiar testes clínicos no futuro.
“Estamos
avaliando o papel do IPA durante a infecção pelo SARS-CoV-2, causador da
Covid-19, e os resultados, até agora, são parecidos. Queremos testar ainda como
ele atua em infecções bacterianas. Existem poucos estudos mostrando como a
microbiota intestinal atua na resistência sistêmica a antibióticos e esse pode
ser um caminho”, encerra Rodovalho.
O
estudo teve ainda apoio da FAPESP por meio de bolsa de doutorado para Patrícia
Brito Rodrigues, com estágio no Instituto Pasteur de Lille, na França.
Fonte:
Agencia Einstein/CNN Brasil
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