Um ano após relatório, ONGs apontam
expansão de desmatamento em fornecedores da JBS
Fazendas ligadas à
cadeia de suprimentos da JBS na amazônia e no cerrado desmataram novas áreas no
último ano parte delas com indícios de ilegalidade, de acordo com o monitoramento feito por
duas organizações
ambientalistas internacionais, a Mighty Earth, voltada a campanhas globais, e a
AidEnvironment, focada em pesquisas.
Com patrocínio da
agência de desenvolvimento norueguesa Norad, elas lançam nesta quinta-feira
(25) um relatório sobre o desmate na cadeia da JBS, maior produtora de proteína
animal do mundo, com dados do sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais).
Há um ano, as duas
ONGs apontaram 68 casos de desmatamento ocorridos de 2019 a 2022, com
potenciais ligações à cadeia de fornecedores da JBS. Na época, a empresa
respondeu que não poderia verificar os casos, porque a identificação havia sido
feita pelo sistema Deter, também do Inpe e voltado ao monitoramento diário dos
biomas.
O setor da pecuária
usa o Prodes de resultados anuais como base para cumprimento dos TACs
(termos de ajustamento de conduta) firmados junto ao Ministério Público Federal para contenção do desmatamento na cadeia da carne.
Nos últimos meses, as
ONGs voltaram a analisar os casos, desta vez usando o método aceito pelo setor.
O sistema Prodes confirmou a ocorrência de desmatamento em 59 das 68 fazendas
observadas no mesmo período, de 2019 a 2022.
Já ao analisar o
Prodes 2023, os pesquisadores encontraram 16.843 hectares de desmatamento
extra, somando novas áreas abertas por 21 fazendas, dentre as 68 analisadas. O
dado indica que as fazendas expandiram o desmatamento em suas áreas nos meses
seguintes ao primeiro relatório.
"Se a JBS tivesse
agido diante dos nossos 68 casos de forma urgente e transparente, os
subsequentes 16.843 hectares de recente desmatamento em 21 fazendas poderiam
ser evitados", afirma o novo documento da Mighty Earth, acessado pela
Folha de S.Paulo em primeira mão.
O relatório inclui 37
novos casos de desmatamento em fazendas ligadas à cadeia da JBS, que somam
60.218 hectares. A detecção foi feita no último setembro pelo sistema Deter que continua sendo usado pelo monitoramento
de resposta rápida das ONGs. Das 37
fazendas, 12 fazem fronteira ou se sobrepõem a terras indígenas, segundo o levantamento.
Juntos, os dois
documentos reúnem ao todo 105 fazendas e tratam tanto de desmates legais quanto
ilegais. O relatório aponta indícios de ilegalidade, como falta de documentação
autorizando o corte de vegetação, em 78 dos 105 casos. A maior parte deles fica
na amazônia.
Em um contexto de
cobranças internacionais que não fazem distinção sobre a legalidade do
desmatamento a ser combatido especialmente a nova legislação europeia, que busca banir a importação de commodities com risco de desmatamento, os frigoríficos brasileiros têm adaptado suas políticas.
A JBS anunciou que
2023 foi a data-limite para que fornecedores diretos da amazônia apresentem
desmatamento zero tanto legal quanto
ilegal. Para fornecedores indiretos, o prazo da companhia é 2025 no bioma amazônico. Já no cerrado, o prazo é 2025 apenas para o desmatamento ilegal.
O Código Florestal
permite que propriedades rurais desmatem até 20% da área na amazônia e 80% no
cerrado, devendo manter o restante da área conservada como reserva legal, além
de proteger APPs (áreas de preservação permanente), como topos e encostas de morros
e margens de rios. Mesmo o desmate na área produtiva, porém, precisa acontecer
mediante autorização dos governos estadual ou federal para que seja legal.
À Folha de S.Paulo a
JBS afirma que analisou todos os 105 casos. "[Das 105 fazendas], 60%
sequer aparecem na base de fornecedores da empresa e 28% já estavam bloqueadas
por descumprimento de algum critério socioambiental. Os 12% restantes
correspondem a propriedades liberadas para comercialização de gado com a JBS,
sempre em respeito aos protocolos citados", diz a companhia, em nota.
A JBS só mantém em sua
base de dados os fornecedores diretos. Das 105 fazendas apontadas pela Mighty
Earth, 59 são fornecedores indiretos, ou seja, fornecem gado para outra fazenda
que, por sua vez, fornece diretamente à JBS.
O monitoramento dos
fornecedores indiretos é o principal desafio do setor da pecuária atualmente,
já que o boi pode ser transportado de uma fazenda com desmatamento para uma
segunda que cumpre critérios ambientais, na chamada "lavagem de
gado".
Em nota, a JBS aponta
que as fazendas têm dificuldade de fazer o monitoramento por falta de acesso às
chamadas GTAs (guias de trânsito animal). "[As GTAs] dariam visibilidade
aos demais elos da cadeia de gado bovino."
A empresa também
afirma que lançou uma plataforma para que seus fornecedores diretos cadastrem
os indiretos. "A partir de 1º de janeiro de 2026, somente produtores
cadastrados nessa ferramenta poderão seguir comercializando com a
empresa."
Embora não estejam
disponíveis para acesso público, as GTAs podem ser requeridas para consulta aos
governos estaduais e federal e são usadas pelas ONGs ambientalistas para cruzar
os dados de fazendas com altos níveis de desmatamento e os de fornecedores de
grandes frigoríficos.
A dificuldade de
acesso às GTAs também gera uma lacuna temporal no monitoramento. Por exemplo,
uma das fazendas citadas no relatório consta como fornecedora direta da JBS em
uma GTA de 2019, mas o desmatamento na propriedade ocorreu depois, em 2021. A
JBS não informou se o fornecedor foi bloqueado após o desmate.
Em outro caso contido
no documento, a Folha de S.Paulo apurou que um fornecedor direto se mantém
autorizado a fornecer à JBS, mesmo após ter desmatado 66 hectares nos últimos
cinco anos, segundo o sistema Prodes. A comunicação da JBS disse à reportagem que
verifica as condições do caso, mas não as informou até a conclusão da
reportagem.
Após cruzar as
informações de fornecedores contidas nas GTAs com os dados de desmatamento dos
sistemas do Inpe, a Mighty Earth e a AidEnvironment checam as imagens de
satélite do sistema Planet, de resolução mais alta.
Segundo as ONGS, os
nove casos que constavam no primeiro relatório e não foram confirmados pelo
Prodes tratam de queimadas seguidas de degradação florestal. Elas afirmam que a
abertura das áreas foi confirmada visualmente, mas que a recuperação da vegetação
impediu a verificação anual feita pelo Prodes.
O Inpe confirma essa
possibilidade. "Em alguns casos, acontece uma degradação progressiva.
Tiram madeira e pega fogo repetidas vezes, vai ficando uma área degradada, daí
lançam sementes de capim no meio. Então, você olha de cima, parece uma floresta
paupérrima, com algumas árvores espalhadas, com capim por baixo", descreve
Claudio Almeida, coordenador do Programa de Monitoramento de Biomas do Inpe.
Por outro lado,
Almeida lembra que o Prodes traz uma leitura mais detalhada do que o Deter e
serve, inclusive, para corrigi-lo. Isso porque o Deter pode gerar falsos
positivos, por conta de imprecisões nas coordenadas do desmatamento. Ele pode,
por exemplo, registrar nas coordenadas de outra fazenda a imagem do desmate em
uma propriedade vizinha.
A Mighty Earth defende
um monitoramento mais ágil e afirma que o Prodes não é suficiente por não
flagrar, por exemplo, casos de degradação. Em nota, a JBS afirmou que passou a
utilizar dados do Deter como critério de bloqueio de fornecedores, passando por
uma validação pela plataforma Mapbiomas Alertas.
A JBS é alvo de
pressão internacional contra a entrada de suas ações na listagem da Bolsa de
Nova York. Além das críticas de ONGs, parlamentares britânicos enviaram uma
carta à comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos pedindo a rejeição
do IPO da empresa, para evitar uma alta do desmatamento.
Em fevereiro, a
empresa foi acusada pela procuradoria-geral de Nova York de enganar o público
sobre seu impacto ambiental em propagandas. A empresa promete zerar as emissões
de gases-estufa até 2040, o que seria, de acordo com o processo, incongruente
com seus planos de expansão.
Em março, os planos
climáticos da JBS também foram recusados pela SBTi (Iniciativa de Metas
Baseadas na Ciência, na sigla em inglês), que valida as metas empresariais
ligadas ao Acordo de Paris.
Protocolo define compromissos ambientais
para a pecuária no Cerrado
O Imaflora divulgou na
última 3ª feira (23/4) um novo compromisso voluntário de frigoríficos e grupos
varejistas para coibir a comercialização de gado criado em condições de
ilegalidade trabalhista ou ambiental no Cerrado. O Protocolo de Monitoramento
Voluntário de Fornecedores de Gado, que vinha sendo negociado desde 2020,
estabelece um conjunto de regras para orientar a gestão de fornecedores diretos
de gado do bioma.
A proposta elenca 11
critérios e gera uma base comum de conformidade socioambiental para os
criadores, servindo assim como um guia para a produção e a compra responsável
de gado do Cerrado. Informações sobre conformidade com o Cadastro Ambiental
Rural (CAR) e eventuais sobreposições com áreas de proteção (como Terras
Indígenas e Unidades de Conservação) servem como referencial de conformidade.
O Protocolo também
prevê o cruzamento com listas públicas de trabalho escravo e de embargos
ambientais, além de análises da Guia de Trânsito Animal (GTA) e da
produtividade do criador, como forma de inibir a triangulação de animais
provenientes de áreas com irregularidades ambientais ou sociais.
A discussão em torno
do Protocolo do Cerrado contou com o envolvimento de entidades como WWF-Brasil,
representantes do setor pecuário, indústria alimentícia e empresas compradoras,
além do Ministério Público Federal (MPF) e da sociedade civil organizada. Entre
as empresas que aderiram ao Protocolo, estão JBS, Minerva, Marfrig, Grupo Pão
de Açúcar, Carrefour Brasil e Arcos Dourados.
“O Protocolo do
Cerrado é uma importante ferramenta para o setor se preparar para as crescentes
demandas do mercado para a carne brasileira”, afirmou Isabella Freire, diretora
executiva da Proforest, organização que coordenou a elaboração do compromisso junto
com o Imaflora e a National Wildlife Federation (NWF). “Nosso intuito é que
tenha adesão crescente das empresas da cadeia pecuária, promovendo mudanças nas
práticas do setor nesse bioma específico e até no país.”
O anúncio do Protocolo
do Cerrado acontece em um momento delicado do bioma. O último levantamento
anual do desmatamento, estimado pelo sistema Prodes Cerrado (INPE) em novembro
passado, indicou uma perda de 11.011 km2 de vegetação nativa entre agosto de 2022
e julho de 2023, um aumento de 3% em relação ao período anual anterior. O ritmo
de destruição ambiental segue intenso em 2024: de acordo com o DETER (INPE),
cerca de 1,4 mil km2 foram desmatados nos primeiros três meses do ano, um
crescimento de 4% na comparação com o mesmo período em 2023.
Fonte:
FolhaPress/ClimaInfo
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