sábado, 27 de abril de 2024

'Não assinem nada': saiba quais países boicotaram acordo de paz entre Rússia e Ucrânia em 2022

Documentos revelados sobre as negociações entre Moscou e Kiev realizadas em maio de 2022 mostram que o conflito ucraniano poderia ter acabado nesse mês e ter sido alcançada a paz. A Sputnik Brasil conversou com especialistas para saber quais eram os termos desse acordo e quais países interferiram para que ele não fosse assinado.

A revelação de detalhes sobre o acordo de paz negociado pela Rússia e Ucrânia em maio de 2022 demonstram como a interferência do Ocidente gerou resultados nefastos ao prolongar o conflito entre esses dois países vizinhos.

A revista norte-americana Foreign Affairs, conhecida por defender os principais pontos da agenda internacional dos EUA, publicou um artigo atestando a disposição da Rússia e Ucrânia em selar a paz ainda nas primeiras semanas do conflito, que começou em fevereiro de 2022.

De acordo com documentos e entrevistas analisados por autores russos e norte-americanos, Kiev e Moscou conseguiram chegar a um acordo bastante detalhado para colocar fim às hostilidades já em maio de 2022. A intervenção de líderes do Ocidente, no entanto, levou a delegação ucraniana a mudar de postura e a abandonar a mesa de negociações, afirma o artigo da icônica revista norte-americana.

As primeiras rodadas de negociações entre russos e ucranianos foram realizadas em uma das casas de campo do presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko, que exerceu papel de mediador. Após a turbulência característica de processos negociadores, as partes voltaram a se reunir em Istambul, na Turquia, já com rascunhos bem detalhados do futuro acordo.

O resultado das negociações foi a elaboração do Comunicado de Istambul, cujos termos demonstram que a Rússia e a Ucrânia estavam preparadas para fazer concessões para chegar à paz.

O tratado incluía cláusulas essenciais para Moscou, como a neutralidade militar ucraniana. De acordo com o rascunho do texto, Kiev se comprometia a não aderir à aliança militar ocidental, a OTAN.

"A questão da neutralidade ucraniana é o ponto central para a Rússia", disse o professor de Geopolítica da UNEMAT e coordenador do Laboratório de Desenvolvimento Territorial e Geopolítica (DTG-LAB), Vinicius Modolo Teixeira, à Sputnik Brasil. "O território ucraniano é a chave para acessar a Rússia, que não deve permitir que forças da OTAN instalem sistemas defensivos, ofensivos e de vigilância nessas posições."

A desmilitarização da Ucrânia também havia sido acordada entre as partes, que já se debruçavam sobre pontos específicos, como a quantidade de efetivos que o futuro Exército ucraniano teria. Por outro lado, eram dadas à Ucrânia amplas garantias de segurança, asseguradas pelos países do Conselho de Segurança da ONU, além de Alemanha, Israel, Polônia, Itália e Turquia.

O acordo descrevia em detalhes qual o tipo de apoio que a Ucrânia receberia em caso de agressão externa, como a imposição de uma zona de interdição do espaço aéreo, fornecimento de armas e até intervenção militar direta.

Do ponto de vista econômico, o Comunicado de Istambul previa a entrada da Ucrânia na União Europeia, contando com apoio explícito da parte russa para que o processo fosse concretizado. De acordo com o texto do comunicado, os Estados-garantes "confirmam a sua intenção de facilitar a entrada da Ucrânia na União Europeia".

"Naquele momento, foi considerado aceitável para as partes garantir a neutralidade militar da Ucrânia, mas não a econômica - uma vez que a entrada na União Europeia seria garantida", disse Teixeira. "Mas sabemos, a exemplo do que aconteceu com outros países do Leste Europeu, que a Europa não teria tantas vantagens econômicas a oferecer para a Ucrânia."

Além disso, a Rússia insistiu em incluir cláusulas sobre a desnazificação do governo e da legislação ucraniana, proibindo o culto de personalidades associadas ao nazismo e a propagação de ideias extremistas nas Forças Armadas de Kiev. O texto do comunicado determinava que a Ucrânia banisse "todas as formas de fascismo, nazismo, neonazismo e nacionalismo agressivo".

Apesar do contexto extremamente sensível, o Comunicado de Istambul mostra que tanto a Rússia, quanto a Ucrânia, tinham interesse em encerrar o conflito ainda nas suas primeiras semanas. E, ainda mais importante: ambos os países sabiam como atingir a paz e compreendiam as linhas gerais das demandas de cada um.

No entanto, o acordo não foi assinado. A expectativa de que os chefes de Estado da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Vladimir Zelensky, se reunissem em Jerusalém sob os auspícios de Israel para assinar o acordo foi por água abaixo.

·        A culpa foi de quem?

De acordo com a revista Foreign Affairs, a intervenção de autoridades ocidentais, como o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, levaram a Ucrânia a desistir do processo de paz e apostar na escalada do conflito.

Os autores explicam que "os parceiros ocidentais de Kiev estavam relutantes em serem incluídos nas negociações com a Rússia" ou em fornecer garantias de segurança para a Ucrânia.

"Então, ao invés de receber o Comunicado de Istambul e subsequente processo diplomático, o Ocidente aumentou a ajuda militar para Kiev e a pressão sobre a Rússia, incluindo pela imposição de regime de sanções cada vez mais fortes", escrevem os autores na Foreign Affairs.

De fato, durante entrevista à emissora ucraniana, o chefe da delegação de Kiev, David Arakhamia, relatou que "após o nosso retorno de Istambul, Boris Johnson visitou Kiev e disse que nós não deveríamos assinar nada com os russos e [disse] 'vamos só continuar lutando'".

"O que levou ao fracasso das negociações, mesmo com as concessões de ambos os lados, foi o patrocínio ocidental à Ucrânia", disse Teixeira. "O interesse ocidental é manter um constante atrito com a Rússia, na esperança de enfraquecê-la. Não há interesse do Ocidente na paz, mas sim na guerra."

Além disso, durante suas visitas a Kiev, Johnson e Austin garantiram amplo apoio militar a Kiev, gerando na liderança ucraniana, em particular em Zelensky, a "confiança de que poderiam vencer a Rússia no campo de batalha", escreve a revista norte-americana.

Para o pós-doutorando em História Política pela UERJ e pesquisador do NUCLEAS/UERJ, João Cláudio Platenik Pitillo, ao desistir das negociações, a Ucrânia reafirmou seu compromisso com a solução militar "sob total tutela da OTAN".

"A partir desse momento, a tutela da OTAN sobre Kiev terá como único assunto a guerra, seja a partir das sanções econômicas, seja no campo de batalha. Isso exclui qualquer possibilidade de armistício, de paz ou debate diplomático", disse Pitillo à Sputnik Brasil. "A Ucrânia perde a autonomia em relação aos rumos do conflito."

O presidente dos EUA, Joe Biden, e o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, saem do Salão Oval em 25 de maio de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 25.04.2024

Segundo o especialista, as frações mais belicosas do governo ucraniano "já planejavam a escalada militar" e colaboraram para enterrar o processo de paz e o Comunicado de Istambul.

"Além disso, não podemos esquecer que as sanções econômicas aplicadas pelos EUA e UE influenciaram o processo decisório no governo ucraniano", disse Pitillo. "As sanções levaram Kiev a crer que a Rússia seria enfraquecida economicamente a ponto de prejudicar seriamente a sua capacidade bélica."

O historiador Pitillo também nota a inexperiência do presidente ucraniano, já que "Zelensky é um político novo e despreparado, que foi seduzido pela [...] possibilidade de ascender como uma liderança que derrotaria a Rússia".

Apesar da grande oportunidade de paz perdida, o Comunicado de Istambul ainda poderá servir de valioso rascunho para negociações futuras, apontam os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

"Os termos dessas negociações certamente voltarão à mesa em um momento propício", acredita Teixeira. "Mas, para isso, a Ucrânia precisa se desvencilhar do apoio ocidental, que tem sido prejudicial para o seu futuro."

O historiador Pitillo nota o interesse da Rússia em negociar, mas entende "que há um certo ceticismo por parte dos russos em tratar com essa liderança ucraniana atual, que abandonou as negociações [em Istambul] e continua apostando em uma solução militar".

Segundo Teixeira, Kiev deve considerar a negociação frente à baixa popularidade do conflito no Ocidente e às dificuldades no campo de batalha, que podem levar ao desengajamento de EUA e aliados.

No entanto, Washington mantém seu papel com a aprovação do novo pacote de ajuda financeira e militar à Ucrânia. Apesar de transferir parte dos recursos a Kiev sob a forma de empréstimos, o governo Biden sinaliza que, apesar das turbulências, manterá o apoio à solução militar.

"É de se notar que esses governos que falam tanto sobre a democracia e a liberdade apoiem uma guerra que, como agora sabemos, poderia ter sido resolvida lá atrás", lamentou Pitillo.

Segundo ele, a manutenção do conflito "garante vantagens econômicas aos EUA para a indústria militar dos países ocidentais, como França, Reino Unido e Alemanha. O componente financeiro fala alto: o imperialismo consegue fazer da guerra um grande negócio", concluiu o especialista.

 

¨      As tropas da OTAN não querem morrer: Polônia e Lituânia repatriarão os recrutas ucranianos

 

A Ucrânia e a Lituânia recentemente sinalizaram que ajudarão o regime de Kiev a levar para casa potenciais esquivos do recrutamento.

Anteriormente, os países pareciam relutantes em extraditar homens ucranianos em idade de recrutamento.

Os ministros da Defesa da Polônia e da Lituânia declararam que ajudarão o regime de Kiev a garantir que aqueles que são obrigados a lutar pela Ucrânia regressem à casa, em vez de se sentarem em cafés e restaurantes sofisticados europeus.

"Os cidadãos ucranianos têm obrigações com o Estado", afirmou o ministro da Defesa polaco, Wladyslaw Kosiniak-Kamysz, na última quarta-feira (24).

Ele continuou: "Tem bastante tempo que sugerimos que também podemos ajudar o lado ucraniano a garantir que aqueles que são obrigados a cumprir o serviço militar vão para a Ucrânia e não fiquem 'coçando o saco' em cafés europeus."

"A Ucrânia tem pouquíssima reserva de mobilização. [...] Isso não é justo para os cidadãos que lutam por seu país", retrucou Laurynas Kasciunas, o ministro da Defesa lituano ao seu homólogo polaco na quinta-feira (25).

No ano passado, a maioria dos estados da União Europeia (UE) se recusou a extraditar os esquivadores ucranianos que vieram como refugiados para o bloco, citando convenções europeias que não preveem a extradição por deserção ou evasão militar.

Embora as autoridades polacas não tenham rejeitado totalmente o pedido de Kiev, ofereceram um procedimento burocrático complicado, acrescentando que, no final das contas, tudo dependeria da decisão do tribunal polaco. Por que eles agora mudaram de tom?

"Não é nenhum segredo que a Ucrânia está perdendo a guerra por procuração da Organização do Tratado do Atlântico Norte [OTAN] contra a Rússia e sofre de um grave déficit de soldados", observou Vladimir Oleynik, um político ucraniano e antigo deputado da Verkhovna Rada, acrescentando que a aliança do Atlântico Norte não quer lançar suas próprias tropas no moedor de carne ucraniano.

"Não foi por acaso que os membros da OTAN disseram que há duas opções: a primeira é que as tropas possam entrar em conflito. A conclusão: é necessário forçar os ucranianos que estão na Polônia e em alguns países bálticos a regressar à Ucrânia", disse Oleynik à Sputnik.

·        Qual seria a saída para a Polônia e a Lituânia enviar os ucranianos de volta para casa?

Surge então a questão de como dois Estados-membros da UE poderiam contornar as convenções europeias acima mencionadas e leis associadas para extraditar os esquivadores ucranianos. Parece, no entanto, que eles já encontraram um caminho.

Em 23 de abril, o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia "anunciou uma suspensão temporária da aceitação de novos pedidos de serviços consulares" para homens entre os 18 e os 60 anos residentes no estrangeiro.

Em meados de maio, entrará em vigor um projeto de lei abrangente que obrigará os homens em idade de recrutamento a regressar à Ucrânia para obterem uma identificação militar e um novo passaporte ucraniano.

O cerne da questão é que, sob a lei marcial, os homens entre os 18 e os 60 anos estão proibidos de sair do país, o que aparentemente significa que os repatriados ficariam retidos na Ucrânia.

De acordo com o The Guardian, o Parlamento polaco vai considerar na próxima semana uma nova legislação que exigirá que os refugiados ucranianos apresentem um passaporte válido para obterem benefícios do Estado.

Antes, os ucranianos podiam apresentar qualquer documento que comprovasse sua identidade às autoridades polacas. Também não está claro se os ucranianos sem passaporte válido poderão trabalhar legalmente na Polônia.

O Ministro da Defesa da Lituânia, Arvydas Anusauskas, também sugeriu várias opções que poderiam permitir ao Estado expulsar os desertores do recrutamento que evitam o mecanismo de deportação. Ele esclareceu que esse trabalho será realizado em coordenação com a Polônia.

"É possível [restringir] benefícios sociais, autorizações de trabalho, documentos; há opções também do lado polaco. Penso que é a forma correta", disse Anusauskas citado pelo The Financial Times.

·        Draft Dodgers ucranianos são bem-vindos em outros estados da UE

As medidas da Varsóvia e Vilnius forçarão os ucranianos a procurar asilo em outros lugares, disse Oleynik, sublinhando que a maioria dos ucranianos não quer ir para a linha da frente.

Ele citou a pesquisa de março do Instituto Razumkov, que indicava que apenas 10% dos entrevistados ucranianos estão prontos para lutar, enquanto 90% não estão dispostos a ingressar no serviço militar.

Oleynik também se referiu a uma sondagem nas redes sociais realizada pela deputada do partido Servo do Povo, Mariana Bezuglaya, que aparentemente mostrou que mais de metade dos ucranianos residentes no estrangeiro optariam por viver sem passaporte ucraniano para evitar o recrutamento.

Apesar da Polônia e da Lituânia terem adotado uma posição dura em relação aos "fujões" ucranianos, outros estados da UE parecem prontos a recebê-los.

"A Alemanha assumiu uma posição oposta, dizendo que se houvesse um problema com os passaportes, estaria disposta a aceitá-los. Por quê? Porque a Alemanha precisa de trabalhadores […]. Portanto, acredita-se que os ucranianos irão para países onde não existem tais leis draconianas, ou pedirão asilo político em massa. Esta também será uma história interessante quando os cidadãos ucranianos renunciarem à sua cidadania", disse Oleynik.

¨      Polônia está pronta para devolver ucranianos em idade de alistamento à Ucrânia, diz Varsóvia

O ministro da Defesa Nacional polonês expressou a vontade de devolver "jovens ucranianos em hotéis e cafés" à Ucrânia em meio ao que disse ser um fenómeno irritante na Polônia.

A Polônia está pronta para ajudar a Ucrânia a trazer de volta homens em idade de alistamento que deixaram o país após o início da operação militar especial da Rússia, disse o ministro da Defesa Nacional polonês.

"Acho que muitos poloneses ficam irritados quando veem jovens ucranianos em hotéis e cafés e ouvem o quanto temos que nos esforçar para ajudar a Ucrânia", afirmou Wladyslaw Kosiniak-Kamysz, citado na quarta-feira (24) pela agência britânica Reuters.

Ao mesmo tempo, Kosiniak-Kamysz não explicou como exatamente Varsóvia ajudaria Kiev, somente dizendo que "qualquer tipo de ajuda é possível".

A empresa estatal ucraniana Document anunciou na terça-feira (23) que deixou de emitir documentos prontos em suas unidades estrangeiras por "razões técnicas".

O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia enviou um documento aos chefes de escritórios diplomáticos estrangeiros exigindo que eles suspendessem todas as ações consulares contra cidadãos ucranianos em idade de alistamento a partir de terça-feira (23), com a exceção da emissão de carteiras de identidade para retorno à Ucrânia. Dmitry Kuleba, ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, confirmou a suspensão dos serviços consulares para os recrutas ucranianos no exterior.

A Ucrânia está sob lei marcial desde 24 de fevereiro de 2022 e, no dia seguinte, o presidente Vladimir Zelensky assinou um decreto sobre a mobilização geral. Atualmente, é proibido aos homens com idade entre 18 e 60 anos deixarem a Ucrânia.

Em 11 de abril a Suprema Rada, parlamento ucraniano, aprovou um projeto de lei sobre o reforço da mobilização para o Exército na Ucrânia. O Comitê de Segurança e Defesa Nacional excluiu o parágrafo sobre a desmobilização do texto do documento na véspera de sua apresentação ao parlamento para a segunda leitura. Dmitry Lazutkin, representante do Ministério da Defesa da Ucrânia, disse posteriormente que estava planejado elaborar um projeto de lei separado sobre a desmobilização, o que levaria oito meses.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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