Aquiles Melo: A greve na educação federal
No último dia 12 de
abril, o governo do presidente Lula afirmou pretender investir um montante de
R$1 bilhão para repatriar aproximadamente mil cientistas residentes no
exterior. Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI),
teríamos algo em torno de 35 mil mestres e doutores vivendo fora do
país. Não tardou muito para a medida ser amplamente questionada.
Um dos aspectos
levantados na crítica à proposta foi sua falta de foco: o que faz com que
nossos cientistas abandonem o país? Ora, a falta de oportunidades para
desenvolver suas pesquisas, o baixíssimo valor pago pelas bolsas de
pós-graduação, o constante desinvestimento na educação pública, além, claro,
dos baixos salários que remuneram a carreira responsável por formar e garantir
a continuidade do trabalho destes cientistas. Mas como chegamos até aqui?
A propaganda promovida
pelo governo Lula – e que se iniciou ainda na campanha eleitoral – sempre teve
como destaque medidas para transformar a educação do país. Segundo o relatório
produzido por sua equipe de transição, “de 2019 a 2022, o Ministério da Educação
(MEC) e suas autarquias sofreram retrocessos institucionais, orçamentários e
normativos, observando-se falta de planejamento; descontinuidade de políticas
relevantes; desarticulação com os sistemas de ensino estaduais e municipais e
da rede federal de ensino; incapacidade de execução orçamentária; e omissões
perante os desafios educacionais”. (p.15)
O documento destaca
ainda que, nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, as políticas e os
programas educacionais foram afetados por sucessivos e sistemáticos cortes de
recursos. É verdade. A proposta de Emenda Constitucional (EC) nº 95, conhecida
como “PEC do Teto de Gastos”, após aprovada, limitou por 20 anos os gastos e
investimentos do governo federal. Como alarmado por vários especialistas, a
medida representaria um corte brutal no orçamento da Educação e da Saúde. Para
ficamos apenas no âmbito da educação, a EC 95 foi responsável por diminuir o
orçamento de R$ 103,9 bilhões em 2016 – ainda antes desta emenda vigorar – para
o valor de R$ 80,9 bilhões em 2021, em valores já corrigidos pela inflação.
O que se esperava
então, principalmente com a vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro, era o que
afirmava seu próprio programa de governo: “O país voltará a investir em
educação de qualidade, no direito ao conhecimento e no fortalecimento da
educação básica, da creche à pós-graduação, coordenando ações articuladas e
sistêmicas entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, retomando as
metas do Plano Nacional de Educação e revertendo os desmontes do atual
governo”.
A vitória eleitoral de
Lula e o forte represamento das demandas sociais, especialmente impactadas pela
pandemia, possibilitaram uma PEC de transição que, inicialmente, promoveu uma
expansão de gastos na ordem de R$145 bilhões (valor esse ultrapassado posteriormente)
o qual permitiu, dentre outras coisas, o governo custear uma de suas principais
promessas de campanha: o programa Auxílio Brasil no valor de R$600,00.
Por óbvio, tudo isso
teve seu preço. Para tramitação desta medida, o deputado federal Arthur Lira
não só negociou diversos cargos no governo como também aguardou uma definição
sobre o futuro incerto do “orçamento secreto” que, apesar de tão criticado por
Lula, promoveu não apenas a sua continuidade como também vem aumentando
significativamente seu volume de recursos.
O que até então
parecia um cenário de bonança, em especial com a disponibilidade maior de
recursos públicos, não durou muito. Pelo menos não para os setores sociais. O
então Ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou, ainda no terceiro mês de
mandato de Lula, um conjunto de novas regras da Economia para substituir o
famigerado “Teto dos Gastos” de Temer/Bolsonaro.
Em síntese a proposta
do novo Arcabouço Fiscal traz as seguintes medidas: zerar o déficit público da
União em 2024; estabelecer um superávit de 0,5% do PIB em 2025 e um superávit
de 1% do PIB em 2026.
Além disso, as
despesas do governo deverão crescer abaixo da expansão das receitas. Para isso,
os gastos só poderão subir o equivalente a até 70% da variação desta. Caso o
resultado primário das contas públicas fique abaixo da meta estabelecida, o
governo é obrigado a reduzir as despesas para no máximo 50% da expansão da
receita no ano seguinte. No frigir dos ovos, retirando o economês da jogada, a
proposta de Lula mantém os aspectos fundamentais da política neoliberal que vem
vigorando desde os anos 90 no país, qual seja, a construção de uma forte meta
de superávit ao custo de um também forte desinvestimento social. Além disso,
mantém o país sob o jugo de um regime de controle inflacionário baseado numa
elevada taxa de juros que olha apenas para a expansão ou não destes gastos.
·
O que isso tem a ver
com a greve na educação federal?
A questão é simples. A
opção política do governo Lula por uma meta de déficit zero em 2024 carrega,
como dissemos, seu custo social. Para a realização desta, o governo precisa
cortar mais os gastos e procurar aumentar suas receitas. Um dos mecanismos para
o último foi a votação da primeira parte da Reforma Tributária aprovada em
dezembro de 2023. No entanto, para fazer jus à meta zero de déficit, é preciso
ainda cortar gastos. Muitos gastos. A questão é: onde?
A política de
contenção realizada por Michel Temer/Jair Bolsonaro, que objetivava garantir as
metas estabelecidas na “PEC do Teto de Gastos”, teve um impacto direto não
apenas na infraestrutura e nas políticas sociais do país, mas também no corpo
técnico de seus servidores. Jair Bolsonaro foi o primeiro presidente em 20 anos
a concluir o mandato sem aplicar qualquer reajuste salarial ao
funcionalismo. Mais de 1 milhão e 200 mil servidores ativos, inativos e
pensionistas não tiveram seus direitos respeitados. Lembram da “granada no
bolso dos servidores”? Pois bem, estava feito…
Já no governo Lula,
novamente o cenário de bonança parecia vir para ficar. O reajuste anunciado de
9% em 2022 associado ao anúncio de abertura de mesas de negociação permanente
para as mais variadas carreiras, nas quais seria possível debater as perdas históricas
das carreiras, promoveram uma certa euforia para com uma futura reconstrução da
malha salarial dos servidores. No entanto, na véspera do Natal de 2023, de
forma a cumprir a meta de déficit fiscal zero em 2024, Lula anunciou para o
conjunto de servidores públicos sua proposta de reajuste para 2024: Zero! Para
os anos seguintes, nenhum reajuste salarial, mas apenas a reposição das perdas
inflacionárias em 2025 (4,5%) e 2026 (4,5%).
Esse movimento foi
suficiente para acender a luz amarela nos sindicatos. Não apenas o governo não
reporia mais as perdas históricas e tão ansiadas pelos servidores, como também
não promoveria qualquer ganho salarial real em seu governo. A opção política de
Lula é clara: as contas do ajuste fiscal para o alcance da meta zero de déficit
seriam pagas às custas do rebaixamento salarial dos servidores públicos. Mas
não só isso.
Desde o
estabelecimento da meta de déficit zero promovida pelo Arcabouço Fiscal de
Lula/Haddad, são perceptíveis os sucessivos e recorrentes cortes e bloqueios
orçamentários na pasta da Educação. Para 2024 a Lei Orçamentária Anual (LOA)
prevê que as Universidades terão um valor de R$ 310 milhões a menos que o
recebido em 2023. O mesmo ocorre com os Institutos Federais de Educação os
quais tiveram seu orçamento para 2024 diminuídos em R$ 30 milhões. Já os
recursos destinados à concessão de bolsas de estudo no ensino superior para a
Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
bolsas estas que tiveram seus valores reajustados em 40% em 2023, teve seu
orçamento reduzido em R$ 40 milhões em 2024. Ainda assim, mesmo com este incremento
orçamentário, a CAPES retoma ao patamar de investimento proposto há dez anos,
em 2013. Olhando para o Brasil de fora e vendo como a Ciência e Educação
são tratadas pelo governo, como convencer nossos cientistas no exterior a
retornem a seu país?
Mas os ataques à
Educação do país não param por aí. No último dia 15 de abril, o Projeto de Lei
de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2025 foi encaminhado ao Congresso pelo
Governo Federal..Mas, qual o foco do projeto? Segundo as palavras de Rogério
Ceron, secretário do Tesouro Nacional, “o que a PLDO traz, neste momento, é que
estamos conseguindo seguir com o cenário de estabilização da trajetória
dívida/PIB ligeiramente abaixo de 80% e antes de 2030”. Ou seja, diante das
metas fiscais definidas pelo governo e projetadas pelo mesmo, levando em conta
ainda as restrições impostas pela Lei Complementar 200/2023 (o tal do “Novo
Arcabouço Fiscal” de Lula/Haddad), o cenário que se constitui para o período
posterior às eleições municipais de 2024, bem como para o próximo exercício
financeiro é o de revisão das despesas obrigatórias. Mas o que isso,
efetivamente, quer dizer?
O que começa a ser
ventilado é a possibilidade de continuidade da PEC 188/2019 – a chamada PEC DDD
Fiscal (uma vez que se destina a desobrigar, desvincular e desindexar os
gastos do governo). E quais seriam as consequências dessa PEC? Bem, primeiramente
a desindexação do piso dos benefícios assistenciais e previdenciários em
relação ao salário mínimo, ou seja, os aumentos do salário mínimo não
impactariam necessariamente no reajuste destes, o que já seria um completo
absurdo. Mas ela vai além. A PEC também possibilita a retirada da relação de
proporcionalidade com a arrecadação estatal dos deveres de gasto mínimo em
Saúde e Educação, no caso, atinge diretamente os pisos constitucionais
destinados a essas áreas.
Tal movimentação não é
mera especulação. Técnicos do governo já estão em busca de mais recursos para
garantir a sustentabilidade do Novo Arcabouço Fiscal. O próprio ministro da
Fazenda Fernando Haddad, em mais de um episódio, vem sinalizando a necessidade
de “propor nova regra para gastos obrigatórios”. Ainda em julho de 2023, um
“Relatório de Projeções Fiscais” do Tesouro (vinculado à Fazenda) sugeria algo
no mesmo sentido. A intenção por detrás destas pistas é clara e já foi objeto
de matéria pelo jornal Folha de S. Paulo. que fossem
flexibilizados os pisos da Saúde e da Educação de forma a liberar R$131 bilhões
para outros gastos até 2023. Ou seja, o governo Lula, ao aprovar o famigerado
arcabouço, colocou-se – não sem muito aviso – em uma armadilha fiscal que leva
à destruição de sua capacidade de investimento e, para evitar que isso ocorra,
precisa atacar os pisos da Educação e da Saúde.
Mas não é isso que o
governo traz em sua propaganda. Muito pelo contrário. No último dia 12 de
março, o presidente Lula anunciou a construção de mais 100 novos campi da rede
de Institutos Federais de Educação, com expectativa de abertura de mais de 140
mil novas vagas majoritariamente de cursos técnicos integrados ao ensino
médio. Tal ação pode levar a uma percepção equivocada de que está
ocorrendo um avanço no volume de recursos destinados às instituições superior e
técnicas de ensino que, como já vimos, tiveram seus orçamentos diminuídos.
·
Onde entra a questão
da greve nacional da educação?
Bem, como já dizia
Milton Friedman – que, ao que parece, é mentor da política econômica do governo
–, “não há almoço grátis”. Ou seja, os custos do déficit zero precisam ser
pagos por alguém. Sendo assim, o governo, para atingir os anseios do mercado,
precisa cortar gastos. Sua opção foi começar não pelas emendas parlamentares ou
mesmo pelo excesso de subsídios destinados aos setores mais ricos da sociedade,
como o setor do Agronegócio, por exemplo. E eis o labirinto em que se encontram
hoje os servidores técnicos e docentes da Educação Federal, os quais são “a
bola da vez” para sofrer os custos do ajuste.
Em greve há mais de 20
dias, os mais de 220 mil servidores Técnico-administrativos em Educação (TAEs)
acumulam perdas salariais na ordem de 52,5% entre 01/07/2010 e
31/12/2021. Dentre suas funções estão planejar, organizar, executar ou
avaliar as atividades inerentes ao apoio técnico-administrativo ao ensino,
pesquisa e extensão. Além disso, são esses profissionais que garantem toda
assistência pedagógica e social ao corpo docente e discente das instituições de
ensino. No entanto, tal volume de perdas salariais sofridos pela categoria não
a torna mais atrativa. E o que mais impressiona é a fuga destes profissionais
em virtude de novas oportunidades que remuneram melhor. A taxa de desligamento
destes servidores supera em muito a média das carreiras do Executivo Federal.
Ora, o governo adota
um discurso de repatriação de cérebros mesmo quando este sequer consegue manter
seus servidores em suas funções, garantindo uma melhor qualidade e dedicação
destes profissionais ao ensino. Além da precarização de seu trabalho, estes servidores
ainda passam pelo pesadelo da terceirização que, neste momento, retoma à baila
com a tal da Reforma Administrativa que o governo vem puxando junto com o
Centrão e o empresariado.
Com o corpo docente
das Universidades e Institutos Federais não é muito diferente. Em greve desde o
início do mês, suas perdas acumulam um total de 39,93%. Ao todo já são mais de
520 Institutos Federais e de 30 Universidades paralisadas (tendo mais 12 com
deflagração prevista) em virtude da greve nacional da educação. A reivindicação
feita pelo corpo de docentes é de 22,71% além de reestruturação da carreira de
forma que garanta um piso salarial decente.
Vale ressaltar que um
professor Doutor, em regime de Dedicação Exclusiva (ou seja, não pode ter
qualquer tipo de rendimentos fora de sua instituição de trabalho), no mais alto
nível de sua carreira, recebe hoje um valor correspondente a R$ 22.377,72. Para
efeitos comparativos, este valor é próximo ou menor do que os recebidos por
outros cargos do Executivo Federal que exigem apenas o nível de graduação. É o
caso dos Auditores da Receita Federal (R$ 22.921,7), dos Analistas do Banco
Central (R$ 20.924,80); e dos Analista de Gestão Governamental (R$20.924,80) –
valores referentes a 2023. Com esta remuneração, como pretende o governo
repatriar cérebros, uma vez que seu espaço é na Universidade e nos centros de
pesquisa?
O governo Lula insiste
na proposta de reajuste zero para a educação mostrando, mais uma vez, que esta
não é uma prioridade em seu governo. Sua propaganda, no entanto, na tentativa
de disfarçar sua não-proposta, alardeia um aumento no valor dos benefícios
(como auxílio-alimentação e auxílio saúde) exibindo índices elevados, mas que,
devido a seus valores baixos, pouco impacto possuem na recomposição do poder de
compra de ambas carreiras. Pior, a estratégia adotada pelo governo de aumentar
apenas os benefícios é perversa para com aposentados e pensionistas, uma vez
que estes reajustes só recaem sobre servidores da ativa.
A malha salarial dos
técnicos e docentes da educação federal continua a derreter rapidamente não
restando a estes trabalhadores e trabalhadoras outra opção senão buscar fora de
seus empregos ou mesmo fora do país outras possibilidades de remuneração melhor.
A política econômica restritiva promovida pelo governo, que impede a criação de
oportunidades locais, é a maior responsável pela exportação de nossa
inteligência. Ao reafirmar tal política, Lula apenas aprofunda a exportação de
seus cérebros.
Já aos servidores
técnicos e docentes da Educação Federal, resta não apenas resistir, mas ampliar
o movimento paredista. Por mais que possa parecer contraditório, a greve
nacional da educação, ao buscar recompor parte das perdas salarias históricas
de suas carreiras, colabora para a permanência de nossos pesquisadores onde é
seu lugar: em nossas Universidades e Institutos Federais. É preciso ainda que
nossos sindicatos percam o sentido de parceria que, em parte, ainda mantém com
o governo. Não estamos do mesmo lado, não neste momento. Agora o governo é e
age como nosso patrão. É preciso pressioná-lo se quisermos mesmo conquistar
nossa valorização. Não podemos aceitar que Lula jogue os custos do ajuste
fiscal sobre nós trabalhadoras e trabalhadores da educação.
Maio está chegando.
Apesar dos festejos já programados com o governo pelas centrais sindicais que
ainda insistem em vê-lo como parceiro e não como patrão, este deve ser um mês
de intensas mobilizações e massivas lutas contra sua política econômica destrutiva
na educação. Cabe a nós ampliar nosso movimento paredista até que este entenda
que não pode nos derrotar. Nossa derrota é a derrota da luta por uma educação
pública, gratuita e de qualidade. Vamos seguir ativos pela reestruturação
salarial das carreiras de técnicos-administrativos da educação, dos professores
da rede federal de ensino, bem como pela recomposição dos investimentos às
Universidades, Institutos e CEFETs. O tempo urge e a luta não pode parar.
Reajuste já!
Fonte: A Terra é
Redonda
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