Os segredos da região com uma das maiores
longevidades do mundo
As Zonas Azuis são
regiões do mundo cuja população costuma viver com saúde até idade avançada.
Existem apenas cinco
Zonas Azuis em todo o planeta: Icaria (Grécia), Sardenha (Itália), Okinawa
(Japão), Loma Linda (Califórnia, EUA) e Nicoya (Costa Rica). As pesquisas
indicam que a longevidade nessas regiões se deve a uma combinação de fatores,
que incluem desde a alimentação e o clima até a religião.
Uma revista me pediu
para descobrir por que a Costa Rica abriga uma dessas regiões excepcionais. Por
isso, Dre (minha namorada, na época) e eu pegamos um avião na Califórnia e
fomos até lá.
Da cidade de Puerto
Viejo, no litoral caribenho da Costa Rica, subimos de canoa o rio Yorkin,
atravessando a floresta na fronteira com o Panamá. Ali, fica o lar do povo
nativo costarriquenho Bribri. Seu isolamento ajudou o povo a manter sua cultura
viva após sucessivas invasões europeias.
A selva é repleta de
vida e os Bribri usam essa riqueza para tudo, desde a seiva da cânfora como
repelente de mosquitos até uma planta que eles mastigam para curar dor de
dente.
Para os meus olhos não
treinados, os jardins dos Bribri parecem muito similares ao restante da
floresta, com diferentes espécies reunidas e borboletas voando entre os galhos.
Mas esse caos aparente é pura ilusão.
"É porque você
está acostumado a ver fazendas com um só cultivo", explica nosso guia
local, Albin. "Nós não praticamos monocultura porque as plantas evoluíram
para trabalhar em harmonia. Os legumes colocam nitrogênio no solo e as
bananeiras fornecem potássio, de forma que não precisamos de fertilizantes ou
produtos artificiais."
"Cada planta
atrai diferentes pássaros, de forma que existem centenas de espécies de aves
por aqui, enquanto você encontra apenas uma dúzia na monocultura",
prossegue Albin.
"Cada espécie se
alimenta de insetos diferentes. Existem também as jiboias e cobras-coral que
matam roedores, de forma que não precisamos de pesticidas, nem de
armadilhas", acrescenta.
"E quanto às
cobras venenosas?", perguntou Dre.
"Nós matamos as
jararacas e surucucus", respondeu Albin. "Nossos jardins ficam perto
das nossas aldeias e essas cobras podem ser muito perigosas, especialmente para
as crianças curiosas. Ou para os turistas curiosos."
A canoa parou em uma
pequena praia de pedras. Duas crianças – um casal de irmãos, observados pelo
pai enquanto pescava – riam e gritavam enquanto pulavam no rio.
Eles deixavam a
corrente levá-los até um galho suspenso, que eles agarravam para se transportar
de volta para a margem do rio. Depois, elas corriam e repetiam todo o processo.
O ar estava tomado
pelo aroma de pedras da água do rio e pelo doce e quente perfume das flores e
da grama. Enquanto caminhávamos em direção à aldeia, Albin colhia frutas das
árvores, a maioria totalmente desconhecidas para mim.
"Este é
jambo-rosa", ele conta, logo pegando outra fruta. "Este é olosapo. E
esta é carambola. Eles parecem diferentes dos que você encontra no supermercado
porque têm menos cruzamentos."
Ele se aproximou de
uma árvore com cerca de seis metros de altura com frutos brotando diretamente
do tronco e dos galhos. Eles pareciam bolas de rugby rugosas com o comprimento
aproximado da minha mão aberta. A maioria tinha cor amarela ou verde.
"Este é o
cacaueiro", explica Albin, acariciando o tronco. "Nosso povo
acreditava que era a árvore mais bonita do paraíso e as sementes eram usadas
como dinheiro."
Ele colheu um fruto
amarelo com manchas laranja e o bateu contra o tronco. O fruto se dividiu ao
meio para revelar sua polpa branca e o perfeito mosaico de sementes.
"A polpa é
doce", disse ele, enquanto me oferecia uma semente para chupar, "mas
a semente é amarga até ser preparada."
Entramos em uma
clareira de palafitas com telhados de palha e uma cabana de madeira branca que
parecia um grande aviário. Dentro, havia prateleiras com sementes de cacau, já
vermelhas e marrons.
"As sementes são
retiradas dos frutos", explica ele, "e deixadas para fermentar por
uma semana. É quando o sabor do chocolate se desenvolve, graças às enzimas e
aos micro-organismos. Depois, nós as secamos ao sol por cinco dias."
Peguei uma das
sementes secas e a mordi. Ela ainda era amarga, mas já tinha o característico
sabor de chocolate.
Albin colocou um
punhado de sementes em uma panela e aqueceu no fogão. Depois de alguns minutos,
ele quebrou a casca e retirou a parte interna das amêndoas torradas, conhecida
como "nib".
O sabor era de
chocolate amargo, café suave e castanhas.
As amêndoas torradas
foram partidas com uma pedra e agitadas para separar a casca mais leve dos
nibs, que são mais pesados. Albin despejou os nibs em um moedor manual.
Enquanto ele girava a
manivela, uma espessa pasta pingava do fundo do moedor. O rico e profundo aroma
de chocolate amargo passou a dominar a cabana.
Aquilo era manteiga de
cacau pura, salpicada de nibs torrados. Os Bribri secam a pasta e vendem para
os turistas. Basta acrescentar leite condensado e surge o melhor chocolate que
já comi na vida.
"Foi preciso ter
visão para trazer o turismo para esta região", conta Albin. "Mas é a
única forma de manter nossa cultura viva."
"Por quê?",
perguntei.
"Desde que os
europeus chegaram, nós, Bribri, vivemos sob pressão", responde ele.
"Agora, o governo
quer construir represas e nos pede para darmos a nossa terra, pelo 'bem do país
e por uma enorme compensação'. Mas o nosso povo já deu tudo para os invasores.
Aonde eles nos levaram? Tudo o que temos é a nossa terra e as nossas tradições.
E o nosso cacau."
"Em alguns anos,
a represa será esquecida, mais energia será necessária, novos rios serão
represados e a selva será transformada em plantações de banana", prossegue
ele. "Mas esta aldeia e esta cultura terão desaparecido para sempre."
"O turismo força
as pessoas a olhar para nós. E, com a história do nosso cacau, as pessoas
aprendem a história do nosso povo."
"É
estranho", afirma Albin. "O cacau era importante para os nossos
ancestrais. Era uma planta sagrada que nos fortalecia – não só fisicamente, mas
espiritualmente. Agora, é uma das razões por que os turistas vêm e pode ser o
que nos irá salvar do desenvolvimento."
"O chocolate faz
da Costa Rica uma Zona Azul?", pergunta Dre.
"Se for produzido
desta forma, o chocolate pode ser um superalimento", responde Albin.
"Cheio de antioxidantes e flavonoides, que reduzem as inflamações. Ele
pode ajudar a evitar o câncer e também tem propriedades espirituais esotéricas
para o nosso povo."
"Mas uma vida
saudável vem de muitas coisas", prossegue ele. "Comunidade, senso de
propósito, viver ao ar livre, estilo de vida ativo. E boa assistência médica, é
claro, o que é difícil nestas comunidades remotas."
"Mas, na verdade,
nem toda a Costa Rica é uma Zona Azul. Para encontrar a verdadeira Zona Azul,
vocês precisam ir para Nicoya."
Naquela noite,
enquanto nos deitávamos nas nossas redes acima das árvores, Dre e eu
começávamos a planejar a próxima etapa da nossa viagem.
"Eu nunca teria
vindo para esta aldeia apenas para passar um feriado", disse ela.
"Mas é uma experiência incrível estar neste belo local e aprender
pessoalmente sobre a cultura. Fazer perguntas, conhecer pessoas fascinantes...
parece um grande privilégio."
• Senso de comunidade e trabalho duro
Nicoya fica no lado
oposto à terra dos Bribri, em uma península que avança sobre o Oceano Pacífico.
A cultura Chorotega,
nativa de Nicoya, tem mais em comum com os mesoamericanos do México do que com
os Bribri da selva, devido à geografia da América Central.
Seu legado mais claro
está na alimentação. As estradas de Nicoya são ladeadas por espigas de milho
amarelo e roxo que são secas ao sol, da mesma forma que você encontraria no
México.
"A Zona Azul é
real", afirma o ceramista tradicional Ezekiel Aguirre Perez, do povo
Chorotega, que mora na aldeia de Mutambu.
"Nesta região, as
pessoas costumam viver até os 80 ou 90 anos, sem acesso a assistência médica
regular. Elas não tomam vitaminas e remédios. Sua própria forma de viver é
saudável."
Os pesquisadores da
Zona Azul identificaram a importância da alimentação, com ênfase em muitos
alimentos vegetais e baixo consumo de carne.
Em Nicoya, o milho é
usado para tudo, desde massas até sopas. Ele é fermentado para produzir bebidas
alcoólicas como chicha e chicheme. O milho também é torrado e moído na forma de
pinol, para fazer uma bebida parecida com leite maltado.
Os Chorotega também
têm um forte senso de comunidade. Toda a cidade se reúne para construir cada
uma das novas casas. É um conceito chamado de mano vuelta, ou "trabalho
para o benefício coletivo".
"As pessoas
procuram truques para viver mais", conta Ezekiel, "mas você não pode
viver uma vida de consumo e ganância e, depois, equilibrar com superalimentos.
Você precisa viver de forma integrada: uma vida ativa, uma vida gentil, uma vida
em comunidade."
"Quando alguém da
aldeia precisa de uma nova casa, todos nós nos reunimos e a construímos. Quando
alguém abate um porco, todos nós nos reunimos e o compartilhamos. Ninguém come
demais, mas todos temos o suficiente. E provemos a tudo em turnos."
Ezekiel nos contou
sobre um homem chamado Pachito que morava próximo e havia recentemente
comemorado seu 100º aniversário. Ele nos deu seu endereço e sugeriu que
fizéssemos uma visita a ele.
A fazenda de Pachito
fica em um vale raso, rodeado por arbustos floridos. Ezekiel havia avisado que
estávamos indo, mas precisamos esperar com a neta de Pachito até que ele
voltasse, já que ele havia saído para visitar alguns amigos.
Mas não esperamos por
muito tempo. Pachito chegou cavalgando no seu cavalo branco, que ele prendeu no
quintal, descendo com habilidade. Enquanto entrava, ele me deu um forte aperto
de mão e puxou Dre para um beijo no rosto.
"Que
galante", riu-se ela. Ele respondeu piscando o olho e se sentou em uma
cadeira.
"Desculpem pelo
atraso", disse ele. "Eu precisava visitar um amigo meu que não estava
se sentindo muito bem. Mas ele tem 102 anos, o que se pode esperar?"
"O sr. cavalga
todo dia?", perguntei.
"Quando fico
parado, as coisas começam a doer", respondeu ele. "Trabalhei toda a
minha vida como sabanero [vaqueiro], de forma que [cavalgar] é mais natural
para mim do que andar. Nunca fiz nenhum tipo de exercício separado, mas é uma
vida muito ativa."
Pachito se sentou em
uma cadeira baixa de vime, com fotografias de muitos de seus descendentes na
parede atrás dele. Sua neta serviu a ele uma xícara de pinol quente, beijou-o
na cabeça e saiu para o jardim.
"Esta nunca foi
uma região de educação e sabedoria", disse Pachito, "mas sempre um
lugar de trabalho duro."
"A maior
diferença de hoje é que nós sabíamos de onde vinha a nossa comida. Nós
cultivávamos arroz e milho, criávamos bois e porcos. As galinhas se alimentavam
dos nossos restos. Não era uma grande variedade, mas era puro e saudável e
comíamos três vezes por dia. É o suficiente."
"E o que o senhor
acha que é importante, Pachito?", perguntei. "O que o sr. diz aos
seus filhos, netos e bisnetos?"
"Durante a minha
vida, não fui uma grande pessoa – alguém importante ou algo assim – mas sempre
fui um bom amigo", ele conta.
"Você precisa
amar a si mesmo e aos demais. Porque, se você ama um amigo, você não pode
desejar nada de mal para outras pessoas. Isso impede as coisas de irem mal para
você, de dentro para fora."
Enquanto saíamos, ele
tocou a minha mão e acenou em direção a Dre. "E é muito importante amar
uma boa mulher", ele disse.
Segui o conselho de
Pachito à risca. Dre e eu nos casamos.
Fonte: BBC Travel
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