Bolsonaro quis posar de 'mártir' no 21 de
abril, como Tiradentes, mas se enforcou na própria pretensão
Os 25 deputados
federais apoiadores de Jair Bolsonaro, que transferiram R$ 5 mil cada (total de
R$ 125 mil) para custear o fiasco que foi o comício do ex-presidente no 21 de
abril, domingo passado, na Avenida Atlântica, em Copacabana, ainda se queixam
da baixa audiência, do calor e do veto de falar no palco do Trio Elétrico.
Bolsonaro imaginou que repetiria metade do público que mobilizou no 7 de
setembro de 2022, quando ele utilizou o Bicentenário da Independência como
chamariz do comício para a reeleição, que perdeu. Agora, quis posar de
“mártir”, como Tiradentes, e se enforcou na própria pretensão.
Em vez de reclamar com
a direção do PL – pelo inquérito do 8 de janeiro de 2023, conduzido pelo
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, o ex-presidente
Bolsonaro, seu vice na chapa de reeleição, general Walter Braga Neto, e o
presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto, não puderam se encontrar no
mesmo palanque – ou com o pastor Silas Malafaia (espertalhão que se usa a
política para gozar de isenções fiscais), os doadores, que não puderam aparecer
em fotos, se tivessem estudado os mapas eleitorais do município do Rio de
Janeiro veriam que Copacabana oferece um belo cenário, com o Pão de Açúcar ao
fundo. Mas a densidade de votos na cidade não está lá. São 142 mil eleitores
(2022), compreendendo também o Leme, o 16º contingente de votos (atrás das RAs
- regiões administrativas - de Botafogo e Lagoa).
Os votos estão na Zona
Oeste, Bangu, Jacarepaguá, Campo Grande, Santa Cruz e ainda nas RAs do Meier e
Madureira. O puxador de votos do PL nas eleições para deputado federal, o
general Pazuello, o ex-ministro da Saúde que teve enorme culpa, junto com o ex-presidente,
pela morte de mais de 700 mil brasileiros pela Covid, conseguiu 54.873, ou
26,7% dos seus 205.324 votos, nessas quatro regiões administrativas. Só perdeu
no RJ para a deputada Daniela do Waguinho (União), que teve 213.706 votos, a
maioria entre os evangélicos, e em Belfort Roxo, na Baixada Fluminense, onde o
marido Waguinho é prefeito.
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Onde estão os votos no
Rio
A pesquisa MapVotos,
da Kartor Consultoria, de Cláudio Magalhães, mapeou os eleitores nas principais
regiões administrativas que são as áreas cuja maior densidade eleitoral
coincide com a forte influência política das milícias e do crime organizado.
Ela pode ser muito útil nesta eleição municipal. A maior região administrativa
em eleitores é a de Bangu, que compreende ainda os bairros de Campo dos
Afonsos, Deodoro, Jardim Sulacap, Magalhães Bastos, Padre Miguel, Realengo,
Senador Camará e a Vila Militar. Na região, Pazuello retirou 15.092 votos, a
maioria na Vila Militar.
Embora muita gente da
família e amigos tenham morrido de Covid, pelo negacionismo do governo, foi na
RA de Jacarepaguá que Pazuello recebeu sua maior votação: 18.908 votos. Na
região, feudo político da família Brazão, o deputado federal Chiquinho Brazão recebeu
16.684 votos. Jacarepaguá, a 2ª RA com mais eleitores, compreende os bairros ou
comunidades de Anil, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Gardênia Azul,
Jacarepaguá, Pechincha, Praça Seca, Tanque, Taquara e Vila Valqueire. São áreas
divididas entre os milicianos e traficantes, com atuação comum em certos
locais.
A 3ª densidade, Campo
Grande, compreende ainda as comunidades de Cosmos, Inhoaíba, Santíssimo e
Senador Vasconcelos. A RA do Méier (ou o Grande Méier), a 5ª maior área de
votos, compreende Abolição, Água Santa, Cachambi, Encantado, Engenho de Dentro,
Engenho Novo, Lins de Vasconcelos, Méier, Piedade, Pilares, Riachuelo, Rocha,
Sampaio, São Francisco Xavier e Todos os Santos.
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Madonna, sim, é mito
O show da cantora pop
Madonna deve atrair mais de um milhão de fãs cariocas, do Brasil e de diversas
partes do mundo, na mesma praia de Copacabana no próximo sábado à noite. Mas,
convenhamos, atrair mais de 32 mil pessoas para ouvir palavras vazias do “mito”
Jair Messias Bolsonaro, numa manhã de forte calor, já foi uma tremenda façanha.
Sem a estrutura da
Presidência e sem poder requisitar os kids pretos, a tropa do Exército que
sempre animava os eventos em que aparecia já com pretensão de sair candidato,
como numa manifestação contra a presidente Dilma, em 2016, em Copacabana,
quando uma horda vestida de negro veio do Posto Seis e assustou os passantes,
Bolsonaro, que desceu à planície, até fez muito.
Mito mesmo é a
cantora.
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Como são ridículas as
ditaduras
A celebração, dia 25
de abril, dos 50 anos da “Revolução dos Cravos” (que pôs fim a quase meio
século de ditadura em Portugal), algumas semanas depois de o Brasil relembrar
os 40 anos da campanha das “Diretas Já” e os 60 anos do golpe militar de 1964,
que fez o país submergir em 21 anos de ditadura, serve para lembrar como as
ditaduras são ridículas e ainda afetam tanto a América Latina, colonizada pelas
duas nações ibéricas que tiveram os mais longevos períodos ditatoriais da
Europa: Portugal e Espanha.
Em Portugal, de 1926 a
1933, vigorou a Ditadura Nacional, da qual o professor Antonio de Oliveira
Salazar surgiu como o organizador das finanças públicas - foi nomeado ministro
das Finanças, em 1928 e, depois, presidente do Conselho de Ministros, em 1932,
fato que o credenciou a estabelecer sua própria ditadura com a implantação do
Estado Novo, em 1933. Salazar governou Portugal com mão de ferro até 1968,
quando, doente, passou o comando do governo ao primeiro-ministro Marcelo
Caetano, que morreu exilado no Brasil, em 1980, sob a ditadura militar do
general Figueiredo.
A figura de Salazar
era tão onipresente que, mesmo doente, o governo de Marcelo Caetano soltava
notas oficiais como se Salazar estivesse no leme, e não no leito que o levou à
morte, em 1970. Só então o primeiro-ministro assume publicamente as rédeas do país
até ser deposto em 1974 pela Revolução dos Cravos, liderada pelos oficiais
intermediários das Forças Armadas, inconformados em servir na onerosa opressão
colonialista de Portugal às províncias ultramarinas.
De fato, só em 1975,
as maiores colônias africanas (Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e
Príncipe) conquistam a independência, assim como a distante Timor-Leste, junto
à Indonésia. As demais colônias asiáticas (Portugal chegou a colonizar
Nagasaki, no Japão, Goa, na Índia, Colombo, atual Sri Lanka, Macau, na China)
ficaram independentes entre as duas guerras mundiais. As africanas conquistaram
com muita luta a independência entre o fim dos anos 60 e começo dos anos 70,
como a Guiné-Bissau (setembro de 1974), após a queda de Marcelo Caetano. Um dos
militares que governaram o país africano, o general Antônio de Spínola, dividiu
com o general Costa Gomes o comando do país, de 1974 a 1976, quando Spínola
falece.
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Redemocratização leva
à União Europeia
A redemocratização de
Portugal e, no ano seguinte, o início da transição democrática na Espanha, com
a morte do generalíssimo Francisco Franco (ditador de 1939 a 1975), abrem o
caminho para que as duas nações ibéricas, postas de lado pelo democrático grupo
do Mercado Comum Europeu, tivessem o aval para que ambas, e mais a Irlanda e a
Grécia, participassem da transformação da MCE na União Europeia, a partir de
1992, com o Tratado de Maastrich, e o ingresso em novembro de 1993. Em 1999,
após vários ajustes de legislação entre os vários países da U.E., surge o euro,
a moeda única, seguida por duas dezenas entre os 27 países membros.
Os princípios básicos
que os países membros da União Europeia, um bloco de quase 500 milhões de
habitantes - mais que o dobro da população brasileira -, têm de cumprir são:
“liberdade, democracia, igualdade e Estado de direito, promoção da paz e da
estabilidade”. Assim, em 1975, após realização de eleições livres e diretas
para o legislativo, tem início a elaboração da nova Carta Magna. A nova
Constituição Portuguesa é aprovada em 2 de abril de 1976. Em 27 de junho, é
feita a eleição presidencial vencida por Ramalho Eanes e tendo Mário Soares
como primeiro-ministro.
Mesmo com a ascensão
da direita da Aliança Democrática, que elegeu o primeiro-ministro Luiz
Montenegro, Portugal respeita os princípios democráticos sob o regime
parlamentarista, como também ocorria no governo do primeiro-ministro socialista
Antonio da Costa (2015 a 2024), que apresentou sua renúncia ao Parlamento em
setembro de 2023 ao ser acusado, erroneamente, de corrupção (o alvo era um
homônimo, ministro de seu gabinete). A ultradireita cresceu muito com a
ascensão do Chega (que conquistou 48 cadeiras e se tornou a terceira força no
Parlamento), mas não faz parte do gabinete.
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O ridículo ódio ao
amor e ao novo
O genial Fernando
Pessoa já escreveu que “todas as cartas de amor são ridículas”. Mais ridículas
são algumas das disposições da ditadura de Antonio Salazar, quase todas
baseadas no atraso e no temor ao novo, e sob a inspiração do ódio (comum nas
ditaduras, sobretudo as de direita). É sabido (e não é piada de português –
hoje na praia sei que um casal de Guimarães há de se aborrecer comigo), mas
Salazar, que admirava Mussolini e apoiava discretamente o nazismo, apesar de
manter Portugal neutro, o que tornou Lisboa um território de espiões dos
aliados e do nazismo (a Espanha era declaradamente pró Eixo), decretou “luto
oficial por três dias pela morte (suicídio) de Adolf Hitler”, o maior facínora
da Humanidade.
Mas ao ouvir esta
semana, na rádio CBN, o professor Pasquale Cipro Neto, que estava em Lisboa,
nas comemorações do “25 de abril”, não aguentei quando ele elencou algumas
barbaridades de Salazar. Ele subjugou as mulheres e os jovens portugueses, que
confirmei em pesquisas junto às edições portuguesas do “Correio da Manhã”. As
mulheres que fossem trabalhar como enfermeiras não podiam casar. As
professoras, idem. Excepcionalmente, com autorização do Estado, poderiam
contrair o matrimônio, desde que o noivo pudesse provar ter recursos para
mantê-la e ao casal. Salazar proibiu a entrada da Coca-Cola em território luso,
por suspeita de ter substâncias de cocaína. Isqueiro não podia (Salazar queria
proteger as fábricas de fósforos).
Nas escolas, as
meninas e moças tinham as barras das saias medidas por inspetoras e os braços
deviam ser cobertos. A exceção era nas aulas de biociências, quando podiam ser
arregaçadas até o cotovelo. Biquínis eram proibidos. Era permitido o maiô
inteiro e, no caso masculino, os calções deviam cobrir o umbigo (até os anos 60
isso era seguido pelos mais velhos no Brasil).
Não sei qual sua
idade, caro leitor (a). Creio que poucos tiveram contado, como nos anos 60
(estudei inicialmente no Colégio de Aplicação da UFRJ, na Lagoa, e depois no
André Maurois, no Leblon), com uma jocosa e absurda lista de “multas do Dr.
Delegado de Costumes” a saliências entre os namorados. Era motivo para muita
zoação. Mas tudo não passava de atualização, em cruzeiros, da tabela de multas
estabelecida na era Salazar.
Em Portugal, os
namorados que fossem apanhados com a ‘mão na mão’ (um do outro, entenda-se)
pagavam dois escudos e cinquenta centavos, multa que aumentava consoante a
audácia dos pombinhos. Rezava a portaria 69.035 da Câmara Municipal de Lisboa,
datada de 1953, que, com a "mão naquilo", a coima era de 15 escudos;
com "aquilo na mão", de 30 escudos; com "aquilo naquilo", a
multa era de 50 escudos; com "aquilo atrás daquilo", tinham de
desembolsar 100 escudos, e "com a língua naquilo", além de pagar 150
escudos, eram presos e fotografados. Detalhe, em 1955, um funcionário do
comércio ganhava por dia, em média, 84 escudos, e um aprendiz, 17 escudos.
Homossexuais e lésbicas eram presos. Melhor (ou pior) ser pudico.
Jânio Quadros, que
venceu a eleição de outubro de 1960 com mais de 48% dos votos válidos (o
general Lott teve menos de 39%, e Adhemar de Barros ficou com 18,80%), tinha
total vocação para ditador à la Salazar: proibiu concurso de misses, o biquíni
e a briga de galo. Renunciou em 25 de agosto de 1961, contando com o apoio das
Forças Armadas, que não tiveram tempo de se mobilizar (os militares rejeitavam
o vice, João Goulart, em viagem à China), pois o presidente do Congresso, Áureo
de Moura Andrade, leu a carta de renúncia e decretou vaga a Presidência da
República, dando posse ao substituto imediato, o presidente da Câmara, Ranieri
Mazzilli.
Getúlio Vargas, por
sinal, teve trajetória semelhante à de Salazar. Foi ministro da Fazenda de
Washington Luiz, quando tentou disciplinar o endividamento interno e externo
(estados e municípios emitiam dívidas sem qualquer controle. Depois foi
presidente (governador) da província do Rio Grande do Sul, a partir de quando
comandou a Revolução de 1930, contra Washington Luiz, que pôs fim à política do
“café com leite”. Na presidência, após o movimento integralista e a fracassada
intentona comunista de 1937, criou o Estado Novo e copiou a legislação
trabalhista (um grande avanço) da “Carta del Lavoro” de Mussolini. Durante a
guerra, com as negociações com os Estados Unidos, ficou com os aliados e
abandonou a simpatia ao Eixo, se diferenciando de Salazar e Franco. Mas adotou
o nacionalismo populista que levou ao antagonismo com a ala liberal da política
(UDN) e a ala pró EUA nas Forças Armadas. Estas se refrearam com o suicídio de
Vargas, mas acertam as contas com a centro-esquerda em 1964.
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'Grândola Vila
Morena', a senha
A rebelião militar de
Portugal tem tudo a ver com as derrotas e mortes inglórias nas guerras
coloniais. Os militares contrariados criam o Movimento das Forças Armadas
(MFA). Em 16 de março de 1974, uma tentativa de golpe militar falha e cerca de
200 militares são presos. No dia 24 de março, a MFA se reúne e decide derrubar
o governo através de um golpe militar. Um mês depois, no dia 24 de abril, o
jornal "República" publica nota para que o povo escute a emissão da
rádio Renascença dessa noite. Às 22h55, os Emissores Associados de Lisboa
começam a transmitir a canção “E Depois do Adeus”, interpretada por Paulo de
Carvalho, e tem início as operações do MFA. No dia 25 de abril, às 00h20, a
transmissão pela rádio da música “Grândola Vila Morena”, de Zeca Afonso, que
era então censurada, foi a senha utilizada pelo MFA para informar que as
operações militares seriam levadas adiante.
A trilha sonora,
tocada pela CBN na intervenção do professor Pasquale, mostra o contagiante
marchar das botas das tropas de soldados da democratização e a entrada da voz
do então proibido Zeca Afonso: “Grândola, vila morena; Terra da fraternidade; O
povo é quem mais ordena; Dentro de ti, ó cidade”; “Dentro de ti, ó cidade; O
povo é quem mais ordena; Terra da fraternidade; Grândola, vila morena”; “Em
cada esquina, um amigo; Em cada rosto, igualdade; Grândola, vila morena; Terra
da fraternidade”. “Terra da fraternidade; Grândola, vila morena; Em cada rosto,
igualdade; O povo é quem mais ordena”.
Foi emocionante ouvir
no rádio. Para a ditadura brasileira (estávamos iniciando a descompressão do
governo do general Geisel) não deixar passar o fomento a manifestações
semelhantes, no Brasil, foi logo proibida a canção “Tanto Mar”, de Chico
Buarque, que, na época, fazia a peça “Calabar” com cineasta
moçambicano-português Ruy Guerra. Chico não se fez de rogado e dois anos depois
fez nova letra (censurada), atualizando a frustração portuguesa e a esperança
brasileira por dias melhores, que só vieram em 1985.
Mas as ditaduras
ridículas seguem por aí. Cito a Coreia do Norte, Afeganistão, Irã, Arábia
Saudita, Iêmen. Na América do Sul, fora nossos 21 anos, que quase ressuscitam
com Bolsonaro, tivemos o Paraguai de Alfredo Stroessner, o Chile de Pinochet, o
rodízio na Argentina e agora, Nicolás Maduro (êmulo de Hugo Chaves) na
Venezuela, e Cuba do partido único. Na África, o rodízio é tal que é arriscado
citar.
Fonte: Por Gilberto
Menezes Côrtes, no Jornal do Brasil
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