Microbiota intestinal influencia no
bem-estar cardiovascular, aponta estudo
As bactérias que
habitam o intestino têm se tornado um ponto crucial na investigação científica,
se destacando por suas funções no metabolismo, na nutrição e na saúde geral.
Novos trabalhos mostram que, além do explorado papel em doenças
neurodegenerativas, a microbiota intestinal influencia em muitas outras
questões, como sistema imunológico e bem-estar cardiovascular.
Uma recente pesquisa
do Instituto de Tecnologia Technion, em Israel, trouxe à tona uma descoberta
promissora que pode melhorar a abordagem às doenças inflamatórias intestinais
(DII), como colite e doença de Crohn.
Ao longo dos milênios,
a microbiota se tornou indispensável para o sistema imunológico. O intestino
passa por diversas transformações estruturais, mecânicas e químicas, exigindo
das bactérias uma adaptação dinâmica a esse ambiente em fluxo constante. Uma
equipe liderada pela professora Naama Geva-Zatorsky, da Faculdade de Medicina
Ruth e Bruce Rappaport, tem se dedicado a investigar essa questão, em trabalho
de equipe.
"A pesquisa
oferece uma visão crítica sobre as intrincadas interações entre as bactérias
intestinais e o sistema imunológico na doença inflamatória intestinal. Nossa
explicação é que a mesma flexibilidade genômica desenvolvida ao longo da
evolução proporciona às bactérias plasticidade funcional, ajudando a se
adaptarem às doenças intestinais", frisou Geva-Zatorsky. "Isso abre
portas para intervenções direcionadas destinadas a restaurar o equilíbrio da
microbiota intestinal em pacientes com DII."
O estudo, que foi uma
colaboração entre cientistas dos Estados Unidos, Espanha e Israel, se
concentrou nas bactérias Bacteroidales, algumas das mais abundantes no
microbioma intestinal humano. Ao examinar mais de 2 mil pessoas saudáveis e
doentes e conduzir ensaios pré-clínicos, os cientistas identificaram padrões
distintos de inversões de DNA associados à saúde e à doença.
Essas inversões
reversíveis do DNA conseguem ligar e desligar a produção de moléculas
essenciais. Por exemplo, em Bacteroides fragilis, o mecanismo desativa a
produção do polissacarídeo A (PSA), uma molécula crucial na coordenação de
células T reguladoras, especializadas em suprimir a inflamação excessiva e
manter o equilíbrio intestinal.
O trabalho revelou
ainda um padrão nas amostras fecais de pacientes com doenças inflamatórias
intestinais: o regulador de PSA estava predominantemente desativado, o que se
relacionava aos níveis elevados de vírus bacteriófagos associados B. fragilis.
Experimentos adicionais com ratos colonizados com B. fragilis na presença de
bacteriófagos demonstraram uma redução nas células T reguladoras. Para os
autores, as descobertas evidenciam uma estratégia de adaptação complexa
empregada pelos micróbios intestinais, o que os permite reprogramar
dinamicamente a expressão genética em resposta a condições locais, como
inflamação ou infecção viral.
·
Dificuldades
No entanto, Bruno Paes
Barreto, coordenador do Departamento Científico de Alergia na Infância e
Adolescência da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), observa
que, usar esse mecanismo como biomarcador ou em alguma terapêutica, não será
fácil. "O principal obstáculo seria tornar os exames de identificação da
microbiota acessíveis e reprodutíveis. O que atualmente é questionável."
Para Barreto,
reconhecer o padrão microbiano de cada indivíduo e avaliar suas influências na
saúde ainda é uma estratégia difícil de padronizar. "É possível que a
curto e médio prazo exames continuem sendo importantes para diagnóstico e
manejo das doenças alérgicas e gastrointestinais funcionais."
Os micróbios que
habitam o intestino de mamíferos, como o ser humano, também são considerados
influentes no metabolismo de aminoácidos e da glicose. Essa microbiota se
comporta de maneira semelhante a um fígado adicional. É o que aponta um novo
estudo pré-clínico conduzido por pesquisadores da Weill Cornell Medicine, nos
Estados Unidos.
·
Funcionamento
Os agentes que compõem
o microbioma influenciam na extração de nutrientes dos alimentos ingeridos,
competindo com o organismo por esses recursos, observou Chun-Jun Guo, professor
assistente de microbiologia e imunologia e autor sênior do estudo. "Eles
'comem' antes de nós, assumindo primeiro os nutrientes dos alimentos que
consumimos e deixando-nos com o que resta após satisfazerem suas próprias
necessidades nutricionais."
Para entender melhor
esse fenômeno, os pesquisadores exploraram a eficiência de várias bactérias
intestinais na metabolização de aminoácidos, que compõem as proteínas. Por meio
de uma análise extensa que envolveu mais de 100 micróbios intestinais humanos
distintos, a equipe identificou bactérias capazes de esgotar esses aminoácidos.
Ao colonizarem o
intestino de ratos com essas bactérias, a equipe observou uma redução nos
níveis de aminoácidos tanto no intestino, quanto na corrente sanguínea do
animal.
Identificando os genes
bacterianos responsáveis por essa questão, os cientistas manipularam
geneticamente bactérias para esgotar aminoácidos no intestino dos animais, o
que regulou a glicose sanguínea. Para eles, o resultado sugere que a microbiota
não só afeta o metabolismo dos aminoácidos, mas exerce influência sobre a
gestão do açúcar no sangue.
O estudo destaca que
muitos genes microbianos estão associados a condições digestivas e metabólicas,
o que sugere que medicamentos direcionados a eles ou a cepas bacterianas
modificadas poderiam ser uma nova abordagem para condições como diabetes tipo 2
e doença inflamatória intestinal.
Adriano Moraes,
hepatologista do Centro de Excelência em Transplante Hepático do Hospital Santa
Lúcia de Brasília, frisa que é importante considerar a genética do indivíduo.
"Essas alterações metabólicas modificam o sistema neuroendócrino. Então,
têm várias vias de ativação que podem levar, inclusive, a alterações cerebrais,
motoras e sensoriais. E esse desequilíbrio leva uma maior ou menor condição
pró-inflamatória." Ele explica que as condições pró-inflamatórias são
absorvidas pelos vasos que drenam o intestino. "Quando essas substâncias
inflamatórias são drenadas para o fígado, há o desenvolvimento de doenças
relacionadas diretamente ao órgão."
·
Avanços
"A sensibilidade
de um biomarcador pode permitir a monitorização precisa da progressão de
doenças gastrointestinais. Ao detectar padrões distintos de inversões de DNA
nas espécies bacterianas do microbioma intestinal, os pesquisadores podem
correlacionar esses padrões com a gravidade da doença e sua resposta ao
tratamento. O biomarcador pode ter ainda desdobramentos em pesquisas futuras
sobre a microbiota intestinal e sua influência em doenças sistêmicas. Poderia
ser explorado para avaliar o papel do microbioma na regulação do sistema
imunológico em outras doenças inflamatórias. O avanço na identificação de
biomarcadores abre novas perspectivas para abordagens personalizadas e
eficazes, que visam não apenas os sintomas, mas modular a microbiota e a
resposta imunológica do paciente. É um emocionante progresso da medicina
personalizada e da biologia de sistemas."
Alexandre Nishimura,
coloproctologista nos hospitais do Servidor Público Estadual de São Paulo e
Israelita Albert Einstein, especialista em doenças inflamatórias intestinais.
·
Esferas para a saúde
Cientistas da
University College London, no Reino Unido, desenvolveram esferas de carbono
capazes de reduzir bactérias nocivas e inflamações associadas à cirrose
hepática e outras doenças graves em modelos animais. Publicado na revista Gut,
o estudo revelou que o Carbalive, restaurou a saúde intestinal e melhorou a
função hepática, renal e cerebral em ratos e camundongos. Agora, a equipe
pretende confirmar a eficácia e segurança em humanos.
·
Interferência no corpo
todo
Um estudo recente
lançou luz sobre a possível conexão entre as bactérias que habitam o intestino
humano e o desenvolvimento de aneurismas na aorta, uma condição séria que afeta
a saúde cardiovascular. Os pesquisadores, liderados pela Universidade de Zhengzhou,
na China, mergulharam em dados genéticos de milhares de indivíduos, buscando
entender melhor essa relação complexa.
Os resultados,
publicados na revista Cardiovascular Innovations and Applications, revelaram
que certas famílias e classes de bactérias intestinais estão intimamente
ligadas ao risco de aneurismas aórticos. Além disso, níveis mais baixos de
alguns desses microrganismos estavam associados a menores chances do problema,
enquanto maiores quantidades de outras bactérias se relacionavam a um risco
aumentado.
O estudo identificou
ainda padrões específicos de bactérias associados a diferentes subtipos de
aneurismas aórticos, como os que ocorrem na região abdominal e torácica. Para
os autores, essas descobertas têm implicações significativas para o diagnóstico
e tratamento desses problemas.
Para essa análise, os
pesquisadores utilizaram dados do FinnGen, um projeto médico que verifica
informações genômicas e de saúde de participantes do biobanco finlandês. A
abordagem multidisciplinar promete fornecer insights valiosos para o
desenvolvimento de novos biomarcadores, essenciais para o diagnóstico precoce e
para potenciais alvos terapêuticos contra aneurismas aórticos.
Fonte: Correio
Braziliense
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