terça-feira, 30 de abril de 2024

Como Brasil foi chave para América Latina bater recorde de exportação para China em 2023

comércio entre a China e os países latino-americanos bateu um recorde histórico em 2023.

A troca de mercadorias entre a região e o gigante asiático ultrapassou US$ 480 bilhões, segundo cálculos elaborados pela BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, com base em dados da Administração Aduaneira da República Popular da China (AGA, na sigla em inglês).

A balança comercial foi relativamente equilibrada, com um ligeiro superávit favorável à América Latina de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões).

O novo recorde no comércio de mercadorias com a China constitui mais um passo em uma tendência ascendente que tem sido registrada ao longo deste século.

O intercâmbio bilateral do país asiático com a América Latina e o Caribe (ALC) mal girava em torno de US$ 14 bilhões no ano 2000, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

Assim, o aumento foi exponencial neste quase quarto de século.

“No período de 2000 a 2022, o comércio de mercadorias entre a região e a China foi multiplicado por 35, enquanto o comércio total da região com o mundo apenas foi multiplicado por 4”, afirmou a CEPAL em seu relatório Perspectivas do Comércio Internacional 2023.

Graças a este aumento, a China se tornou o segundo parceiro comercial da América Latina como um todo, ultrapassando a União Europeia, como principal parceiro da América do Sul.

Esta intensificação dos laços comerciais com Pequim tem sido desigual, o que resultou no fato de que, enquanto alguns países da região desfrutam de um superávit comercial, outros registram um déficit.

Mas quais são os países latino-americanos que mais exportam para a China, e o que eles vendem para ela?

·        Matérias-primas e manufaturados

>>> Países latino-americanos que mais exportaram para a China em 2023

  • US$122 bilhões - Brasil
  • US$43 bilhões - Chile
  • US$25 bilhões - Peru
  • US$18 bilhões - México
  • US$7.9 bilhões - Equador

Fonte: Administração Aduaneira da República Popular da China

Segundo a CEPAL, o grosso das exportações latino-americanas para a China se concentra em seis produtos (soja, cobre e minérios de ferro, petróleo, cátodo de cobre e carne bovina), que juntos correspondem a 72% do total.

Já as importações da região provenientes da China, por outro lado, consistem principalmente em produtos manufaturados, o que “ampliou o acesso das famílias e das empresas, mas também deslocou a produção regional”, observa a CEPAL.

A seguir, confira os cinco países latino-americanos que mais exportaram para o gigante asiático, segundo dados da Administração Aduaneira Chinesa relativos ao ano de 2023.

·        1. Brasil

Brasil é, de longe, o principal parceiro comercial da China na América Latina.

Em 2023, o intercâmbio bilateral totalizou US$ 181 bilhões (cerca de R$ 939 bilhões), dos quais US$ 122 bilhões (R$ 629 bilhões) representaram exportações do país sul-americano, que obteve um superávit comercial de US$ 63 bilhões (R$ 356 bilhões).

Estes resultados não apenas fazem do Brasil o país latino-americano que mais exporta para a China, como também “um dos poucos países do mundo que tem superávit comercial com a China”, segundo indicou a consultoria internacional Dezan Shira & Associates, em seu relatório China Briefing, de 2023.

E é possível que esta relação continue a crescer, a julgar pelos 15 acordos comerciais bilaterais avaliados em cerca de US$ 10 bilhões (R$ 51 bilhões), que foram assinados pelos dois países durante a visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à China, em 2023.

Mas o que o Brasil vende para a China?

Entre os principais produtos exportados, estão: soja (35,4% do total), ferro (20,2%), petróleo (18,6%), carne bovina congelada (8,82%) e polpa de celulose (3,36%), segundo dados do Observatório de Complexidade Econômica (OEC, na sigla em inglês).

·        2. Chile

Chile é o segundo país latino-americano que mais exporta para a China — e é também o segundo na lista dos que têm maior superávit comercial.

Em 2023, as exportações chilenas para a China ultrapassaram US$ 43 bilhões (R$ 22 bilhões), enquanto seu superávit com o país asiático alcançou US$ 23 bilhões (R$ 119 bilhões), segundo dados da Administração Aduaneira da República Popular da China.

O gigante asiático é o principal parceiro comercial do Chile.

O cobre (bruto e refinado) é de longe o principal produto que o Chile exporta para a China, de acordo com dados da OEC.

Outro produto que se destaca são as frutas sem caroço, das quais o Chile é o principal exportador a nível mundial — e a China, a maior importadora. Em 2022, o Chile enviou o equivalente a US$ 2,45 bilhões (R$ 13 bilhões) deste tipo de fruta para o país asiático, suprindo mais de dois terços das importações chinesas, de US$ 3,58 bilhões (R$ 18 bilhões).

Também chamam atenção os números das exportações chilenas de produtos químicos inorgânicos, como compostos de metais preciosos e isótopos.

Em 2005, o Chile foi o primeiro país latino-americano a assinar um acordo de livre comércio com a China e, segundo o pesquisador Evan Ellis, deve grande parte de seus bons resultados à sua estratégia de marketing.

“O sucesso do Chile se deve em parte à promoção da sua 'marca nacional' na República Popular da China. O Chile comercializou com sucesso suas uvas, cerejas e mirtilos na China como 'bens de luxo', associados às festividades natalinas e à troca de presentes, permitindo a eles vendê-los a um preço mais alto, incluindo sua importação e envio por meios (de transporte) caros, como aviões e contêineres refrigerados”, observou Ellis, em artigo publicado em dezembro de 2023.

·        3. Peru

Com exportações que em 2023 ultrapassaram US$ 25 bilhões (R$ 129 bilhões), o Peru ocupa o terceiro lugar na lista dos países latino-americanos que mais vendem para a China— e entre aqueles que alcançaram o maior superávit comercial (mais de US$ 13 bilhões / R$ 67 bilhões, segundo dados da AGA).

A partir de 2009, quando ambos os países assinaram um acordo de livre comércio, a potência asiática tornou-se o principal parceiro comercial do Peru.

Entre 2010 e 2023, as exportações do Peru para a China quadruplicaram, segundo uma análise recente da Fundação Andrés Bello – Centro de Pesquisa Chinês Latino-Americano.

Os principais produtos que o Peru exporta para a China são minerais, além de alimentos para animais.

Embora o Peru venda uma grande variedade de minerais à China, incluindo ferro, zinco e metais preciosos, a maior parte destas exportações é de cobre, que representou mais de 60% do total em 2019.

·        4. México

Entre os cinco países latino-americanos que mais exportam para a China, o México é a grande exceção, uma vez que sua balança comercial com o gigante asiático é desfavorável.

Em 2023, as exportações do país norte-americano para a China totalizaram mais de US$ 18 bilhões (R$ 93 bilhões), mas suas importações somaram US$ 81 bilhões (R$ 418 bilhões). O resultado? Um déficit comercial para o México de US$ 62 bilhões (R$ 320 bilhões).

A relação comercial do México com a China também é diferente porque entre os seus produtos mais vendidos, estão bens manufaturados — e não apenas matérias-primas.

Então, por exemplo, em fevereiro de 2024, as principais exportações mexicanas para o gigante asiático foram de circuitos integrados (US$ 232 milhões / R$ 1, 2 bilhões), instrumentos médicos (US$ 150 milhões / R$ 775 milhões), metais preciosos (US$ 91 milhões / R$ 470 milhões), cobre (US$ 73 milhões / R$ 377 milhões), assim como de motores, peças e acessórios para veículos (US$ 71 milhões / R$ 366 milhões), segundo dados da OEC.

Há anos, a relação entre o México e a China tem sido complexa porque, devido ao seu perfil exportador, ambos os países têm sido concorrentes, especialmente desde a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC). Esta concorrência é bastante acirrada, sobretudo no que diz respeito ao fornecimento de produtos manufaturados ao mercado dos EUA.

De acordo com Liu Xuedong, professor da Faculdade de Economia da Universidade Nacional Autônoma do México, as relações entre estas economias são cada vez mais interdependentes.

Isso é parcialmente explicado pelo fato de a China ter um papel de destaque na cadeia de abastecimento que permite ao México produzir muitos dos bens que exporta para os EUA.

"Neste contexto, os fluxos comerciais em questão não são apenas os bilaterais entre a China e o México, e o México e os Estados Unidos, mas também os fluxos comerciais trilaterais China-México-Estados Unidos que conectam os três países, nos quais o México se tornou um “trampolim e local de montagem” com uma presença crescente de produtos no mercado norte-americano”, escreveu o acadêmico em um artigo recente publicado pela revista digital ThinkChina.

·        5. Equador

Com exportações que em 2024 somaram mais de US$ 7,9 bilhões (R$ 41 bilhões), o Equador é o quinto país da América Latina que mais exporta para a China, com quem teve um superávit comercial de mais de US$ 1,9 bilhões (R$ 10 bilhões).

Ambos os países assinaram um acordo de livre comércio em maio de 2023 — e estima-se que este acordo vai ajudar a aumentar as exportações equatorianas em 30% durante os primeiros três anos da sua entrada em vigor.

A China já é o principal comprador de produtos não petrolíferos equatorianos.

Entre os produtos equatorianos mais exportados para a China, estão: crustáceos, minério de cobre e minérios de metais preciosos, segundo dados da OEC.

Entre outros produtos que se destacam ​​ e que devem se beneficiar do acordo comercial , estão a banana, cuja expectativa é duplicar as vendas, e o cacau.

O mercado chinês tornou-se um dos mais rentáveis ​​para a venda de cacau graças, entre outras coisas, ao fato de os consumidores estarem dispostos a pagar mais para obter um produto de qualidade premium, conforme explicou Francisco Miranda, presidente da Associação Nacional de Exportadores de Cacau do Equador, quando o acordo comercial foi assinado.

¨      Empresas chinesas usam o México como porta de entrada para os EUA

As poltronas reclináveis ​​e os sofás de couro macio provenientes da linha de produção da fábrica da Man Wah Furniture na cidade mexicana de Monterrey são 100% "made in Mexico".

Eles são destinados a grandes varejistas dos EUA, como a Costco e o Walmart. Mas a empresa é chinesa, e sua fábrica mexicana foi construída com capital do país asiático.

A relação triangular entre os EUA, a China e o México está por trás da palavra da moda nos negócios mexicanos: nearshoring.

A expressão em inglês é usada para se referir à estratégia das empresas de levar a produção para mais próximo dos mercados onde será vendida.

A Man Wah é uma das dezenas de empresas chinesas que se mudaram para parques industriais no norte do México nos últimos anos, com o intuito de aproximar a produção do mercado dos EUA.

Além de pouparem no frete, seu produto final é considerado completamente mexicano — o que significa que as empresas chinesas podem evitar as tarifas e sanções impostas pelos EUA aos produtos chineses em meio à guerra comercial entre os dois países.

Enquanto o gerente geral da empresa, Yu Ken Wei, me mostra as vastas instalações da fábrica, ele afirma que a mudança para o México fez sentido do ponto de vista econômico e logístico.

“Esperamos triplicar ou até mesmo quadruplicar a produção aqui”, diz ele em espanhol.

“A intenção aqui no México é elevar a produção até o nível da nossa operação no Vietnã."

A empresa só chegou à cidade de Monterrey em 2022, mas já emprega 450 pessoas no México. Yu Ken Wei afirma que espera empregar mais de 1.200 funcionários, para operar novas linhas de produção na fábrica nos próximos anos.

“As pessoas aqui no México são muito trabalhadoras e aprendem rápido”, diz Yu.

"Temos bons operários, e a produtividade deles é alta. Então, do ponto de vista de mão de obra, acho que o México também é estrategicamente muito bom."

Não há dúvida de que o nearshoring proporciona um importante impulso à economia mexicana — em junho do ano passado, as exportações totais do México haviam aumentado 5,8% em relação ao ano anterior, chegando a US$ 52,9 bilhões (R$ 275 bilhões).

A tendência está mostrando poucos sinais de desaceleração. Em apenas dois meses deste ano, os anúncios de investimento de capital no México corresponderam a quase metade do total no ano de 2020.

A fábrica de sofás Man Wah está localizada dentro do Hofusan, um parque industrial chinês/mexicano. A demanda pelos lotes é altíssima: todos os espaços disponíveis foram vendidos.

Na verdade, a Associação de Parques Industriais do México afirma que todas as instalações previstas para serem construídas no país até 2027 já foram adquiridas. Não é de se admirar que muitos economistas mexicanos digam que o interesse da China no país não é uma moda passageira.

“As razões estruturais que estão trazendo capital para o México vieram para ficar”, avalia Juan Carlos Baker Pineda, ex-vice-ministro do Comércio Exterior do México.

“Não tenho nenhuma indicação de que a guerra comercial entre a China e os EUA vai arrefecer tão cedo.”

Baker Pineda fez parte da equipe de negociação do México envolvida no estabelecimento do acordo de livre comércio USMCA (que substituiu o antigo Nafta).

"Embora a origem chinesa do capital que entra no México possa ser desconfortável para as políticas de alguns países, de acordo com a legislação comercial internacional, estes produtos são, para todos os efeitos, mexicanos", diz ele.

Isso ofereceu ao México uma posição estratégica clara entre as duas superpotências: o México substituiu recentemente a China como principal parceiro comercial dos EUA, uma mudança significativa e simbólica.

O crescimento das relações comerciais do México com os EUA também aconteceu, em parte, por meio de um segundo aspecto fundamental do nearshoring no país: empresas americanas também se instalaram no México, muitas vezes depois de transferirem a produção de fábricas na Ásia.

Talvez o anúncio de maior destaque tenha sido o do empresário Elon Musk, que revelou planos no ano passado de construir uma nova Tesla Gigafactory nos arredores de Monterrey. Mas a empresa de carros elétricos ainda não iniciou a construção da fábrica de US$ 10 bilhões.

E, embora a Tesla aparentemente ainda esteja comprometida com o projeto, ela desacelerou seus planos em meio a preocupações com a economia global e às recentes demissões na montadora.

Mas no que diz respeito ao investimento chinês, alguns especialistas pedem cautela pelo fato de o México ter sido arrastado para a luta geopolítica mais ampla entre os EUA e a China.

“O velho rico da cidade, os EUA, está tendo problemas com o novo rico da cidade, a China”, diz Enrique Dussel, do Centro de Estudos China-México da Universidade Nacional Autônoma do México.

“E o México — sob a gestão de governos anteriores e nesta [gestão] — não tem uma estratégia face a esta nova relação triangular.”

Com as eleições se aproximando em ambos os lados da fronteira entre os EUA e o México, pode haver novos aspectos políticos pela frente. Mas quer seja Donald Trump ou Joe Biden no comando da Casa Branca nos próximos quatro anos, poucos esperam que haja qualquer avanço nas relações entre os EUA e a China.

Dussel acredita que o nearshoring é melhor definido pelo que ele chama de “security-shoring”, uma vez que Washington colocou as preocupações de segurança nacional acima de todos os outros fatores na sua relação com a China.

O México, argumenta ele, deve ter cuidado para não ser pego no meio deste fogo cruzado.

“O México está levantando um grande cartaz para a China dizendo: 'Bem-vinda ao México!'. Não é preciso ter doutorado para saber que isso não vai acabar bem para as relações bilaterais entre os EUA e o México no médio prazo”, acrescenta Dussel.

Outros são mais otimistas. “Na minha opinião, a questão não é se esta tendência vai continuar — mas, sim, o quanto podemos tirar proveito desta tendência”, afirma Juan Carlos Baker Pineda.

"Tenho certeza de que as pessoas estão tendo essas mesmas discussões na Colômbia, no Vietnã, na Costa Rica. Por isso, precisamos garantir no México que essas condições que estão alinhadas andem de mãos dadas com as decisões corporativas e governamentais para sustentar essa tendência no longo prazo."

De volta a Monterrey, as talentosas costureiras mexicanas da Man Wah Furniture dão os últimos retoques em outro sofá antes de ser despachado para os EUA.

Quando uma família americana comprar o sofá em uma loja do Walmart perto dela, pode não fazer ideia da complexa geopolítica por trás da sua produção.

Mas quer o nearshoring seja uma saída inteligente para os EUA, ou parte de uma guerra onerosa entre superpotências, é atualmente a principal vantagem do México nestes tempos hostis para o comércio global.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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