segunda-feira, 29 de abril de 2024

A crescente tensão em universidades dos EUA após prisões de alunos em protestos contra guerra em Gaza

Uma onda de protestos estudantis contra a guerra em Gaza está se espalhando pelos campi universitários dos Estados Unidos, levando a prisões em massa de estudantes.

Somente na quarta-feira (24/04), houve 200 detenções nas universidades Emerson College, em Boston; Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles; e University of Texas, em Austin.

Nesta quinta (25), houve embates entre a polícia e manifestantes na Universidade Emory, em Atlanta. Há relatos de que foram usadas balas de borracha e spray de pimenta, o que a polícia local negou.

Em Syracuse, New York, o presidente dos EUA, Joe Biden, foi recebido por manifestantes em um evento oficial segurando cartazes com as palavras "Joe Genocida" — uma pela aliança dos EUA com Israel.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, criticou os protestos nos EUA.

"O que está acontecendo nos campi universitários dos Estados Unidos é horrível", disse ele na quarta, descrevendo os manifestantes pró-Palestina como "turbas antissemitas" tomando conta das "principais universidades".

"Eles atacam estudantes judeus. Eles atacam professores judeus", disse Netanyahu.

Embora os protestos venham ocorrendo na maior parte de forma pacífica, há relatos de aumento de antissemitismo nos campi.

Alguns estudantes judeus da Universidade de Columbia disseram à BBC que não se sentiam seguros, mas outros afirmaram que apoiam as manifestações.

Foi nessa universidade em Nova York que os protestos começaram. Na semana passada, mais de 100 pessoas foram presas ali.

Na quarta, o conselho de administração da instituição divulgou um comunicado de apoio à presidente da universidade Nemat Shafik, que enfrenta pedidos de renúncia.

Quando questionado sobre os protestos universitários na segunda-feira (22), Biden disse que condenava tanto "os protestos antissemitas" como "aqueles que não compreendem o que está acontecendo com os palestinos".

O ataque do Hamas ao sul de Israel, em 7 de outubro, resultou na morte de 1.200 pessoas, a maioria delas civis, e no sequestro de 253 reféns levados a Gaza.

Em resposta ao ataque, a ofensiva israelense em Gaza já deixou mais de 34 mil mortos no território palestino, a maioria deles crianças e mulheres.

·        Cotidiano alterado

Local que impulsionou os protestos nacionalmente, a Universidade de Columbia orientou na segunda-feira (22) que as aulas fossem realizadas de forma virtual. Não está claro até quando vale essa orientação.

Já a Universidade Brandeis, em Boston, onde 1/3 dos matriculados são judeus, ampliou o prazo para que estudantes peçam transferências.

"Estudantes judeus são alvo e estão sendo atacados física e verbalmente, o que os impede de seguir com seus estudos e atividades fora das aulas, apenas porque são judeus ou apoiam Israel", declarou o reitor da universidade, Ronald D Liebowitz.

Há por outro lado preocupação com as próximas cerimônias de formatura.

A University of Southern California (USC) atraiu críticas e protestos na semana passada quando cancelou o tradicional discurso de formatura da oradora da turma, uma muçulmana que defendeu os palestinos.

Um dia depois, a USC anunciou que também não teria os habituais oradores e nem homenageados na cerimônia que costuma reunir 65 mil pessoas no campus.

Já a University of Michigan anunciou no seu site que designará uma zona especial para ativistas ficarem — fora dos locais onde serão realizadas as cerimônias de formatura.

A universidade acrescentou que não iria impedir protestos pacíficos, mas assegurou que tomaria iniciativas caso as manifestações trouxessem alguma conduta ilegal.

·        O que pedem os manifestantes

Muitos dos manifestantes estão pedindo às universidades que parem de financiar ou receber doações de produtores de armas e empresas com interesses na ocupação israelense em Gaza.

“Nossa universidade é cúmplice dessa violência e é por isso que protestamos”, escreveram os Estudantes da Columbia pela Justiça na Palestina no X antigo Twitter).

·        Acusações de antissemitismo

A Universidade de Nova York afirma ter recebido relatos de "cantos intimidadores e vários incidentes antissemitas".

Vídeos divulgados recentemente parecem mostrar alguns manifestantes perto de Columbia expressando apoio ao ataque do Hamas a Israel.

A parlamentar democrata Kathy Manning, que visitou Columbia na segunda-feira, disse ter visto manifestantes pedindo a destruição de Israel.

O grupo hassídico Chabad, da Universidade de Columbia, disse que estudantes judeus foram submetidos a gritos e retórica ofensiva.

Também foi relatado que um rabino afiliado à universidade enviou uma mensagem a 300 estudantes judeus em Columbia, aconselhando-os a evitar o campus até que a situação "melhorasse dramaticamente".

Membros de grupos de protesto que emitiram declarações públicas negam antissemitismo, defendendo que suas críticas são direcionadas ao Estado de Israel e aos seus defensores.

Em um comunicado no último domingo (21), o grupo "Estudantes de Columbia pela Justiça na Palestina" disse que "rejeita firmemente qualquer forma de ódio ou discriminação" e criticou "pessoas exaltadas que não nos representam".

·        Na mira do Congresso

Em uma declaração, Shafik, presidente da Universidade de Columbia, afirmou que seria criado um grupo de trabalho na instituição para “alcançar uma resolução para esta crise”.

Na semana passada, Shafik e representantes da universidade viajaram para o Capitólio, em Washington, para testemunhar perante uma comissão do Congresso sobre os esforços da instituição para enfrentar o antissemitismo.

Um grupo de parlamentares, liderado pela deputada republicana de Nova York Elise Stefanik, assinou uma carta na segunda-feira pedindo a renúncia de Shafik devido ao que Stefanik descreveu como "o fracasso em pôr fim à horda de estudantes e agitadores que incitam atos de terrorismo contra os estudantes judeus".

Em uma carta publicada online, a republicana da Carolina do Norte Virginia Foxx, que preside a Comissão de Educação da Câmara, escreveu que "o contínuo fracasso de Columbia em restaurar a ordem e a segurança" constitui uma violação das obrigações que condicionam o recebimento de verbas e apoio federal.

Os protestos em Nova York também envolveram os deputados democratas Kathy Manning, Jarred Moskowitz, Josh Gottheimer e Dan Goldman.

Gottheimer disse que a Columbia "pagaria o preço" se não conseguisse garantir que os estudantes judeus se sentissem bem-vindos e seguros na universidade.

Os protestos também levaram Robert Kraft, proprietário do time de futebol americano New England Patriots e ex-aluno da Columbia, a alertar que deixaria de apoiar a universidade até que ela tomasse “ações corretivas”.

·        A questão da liberdade de expressão

Alguns professores universitários culparam Columbia pela forma como a universidade lidou com os protestos e por apelar à intervenção policial.

Um grupo de professores se declarou "surpreso por [Shafik] não ter defendido a liberdade de pensamento, que é fundamental para a missão educativa de uma universidade numa sociedade democrática".

Eles também criticaram a disposição de Shafik em apaziguar os parlamentares que procuravam interferir nos assuntos universitários.

Em um comunicado enviado à BBC na noite de segunda-feira, o Instituto Knight para a Primeira Emenda, da própria universidade, pediu uma "correção urgente de conduta".

E citou as regras da universidade para afirmar que autoridades externas só poderiam ser envolvidas quando houvesse um "perigo claro e presente para as pessoas, propriedades ou para a operação de qualquer divisão da universidade".

"Não é óbvio para nós como um acampamento e protestos representariam tal perigo, mesmo que não fossem autorizados", afirmou o comunicado.

 

¨      "Temos medo de sermos deportados por protestar contra guerra em Gaza", dizem estudantes nos EUA

 

Protestos, prisões, confrontos com a polícia, aulas e formaturas suspensas. A onda de protestos contra a guerra em Gaza se espalha pelos campi universitários americanos.

Mas Alejandra e Mario, estudantes da Universidade de Columbia, em Nova York, e ativistas a favor da causa palestina, decidiram abandonar as manifestações.

Eles têm medo de que o seu maior sonho, o de estudar em uma das melhores universidades do mundo, desapareça porque estão em uma das manifestações.

Alejandra e Mario nasceram no México, mas viveram quase toda a vida nos EUA. Atravessaram a fronteira quando eram crianças e desde então não podem sair do país: são indocumentados, mas podem levar uma vida quase normal nos Estados Unidos.

Ambos vêm de famílias de baixa renda, com mães solteiras que realmente lutaram para sobreviver.

Mas isso não impediu que estudassem na Columbia, graças às bolsas que pagam não só a mensalidade de US$ 90 mil por ano, mas também o custo de vida lá. E não exigem documentação que comprove sua situação imigratória no país.

Mas isso poderia mudar se a polícia os prender por participarem dos protestos.

·        "Temos até medo de ficar perto do acampamento"

Alejandra e Mario não são seus nomes verdadeiros, mas ao falarem com a BBC Mundo os dois estudantes preferiram não se identificar por medo de represálias.

Alejandra, de 21 anos, estuda Religião e Ciência Política. Mario, de 22 anos, estuda Astrofísica.

Após a incursão do Hamas em território israelense em 7 de outubro e a subsequente guerra em Gaza, estes dois amigos se juntaram aos protestos e participaram do acampamento que se formou no campus de sua faculdade para condenar a resposta de Israel, que consideram desproporcional.

O ataque do Hamas matou pelo menos 1.200 pessoas – a maioria civis – e levou outras 253 para Gaza como reféns. Dezenas deles permanecem em cativeiro.

Esse ataque desencadeou uma guerra em Gaza, durante a qual mais de 34 mil pessoas foram mortas pela resposta militar israelense, segundo o Ministério da Saúde palestino controlado pelo Hamas.

Os ativistas protestam, entre outras coisas, contra o apoio dos EUA a Israel e a relação da universidade com empresas ligadas ao setor militar.

Há uma semana, quando os protestos se intensificaram e após a dura resposta da direção universitária para desmobilizar os ativistas, eles decidiram não participar mais do movimento porque têm medo de serem presos e deportados.

As autoridades escolares chamaram a polícia e mais de 100 manifestantes foram presos em 18 de abril por acamparem sem permissão.

Mais tarde, os manifestantes regressaram à zona com mais tendas e faixas, num claro gesto de desafio que se espalhou por outras universidades do país.

“É muito perigoso, temos até medo de estar perto do acampamento, embora queiramos apoiá-los. É até perigoso levar comida, cobertores, carregador para o telefone, o que quer que seja, para eles”, diz Alejandra.

“A culpa não é de quem protesta, não está fazendo nada, mas é a administração universitária que nos assusta tanto”, afirma.

A informação foi noticiada na terça-feira (23/4) pelo jornal estudantil Columbia Spectator.

“Se eles me suspenderem, eu não teria para onde ir e não conseguiria um emprego para pagar as contas. E se eles não me deixassem voltar para Columbia, seria muito difícil encontrar outra escola onde eu pudesse terminar minha graduação e que me pagasse bem como me pagam agora”, diz Alejandra.

“Conversei com minha mãe e ela me disse para não me envolver porque se eu for presa, a primeira coisa que vai acontecer comigo é que vão me deportar”, diz ela.

“Nem nossos amigos vão nos deixar ir, porque aí a polícia te intercepta para verificar sua mochila, e se te achar suspeito te levam para a delegacia. Se isso acontecer comigo, eles vão me deportar também”, acrescenta Mário.

“Faz uma semana que não vou às bibliotecas porque tenho que passear pelo acampamento”, diz ela.

“Também não quero ser parado, porque é assustador”, diz Mario.

·        "Não podemos expressar nossas ideias"

A Casa Branca disse na quarta-feira (24/4) que o presidente dos EUA, Joe Biden, apoia a liberdade de expressão nos campi, mas esses estudantes acreditam que tal coisa não existe hoje em Columbia.

“Não podemos expressar nossas ideias, nossas opiniões, nosso apoio a outros estudantes. Se nem os alunos que possuem documentação conseguem fazer isso, muito menos nós”, afirma Alejandra.

Ambos estão decepcionados porque acreditam que sua universidade traiu alguns dos valores que os fizeram escolher cursar o ensino superior na Columbia.

Grupos ativistas expressaram acreditar que a Universidade de Columbia tem investimentos em empresas com interesses em Israel e por isso tentaram desencorajar as manifestações.

Um comitê que aconselha a universidade sobre investimentos socialmente responsáveis rejeitou estas críticas no início deste ano, dizendo que havia falta de consenso na comunidade de Columbia sobre a questão.

A universidade alega que os manifestantes contrariaram as regras da instituição e que, após várias tentativas de desmobilização, chamaram a polícia.

·        "Nossa crítica é ao governo israelense"

No campus principal da Universidade de Columbia, estudantes judeus expressaram preocupação com o que consideram ser um ambiente hostil para com eles, com alguns dizendo que não se sentem seguros nem bem-vindos ali.

Dizem que antes da chegada dos jornalistas, nos últimos dias, ouviram cantos e slogans que interpretam como antissemitas.

Vídeos divulgados recentemente parecem mostrar alguns manifestantes perto de Columbia expressando apoio ao ataque do Hamas a Israel.

A parlamentar democrata Kathy Manning, que visitou Columbia na segunda-feira, disse ter visto manifestantes pedindo a destruição de Israel.

O grupo hassídico Chabad, da Universidade de Columbia, disse que estudantes judeus foram submetidos a gritos e retórica ofensiva.

“Tenho medo de usar meu quipá”, disse um estudante judeu ao jornalista da BBC, Bernd Debusmann Jr, no campus da universidade.

Um rabino associado à universidade enviou uma mensagem a estudantes judeus esta semana pedindo que eles voltassem para casa até que a situação melhorasse.

Mas os manifestantes argumentaram que os incidentes de assédio a estudantes judeus foram excepcionais e exagerados por aqueles que se opuseram às suas reivindicações.

A presidente da universidade, Nemat Shafik, disse que não permitirá slogans antissemitas.

Em um comunicado no último domingo (21), o grupo "Estudantes de Columbia pela Justiça na Palestina" disse que "rejeita firmemente qualquer forma de ódio ou discriminação" e criticou "pessoas exaltadas que não nos representam".

Mario e Alejandra argumentam que não são antissemitas e sim antissionistas, ou seja, são contra a ideia de estabelecer um lar para o povo judeu em território palestino.

Nossas críticas “não têm nada a ver com uma religião, mas com o governo e o país”, diz Alejandra.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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