A crescente tensão em universidades dos EUA
após prisões de alunos em protestos contra guerra em Gaza
Uma onda de protestos
estudantis contra a guerra em Gaza está se espalhando pelos campi universitários dos Estados Unidos, levando
a prisões em massa de estudantes.
Somente na
quarta-feira (24/04), houve 200 detenções nas universidades Emerson College, em
Boston; Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles; e University of
Texas, em Austin.
Nesta quinta (25),
houve embates entre a polícia e manifestantes na Universidade Emory, em
Atlanta. Há relatos de que foram usadas balas de borracha e spray de pimenta, o
que a polícia local negou.
Em Syracuse, New York,
o presidente dos EUA, Joe Biden, foi recebido por manifestantes em um evento
oficial segurando cartazes com as palavras "Joe Genocida" — uma pela
aliança dos EUA com Israel.
O primeiro-ministro
israelense, Benjamin Netanyahu, criticou os protestos nos EUA.
"O que está
acontecendo nos campi universitários dos Estados Unidos é
horrível", disse ele na quarta, descrevendo os manifestantes pró-Palestina
como "turbas antissemitas" tomando conta das "principais
universidades".
"Eles atacam
estudantes judeus. Eles atacam professores judeus", disse Netanyahu.
Embora os protestos
venham ocorrendo na maior parte de forma pacífica, há relatos de aumento de
antissemitismo nos campi.
Alguns estudantes
judeus da Universidade de Columbia disseram à BBC que não se sentiam seguros,
mas outros afirmaram que apoiam as manifestações.
Foi nessa universidade
em Nova York que os protestos começaram. Na semana passada, mais de 100 pessoas
foram presas ali.
Na quarta, o conselho
de administração da instituição divulgou um comunicado de apoio à presidente da
universidade Nemat Shafik, que enfrenta pedidos de renúncia.
Quando questionado
sobre os protestos universitários na segunda-feira (22), Biden disse que
condenava tanto "os protestos antissemitas" como "aqueles que
não compreendem o que está acontecendo com os palestinos".
O ataque do Hamas ao
sul de Israel, em 7 de outubro, resultou na morte de 1.200 pessoas, a maioria
delas civis, e no sequestro de 253 reféns levados a Gaza.
Em resposta ao ataque,
a ofensiva israelense em Gaza já deixou mais de 34 mil mortos no território
palestino, a maioria deles crianças e mulheres.
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Cotidiano alterado
Local que impulsionou
os protestos nacionalmente, a Universidade de Columbia orientou na
segunda-feira (22) que as aulas fossem realizadas de forma virtual. Não está
claro até quando vale essa orientação.
Já a Universidade
Brandeis, em Boston, onde 1/3 dos matriculados são judeus, ampliou o prazo para
que estudantes peçam transferências.
"Estudantes
judeus são alvo e estão sendo atacados física e verbalmente, o que os impede de
seguir com seus estudos e atividades fora das aulas, apenas porque são judeus
ou apoiam Israel", declarou o reitor da universidade, Ronald D Liebowitz.
Há por outro lado
preocupação com as próximas cerimônias de formatura.
A University of
Southern California (USC) atraiu críticas e protestos na semana passada quando
cancelou o tradicional discurso de formatura da oradora da turma, uma muçulmana
que defendeu os palestinos.
Um dia depois, a USC
anunciou que também não teria os habituais oradores e nem homenageados na
cerimônia que costuma reunir 65 mil pessoas no campus.
Já a University of
Michigan anunciou no seu site que designará uma zona especial para ativistas
ficarem — fora dos locais onde serão realizadas as cerimônias de formatura.
A universidade
acrescentou que não iria impedir protestos pacíficos, mas assegurou que tomaria
iniciativas caso as manifestações trouxessem alguma conduta ilegal.
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O que pedem os
manifestantes
Muitos dos
manifestantes estão pedindo às universidades que parem de financiar ou receber
doações de produtores de armas e empresas com interesses na ocupação israelense
em Gaza.
“Nossa universidade é
cúmplice dessa violência e é por isso que protestamos”, escreveram os
Estudantes da Columbia pela Justiça na Palestina no X antigo Twitter).
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Acusações de
antissemitismo
A Universidade de Nova
York afirma ter recebido relatos de "cantos intimidadores e vários
incidentes antissemitas".
Vídeos divulgados
recentemente parecem mostrar alguns manifestantes perto de Columbia expressando
apoio ao ataque do Hamas a Israel.
A parlamentar
democrata Kathy Manning, que visitou Columbia na segunda-feira, disse ter visto
manifestantes pedindo a destruição de Israel.
O grupo hassídico
Chabad, da Universidade de Columbia, disse que estudantes judeus foram
submetidos a gritos e retórica ofensiva.
Também foi relatado
que um rabino afiliado à universidade enviou uma mensagem a 300 estudantes
judeus em Columbia, aconselhando-os a evitar o campus até que
a situação "melhorasse dramaticamente".
Membros de grupos de
protesto que emitiram declarações públicas negam antissemitismo, defendendo que
suas críticas são direcionadas ao Estado de Israel e aos seus defensores.
Em um comunicado no
último domingo (21), o grupo "Estudantes de Columbia pela Justiça na
Palestina" disse que "rejeita firmemente qualquer forma de ódio ou
discriminação" e criticou "pessoas exaltadas que não nos
representam".
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Na mira do Congresso
Em uma declaração,
Shafik, presidente da Universidade de Columbia, afirmou que seria criado um
grupo de trabalho na instituição para “alcançar uma resolução para esta crise”.
Na semana passada,
Shafik e representantes da universidade viajaram para o Capitólio, em
Washington, para testemunhar perante uma comissão do Congresso sobre os
esforços da instituição para enfrentar o antissemitismo.
Um grupo de
parlamentares, liderado pela deputada republicana de Nova York Elise Stefanik,
assinou uma carta na segunda-feira pedindo a renúncia de Shafik devido ao que
Stefanik descreveu como "o fracasso em pôr fim à horda de estudantes e
agitadores que incitam atos de terrorismo contra os estudantes judeus".
Em uma carta publicada
online, a republicana da Carolina do Norte Virginia Foxx, que preside a
Comissão de Educação da Câmara, escreveu que "o contínuo fracasso de
Columbia em restaurar a ordem e a segurança" constitui uma violação das
obrigações que condicionam o recebimento de verbas e apoio federal.
Os protestos em Nova
York também envolveram os deputados democratas Kathy Manning, Jarred Moskowitz,
Josh Gottheimer e Dan Goldman.
Gottheimer disse que a
Columbia "pagaria o preço" se não conseguisse garantir que os
estudantes judeus se sentissem bem-vindos e seguros na universidade.
Os protestos também
levaram Robert Kraft, proprietário do time de futebol americano New England
Patriots e ex-aluno da Columbia, a alertar que deixaria de apoiar a
universidade até que ela tomasse “ações corretivas”.
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A questão da liberdade
de expressão
Alguns professores
universitários culparam Columbia pela forma como a universidade lidou com os
protestos e por apelar à intervenção policial.
Um grupo de
professores se declarou "surpreso por [Shafik] não ter defendido a
liberdade de pensamento, que é fundamental para a missão educativa de uma
universidade numa sociedade democrática".
Eles também criticaram
a disposição de Shafik em apaziguar os parlamentares que procuravam interferir
nos assuntos universitários.
Em um comunicado
enviado à BBC na noite de segunda-feira, o Instituto Knight para a Primeira
Emenda, da própria universidade, pediu uma "correção urgente de
conduta".
E citou as regras da
universidade para afirmar que autoridades externas só poderiam ser envolvidas
quando houvesse um "perigo claro e presente para as pessoas, propriedades
ou para a operação de qualquer divisão da universidade".
"Não é óbvio para
nós como um acampamento e protestos representariam tal perigo, mesmo que não
fossem autorizados", afirmou o comunicado.
¨ "Temos medo de sermos deportados por protestar contra
guerra em Gaza", dizem estudantes nos EUA
Protestos, prisões,
confrontos com a polícia, aulas e formaturas suspensas. A onda de protestos contra a guerra em Gaza se espalha pelos campi universitários americanos.
Mas Alejandra e Mario,
estudantes da Universidade de Columbia, em Nova York, e ativistas a favor da
causa palestina, decidiram abandonar as manifestações.
Eles têm medo de que o
seu maior sonho, o de estudar em uma das melhores universidades do mundo,
desapareça porque estão em uma das manifestações.
Alejandra e Mario
nasceram no México, mas viveram quase toda a vida nos EUA. Atravessaram a fronteira quando eram
crianças e desde então não podem sair do país: são indocumentados, mas podem
levar uma vida quase normal nos Estados Unidos.
Ambos vêm de famílias
de baixa renda, com mães solteiras que realmente lutaram para sobreviver.
Mas isso não impediu
que estudassem na Columbia, graças às bolsas que pagam não só a mensalidade de
US$ 90 mil por ano, mas também o custo de vida lá. E não exigem documentação
que comprove sua situação imigratória no país.
Mas isso poderia mudar
se a polícia os prender por participarem dos protestos.
·
"Temos até medo
de ficar perto do acampamento"
Alejandra e Mario não
são seus nomes verdadeiros, mas ao falarem com a BBC Mundo os dois estudantes
preferiram não se identificar por medo de represálias.
Alejandra, de 21 anos,
estuda Religião e Ciência Política. Mario, de 22 anos, estuda Astrofísica.
Após a incursão do Hamas em território israelense em 7 de outubro e a subsequente guerra em Gaza, estes
dois amigos se juntaram aos protestos e participaram do acampamento que se
formou no campus de sua faculdade para condenar a resposta de Israel, que
consideram desproporcional.
O ataque do Hamas
matou pelo menos 1.200 pessoas – a maioria civis – e levou outras 253 para Gaza
como reféns. Dezenas deles permanecem em cativeiro.
Esse ataque
desencadeou uma guerra em Gaza, durante a qual mais de 34 mil pessoas foram
mortas pela resposta militar israelense, segundo o Ministério da Saúde
palestino controlado pelo Hamas.
Os ativistas
protestam, entre outras coisas, contra o apoio dos EUA a Israel e a relação da
universidade com empresas ligadas ao setor militar.
Há uma semana, quando
os protestos se intensificaram e após a dura resposta da direção universitária
para desmobilizar os ativistas, eles decidiram não participar mais do movimento
porque têm medo de serem presos e deportados.
As autoridades
escolares chamaram a polícia e mais de 100 manifestantes foram presos em 18 de
abril por acamparem sem permissão.
Mais tarde, os
manifestantes regressaram à zona com mais tendas e faixas, num claro gesto de
desafio que se espalhou por outras universidades do país.
“É muito perigoso,
temos até medo de estar perto do acampamento, embora queiramos apoiá-los. É até
perigoso levar comida, cobertores, carregador para o telefone, o que quer que
seja, para eles”, diz Alejandra.
“A culpa não é de quem
protesta, não está fazendo nada, mas é a administração universitária que nos
assusta tanto”, afirma.
A informação foi
noticiada na terça-feira (23/4) pelo jornal estudantil Columbia Spectator.
“Se eles me
suspenderem, eu não teria para onde ir e não conseguiria um emprego para pagar
as contas. E se eles não me deixassem voltar para Columbia, seria muito difícil
encontrar outra escola onde eu pudesse terminar minha graduação e que me
pagasse bem como me pagam agora”, diz Alejandra.
“Conversei com minha
mãe e ela me disse para não me envolver porque se eu for presa, a primeira
coisa que vai acontecer comigo é que vão me deportar”, diz ela.
“Nem nossos amigos vão
nos deixar ir, porque aí a polícia te intercepta para verificar sua mochila, e
se te achar suspeito te levam para a delegacia. Se isso acontecer comigo, eles
vão me deportar também”, acrescenta Mário.
“Faz uma semana que
não vou às bibliotecas porque tenho que passear pelo acampamento”, diz ela.
“Também não quero ser
parado, porque é assustador”, diz Mario.
·
"Não podemos
expressar nossas ideias"
A Casa Branca disse na
quarta-feira (24/4) que o presidente dos EUA, Joe Biden, apoia a liberdade de
expressão nos campi, mas esses estudantes acreditam que tal coisa não existe
hoje em Columbia.
“Não podemos expressar
nossas ideias, nossas opiniões, nosso apoio a outros estudantes. Se nem os
alunos que possuem documentação conseguem fazer isso, muito menos nós”, afirma
Alejandra.
Ambos estão
decepcionados porque acreditam que sua universidade traiu alguns dos valores
que os fizeram escolher cursar o ensino superior na Columbia.
Grupos ativistas
expressaram acreditar que a Universidade de Columbia tem investimentos em
empresas com interesses em Israel e por isso tentaram desencorajar as
manifestações.
Um comitê que
aconselha a universidade sobre investimentos socialmente responsáveis rejeitou
estas críticas no início deste ano, dizendo que havia falta de consenso na
comunidade de Columbia sobre a questão.
A universidade alega
que os manifestantes contrariaram as regras da instituição e que, após várias
tentativas de desmobilização, chamaram a polícia.
·
"Nossa crítica é
ao governo israelense"
No campus principal da
Universidade de Columbia, estudantes judeus expressaram preocupação com o que
consideram ser um ambiente hostil para com eles, com alguns dizendo que não se
sentem seguros nem bem-vindos ali.
Dizem que antes da
chegada dos jornalistas, nos últimos dias, ouviram cantos e slogans que
interpretam como antissemitas.
Vídeos divulgados
recentemente parecem mostrar alguns manifestantes perto de Columbia expressando
apoio ao ataque do Hamas a Israel.
A parlamentar
democrata Kathy Manning, que visitou Columbia na segunda-feira, disse ter visto
manifestantes pedindo a destruição de Israel.
O grupo hassídico
Chabad, da Universidade de Columbia, disse que estudantes judeus foram
submetidos a gritos e retórica ofensiva.
“Tenho medo de usar
meu quipá”, disse um estudante judeu ao jornalista da BBC, Bernd Debusmann Jr,
no campus da universidade.
Um rabino associado à
universidade enviou uma mensagem a estudantes judeus esta semana pedindo que
eles voltassem para casa até que a situação melhorasse.
Mas os manifestantes
argumentaram que os incidentes de assédio a estudantes judeus foram
excepcionais e exagerados por aqueles que se opuseram às suas reivindicações.
A presidente da
universidade, Nemat Shafik, disse que não permitirá slogans antissemitas.
Em um comunicado no
último domingo (21), o grupo "Estudantes de Columbia pela Justiça na
Palestina" disse que "rejeita firmemente qualquer forma de ódio ou
discriminação" e criticou "pessoas exaltadas que não nos representam".
Mario e Alejandra
argumentam que não são antissemitas e sim antissionistas, ou seja, são contra a
ideia de estabelecer um lar para o povo judeu em território palestino.
Nossas críticas “não
têm nada a ver com uma religião, mas com o governo e o país”, diz Alejandra.
Fonte: BBC News Mundo
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