Estudo mostra eficácia da bariátrica no
controle da hipertensão a longo prazo
Estima-se que, até
2035, mais da metade da população global viverá com sobrepeso ou com obesidade,
segundo dados do World Obesity Atlas de 2023. Uma em cada sete pessoas tem a
comorbidade. Há também evidências comprovadas cientificamente de que o excesso
de gordura visceral e de peso são as principais causas para a hipertensão.
Estudo de pesquisadores brasileiros, recém-publicado no Journal of American
College of Cardiology, apresenta a eficácia da cirurgia bariátrica no controle
da pressão arterial a longo prazo, depois de acompanhar pacientes jovens e
adultos, cinco anos após a intervenção.
"Nossos
resultados ressaltam a importância de se tratar a obesidade no cenário da
hipertensão. A cirurgia bariátrica representa uma estratégia eficaz e duradora
para reduzir o número de medicamentos", afirmam os pesquisadores na
publicação.
O estudo foi realizado
no Hospital do Coração (HCor), em São Paulo. O principal autor da pesquisa é
Carlos Schiavon, cirurgião bariátrico e cofundador da organização não
governamental (ONG) Obesidade Brasil. Ao Correio, o médico relata que
idealizaram a investigação em 2012.
"Na época, saíram
as primeiras investigações de que a cirurgia bariátrica ajudava a controlar a
diabetes. Existiam alguns estudos de casos mostrando que talvez fosse boa para
controlar a pressão. Assim, fizemos essa pesquisa randomizada em que se compara
dois grupos para coletar dados", destaca Schiavon.
• Pesquisa
Um total de 100
pessoas com idades de 18 a 65 anos participaram do estudo de maio de 2013 até
janeiro de 2022. Os pacientes tinham hipertensão, faziam uso de, pelo menos,
dois medicamentos e apresentavam índice de massa corporal (IMC) — peso dividido
pela altura ao quadrado - de 30,0 a 39,9 kg/m².
Foram excluídos da
pesquisa indivíduos com doenças cardiovasculares, com transtornos psiquiátricos
graves, com diabetes tipo dois descontrolada e tipo um e com outras doenças
associadas à obesidade — exceto apneia do sono.
Os participantes foram
divididos em dois grupos: os que fariam a cirurgia bariátrica e os que
manteriam o tratamento clínico sem operação. Respectivamente, 74% e 64% dos
pacientes de cada grupo concluíram o acompanhamento de cinco anos.
Segundo Schiavon, a
checagem dos indivíduos era feita a cada seis meses com análise clínica e
aferição da pressão. A partir disso, observavam a resposta aos tratamentos.
"Mostramos que em torno de 48% dos pacientes operados ficaram sem
medicação", afirma o principal autor da pesquisa.
Durante o período do
estudo, duas pessoas de cada grupo morreram. Depois da distribuição dos grupos,
quatro pacientes se recusaram fazer a cirurgia bariátrica. Outra dificuldade
enfrentada pelos cientistas foi encontrar suporte financeiro para fazer a pesquisa.
Conseguiram apoio de uma empresa da indústria farmacêutica responsável por
fabricação de materiais cirúrgicos.
• Resultados
Os cientistas
constataram que, nos pacientes que fizeram a cirurgia, a necessidade de
medicação para tratamento da hipertensão caiu 86,5%. Já nos pacientes não
operados, redução foi de 13,7%.
Outra descoberta foi
quanto à remissão da hipertensão. Ou seja, o controle da pressão arterial sem
medicação. Em pacientes que fizeram a cirurgia, foi de 46,9%, contra 2,4% dos
participantes que fizeram só o tratamento clínico.
O endocrinologista
Lucas Faria de Castro, coordenador do ambulatório do Hospital Universitário de
Brasília (HUB-UnB), explica que pessoas com obesidade ou com hipertensão
isoladamente "têm hábitos de vida comuns que são fatores de risco para a
ocorrência das duas enfermidades", como o sedentarismo, a alimentação
desbalanceada e o excesso do consumo de álcool.
Segundo Castro, a
hipertensão é uma doença que aumenta o risco de complicações cardiovasculares,
como infarto, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral (AVC). O
endocrinologista afirma que a enfermidade é responsável por 40% das mortes por
AVC e por 25% das por doença cardíaca. O médico ressalta que, no Brasil, cerca
de 30% da população adulta é hipertensa. Acima de 70 anos, a incidência sobe
para 71%.
O controle de peso, a
dieta com redução de sal e gorduras saturadas, a diminuição da ingestão de
álcool, a suspensão do tabagismo e exercícios físicos regulares são práticas
apontadas por Castro como "associadas à redução" da pressão arterial.
O endocrinologista também destaca ser "imprescindível" o tratamento
da obesidade em pacientes com hipertensão.
Para Castro, os
resultados do estudo que persistiram por cinco anos ajudam a "fundamentar
a teoria de que pacientes obesos e hipertensos submetidos à cirurgia bariátrica
terão menores taxas de complicações cardiovasculares futuras". O endocrinologista
reitera que a indicação para a operação só deve ser feita depois de avaliação e
de acompanhamento médico adequado.
• Evitando comorbidades
O cirurgião bariátrico
e cofundador da organização não governamental (ONG) Obesidade Brasil, Carlos
Schiavon (foto), destaca em entrevista ao Correio que a pesquisa comprova que a
cirurgia bariátrica é elemento fundamental no controle a hipertensão, tanto a
curto como a longo prazo.
>>> A seguir,
as três questões sobre o resultado do trabalho.
• Quais são os benefícios do estudo?
O estudo mostra que o
tratamento da obesidade é fundamental para melhorar as comorbidades associadas.
Essa pesquisa mostrou de forma bastante clara que, ao tratar a obesidade com
cirurgia — nos casos em que a operação era indicada —, conseguimos controlar a
pressão em boa parte dos pacientes ou, pelo menos, melhorar o controle. Mesmo
nos que não controlaram totalmente, ficou mais fácil. É muito importante essa
mensagem de que tratar a obesidade é fundamental.
• Haverá um próximo passo?
Existem algumas
ideias. Por exemplo, existe a chamada hipertensão resistente, quando o
paciente, mesmo tomando vários remédios, não consegue controlar a pressão
adequadamente. Essa seria uma das linhas de pesquisa que queremos estudar: se,
nesses casos mais graves de hipertensão, o indivíduo com obesidade também se
beneficia com a cirurgia. Há algumas outras ideias que estamos encaminhando,
mas precisam de um apoio econômico e financeiro para concretizarem e são uma
etapa desafiadora.
• A cirurgia bariátrica pode ser
recomendada para paciente com hipertensão, mas sem obesidade?
Essa pergunta foi
feita várias vezes quando se estudou a cirurgia bariátrica associada ao
controle da diabetes. A obesidade cria alguns mecanismos no organismo que
favorecem o aparecimento da hipertensão, da diabetes e à alteração de
colesterol. No caso da diabetes, foi estudado para quem não tinha obesidade,
porém os resultados não são tão bons. Em razão disso, apesar de chamarmos a
doença de hipertensão, provavelmente há perfis diferentes. O paciente magro e
hipertenso provavelmente tem alguma condição que colabora para o descontrole da
pressão. A princípio, a cirurgia bariátrica não apresenta um resultado tão bom
nesses indivíduos ao comparar com os pacientes com hipertensão e obesidade.
• A curto, médio e longo prazo
Consultados pelo
Correio, especialistas advertem o quanto a obesidade é um dos principais
fatores de risco para a hipertensão. O coautor do estudo publicado no Journal
of American College of Cardiology, ex-presidente da Sociedade Brasileira de
Hipertensão (SBH) e diretor da Unidade de Hipertensão do InCor, Luiz
Bortolotto, explica quea elevação do volume de sangue e de substâncias
produzidas por células gordurosas aumentam a resistência e contraem os vasos
arteriais.
Segundo Bortolotto, a
redução do peso é o principal fator para o resultado encontrado no estudo. O
co-autor diz também haver a hipótese de que a cirurgia bariátrica altera a
microbiota intestinal e "pode ajudar no controle da pressão".
"É um resultado
que surpreende pela persistência depois de cinco anos. A cirurgia foi uma forma
de tratar esses indivíduos para perpetuar a redução do peso. Esse é o
diferencial relacionado à operação", conta Bortolotto.
Para o coordenador do
Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, Carlos Rassi, o
estudo representa "uma terapia durável e efetiva no controle da
hipertensão em pessoas que usam dois ou mais medicamentos". O médico
afirma que a pesquisa valida a experiência clínica observada por ele no
consultório.
O cirurgião do
aparelho digestivo do Hospital Star Alexandre Chartuni destaca esse resultado
da pesquisa ressaltado por Rassi. "Esse estudo corrobora e apoia uma
impressão que tínhamos, que a cirurgia bariátrica realmente é capaz, em grande
número de casos, de melhorar as comorbidades", diz.
Chartuni relata haver
estudos que mostram a melhora da diabetes, da apneia do sono, da mobilidade e
da qualidade de vida em pacientes que fizeram a operação. "O estudo é
extremamente importante por mostrar que a curto e a longo prazo a cirurgia bariátrica
é excepcional aliada no tratamento da hipertensão arterial", finaliza o
cirurgião.
Fonte: Correio
Braziliense
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