Como Israel utiliza plantações de espécies
invasoras para expulsar palestinos
A floresta Yatir na
atual Israel é um bosque artificial plantado na região desértica do que os
palestinos chamam de Naqab e os israelenses chamam de Negev. As quatro milhões
de árvores que formam Yatir foram plantadas pelo Fundo Nacional Judaico, o
Jewish National Fund (JNF) no início dos anos 1960, como parte de uma campanha
de longa duração voltada para judeus nos Estados Unidos e no resto do mundo
como ato beneficente ambientalista e meio de homenagear entes queridos.
Na verdade, como
descreva a +927 Magazine, trabalhadores de florestamento do JNF foram acompanhados pela
polícia militarizada israelense, armada com balas de borracha e gás
lacrimogêneo, quando expulsaram beduínos, tribos pastoreiras árabes, que viviam
onde hoje estão as árvores.
Desde 1948, o governo
israelense tem usado o “florestamento”, ou o plantio de árvores, para desalojar
comunidades palestinas como Atir. Além disso, o florestamento serve para
limitar o crescimento de outras comunidades e para esconder as evidências da destruição
de antigos agrupamentos. Ao longo do tempo, organizações como o JNF têm ajudado
a financiar as operações e a lavar dinheiro de contribuintes desavisados.
Expulsão via
florestamento
“Desde a Nakba, o
florestamento tem sido utilizado como ferramente para facilitar a expulsão e a
despossessão de terras palestinas”, diz Myssana Morany, advogada no Adalah
Legal Center for Arab Minority Rights in Israel. (“Nakba”, ou “catástrofe” em árabe, é como palestinos se
referem ao seu deslocamento forçado provocado por forças sionistas em 1948).
O deslocamento forçado
pelo florestamento israelense toma muitas formas, conforme descreve Morany.
Imediatamente após a Nakba, sionistas utilizaram árvores para esconder ruínas
de comunidades palestinas e para desencorajar o retorno dos residentes expulsos.
Algumas das comunidades que permaneceram de pé foram cercadas por “reservas
naturais”, permitindo ao Estado confiscar terras palestinas privadas para o uso
público ostensivo enquanto impedia o crescimento futuro dos grupos locais.
Mais recentemente, a
Israel Land Authority, Autoridade Fundiária de Israel e o JNF têm investido
aceleradamente no plantio no Naqab, expulsando comunidades beduínas como Atir,
cujos residentes se tornaram “invasores” onde antes viviam ou trabalhavam, uma
vez que suas terras são consideradas como propriedade do Estado. No total, a
JNF se gaba de ter plantado 250 milhões de árvores em Israel, e continua
solicitando doações para expandir o plantio através de seu portal.
Um mapa interativo criado pela Adalah and Bimkom, uma organização israelense de direitos humanos, identifica
comunidades beduínas no Naqab sob ameaça do governo israelense. Após a Nakba, a
maioria das comunidades beduínas em Israel foi forçada para reservas
concentradas em uma área militar fechada conhecida como Siyag (chamada algumas
vezes de Sayig), carecendo de serviços básicos e de infraestrutura.
Até hoje, o governo
israelense reconheceu oficialmente menos de uma dúzia de comunidades beduínas
na Siyag, deixando trinta e quatro restantes sob constante ameaça de expulsão e
demolição. Pelo menos nove estão sob ameaça iminente, o que significa que processos
de despejo ou demolições já começaram. As comunidades podem ser forçosamente
deslocadas sob variados pretextos do governo israelense, incluindo projetos de
florestamento.
Embora o JNF divulgue
benefícios ambientais dos projetos de florestamento, como a revitalização do
solo, a prevenção de inundações e o combate às mudanças climáticas através da
captura de carbono, até isso parece ser falso. Críticos citados pela Yale School of the Environment dizem que a criação da floresta Yatir obliterou um
ecossistema diverso de espécies raras e talvez tenha, na verdade, acelerado as
mudanças climáticas ao reter mais calor que o deserto anteriormente refletia de
volta para o espaço. De acordo com Morany, a Sociedade para a Proteção da
Natureza em Israel, maior organização ambientalista sem fins lucrativos
do país, também afirmou que os projetos de florestamento no Naqab devem ser
interrompidos, argumentando que eles “constituem uma ameaça significativa à biodiversidade
única da terra”.
O florestamento
israelense não está confinado às fronteiras internacionalmente reconhecidas de
Israel. Morany cita documentos da coligação governamental anterior do atual
primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, em 2022, ligando explicitamente o
governo ao florestamento de partes da Cisjordânia, que é amplamente considerada
como território palestino ilegalmente ocupado por Israel. Segundo o Akevot
Institute, que faz menção a documentos internos do
JNF de 1987, a organização também tem plantado na Cisjordânia há décadas a fim
de evitar que os palestinos usem terras que poderiam ser transformadas em
colônias israelenses ilegais no futuro.
Dando um fim no duto
caridade-maldade
De acordo com Morany,
a Adalah tentou impedir novos projetos de florestamento, assim como o
deslocamento forçado de palestinos, por meios legais em Israel, mas teve pouco
sucesso. Para começar, os palestinos têm receio de se envolverem com o sistema
legal israelense, que frequentemente decide contra eles, estabelecendo uma
visão comprometida sobre se anteriormente existia pelo menos incerteza
jurídica.
Além disso, Morany
acusa que, quando apresentados com provas claras e fortes reivindicações legais
de propriedade palestina, os tribunais israelenses recorrem a lacunas, como a
reclassificação arbitrária de projetos de florestamento como projetos agrícolas,
julgados, então, por burocratas, políticos e membros do JNF a portas fechadas.
Há também o sionismo enraizado no sistema jurídico, evidente num caso do
Supremo Tribunal Israelense de 2010, no qual um dos juízes defendeu o
florestamento citando extensivamente a Bíblia.
Incapazes de recorrer
aos tribunais ou de defender as suas terras dos trabalhadores florestais
flanqueados pela polícia militarizada, os palestinos continuam a ser deslocados
em favor das árvores, muitas delas financiadas por instituições de caridade, mas
plantadas com segundas intenções. Obstruir o duto de caridade que alimenta a
malícia talvez seja um dos únicos meios de estancar os esforços de
florestamento israelense contra o povo palestino.
“As autoridades
israelenses e o JNF se envolvem em greenwashing para mascarar
os seus crimes na Palestina histórica, vendendo a imagem de amigos ambiente
enquanto causam graves danos aos palestinos e, por vezes, também ao ambiente”,
diz Morany. “Já observamos um caso em que os doadores, após refletirem, reconheceram
e pediram desculpa pelas consequências de suas contribuições para o
florestamento do JNF.”
O caso mencionado por
Morany é o da Floresta África do Sul, em Israel. Financiada graças a
contribuições ao JNF por judeus sul-africanos, a floresta foi plantada sobre a
aldeia palestina de Lubya, cujos residentes foram expulsos durante a Nakba. Em
2015, os sul-africanos, incluindo alguns dos contribuintes originais para a
floresta, pediram desculpas formalmente pelo seu papel no deslocamento forçado
dos palestinos como parte da Stop the JNF, uma campanha internacional para revelar a verdadeira natureza
do florestamento israelense. A campanha fornece material educativo e recursos
de organização sobre o JNF, impedindo florestamento e acabando com a ocupação
israelense da Palestina. Também solicita doações próprias para plantar árvores
– oliveiras na Cisjordânia, para apoiar os agricultores palestinos.
¨
O atual massacre de
palestinos por Israel já é tão catastrófico quanto o de 1948
Falamos com Bruno
Huberman, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, especialista em
Palestina, sobre o momento atual do massacre dos palestinos em Gaza. Desde os
desdobramentos da limpeza étnica em curso às possibilidades catastróficas de
uma ampliação regional do conflito — e também das possibilidades para a paz,
agora que entram em cena novos atores geopolíticos como a China e, ainda, se
avizinham as eleições presidenciais americanas, colocando entraves ao apoio de
Joe Biden à ação israelense. A situação atual é tão grave quanto aquela que se
deu após a partilha da Palestina e a consequente fundação do Estado de Israel
no final dos anos 1940.
Leia a
entrevista:
·
Avança a emergência
humanitária em Gaza sob ataque israelense: falta água, comida e atendimento
hospitalar básico, em suma temos dois milhões de seres humanos em grave risco
de vida. Israel pretende expulsá-los para o deserto do Sinai, no Egito. Quais
as possibilidades disso acontecer?
BH - O plano ainda é
expulsar os palestinos para o Sinai e esse plano está sendo movido em etapas,
conforme o WikiLeaks atesta como verdadeiro — e,
assim, terceirizar a questão de Gaza para o Egito. Isso já está presente
desde os anos 1940, com a expulsão de centenas de milhares de palestinos, e se
fundamenta na ideia de que os palestinos são genericamente “árabes” e,
portanto, poderiam se abrigar em qualquer país árabe.
Agora, Israel alega
que a sede do Hamas estaria em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, para
justificar um ataque. O objetivo é empurrar os palestinos para o Egito.
Inclusive, recentemente se falou que Israel estaria negociando com os Estados
Unidos um alívio de dívidas do Egito com o Fundo Monetário Internacional (FMI)
para que ele possa aceitar receber os palestinos expulsos de Gaza.
O ditador egípcio
Al-Sisi sabe que isso é um enorme problema, uma vez que o Hamas é inimigo do
seu governo, uma vez que ele é aliado da Irmandade Muçulmana, sua adversária
interna.
·
Depois da inércia dos
líderes muçulmanos e árabes em relação a Israel, mas com a piora da situação,
agora uma delegação liderada pela Arábia Saudita irá até a China. O que esperar
disso?
A inércia relativa dos
líderes árabes é reveladora do poder que os Estados Unidos e Israel ainda têm
no Oriente Médio. De fato, já houve consequências como a interrupção das
negociações entre israelenses e sauditas; Turquia, Bahrein e Jordânia também
chamaram seus embaixadores de volta – enquanto, especificamente, o Bahrein
teria rompido relações comerciais.
Mas essas
movimentações, por enquanto, são apenas para satisfazer a opinião pública
interna desses países, que é muito favorável à causa palestina — tanto que os
cidadãos desses países estão indo massivamente às ruas.
Há, ainda, o caso da
delegação árabe, liderada pela Arábia Saudita, que foi à China buscar um
aconselhamento e um maior envolvimento de Pequim na questão, o que pode levar a
uma mudança. E temos o exemplo de como os chineses, recentemente, mediaram a
paz entre o Irã e a Arábia Saudita.
Os chineses
conseguiram representar de uma maneira melhor os interesses árabes — e
palestino incluso –, porque apesar da aliança entre americanos e israelenses, a
China tem uma boa relação com Israel e os dois países fazem grandes trocas
comerciais. A atuação chinesa era bastante tímida sobre o genocídio de Gaza,
mas hoje ela tem influência e capital para mover as peças necessárias e
contribuir de forma decisiva para a paz.
·
Do ponto de vista
interno de Israel, o que esperar do futuro próximo? Netanyahu é criticado, mas
ainda lidera o governo de Israel, o que talvez cesse apenas com o final da
guerra; agora, e se a conjuntura, daqui para frente, não for um permanente
estado de guerra?
BH - A sociedade
israelense tem passado por um “reavivamento patriótico” muito grande, o qual
marca o esvaziamento da esquerda do país. Pesquisas apontam que o Partido
Trabalhista, que fundou o Estado, não entraria sequer no parlamento na próxima.
Isso é um processo importante, pois uma grande parte do eleitorado se divide
hoje entre um setor centrista e outro de extrema-direita. Esses centristas não
querem negociar uma paz justa com os palestinos e são racista e desumanizadoras
— e são liderados por Yair Lapid, um dos favoritos para suceder Netanyahu.
Mas hoje, o fato é que
essa extrema-direita segue no poder com Netanyahu, que está liderando um
governo de unidade nacional. Apesar das pesquisas mostrarem uma insatisfação
muito grande contra Netanyahu, elas não mostram o mesmo contra o esforço de
guerra — e é a política que o sustenta no poder.
Muitos israelenses
culpam o governo Netanyahu pelas falhas de inteligência e segurança que teriam
permitido o ataque do Hamas no 7 de outubro, mas eles estão a favor desse
estado de guerra. Portanto, é possível que Netanyahu busque um estado de guerra
permanente para se manter, por mais que o clamor por cessar-fogo esteja
crescendo no Ocidente, ainda que a passos lentos.
A questão é se os
Estados Unidos, um país cuja opinião pública é favorável ao cessar-fogo
imediato, vão apoiar, ao contrário, um aumento gigantesco do esforço de guerra.
Então, Israel terá, em tese, de parar com isso, enquanto o ano eleitoral
americano se aproxima. O apoio de Joe Biden ao conflito está se transformando
em algo muito impopular, sobretudo entre sua base jovem e também entre a
estratégica comunidade árabe-americana. A guerra, contudo, só continua por
causa do poder do enorme lobby israelense, mas há um limite — e este limite
virá da sociedade americana, não da sociedade israelense.
·
E quais as chances de
uma regionalização do conflito no Oriente Médio?
BH - O conflito já
está regionalizado. Existe um limite entre o norte de Israel e o sul do Líbano.
Já há envolvimento dos rebeldes houthis do Iêmen, que lançaram alguns mísseis e
confiscaram embarcações israelenses, o que vai obrigar Israel a não usar o
Canal de Suez para chegar em lugares da África e da Ásia — o que vai atrapalhar
negócios dos israelenses; o conflito, lembremos, é bom para o complexo
bélico-industrial de Israel, mas não para o resto da economia.
Portanto, existe um
eixo de resistência contra Israel que envolve, portanto, Hamas em Gaza,
Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen e outros setores menores no Iraque. A
tendência é uma distensão pela vontade americana e chinesa, embora Israel
ameace uma grande ofensiva contra o Líbano — o que não é possível sem o aval
americano; do mesmo modo, um ataque do Hezbollah contra Israel só ocorreria com
o apoio do Irã.
·
E o que dizer desse
anúncio desencontrado de trégua, que tem sido adiada?
BH - Essa trégua entre
Israel e Hamas é muito bem-vinda, mas poderia ter vindo há semanas, pois temos
relatos que um acordo semelhante havia sido proposto pelo Hamas logo no início,
muito antes da invasão terrestre e da radicalização do bombardeio. Então, isso
revela como Israel se negou a negociar com o Hamas sob o discurso fraudulento
de que “com terrorista não se discute”, tudo para manter um contexto que lhe
permitiria executar uma ação militar vultuosa, que significasse a limpeza
étnica do norte de Gaza e o risco de expulsa de todos os palestinos de lá, que
é a situação atual.
Aceitar a trégua
significa que Israel encontrou dificuldades de alcançar o seu objetivo militar,
isto é, derrotar o Hamas. E agora Israel está encontrando tempo para recalcular
a rota. Pois o Hamas segue conseguindo resistir à operação terrestre e ainda bombardeia
Israel. A trégua serve também para diminuir as críticas de que Israel está
cometendo um genocídio e, assim, se colocar como respeitoso ao direito
humanitário, o que é uma falácia.
Os atrasos na
implementação da trégua parece ser que Israel almeja chegar nos 15 mil mortos
oficialmente — para, ao menos, igualar o número de mortos da Nakba Palestina de
1948, sendo que já ultrapassou o número de deslocados, que gira em torno de 1
milhão contra 750 mil em 1948 e a destruição de residências já passa das 40
mil, além de outras 220 mil danificadas, somado à destruição de escolas,
hospitais, fazendas e infraestruturas de esgoto, água, comunicação e viárias,
contra 550 vilarejos em 1948. Parece haver a intenção de fazer da Nakba de 2023
um evento verdadeiramente paradigmático para o povo palestino.
Fonte: Jacobin Brasil
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