A misteriosa 'ilha da morte' britânica
palco de experimentos secretos na 2ª Guerra Mundial
"Este local, eles
chamam de ilha da morte, ilha do
mistério, e por um bom motivo", afirmou em 1962 o repórter da BBC Fyfe
Robertson. Fustigado pelo vento, ele falava do outro lado da baía, em frente à
remota e desolada ilha escocesa de Gruinard.
"Mas esta não é
uma história de antigas façanhas sombrias, nem uma superstição das Terras Altas
da Escócia", prossegue o repórter. "Não, esta história começou em
1942."
"A guerra já
durava três anos quando um grupo de cientistas do Escritório da Guerra
subitamente tomou posse da ilha e começou a realizar experimentos tão secretos
que, ainda hoje, 20 anos depois, muito poucas pessoas sabem o que aconteceu
ali. E os habitantes locais não foram informados de nada."
Robertson pretendia
investigar as histórias de experimentos governamentais perigosos que, segundo
se acreditava, teriam sido realizados em Gruinard.
Na época da sua
reportagem, o Ministério da Defesa do Reino Unido já havia
proibido o acesso a Gruinard e Robertson não conseguiu convencer os temerosos
habitantes locais a levá-lo de barco em torno da ilha, para dar uma olhada mais
de perto.
O que aconteceu foi
uma catástrofe ambiental. Tragicamente, a ilha permaneceu uma área perigosa,
contaminada e interditada por cerca de meio século. Foi apenas em 24 de abril
de 1990 que o governo britânico finalmente declarou que a ilha era segura.
Gruinard foi o local
de uma tentativa clandestina do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial de
usar o antraz – uma infecção bacteriana mortal – como arma de guerra.
Os detalhes precisos
sobre o que aconteceu ali só vieram a público em 1997. Naquele ano, o governo
liberou a publicação de um filme feito na época pelos militares, detalhando os
experimentos.
O projeto foi chamado
de Operação Vegetariana. Ele começou sob o comando de Paul Fildes (1882-1971),
na época chefe do Departamento de Biologia de Porton Down, uma instalação
militar em Wiltshire, na Inglaterra, que existe até hoje.
Porton Down foi
estabelecida em 1916, como a Estação Experimental do Departamento da Guerra.
Seu objetivo era estudar os efeitos dos agentes de armas químicas, que eram
cada vez mais empregados à medida que avançava a Primeira Guerra Mundial.
Nos anos 1940, o Reino
Unido estava novamente em guerra e Porton Down foi encarregada de
desenvolver armas biológicas que
pudessem ser utilizadas contra a Alemanha nazista com efeitos catastróficos,
minimizando o combate direto entre as tropas.
O plano era infectar
bolos de linhaça com esporos de antraz e lançá-los de avião sobre pastagens de
gado em toda a Alemanha. As vacas comeriam os bolos, contrairiam antraz e o
transmitiriam para as pessoas que ingerissem a carne infectada.
O antraz é um
organismo mortal de ocorrência natural e os sintomas da infecção podem demorar
para aparecer totalmente. Mas, quando surgem, são sintomas horríveis e podem
ser letais com muita rapidez.
Se fosse colocado em
prática, o plano teria dizimado o fornecimento de carne da Alemanha e causado
contaminação com antraz por todo o país, resultando em um número imenso de
mortes.
Mas, para começar a
compreender como o antraz funcionaria como arma em um ambiente real, os
pesquisadores precisavam de um local ao ar livre, longe de áreas povoadas, para
fazer testes.
Por isso, no verão de
1942, os militares compraram a remota ilha desabitada de Gruinard, de pouco
mais de 2 km², e proibiram que os habitantes da região entrassem no local.
Uma equipe militar
supervisionada por cientistas começou a realizar experimentos assustadores.
Usando animais levados para a ilha para servirem de cobaias, eles começaram uma
série de testes de liberação de esporos de antraz por todo o terreno da ilha.
"O objetivo era
testar se o antraz sobreviveria a uma explosão no campo, o que eles não sabiam,
e se permaneceria virulento", declarou Edward Spiers, professor emérito da
Universidade de Leeds, no Reino Unido, ao documentário da BBC Escócia The
Mystery of Anthrax Island ("O mistério da ilha do antraz",
em tradução livre), de 2022.
"Cerca de 80
ovelhas foram amarradas em vários estágios a favor do vento em relação à
explosão iminente", ele conta. "A explosão foi detonada por controle
remoto. Não era grande, mas uma corrente de esporos altamente poderosa se
movimentou com o vento, causando infecção e morte por onde passava."
Os resultados foram
devastadores. Dias após a exposição, as ovelhas começaram a mostrar sintomas e
morreram rapidamente. Seus corpos infectados sofreram autópsia e foram
incinerados ou enterrados sob toneladas de entulho.
Alguns desses
experimentos foram presenciados por pequenos agricultores locais que
identificaram as nuvens de antraz flutuando sobre a ilha.
Um morador local, que
havia vendido ovelhas para a equipe de cientistas, lembra-se de ter visto o que
descreveu como a fumaça descendo sobre os animais.
"Acho que era
todo tipo de gás venenoso, antraz", ele contou a Robertson em 1962.
Os testes secretos
prosseguiram até 1943 e os militares consideraram seus resultados um sucesso.
Os cientistas então retornaram para Porton Down.
Como resultado, foram
produzidos cinco milhões de bolos de linhaça infectados com antraz, mas o plano
acabou sendo abandonado com o sucesso da invasão da Normandia, na
França, pelos aliados. Os bolos foram destruídos após a guerra.
Em 1952, o Reino Unido
já havia desenvolvido outra arma de destruição em massa, ao realizar sua
ambição de se tornar a terceira potência nuclear do mundo.
Quatro anos depois, o
país encerrou seu programa de armas biológicas e químicas ofensivas. E, em
1975, o Reino Unido ratificou a Convenção de Armas Biológicas, que proíbe todo
o uso, produção e armazenagem deste tipo de armamento.
·
'Operação Vegetariana'
As consequências da
Operação Vegetariana foram catastróficas para a ilha.
O antraz é uma
bactéria muito resistente que pode persistir por décadas no solo, causando
infecções quando ingerida, mesmo anos depois de um surto.
Os experimentos
militares deixaram a ilha perigosa demais para que pessoas ou animais pudessem
viver nela. A própria água da chuva que escorria da ilha poderia ser letal.
Nos meses que se
seguiram aos testes, animais nas terras próximas à baía de Gruinard começaram a
morrer.
No seu estudo
intitulado Contamination and Compensation ("Contaminação e
Compensação", em tradução livre), a autora Elizabeth Willis menciona que o
governo britânico pagou secretamente indenizações às pessoas afetadas, mas
declarou que as mortes foram causadas por uma ovelha doente que havia caído de
um navio grego que estava de passagem.
Um morador local disse
à BBC em 1962 que "era bastante óbvio para nós que eles sabiam algo sobre
aquilo ou não teriam feito os pagamentos com tanta rapidez".
Os militares colocaram
a ilha em quarentena por prazo indeterminado e instalaram placas alertando os
visitantes para que se afastassem.
Nas décadas que se
seguiram após a Segunda Guerra Mundial, foram realizadas tentativas de
descontaminar o local, utilizando tratamentos químicos e queima controlada. Mas
essas iniciativas se mostraram, em grande parte, ineficazes.
Em 1971, uma série de
testes demonstrou que, embora não houvesse mais esporos de antraz sobre a
superfície, eles ainda permaneciam no subsolo, representando grave risco a
qualquer pessoa que entrasse na ilha.
Um grupo ambiental
chamado Dark Harvest Commandos desembarcou na ilha em 1981 e coletou amostras
de solo infectado por antraz.
Eles deixaram um balde
daquele solo em frente a Porton Down, para alertar sobre a contaminação mortal
da ilha. Seu objetivo era forçar o governo a tomar alguma medida a respeito.
Cinco anos depois,
cientistas voltaram a tentar descontaminar o local, encharcando a ilha com uma
mistura de água do mar e formaldeído. Eles também retiraram e incineraram a
camada superior contaminada do solo.
Desta vez, eles
tiveram mais sucesso e, finalmente, no dia 24 de abril de 1990, depois de 48
anos de quarentena, o governo britânico declarou a ilha de Gruinard livre de
antraz.
Gruinard não foi o
único local onde o Reino Unido realizou testes secretos de armas biológicas.
Mas foi o primeiro.
As consequências do
que aconteceu ali permanecem como um lembrete sombrio dos riscos da guerra
biológica e da capacidade humana de destruição.
Fonte: BBC Culture
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