Aru: O que é o fenômeno natural que
acontece na Amazônia?
Aru é uma palavra de
origem indígena, que remete à friagem que atinge a Amazônia sazonalmente, na
região do médio ao alto rio Negro. O aru ocorre há muitos anos, geralmente no
final do outono e nos meses de inverno, quando a região é atingida por uma massa
de ar polar. O fenômeno dura poucos dias, que são regados com chuva constante,
temperatura baixa e uma névoa densa sobre a região.
As frentes frias são
responsáveis por chuvas e o declínio de temperatura. São massas de ar frio, que
vem de regiões polares, e vão para as regiões tropicais. Por serem mais
quentes, as massas de ar dessas regiões se chocam com as massas polares,
ocasionando as chuvas. A friagem é a massa de ar fria e seca, que se estabelece
com o fim das chuvas.
É um fenômeno
meteorológico que derruba drasticamente a temperatura da região por alguns
dias, na temporada de cheias.
• O que é aru para os indígenas?
O significado de aru
pode variar, de acordo com o conhecimento ancestral de cada povo indígena que
vive às margens do rio Negro, na bacia amazônia.
De acordo com a
Revista de Pesquisa Intercultural da Bacia do Rio Negro (também batizada de
Aru), 23 comunidades indígenas vivem na região, entre o médio e alto rio Negro.
Para os povos
indígenas, que habitam a região, Aru é uma figura que, dentro de uma canoa,
rema rio acima levando o frio do sul, deixando os dias frios, com neblina e
garoa. Ele fertiliza as roças e as árvores frutíferas, além de levar os peixes,
que migram no sentido da nascente do rio.
Segundo a publicação,
aru é uma palavra da língua Nheengatu, que foi levada por missionários a região
do rio Negro no século 18. Até hoje, a língua é falada na região, por várias
tribos.
Além disso, o termo
também pode ter uma origem anterior a essa, na língua Arawak.
Na língua Tukano, aru
é wurũ, que significa “bicho-preguiça”. O povo Baniwa usa dokome, que significa
“friagem de aru”. Também utilizam as palavras hapeedali, rapee ou haperi, que
podem ser traduzidas como frio ou friagem, e ainda waamo, bicho-preguiça. Já na
etnia Tariana, a palavra é púsaru, que pode ser traduzida como friagem de aru
ou bicho-preguiça.
Aru também é um
conhecido sapo da região da Amazônia, também chamado de sapo-cururu. Diz a
lenda que o sapo aru protege as plantações. Essa história está presente no
projeto Lendas Amazônicas, de Rui de Carvalho.
Ao longo dos anos,
alguns pesquisadores percorreram a região do médio e alto rio Negro, colhendo
bonitas histórias do Aru. A sabedoria ancestral indígena registrou, à sua
forma, os efeitos da friagem na região amazonense.
• Quais são os efeitos do aru na região
amazônica?
Desde muito tempo,
cientistas estudam os efeitos que o aru traz para a região da Amazônia. O
fenômeno da friagem na região é estudado desde a década de 1970.
Na época, cientistas
reportaram a ocorrência de duas a três friagens por ano, com duração média de
até seis dias, com três dias de frio intenso, entre junho e outubro, atingindo
principalmente a região sudeste da Amazônia. Além disso, também notaram ventos
intensos, que mudam de direção e vão de norte para sul, além do céu
completamente coberto de nuvens e temperatura mínima de 12°C em Manaus.
Outro evento, ocorrido
em 1994, também teve características similares, com aumento intenso de fortes
ventanias, diminuição da umidade do ar e temperatura que atingiu 10°C em
Rondônia. Ainda, pesquisadores concluíram que esses fatores foram mais fortes
em Rondônia devido à maior proximidade com a Cordilheira dos Andes. Enquanto as
cidades de Manaus, localizada na região central, e Marabá, que fica mais a
leste na Amazônia, ficaram com céu nublado. Além disso, as cidades apresentaram
apenas uma redução no ciclo diurno dos fatores climáticos e a tendência dos
ventos de norte para sul.
• Ciclo diurno
O ciclo diurno está
associado às variações de clima, ao longo do dia. Por exemplo, o ciclo diurno
da temperatura diz respeito à variação de radiação solar ao longo do dia, que
apresenta como padrão menor temperatura antes do nascer do Sol. Isso ocorre por
conta do resfriamento da superfície terrestre durante a noite.
Apesar da friagem
afetar tanto florestas quanto às regiões de pastagem, a queda de temperatura
nas regiões de pasto foi até 2°C maior do que na região de floresta. Isso é
interessante porque, naturalmente, a região florestal é mais fria. Essa
inversão ocorre porque a matéria orgânica presente na floresta e o dossel
formado pelas árvores ajudam a regular a temperatura no ambiente.
Outro estudo,
realizado em 2004, mostrou que eventos de friagem podem mudar o sentido da
brisa no rio Tapajós, o que tem influência direta em ciclos biogeoquímicos da
floresta.
• Friagem e os ciclos biogeoquímicos
Ciclos biogeoquímicos
têm a ver com o movimento de substâncias químicas e compostos naturais, na
superfície terrestre. O ciclo compõe a retirada e a devolução desses elementos
para o meio ambiente. No ciclo da água, por exemplo, esse elemento passa do estado
líquido, presente em rios e mares, para a fase gasosa, por meio da evaporação.
A partir da condensação e precipitação, a água volta para a superfície.
Além disso, uma
análise da friagem, ocorrida em 2014, comprovou que os ventos polares vindos de
sudoeste podem carregar massas de ar que desequilibram as composições daquelas
encontradas na Amazônia Central. Isso porque a massa de ar frio causa neblina, que
diminui a radiação solar. Esses fatores colaboraram para o acúmulo de dióxido
de carbono, resultado da respiração, e uma taxa de mistura com ozônio abaixo do
normal.
Um artigo, publicado
na Revista Brasileira de Climatologia em 2023, relacionou esses estudos com as
mudanças no uso da terra (uso do solo) e os impactos gerados.
O uso da terra tem um
papel fundamental na ocorrência dos fenômenos climáticos na Amazônia. Para que
ocorram de forma sazonal, o ecossistema deve ser mantido em equilíbrio.
• Como o uso da terra impacta no aru?
O artigo aponta que,
graças ao desmatamento acelerado da Amazônia Legal, essa região se transformou
numa grande fonte de emissão de dióxido de carbono, um dos principais gases
causadores do efeito estufa. Além disso, se medidas de mitigação não forem efetivas,
as consequências estão entre aumento de aridez e intensificação de incêndios
florestais.
Uma análise foi
realizada no evento de friagem ocorrido em julho de 2017, que se estendeu por 4
dias em Rondônia. Com o passar dos anos, entre abril e setembro, tem sido comum
a ocorrência de até 7 períodos de friagem na Amazônia.
Esse estudo mostrou
que a área composta pela floresta, graças a sua rugosidade, é capaz de manter
maior estabilidade de seu microclima, em comparação com áreas de pastagem.
Além disso, nesse
período, a quantidade de chuvas foi maior na cidade, com 3,4 mm, e nas áreas de
pastagem, com 2,79 mm. Na região de floresta, o índice de chuva atingiu 1,52
mm.
A massa polar quando
se choca com a massa da região amazônica, que é quente e úmida, causa chuvas
frontais. A chuva frontal tem intensidade moderada, mas cai por mais tempo.
O índice pluviométrico
é o responsável pela medição das chuvas, que mede a quantidade de chuva por
metro quadrado. Portanto, dizer que choveu 3,4 mm significa que a água atinge
uma altura de 3,4 mm num espaço delimitado de 1 m².
• Desmatamento e o padrão de chuvas
Um estudo, publicado
em 2021 pela Nature, mostra como o desmatamento impacta no padrão de chuvas.
Isso porque o ciclo de umidade e o balanço energético são afetados pela
conversão da floresta em pastagens e terras agrícolas, o que pode alterar os
padrões de chuva na região.
Os pesquisadores
sugerem que as chuvas na Amazônia tendem a aumentar pontualmente, em áreas de
cerca de 784 km² (delimitadas por células de 28×28 km), próximas de regiões que
sofreram de 55% a 60% de desmatamento. Ou seja, são regiões que perderam mais da
metade da floresta. Apesar disso, de modo generalista, o desmatamento tende a
diminuir drasticamente a incidência de chuvas.
Além disso, o impacto
gerado pelo aumento do albedo da superfície degradada é seis vezes maior do que
o da emissão de aerossol na atmosfera, o que contribui para o aquecimento
global e são equivalentes às altas emissões do cenário RCP 8.5.
A sigla RCP
(Representative Concentration Pathways) foi criada pelo Painel
Intergovernamental para a Mudança de Clima (IPCC, da sigla em inglês) e são
cenários de concentração de gases de efeito estufa, que podem ser atingidos ao
longo do século. São quatro cenários e o RCP 8.5 é o mais pessimista.
Já o albedo se refere
à taxa de radiação solar refletida por uma superfície, que afeta de forma
direta a temperatura da Terra, já que uma superfície coberta de vegetação
apresenta um albedo menor que uma área desmatada.
O mais preocupante é
que, no cenário e condições atuais, a Floresta Amazônica deve perder 56% de
toda sua área até 2050. Em contrapartida, a redução do desmatamento poderia
prevenir até 1 bilhão de dólares em perdas na agricultura, anualmente.
Fonte: eCycle
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