Crianças brasileiras estão mais altas e
obesas, aponta estudo; entenda riscos
As crianças
brasileiras estão ficando mais altas e obesas, segundo estudo publicado em
março pela revista científica The Lancet Regional Health - Americas. O
levantamento analisou as medidas de mais de cinco milhões de crianças e
constatou um crescimento médio de 1 cm na estatura infantil e de mais de 2% na
prevalência da obesidade entre ambos os sexos.
O trabalho, conduzido
por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde
(Cidacs/Fiocruz Bahia), em conjunto com a Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e a University College London, instituição de ensino superior inglesa,
analisou dados de crianças de 3 a 10 anos, nascidas entre 2001 e 2014.
Esses dados foram
obtidos junto a três sistemas administrativos: o Cadastro Único para Programas
Sociais do Governo Federal (CadÚnico), o Sistema de Informação de Nascidos
Vivos (Sinasc) e o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Essa
metodologia, por si só, já demonstra que dados administrativos podem ser uma
ferramenta potente para a produção científica, segundo a pesquisadora Carolina
Vieira, que liderou o estudo.
Para realizar a
análise, os dados foram separados em dois grupos: das crianças nascidas entre
2001 e 2007, e entre 2008 e 2014. Assim, ao comparar as tendências de ambos os
grupos, foi possível chegar a algumas conclusões:
• Em relação à altura, as crianças de
ambos os sexos apresentaram um aumento de 1 cm na trajetória média de
crescimento;
• Quanto ao índice de massa corporal
(IMC), medida que relaciona peso e altura de cada indivíduo, houve um
crescimento sutil em ambos os gêneros. Nos meninos, foi observado um aumento de
0,06 kg por m2 e nas meninas, de 0,04 kg por m2;
• Ao analisar o excesso de peso na faixa
etária dos 5 aos 10 anos, constatou-se um aumento na prevalência desse fator em
ambos os sexos, com destaque para os meninos. Em relação a eles, houve um
aumento de 3,2%, enquanto nas meninas a escalada foi de 2,7%. Nas crianças de 3
e 4 anos, o cenário foi parecido, mas mais ameno. Nos meninos, esse crescimento
foi de 0,9%, enquanto nas meninas de 0,8%.
• No que diz respeito à obesidade das
crianças de 5 a 10 anos, a prevalência desse fator aumentou 2,7%, nos meninos e
2,1% nas meninas. Nas crianças mais novas, de 3 e 4 anos, também houve aumento,
mas de forma menos expressiva. Nos meninos, o crescimento foi de 0,5% e nas
meninas de 0,3%.
>>>> O que
esses resultados significam?
De acordo com
Carolina, tratam-se de achados preocupantes, em especial os relacionados à
obesidade.
Esta é considerada uma
doença crônica e um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. Segundo
Crésio Alves, presidente do Departamento de Endocrinologia da Sociedade
Brasileira de Pediatria (SBP), crianças obesas têm grandes chances de
desenvolver outros tipos de problemas em longo prazo, como alterações do
colesterol e triglicérides; hipertensão arterial; diabetes do tipo 2; acidente
vascular cerebral (AVC); e até mesmo alguns tipos de câncer
Segundo a pesquisadora
que liderou a pesquisa, a tendência de aumento da prevalência da obesidade nas
crianças está relacionada a novos padrões de dieta, mais ricas em alimentos
ultraprocessados, além de comportamentos sedentários. Por isso, segundo ela, o
Brasil está longe de atingir a meta da Organização Mundial de Saúde (OMS) de
frear o aumento da prevalência da obesidade até 2030.
Por outro lado, a
tendência de crescimento de altura observada é vista como positiva. De acordo
com a pesquisadora, ser mais alto está associado a desfechos melhores para a
saúde, como menor probabilidade de doenças cardíacas, derrame e maior
longevidade. Sendo que, segundo a especialista, essa mudança reflete o
desenvolvimento econômico e as melhorias das condições de vida de anos
passados.
• 10 dúvidas respondidas sobre obesidade
infantil
Uma crise de saúde
global, que afeta vários países e cresce em números galopantes, a obesidade
atinge mais de 1 bilhão de pessoas no mundo, de acordo com a Organização
Mundial da Saúde (OMS). Desse total, 340 milhões são adolescentes e 39 milhões,
crianças. A tendência, infelizmente, é piorar.
O Atlas Mundial da
Obesidade 2023 revelou que a quantidade de casos na infância pode chegar a 400
milhões até 2035. Para o Brasil, o alerta soa ainda mais alto: o crescimento
anual projetado para a doença é de 4,4% somente entre crianças - quase o dobro da
expectativa de aumento para os Estados Unidos, que é de 2,4%.
“A obesidade vem
crescendo no mundo todo porque não existem programas de saúde pública que sejam
efetivos", afirma Louise Cominato, pediatra endocrinologista do
Departamento Científico de Pediatria da Associação Brasileira para o Estudo da
Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso). Segundo ela, mesmo sendo um dos países
com expectativas preocupantes de crescimento da epidemia, não contamos com um
programa e nenhum investimento a nível nacional de combate à obesidade
infantil. “O que se tem são somente alguns serviços específicos. Enquanto o
tema não for levado a sério, esse aumento de casos vai continuar acontecendo”,
diz.
A questão, lembra a
médica, é uma emergência em saúde pública. “As comorbidades levam ao aumento de
internações, do uso de medicações e diminuem a expectativa de vida”, alerta.
Os anos mais críticos
da pandemia, com o isolamento social, ajudaram a reforçar hábitos que favorecem
o desenvolvimento da doença. “A privação de atividades, brincadeiras e
interações proporcionaram um efeito cascata, que foi a inatividade física,
associada a um aumento no consumo de alimentos altamente calóricos, pois as
crianças estavam mais ansiosas e, consequentemente, se alimentando de forma
errada”, diz a nutricionista Tamara Lazarini, mestre em Nutrição Infantil, da
Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN). “Houve um tempo de maior
de exposição às telas. A falta de disciplina com os horários das refeições e de
sono também pode ter contribuído para o aumento da obesidade”, pontua.
O período de
emergência da Covid-19 terminou, mas diversos costumes foram mantidos e, em
alguns casos, até pioraram. A solução não é simples e, além de variar de pessoa
para pessoa, permeia várias áreas da vida. Não é apenas o que se coloca no
prato e o tempo que se passa na academia ou praticando esportes. “Antigamente,
as pessoas achavam que ganhava peso quem comia em excesso e não praticava
atividade física e que, então, o tratamento seria apenas dieta e exercício.
Porém, a obesidade é uma doença crônica e multifatorial”, explica Priscilla
Leitner, psicóloga e diretora do Instituto de Pesquisa do Comportamento
Alimentar de Curitiba (PR).
E os impactos,
sobretudo na infância, são enormes: afetam a saúde física e mental no presente,
e predispõem o desenvolvimento de uma série de complicações futuras. Para
entender melhor a doença, reunimos algumas das principais dúvidas sobre o
assunto, que foram respondidas com ajuda das especialistas aqui citadas.
• 1. Quando a criança é considerada obesa?
O índice de massa
corporal (IMC) é a forma mais eficaz e prática de fazer o diagnóstico, somado a
um exame clínico, com perguntas específicas do médico sobre a criança. Ele
também deve avaliar a curva de crescimento, além de outras informações,
dependendo do caso. Somente profissionais de saúde como pediatras e
nutricionistas são habilitados para chegar a essa conclusão.
• 2. Quais são as consequências diretas e
indiretas para a saúde física e mental?
A obesidade infantil
afeta o desenvolvimento e prejudica a maioria dos sistemas do corpo. Pode
facilitar o surgimento de uma série de doenças crônicas, como diversas formas
de câncer, diabetes, hipertensão e problemas cardiovasculares, além de
potencializar quadros respiratórios – uma pessoa obesa tem três vezes mais
chances de ser hospitalizada por Covid-19, por exemplo, diz a OMS. A condição
ainda aumenta o risco de complicações ortopédicas, hepáticas e de síndrome
metabólica.
Os impactos na saúde
mental são igualmente preocupantes. A obesidade tem potencial para afetar a
autoestima e eleva as chances de a criança desenvolver transtornos como
anorexia, bulimia, compulsão, ansiedade, depressão, dificuldade de interação e
problemas no aprendizado.
• 3. Quais são os principais fatores de
risco?
A doença é
multifatorial. A genética e a hereditariedade são importantes, mas o ambiente e
o estilo de vida também têm grande influência. O sedentarismo, os hábitos
alimentares (que englobam a qualidade, a quantidade e a forma de consumir os
alimentos), o sono, o estresse, a regulação emocional, tudo isso favorece o
desenvolvimento da obesidade.
• 4. Condições sociais e econômicas podem
impactar na obesidade infantil?
Sim. Muitas vezes, o
consumo excessivo de alimentos calóricos e o sedentarismo vêm da falta de
conhecimento dos pais, familiares e/ou cuidadores sobre o tema. Além disso, os
alimentos mais calóricos e menos nutritivos em geral têm um custo menor e são
mais facilmente acessados e armazenados.
Pais com dificuldades
financeiras, com jornadas duplas ou triplas de trabalho podem ter menos tempo
de cuidar da alimentação adequadamente, preparando menos refeições naturais e
saudáveis.
• 5. Que políticas públicas poderiam
ajudar a diminuir a taxa de obesidade infantil?
Para as especialistas,
é necessário agir em três frentes principais: orientação, acesso e intervenção.
O Brasil tem o Guia Alimentar para a população brasileira e o Guia Alimentar
para menores de 2 anos de idade, que são úteis e estão disponíveis de forma
gratuita no site do Ministério da Saúde.
Outro ponto importante
é ampliar o acesso a parques e a ambientes seguros para que as crianças possam
brincar e se exercitar, reduzindo o sedentarismo. Promover atividades de
conscientização sobre obesidade e exercícios físicos, além da intervenção nutricional
em escolas e creches, com o objetivo de oferecer uma alimentação mais saudável
e conteúdo educacional para pais e alunos, também é essencial.
Hoje, o Brasil tem o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que atua nesse sentido. No
entanto, de acordo com as entrevistadas, o projeto precisa de mais apoio, com
aumento e distribuição de recursos, para melhorar sua atuação. Seria primordial,
ainda, uma regulação cautelosa na legislação de alimentos infantis e na
propaganda de alimentos altamente calóricos.
• 6. Qual é o papel da amamentação e da
introdução alimentar na prevenção da obesidade?
Hoje, muito se fala
sobre a importância dos primeiros 2.200 dias de vida (a fase de pré-concepção
até os 5 anos). É um período de janela imunológica, que podemos modular de
forma positiva, evitando obesidade e outras doenças associadas.
O aleitamento materno
exclusivo pelo menos até 6 meses tem forte impacto nisso. A introdução
alimentar, segundo o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP), é também uma fase determinante, que deve contar com orientação do
pediatra ou de um nutricionista.
É imprescindível
evitar o consumo de açúcar e usar sal com moderação, preferindo temperos
naturais. O suco de fruta não é recomendado – além de ser muito doce, perde
fibras e nutrientes e pode atrapalhar a sensação de saciedade, em comparação à
fruta in natura.
E atenção: de nada
adianta ter todos os cuidados durante os primeiros dois anos de vida e liberar
totalmente o acesso a ultraprocessados depois disso. O paladar, sobretudo o das
crianças, tende a ser facilmente viciado nos componentes de produtos industrializados,
que costumam ter alto teor de sódio, açúcar e gordura.
• 7. Como ajudar a criança a comer melhor
sem que isso crie uma relação problemática com a comida?
Um bom começo é o
exemplo do adulto ao se alimentar. Chamar a criança para ajudar nas compras e
no preparo das refeições pode ser outra boa alternativa, “delegando” a ela
alguma responsabilidade na escolha de ingredientes saudáveis, explicando os
benefícios.
Tente também fazer o
máximo possível de refeições em família, na mesa, sem interferência de telas.
E, em vez de forçar o consumo de alimentos recusados, experimente variar o
preparo e oferecê-los de outras formas (a situação é diferente, porém, com
crianças que têm uma seletividade alimentar mais severa. Nesse caso, a ajuda
profissional e individualizada é necessária).
Por outro lado, é
vital buscar um equilíbrio, cuidando para não gerar o efeito oposto, com
terrorismo nutricional, já que isso pode levar ao desenvolvimento de
transtornos futuros, como anorexia, bulimia e recusa alimentar. A relação da
criança com a comida deve ser leve. Depois dos 2 anos de idade, exceções podem
ser feitas - o consumo de doces e salgadinhos em uma festa, por exemplo -, mas
sempre deixando evidente que aquela não é a alimentação do dia a dia.
• 8. Quais são as chances de uma criança
com obesidade se curar?
A possibilidade de uma
criança obesa se tornar um adulto obeso é muito maior do que a possibilidade de
uma criança saudável se tornar um adulto obeso. Entretanto, a criança com
diagnóstico de obesidade pode, sim, reverter esse cenário, desde que conte com
ajuda familiar e uma mudança no estilo de vida. Ela precisará de uma forte rede
de apoio, o que inclui uma equipe profissional, para aprender a fazer escolhas
saudáveis - e mantê-las para a vida.
• 9. Como é o tratamento e em que casos
são necessárias soluções mais drásticas, como cirurgia bariátrica ou medicação?
A cirurgia bariátrica
e o uso de medicamentos normalmente não são recomendados para crianças, embora
o pediatra possa prescrever fármacos em casos graves, associados a outras
doenças. Um grupo multiprofissional com pediatra, nutricionista, psicólogo, educador
físico, entre outros, ainda é o tratamento mais indicado na infância.
• 10. Passar uma mensagem positiva sobre
diversidade de corpos é diferente de não ter cuidado com a saúde. Onde fica o
limite?
Aceitar o corpo é
diferente de aceitar uma doença como a obesidade, que precisa ser tratada, pois
pode prejudicar a saúde de várias maneiras. É possível que uma criança cujo IMC
está adequado tenha um pouco de gordura, um formato de corpo maior, medidas “fora
do padrão” - e tudo bem, desde que ela esteja saudável, o que será avaliado
pelo pediatra que a acompanha.
Já nos casos de
obesidade diagnosticada, é importante trabalhar para que o tratamento não se
torne um transtorno alimentar ou de imagem. Tudo precisa ser feito com muito
cuidado e com muita empatia.
Fonte: Agencia
Estado/Revista Digital Bebê
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