"Lula luta pelo Brasil forte na cena
global", diz embaixadora do Reino Unido no Brasil
Para a embaixadora do
Reino Unido no Brasil, Stephanie Al-Qaq, a nação brasileira é uma voz muito
importante no cenário internacional, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é
o grande líder do sul global. Em entrevista ao Podcast do Correio, ela é
suficientemente cautelosa para não se envolver na polarização entre o atual
governo e o anterior, mas entende que a presidência de Jair Bolsonaro tinha uma
visão menos mundial e mais doméstica.
Stephanie adianta que
o Reino Unido apoia os planos ambientais brasileiros. Segundo ela, o Brasil é
um ambiente de negócios atraente e o Reino Unido pode ocupar o espaço deixado
pela dificuldade de Mercosul e União Europeia fecharem o acordo de livre comércio
que há anos se arrasta.
·
Esta não é a sua
primeira missão no Brasil. Entre a primeira estada e a atual, que diferenças
percebe, sobretudo com a atual polarização?
Essa radicalização se
vive em todos os países. Democracias como as do Reino Unido, do Brasil, da
África do Sul, da Índia, estão enfrentando ameaças que vêm de dentro e
precisamos fazer um esforço muito maior para protegê-las. Vemos a proliferação
da desinformação e de fake news nas eleições e precisamos enfrentar isso. Não é
só a democracia. São os valores democráticos que brasileiros e britânicos estão
acostumados. Não queremos enfrentar esse tipo de risco para os direitos
humanos.
·
O Reino Unido tem uma
nova lei para regular as redes, certo?
É a Online Safety Act
para proteger as pessoas on-line. Foi aprovada no ano passado e enfrenta as
ameaças dos extremistas que ameaçam nossos cidadãos e a democracia. Estamos
trabalhando com o Brasil nesse assunto. Estive com o presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, e temos um projeto junto
com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sobre o desenvolvimento da
política de segurança on-line. Temos que trabalhar duro para enfrentar esses
desafios.
·
Que experiências dessa
nova lei podem servir ao Brasil?
A discordância, a
crítica, é algo normal na democracia, mas usar as redes sociais para incitar a
violência, o ódio, a discriminação, não é. O que passar essa linha e colocar
nossos cidadãos e crianças em risco, vamos fechar. Estamos trabalhando com
empresas e com o setor social para enfrentar esse desafio. Também estamos
trabalhando com o governo brasileiro para compartilhar nossos conhecimentos. Na
inteligência artificial (IA), acredito que Brasil e Reino Unido podem ter um
papel positivo na discussão.
·
No Reino Unido, a
liberdade de expressão tem limites?
Tem. Se você está
usando esse espaço de fala livre, não pode usá-lo para incitar a violência, a
discriminação, o ódio. Sofremos vários ataques terroristas no passado e não
podemos dar espaço para as pessoas incitarem a violência contra nossos
cidadãos, dentro ou fora do Reino Unido. Então, tem limites, sim.
·
Alguns por aqui diriam
que isso é censura...
Extremistas estão
dizendo que é censura, mas não estamos falando de críticas, de desafios — essas
coisas são normais. No Reino Unido, pessoas jogam ovos e gritam contra os
ministros. Estamos abertos, mas não se pode usar para incitar a violência ou
outro tipo de crime.
·
E o ambiente de
negócios no Brasil? Mudou?
No ano passado, quando
estive na reunião do primeiro-ministro Rishi Sunak com o presidente Lula, eles
disseram que temos que aumentar o comércio entre nossos países. Em 2023
crescemos em 30% entre nós — chegamos a 10,4 bilhões de libras, mais do que com
a Rússia e diversos outros países. Estive em uma reunião na Casa Civil e, para
nós, o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o de transição
energética têm um interesse enorme. Trabalhamos todos os dias para melhorar o
ambiente de negócios, mas precisamos melhorar muita coisa. O Brasil não é para
iniciantes, mas na cúpula de líderes (do G20, em novembro, no Rio de Janeiro),
espero que o primeiro-ministro venha.
·
Os últimos grandes
investimentos do Reino Unido no Brasil fazem muito tempo. Que oportunidades os
britânicos veem aqui hoje?
Não faz tanto tempo
assim. Estamos muito presentes nas áreas de mineração, de energia, na saúde.
Sem nossa parceria com o Brasil na área de covid-19, jamais conseguiríamos
desenvolver a vacina da AstraZeneca com a Fundação Oswaldo Cruz. A farmacêutica
GSK fornece medicamentos para várias áreas e temos universidades fazendo
pesquisa para o tratamento de câncer. Nossos cientistas desenvolveram uma
vacina contra a malária. Muitas vezes, olham só para os grandes projetos de
infraestrutura, mas meu trabalho aqui é trabalhar nas áreas onde temos
interesses comuns — como saúde, clima e transição energética.
·
Falta divulgar mais
essas parcerias?
Sim. Estava com os
ministros da Fazenda (Fernando Haddad) e da Casa Civil (Rui Costa) exatamente
falando sobre o PAC, compartilhando a experiência do Modelo 5 (modelo de
desenvolvimento de plano de negócios) do Reino Unido — e como que, ao
desenvolver projetos para o Brasil, se pode captar recursos na iniciativa
privada. Estamos trabalhando longe dos holofotes, mas vamos divulgar mais.
·
O principal interesse
do Reino Unido é um acordo de livre comércio com o Brasil?
Não começamos ainda em
um novo acordo porque o Brasil estava no meio da negociação com a União
Europeia (UE) sobre o Mercosul. No último ano, direcionei meu time para que
pudéssemos enfrentar esses obstáculos (do acordo com o Mercosul e a União
Europeia) e chegarmos na negociação com menos entraves. No acordo com a UE, há
muito esforço sobre a agricultura. Estamos construindo uma parceria muito
colaborativa junto com o Ministério da Agricultura e Pecuária e junto com a
Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Não sou uma pessoa muito paciente,
não vou trabalhar um acordo para daqui há 20 anos (tempo de negociação do
acordo do Mercosul com a UE). Vamos correr para diminuir o número de obstáculos
e facilitar a negociação.
·
É bom para o Reino
Unido que o Mercosul e a UE não tenham chegado a um ajuste?
Quando vi a
dificuldade nesse acordo, pensei: 'Não vou ficar aqui sem fazer nada'. Falava
com o presidente do CNA (João Martins) e disse que queremos mais acesso para os
queijos britânicos.
·
O grupo integrado por
Noruega, Islândia, Suíça e Liechtenstein está na frente...
O Reino Unido fazia
parte desse grupo (EFTA — Associação Europeia de Livre Comércio), mas, com o
Brexit, teve de sair. Quando nosso governo e o brasileiro estiverem prontos,
com os obstáculos reduzidos, vai ser mais fácil. Vou sair daqui a três anos e
deixarei a casa em ordem.
·
Para o Reino Unido,
está mais fácil negociar neste governo ou no anterior?
Como eu disse, o
Brasil não é para iniciantes. Estive aqui no segundo mandato do presidente Lula
e no início do mandato da presidente Dilma Rousseff. Mas não temos preferência.
Acho que às vezes (está mais fácil negociar). Mas, o mais importante, é a confiança
nas instituições. Aqui, ou no Reino Unido, há eleições livres e não se pode
questionar o resultado. Muitas pessoas dizem que vai ser mais fácil com um
presidente republicano ou democrata, mas não faz nenhuma diferença. Não importa
quem vence.
·
Mas nada mudou com
Lula?
Ele luta por um Brasil
muito forte no palco internacional. Ele é, como dizemos em inglês, the
grandfather of the Global South (o avô do Sul Global) e, para nós, a voz do
Brasil é superimportante. Bolsonaro estava focado mais dentro do Brasil, acho
que essa é a diferença. Para nós, essa voz do Brasil de agora, mesmo com todos
os conflitos, é bem-vinda. O Brasil tem a presidência do G20, a presidência da
COP no ano que vem — acho que tem uma janela para influenciar os debates no
palco internacional. A pressão nas costas do Brasil é grande. Não chamamos a
COP30 como uma simples COP, e sim como "COPão". Para países como o
Reino Unido, que têm compromisso com o meio ambiente, com a transição, com a
democracia representativa, com a resolução dos conflitos, temos que trabalhar
com vozes como a do Brasil.
·
Então, hoje há mais
convergência entre Brasil e Reino Unido...
No governo Bolsonaro assinamos,
por exemplo, um acordo de dupla tributação, que já foi ratificado no Reino
Unido e ainda não foi ratificado aqui — mas é importantíssimo. Na área de
saúde, trabalhamos muito com o governo Bolsonaro. Governos têm interesses
diferentes. O governo Bolsonaro tinha interesses específicos, o do presidente
Lula tem outros.
·
E a participação do
Reino Unido no Fundo Amazônia?
Quando cheguei, o
presidente Lula e a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) me
perguntaram se o Reino Unido entraria para o fundo. Poucos meses depois
entramos, porque estamos apoiando a visão do Brasil na área. Entramos com 115
milhões e estamos apoiando com meio bilhão de libras. Somos o segundo maior
parceiro do Brasil na área de ciência e tecnologia e o terceiro na área de
clima. A ambição do Brasil em relação à COP é grande e estamos prontos para
ajudar. Lançamos dois novos hubs com o governo brasileiro, um para hidrogênio
outro para a descarbonização da indústria, e com centros de excelência para
ajudar nessa transição. Estamos ajudando o ministério (do Meio Ambiente) a
escrever uma nova estratégia de bioeconomia.
·
A senhora atuou no
Oriente Médio e, hoje, está no Brasil. Qual é o peso do Brasil na diplomacia?
O nível de trabalho
aqui, no Brasil, é o mesmo da China, da Rússia, da França, da Alemanha. Isso
indica o valor desta posição. O Reino Unido vê este posto no mesmo patamar da
China — mostra o valor do Brasil no cenário internacional.
Fonte: Correio
Braziliense
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