Quem
cortou a luz no dia do golpe?
Oito
de janeiro de 2023.
Eram
21h30 quando uma torre de energia tombou em Cujubim, Rondônia.
O
segundo ataque veio logo depois.
Brasília
ainda ardia sob a fúria dos atos golpistas que atacaram Palácio do Planalto,
Congresso e Supremo Tribunal Federal quando, 0h13 em ponto, exatas duas horas e
quarenta e três minutos depois da primeira, desabou a segunda torre em
Medianeira, Paraná. 0h40, num espaço de três horas e dez minutos entre as três,
foi ao chão a terceira. Em Rolim de Moura, também Rondônia, a cerca de 380
quilômetros de Cujubim.
O
documento da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) que relata os
acontecimentos dos ataques as linhas de transmissão de energia do Brasil em
janeiro de 2023, obtido pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação,
é definitivo:
·
Sabotagem e ação
criminosa
“Sabotagem.
Atuação ou tentativa criminosa”. Define como “ações criminosas”. E completa:
“não foram registradas condições climáticas adversas que possam ter causado
queda das torres”.
No
total, entre os primeiros ataques, no dia 8 de janeiro e o dia 31, foram 24
torres avariadas em 14 diferentes locais, espalhados por seis estados: Rondônia
(4 locais), Paraná (4), São Paulo (3), Mato Grosso (1), Piaui (1) e Pará (1).
Quatro foram ao chão, sendo que 3 em Rondônia e uma no Paraná. As três atacadas
em 8 de janeiro ao longo da noite e madrugada, (duas em Rondônia e uma no
Paraná) foram ao chão. O laudo de todas define como sabotagem.
Em
todos os casos, ocorreu a repetição sistemática de um conjunto de ações: todos
os parafusos da base das torres foram retirados, “ficando a torre sem
sustentação, possibilitando a queda”. Além dos parafusos, foram cortados também
os cabos de sustentação.
Em
resumo: existiu um modus operandi. Um método repetido que uniu todas as ações.
Mais
do que isso: uma organização, planejamento e pessoas com treinamento para tal
operação realizada de forma sistematizada.
·
Atos golpistas em
Brasília e torres de energia atacadas: um só plano
“É
preciso não perder de vista jamais que o caso das torres derrubadas começam no
mesmo dia, quase simultaneamente, exatamente horas depois do início dos eventos
golpistas de Brasília, ao anoitecer. O que pode ser entendido como parte de um
mesmo plano. Dentro desse plano, Brasília já estaria tomada pelos golpistas no
executivo, judiciário e legislativo, e problemas em série com a rede de energia
trariam de vez o caos ao país. Restaria a decretação da Garantia da Lei e da
Ordem (GLO) e o poder transferido para o exército. E o governo estaria
entregue. Hoje sabemos que esse era o plano”, resume um servidor envolvido na
apuração dos episódios do 8 de janeiro e que pediu para não se identificar.
O
histórico anual de ocorrências em torres de energia também afasta a hipótese do
acaso. De acordo com a ANEEL, o ano de 2023 representa um recorde. Mais
especificamente janeiro de 2023, mês em que as ações se concentraram. Para se
ter uma ideia através de termos comparativos, 2019 inteiro fechou com dois
registros de vandalismo em torres. Menos do que o 8 de janeiro de 2023.
Esquecido
no noticiário sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro, jamais citado como
objeto da investigação em curso sobre , sem nenhuma prisão ou operação
específica, o episódio dos ataques às torres de energia foram e requerem, no
entanto, tanta complexidade ou mais, logística, verbas e expertise do que os
próprios eventos de 8 de janeiro ocorridos em Brasília.
Coisa
de especialista.
Em
relação aos episódios de Brasília, as investigações caminham para uma direção.
Em relação aos ataques contra as torres, os caminhos e os relatórios da ANEEL
mostram também alto grau de profissionalismo.
·
Os Kids Pretos em ação
Em
junho de 2022, o repórter Allan de Abreu publicou a reportagem “Os Kids Pretos
– O papel da elite de combate do Exército nas maquinações golpistas”, na
revista Piaui, onde, pela primeira vez, era citada a participação efetiva de
militares da forças especiais, os chamados “kids pretos”, na tentativa de golpe
de 8 de janeiro.
Na
ocasião, a reportagem mostrou que o nível de organização das ações na capital
demandava profissionais capacitados.
E
os profissionais no exército capacitados para tal, treinados em operações
especiais, eram os kids pretos, círculo de oficiais que formavam o ciclo mais
próximo a Jair Bolsonaro.
Os
kids pretos são treinados emações de sabotagem e incentivo à insurgência
popular, as chamadas “operações de guerra irregular”.
·
Modus operandi: parafusos da base retirados e cabos cortados
As
fotos abaixo, todas constantes do relatório da ANEEL sobre os ataques, mostram
as distintas sabotagens, como retiradas de parafusos estratégicos na base,
corte de cabos também da base e retirada de hastes de sustentação:
Desde
o início das investigações sobre os atos golpistas, duas operações
especificamente voltadas para a participação e organização dos kids pretos já
foram realizadas pela Polícia Federal.
Em
29 de setembro de 2023, a PF realizou mais uma etapa, a 18ª, da “Operação Lesa
Pátria”, nome da investigação que apura financiadores, participantes e
organizadores dos atos golpistas. A operação foi voltada especificamente para
cumprir um mandado de busca e apreensão contra o general da reserva Ridauto
Lucio Fernandes, um “kids preto”, que chegou a gravar vídeo da própria
participação nos atos golpistas de 8 de janeiro.
“A
nova fase da Lesa Pátria faz parte de uma frente da investigação que busca
identificar supostos integrantes das Forças Especiais do Exército, os chamados
“kid pretos”, que teriam dado início às invasões às sedes dos Três Poderes”,
comunicou então a Polícia Federal.
Já
em 8 de fevereiro de 2024, foi deflagrada a “Operação Tempus Veritatis” da
Polícia Federal, para apurar os crimes de golpe de Estado e abolição do Estado
Democrático de Direito por membros do governo de Jair Bolsonaro, apontou que
integrantes das Forças Especiais do Exército, os chamados “kids pretos”,
estiveram envolvidos em um “planejamento minucioso” para impedir a posse de
Lula na presidência da República.
De
acordo com a PF, “houve planejamento minucioso de kids pretos do exército para
a consumação do golpe de estado”. O plano envolveu uma reunião em novembro de
2022 com oficiais especializados em ações contra terrorismo, insurgência e
guerrilha. Os “kids pretos” seriam os responsáveis por realizar as prisões de
autoridades após a edição de um decreto de intervenção militar. Entre os alvos
estaria o ministro do STF, Alexandre de Moraes, que chegou a ser monitorado
pelos investigados.
Os
detalhes do plano foram relatados em mensagens encontradas no celular do
tenente-coronel Mauro Cid, que fechou colaboração premiada com a Polícia
Federal.
·
Outro lado
A
reportagem enviou para a Polícia Federal um pedido oficial de resposta sobre as
investigações específicas sobre o ataque às torres, mas não recebeu resposta.
Fonte:
Por Lúcio de Castro, na Agência Sportlight
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