terça-feira, 30 de abril de 2024

Trabalho: Os chocantes impactos da crise climática

Estudo da OIT aponta que o aquecimento global afeta de forma grave a saúde de 70% dos trabalhadores no mundo. Além disso, pode gerar uma perda de 19% da renda global. Todo o planeta arde, mas Sul Global e mais pobres são os mais atingidos.

·        Crise climática sem fronteiras

Em 2023, a Ásia foi a região mais afetada por cataclismos climáticos. As temperaturas da superfície do mar no noroeste do Pacífico foram as mais altas já registradas, tanto que o próprio Oceano Ártico sofreu uma onda de calor marinha. A taxa de aquecimento nesse continente excedeu a média global, duplicando a tendência ascendente de 1961 a 1990 num curto espaço de tempo. De acordo com a Base Internacional de Dados de Eventos de Desastres (EM-DAT, The International Disaster Database), a Ásia experimentou 79 desastres hidrometeorológicos no ano passado. Destes, mais de 80% foram causados por tempestades e inundações que afetaram diretamente mais de 9 milhões de pessoas.

Em outro relatório regional, também do final de abril, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) descreve o impacto do clima cada vez mais preocupante na Europa, onde, devido a temperaturas extremas, a mortalidade aumentou cerca de 30% nas últimas duas décadas.

2023 foi um dos dois anos mais quentes já registrados, com temperaturas acima da média por 11 meses. Foi também o ano com mais dias de “estresse térmico extremo”, ou seja, desequilíbrios significativos do corpo humano causados por temperaturas extremas devido ao calor ou frio.

·        O mundo do trabalho é particularmente vulnerável

Embora esses cataclismos afetem a população em geral, atingem os trabalhadores em particular, geralmente as pessoas mais expostas aos rigores do clima por períodos mais longos e a temperaturas mais intensas. Um novo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), intitulado “Garantir a segurança e a saúde no trabalho em um clima em mudança”, aponta que as mudanças climáticas estão causando efeitos terríveis na saúde de 70% dessas pessoas em todo o mundo, como lesões dermatológicas, câncer, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, degeneração macular e problemas mentais.

O relatório, divulgado na terceira semana de abril – dia 28 deste mês foi o Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho – inclui evidências irrefutáveis de seis principais efeitos das mudanças climáticas na segurança e saúde no trabalho. Esses efeitos, muitos dos quais não são novos, foram selecionados por sua gravidade e pela magnitude de seu impacto: calor excessivo, radiação ultravioleta, eventos climáticos extremos, poluição do ar, doenças transmitidas por vetores (mosquitos, por exemplo) e mudanças no uso de agrotóxicos.

O calor excessivo é um dos efeitos mais nocivos e generalizados. De acordo com a OIT, pelo menos 2,41 bilhões de trabalhadores sofrem com isso, especialmente na agricultura, na gestão de recursos naturais, na construção, na coleta de resíduos, no transporte, no turismo e nos esportes. Altas temperaturas podem causar insolação, exaustão, rabdomiólise (NdT: doença que causa a degradação do tecido muscular que libera uma proteína prejudicial no sangue), síncope, câimbras, erupção cutânea, doenças cardiovasculares e lesões renais agudas e crônicas. O relatório contabiliza mais de 22 milhões de acidentes de trabalho e quase 19 mil mortes anuais devido ao calor extremo.

Além disso, cerca de 1,6 bilhão de trabalhadoras/es são expostas/os à radiação ultravioleta anualmente, com graves consequências, como queimaduras solares, bolhas, lesões oculares agudas, sistema imunológico enfraquecido, pterígio (NdT: crescimento anormal da conjuntiva), catarata, câncer de pele e degeneração macular, entre outros. Anualmente, milhares de pessoas morrem anualmente de câncer de pele não melanoma relacionado apenas a diferentes formas de trabalho.

Em relação ao impacto de eventos meteorológicos e hidrológicos extremos, a OIT estima mais de 2 milhões de mortes nos últimos 50 anos, especialmente entre pessoal médico e paramédico, bombeiros, trabalhadoras/es de emergências em geral, bem como nos setores agrícola e pesqueiro.

Outros 850 mil trabalhadores morrem anualmente devido à poluição do ar, vítimas de doenças graves como câncer (particularmente câncer de pulmão), doenças cardiovasculares e respiratórias.

Pelo menos 873 milhões de pessoas que trabalham no setor agrícola enfrentam um risco maior de exposição a agrotóxicos, correlacionado com uma ampla gama de diagnósticos de envenenamento, câncer, neurotoxicidade, desregulação endócrina, distúrbios reprodutivos, doenças pulmonares e cardiovasculares obstrutivas crônicas e imunossupressão. E mais de 300 mil mortes por ano são devidas à intoxicação por pesticidas. Nesse mesmo setor, mas especificamente em ocupações como construção civil e bombeiros, ocorrem anualmente mais de 15 mil mortes causadas por doenças parasitárias e transmitidas por vetores, como leishmaniose, doença de Chagas, tripanossomíase africana, malária, dengue e esquistossomose.

·        Prioridade imperativa: proteger as/os trabalhadoras/es

Mais de dois em cada três trabalhadoras/es enfrentam graves consequências para a saúde todos os dias devido ao impacto das alterações climáticas no seu trabalho. De acordo com a OIT, esses números globais só tendem a piorar e que, como a inércia é a pior conselheira, é preciso agir urgentemente e em várias direções. Alguns setores, como os trabalhadores agrícolas, bem como os trabalhadores que realizam tarefas pesadas e ao ar livre em climas quentes, são particularmente vulneráveis aos efeitos do aquecimento global. Em ambos os casos, é necessário pensar em medidas protetivas adicionais.

Além disso, veja como adaptar as atuais políticas de segurança e saúde no trabalho em resposta às mudanças climáticas. De acordo com a OIT, não se pode descartar a avaliação da legislação existente e o desenvolvimento de novos regulamentos e diretrizes para garantir que o local de trabalho seja adequadamente protegido contra as ameaças resultantes do aquecimento global.

Outro passo essencial para o futuro próximo é garantir que as preocupações climáticas reforcem a importância da segurança e da saúde no trabalho e que novas diretrizes sejam integradas nas políticas climáticas. Será também essencial aumentar a investigação e garantir uma base empírica mais forte para orientar as respostas necessárias. O ponto de partida atual é fraco porque as evidências científicas em muitas áreas críticas são extremamente limitadas. São necessárias investigações mais aprofundadas para desenvolver e avaliar a eficácia das medidas preventivas de segurança e saúde no trabalho em diferentes países e setores de atividade. Tudo isto no quadro de um diálogo social eficiente que dê uma resposta eficaz a esses problemas num mundo do trabalho em mudança.

·        Quem vive no sul, os mais afetados

Devido às mudanças climáticas, mesmo que as emissões de CO2 fossem drasticamente reduzidas a partir de hoje, até 2050 a economia mundial poderia perder 19% de suas receitas potenciais. Esse é o cálculo de um grupo de especialistas do Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto Climático (PIK) publicado na revista Nature na terceira semana de abril.

Com base em dados empíricos coletados em mais de 1.600 regiões do mundo nos últimos quarenta anos, esses especialistas argumentam que essa perda pode ser seis vezes maior do que os custos necessários para limitar o aquecimento global a dois graus Celsius.

A cientista do PIK, Leonie Wenz, uma das coordenadoras do estudo, comenta que “as mudanças climáticas causarão enormes danos econômicos nos próximos vinte e cinco anos em quase todos os países do mundo, mesmo os altamente desenvolvidos, como Alemanha, França e Estados Unidos”. E explica que “esses danos a curto prazo são resultado das nossas emissões passadas [e que] precisaremos de mais esforços de adaptação se quisermos evitar pelo menos alguns deles”. Por isso, propõe “reduzir drástica e imediatamente as nossas emissões; caso contrário, as perdas econômicas serão ainda maiores na segunda metade do século”. E conclui que “proteger o nosso clima é muito mais importante e mais barato do que não o fazer, e isso sem sequer considerar impactos não econômicos, como a perda de vidas ou a biodiversidade”. Dentro desse panorama preocupante, a equipe do PIK alerta que os países do sul da Europa serão os mais afetados no continente.

Por outro lado, o Sul da Ásia e a África serão as regiões mais atingidas do mundo. Em outras palavras, as nações mais empobrecidas do mundo e que têm menor responsabilidade pelo aquecimento global sofrerão os efeitos mais devastadores dele resultantes.

 

¨      A proposta dos catadores para o inferno dos plásticos. Por Aline Sousa da Silva e Luísa Santiago

 

Catadores e catadoras de materiais recicláveis têm contribuído, há anos, para mantermos bons índices de reciclagem para materiais como latas de alumínio, cuja taxa chegou a quase 100% em 2021, número que coloca o Brasil como o país que mais recicla alumínio no mundo. Limpando rios e lagos, recolhendo os resíduos das ruas, dos lixões que insistem em existir, ou fazendo a triagem e classificação, esses agentes ambientais recuperam o valor de materiais que podem ser incorporados a novos produtos e embalagens. Mostram que o que parece descartável tem valor subestimado e subaproveitado.

Por essa função ambiental e econômica, conquistaram visibilidade a ponto de serem considerados grupo de atenção prioritária para a presidência do Brasil. Na icônica transmissão da faixa presidencial a Lula por uma catadora, enxergou-se, enfim, que a categoria não apenas cresceu e se consolidou, como se tornou imprescindível para o nosso desenvolvimento. No entanto, essa visibilidade, assim como a reciclagem, tem suas limitações. Para termos maiores retornos econômicos com resultados ambientais, precisamos de melhor valorização dos nossos recursos materiais e dos profissionais que atuam diretamente com eles.

Apesar do destaque do alumínio, outros materiais ainda estão longe de ser um caso de sucesso. O plástico, cujo reaproveitamento deveria ser prioritário, apresenta taxas de reciclagem abaixo dos 25% no Brasil e abaixo de 10% mundialmente, enquanto a quantidade de plástico virgem que entra no mercado dobra a cada ano. Este é o resultado da atual economia linear na qual extraímos recursos da natureza e os transformamos em produtos que futuramente serão desperdiçados pois não foram projetados para voltar ao mercado.

As cooperativas de catadores sabem bem como lidar com resíduos quando se trata de coleta seletiva e reciclagem. Em Brasília, a coleta seletiva realizada por cooperativas consegue retornar 97% dos materiais recicláveis ao mercado. Já dos materiais recicláveis coletados por empresas, menos de 40% retorna ao mercado, devido à contaminação dos materiais. Tal eficiência reflete um nível de conhecimento e organização das cooperativas que precisa ser valorizado.

Contudo, uma economia linear não é boa para os catadores. Não é interessante que a sua renda seja limitada por um material de baixo interesse do mercado e projetado para ser descartado – e não circulado desde o princípio. Os dados sobre plástico também reforçam que a poluição não será resolvida apenas com reciclagem. Precisamos de uma abordagem ampla de economia circular, que elimine plásticos desnecessários e problemáticos e que se apoie em profissionais e sistemas capazes de manter os materiais circulando em seu mais alto valor.

Neste momento, estamos próximos de um acordo internacional que pode auxiliar nas frentes necessárias para resolver este cenário. No fim deste mês de abril, as nações voltam a se reunir para discutir um tratado da ONU contra a poluição plástica que seja juridicamente vinculante e baseado em uma visão ampla de economia circular. O intuito é garantir regras internacionais para que os países tenham políticas harmonizadas para enfrentar a poluição plástica. O nível de ambição que for alcançado no texto do tratado pode representar um grande avanço para a valorização que precisamos.

Com um tratado ambicioso, os países podem colocar barreiras para plásticos problemáticos e desnecessários, que dificultam a reciclagem e o trabalho dos catadores. Podem exigir a implementação da responsabilidade estendida do produtor, que ainda está longe de ser realidade no Brasil, e que deve ser um mecanismo financeiro contínuo, dedicado e suficiente para expandir a infraestrutura de reciclagem e garantir a formalização e melhor remuneração de catadores. O tratado também pode liberar os entraves que impedem que o plástico reciclado seja competitivo com o material virgem. E, principalmente, pode estimular o design para a reciclagem e facilitar a criação de sistemas de reuso que estendem o valor do plástico e que podem empregar catadores em funções mais seguras e com maior renda.

Esperamos que, nesta próxima rodada de negociações para acabar com a poluição plástica, líderes dos países estejam conscientes de que tomar um posicionamento ambicioso pode tanto trazer resultados ambientais positivos quanto desbloquear oportunidades econômicas para as pessoas que contribuem com o desenvolvimento do país.

 

Fonte: Por Sergio Ferrari | Tradução: Rose Lima, em Outras Palavras/Carta Capital

 

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