Valerio
Arcary: O realismo marxista
Não há
militância coletiva sem uma compreensão comum do que fazer. O que fazer deve
ser ditado por uma análise da conjuntura. Não é adequado classificar análises
como otimistas e pessimistas. O maior perigo na interpretação da realidade é o
impressionismo. Impressionismo é uma forma de pensar. O impressionismo
imprudente retira conclusões apressadas sobre a conjuntura porque prescinde do
método. A chave do método é o estudo das relações sociais e políticas de força.
Deve ser esgrimido com realismo. O marxismo é uma ferramenta que recomenda o
máximo rigor, portanto, a mínima contaminação pelas nossas ansiedades ou
preferências. O impressionismo é uma ligeireza de análise centrada na
maximização do tempo do presente que sustenta opiniões rígidas e precipitadas.
É uma forma de interpretação dos acontecimentos que diminui a importância das
mediações, porque secundariza as contradições, diminui a complexidade e,
portanto, favorece o desequilíbrio e defende táticas ziguezagueantes.
Análise
marxista remete ao método. Além da lógica, demanda estudar a economia, a
sociologia, a história, a política, e outras disciplinas, como análise de
discurso, direito, psicologia social, etc. Portanto é complexo O método deve
ter rigor científico. Mas política revolucionária não é possível sem “arte”.
Arte porque se trata de aferir a quente a evolução da consciência média das
massas populares. A questão do tempo necessário para as classes populares
resolverem os seus impasses subjetivos é um desafio apaixonante, mas
perturbador. Na longa duração, em um sentido, o tempo corre a favor das classes
trabalhadoras. Porque as crises recorrentes demonstram a impossibilidade do
capitalismo, grosso modo, resolver os impasses da civilização. Apesar de todas
as derrotas políticas, e mesmo considerando as derrotas históricas, enquanto o
sujeito social existe e luta, a última palavra ainda está por ser dada e, nesse
sentido, os combates decisivos, objetivamente, são os que estão colocados à sua
frente, e não os que ficaram para trás. Mas não vivemos no tempo das longas
durações. Vivemos nos prazos curtos da tirania do presente imediato. Na luta
política socialista os tempos não são indefinidos. O objetivo estratégico é
transformar a sociedade ao serviço dos interesses dos trabalhadores. A tática é
chegar ao poder. Quanto antes melhor, porque temos pressa de mudar a vida. Se
possível, enquanto estamos vivos. Um projeto político sério precisa considerar
as medidas do tempo. O tempo não deve nos cegar, mas não pode ser ignorado.
Relação
social de forças é um conceito chave para uma ação política responsável. Remete
à avaliação da estrutura social ou à posição de força respectiva das classes e
frações de classe. É uma ideia que procura estabelecer os parâmetros para medir
quem está avançando, e quem está recuando na luta de classes. Há polêmicas
sobre quais devem ser estes critérios. Na luta de classes os critérios são
objetivos e subjetivos. Exigem uma análise desapaixonada. São muitas as
variáveis. Indicadores objetivos são, por exemplo, o peso social maior ou menor
dos trabalhadores sobre as outras classes, a força maior ou menor de suas
organizações, o número maior ou menor de greves e protestos, o tamanho maior ou
menor das passeatas. Critérios subjetivos remetem à investigação do estado de
ânimo, ou disposição de luta, a maior ou menor confiança das classes exploradas
e oprimidas em si mesmas. Análises sérias exigem um esforço rigoroso de
abstração. A cabeça acompanha a pressão do chão que os pés pisam. A experiência
pessoal de cada um de nós é valiosa, mas é parcial. Generalizações rápidas
conduzem, inevitavelmente, ao erro. Dizem que a intuição é a inteligência
operando em “altíssima velocidade”. Há um grão de verdade nesta “máxima” do
empirismo. Mas bom marxismo não é empirismo, embora seja máximo ativismo.
Análise
de conjuntura começa por separar as partes de um todo, e trabalhar em
diferentes níveis de abstração, identificando os conflitos por ordem de
importância. Os fatos não falam por si mesmos. Interpretar os acontecimentos
exige minúcia, detalhe, rigor. Os acontecimentos têm pesos distintos. Calibrar
o que é importante e distinguir do que é circunstancial ou até acidental é
decisivo. O impressionismo desequilibra as conclusões. Quando um problema é
complexo o melhor é dividir em partes menores. Tudo é contraditório. Só ao
final se pode fazer a síntese, uma reconstituição, em um grau de complexidade
maior. Só a síntese é que permite a consideração das hipóteses de evolução, as
tendências em conflito. A força da classe dominante vem do peso nas instituições,
no dinheiro e na riqueza, e nos meios de comunicação. Mas também da força de
inércia das ideologias que envenenam a mentalidade das massas. A força da
esquerda repousa, sobretudo, na capacidade de se apoiar nas mobilizações de
massas. Mas há um “teatro” das ilusões. Uma espécie de “jogo dos espelhos” em
que os gordos parecem magros, e os baixinhos parecem gigantes. O mais
importante: análise de conjuntura exige uma blindagem da pressão ideológica da
classe dominante. Eles mentem. Não é possível fazer a defesa da ordem sem
manipulação.
As
condições de vida materiais e culturais na luta pela sobrevivência são uma das
expressões de uma determinada relação social de forças. Mas não são absolutas,
tudo é relativo. Há uma dialética entre estrutura e superestrutura. Maior
miséria expressa uma relação de forças ruim, mas não é o mais fundamental. As
variações na disposição de luta das classes populares é sempre o termômetro
mais importante. Um elemento subjetivo que nos remete às variações de humor ou
estado de ânimo, portanto, à psicologia social. Relação política de forças é
uma análise da superestrutura. Resultados eleitorais informam muito sobre a
relação de forças. Mas são parciais. Uma semana a mais ou a menos, assim como
uma prorrogação em um jogo de futebol, podem ser decisivas em uma eleição. Tudo
está em movimento, e as posições de classe em permanente transformação. A
relação de forças tem como objetivo identificar quem está na ofensiva e quem
está na defensiva. O critério são as ações, não os discursos. A luta de classes
assume muitas formas. Umas mais visíveis e outras mais moleculares, mas ela
está sempre presente. Pesquisas de opinião são uma variável útil, porém,
distorcida da relação de forças. Todas as pessoas são iguais na hora da
pesquisa. Mas na vida não são todos iguais. A parcela politicamente ativa da
sociedade é muito mais influente. Uma das peculiaridades do Brasil é que um
terço da sociedade é semiletrada. O abismo entre a parcela instruída da
sociedade e as camadas mais vulneráveis das massas é abismal. A análise deve
ser sempre feita em diferentes graus de abstração. A relação social de forças
entre as classes é mais estável, duradoura e constante que as relações
políticas de forças. Não há plena coincidência entre as duas. A relação social
de forças indica a situação, a relação política de forças a conjuntura. Estamos
sempre em conjunturas, mas elas não explicam, em si mesmas, o que virá. Sem
realismo revolucionário não é possível decidir quando é a hora de recuar, de
manter posições, ou de avançar. Sem realismo marxista é impossível vencer.
Fonte:
Opera Mundi

Nenhum comentário:
Postar um comentário