Quantos
insetos você precisaria comer para substituir frango, porco ou carne bovina?
Nos
últimos 10 anos, tem-se falado muito sobre substituir a carne por insetos
comestíveis (entomofagia). Soa exótico em alguns países, mas essa opção
nutricional está ganhando popularidade e adeptos.
Desde
2014, quando a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
(FAO) publicou o livro Insetos Comestíveis: perspectivas futuras para a
segurança alimentar e nutricional, a discussão sobre o consumo de insetos tem
aumentado.
Para o
debate, contribuíram diferentes estudos que indicam que criar insetos tem um
impacto ambiental menor do que produzir carne de boi, porco e frango.
Por
exemplo, para um quilo de carne de frango consumido, são emitidos 4,5 quilos de
gás carbônico (CO²) equivalente (medida utilizada para comparar as emissões de
vários gases de efeito estufa, convertendo-os para seu equivalente em dióxido
de carbono).
Um
quilo de larva da farinha gera 2,8 quilos de CO² equivalente.
A isso,
soma-se o baixo consumo de água e uso do solo.
No que
diz respeito ao último parâmetro, um quilo de carne de frango utiliza 12,48 m²
do solo, contra 3,07 m² necessários para produzir um quilo de larva da farinha.
• Rico em proteína e um aliado contra a
fome
Usando
dados de 2021, calcula-se que uma dieta saudável custa cerca de US$ 3,66 (cerca
de R$ 20 na conversão atual) por pessoa por dia, o que significa que 42,2% da
população mundial pode não ter acesso a ela.
Nesse
contexto, o consumo de insetos comestíveis pode se tornar um aliado para
reduzir a fome graças ao que se conhece como "micropecuária",
sistemas de autoconsumo em que a infraestrutura e os custos de produção são
mais fáceis de cobrir.
Contudo,
o uso de insetos como ingrediente continua sendo um desafio para muitas
culturas.
No
mundo, cerca de 2.250 espécies de insetos e aracnídeos são consumidas, entre as
quais se destacam os besouros, as borboletas, as vespas e as abelhas.
Na
Europa, a legislação autoriza a produção de quatro espécies para o consumo
humano: as larvas de besouro-da- farinha (Tenebrio molitor), o
gafanhoto-migratório (Locusta migratoria), o grilo doméstico (Acheta
domesticus) e as larvas do besouro-do-estábulo (Alphitobius diaperinus), que
contêm, em peso seco, respectivamente, 53,2%, 56,8%, 62,6% e 50,79% de
proteínas.
A
título de comparação, a proporção de proteína da carne de boi, porco e frango
alcança 24,1%, 22,2% e 21%, respectivamente.
Então,
quantos insetos teríamos que consumir para substituir a carne?
Embora
não seja fácil calcular, tentaremos explicar de uma forma simples.
A
ingestão dietética recomendada (RDA, em inglês) sugere que se deve ingerir 0,83
gramas de proteína por quilo de peso corporal por dia. Ou seja, uma pessoa de
70 quilos deve consumir 58,1 gramas de proteína diariamente.
Se
fizermos as contas, uma pessoa com índice de massa corporal entre 18,5 e 24,9 e
70 kg precisaria comer 277 gramas de carne bovina contra 93 gramas de grilo
seco, se essas fossem suas únicas fontes de proteína.
Outro
exemplo: para alguém que pesa 80 quilos, o consumo diário recomendado seria de
276 gramas de frango em comparação com 131 gramas de gafanhoto seco.
Se
houver outras fontes de proteína, como leite, ovo, peixes e legumes, o consumo
de inseto deve ser ajustado.
E aqui,
cabe lembrar, da necessidade de combinar diversos grupos de alimentos (frutas,
vegetais, cereais, peixes, etc) e nutrientes (gorduras, carboidratos, vitaminas
e minerais) para seguir uma dieta variada e saudável.
• Experiência gastronômica única
Suprir
as necessidade de proteínas requer menor quantidade de alimento se as
obtivermos dos insetos. Sem contar os benefícios ambientais da micropecuária,
assim como um investimento menor em comparação com a pecuária industrial.
Além
disso, é importante destacar que o aproveitamento do animal é superior no caso
e insetos (de 70 a 100%), comparado com o peixe (65%), o frango e o porco (55%)
e o bovino (entre 40 e 50%).
Outro
fator é que, além serem ricos em proteínas, os insetos contêm cerca de 60% de
ácidos graxos monoinsaturados, o que os torna uma opção de consumo
cardioprotetora (aliado do cuidado cardiovascular).
E, se
observarmos o aspecto sensorial, é possível combinar os sabores dos insetos com
muitos ingredientes conhecidos, como semente de abóbora, o pinhão, o camarão em
pó e o abacate, entre muitos outros. Países como Tailândia, China e México têm
feito isso há séculos.
Os
pratos elaborados com insetos comestíveis não só proporcionam um sentido de
pertencimento a quem os consome de maneira tradicional, como têm a capacidade
de proporcionar uma experiência gastronômica única e nutritiva.
• Insetos são o alimento do futuro?
"Pensa
num bolinho de grilo, tipo um bolinho de peixe", disse o chef ao sugerir
que o homem na fila do bufê experimentasse a fumegante e apimentada laksa —
sopa de noodle com leite de coco — repleta de "proteína texturizada de
grilo".
Ao
lado, havia uma travessa de chilli crickets (grilos picantes), a versão com
inseto de um dos pratos mais amados de Cingapura (chilli crab) — caranguejo
servido com um molho denso de pimenta doce.
Parecia
um bufê como outro qualquer, exceto pelo ingrediente principal de cada prato:
grilos.
Na
fila, havia uma mulher que colocava cuidadosamente noodles coreano coberto com
grilo moído em seu prato, e um homem que não parava de fazer perguntas ao jovem
chef.
Era de
se esperar que os clientes se deliciassem com o banquete. Afinal de contas,
eles estavam entre os mais de 600 cientistas, empresários e ambientalistas de
todo o mundo que desembarcaram em Cingapura como parte de uma missão para
tornar os insetos saborosos. O nome da conferência já dizia tudo: "Insetos
para Alimentar o Mundo".
E ainda
mais pessoas foram atraídas para o bufê ao lado do banquete repleto de insetos.
Alguns teriam argumentado que era o de sempre: peixe selvagem com infusão de
capim-limão e limão, lombo grelhado com geleia de cebola, curry de legumes com
leite de coco.
Cerca
de dois bilhões de pessoas, aproximadamente um quarto da população mundial, já
consomem insetos como parte de sua alimentação diária, segundo a Organização
das Nações Unidas (ONU).
Mais
gente deveria se juntar a elas, de acordo com um grupo cada vez maior de
ativistas dos insetos, que defendem estes animais invertebrados como uma
escolha saudável e sustentável.
Mas
será que a perspectiva de salvar o planeta é suficiente para fazer com que as
pessoas experimentem estes bichinhos, capazes de provocar arrepios?
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À la insetos
"Temos
que nos concentrar em torná-los deliciosos", afirmou o chef Joseph Yoon,
de Nova York, que elaborou o cardápio com grilos para a conferência, em
parceria com o chef de Cingapura Nicholas Low. O evento teve permissão para
usar apenas grilos.
Segundo
ele, "a ideia de que os insetos são sustentáveis, ricos em nutrientes,
podem resolver a questão da segurança alimentar e assim por diante" não é
suficiente para torná-los palatáveis, muito menos apetitosos.
Estudos
mostram que os grilos são ricos em proteínas. E criá-los exige menos água e
terra, em comparação com o gado.
Alguns
países deram um empurrãozinho para as dietas à base de insetos. Cingapura
aprovou recentemente 16 tipos de insetos — incluindo grilos, bichos-da-seda,
gafanhotos e abelhas — como alimento.
A nação
está entre um grupo de países, incluindo União Europeia, Austrália, Nova
Zelândia, Coreia do Sul e Tailândia, que estão regulamentando o que ainda é uma
indústria incipiente de insetos comestíveis — com valor estimado entre US$ 400
milhões e US$ 1,4 bilhão (R$ 2,2 bilhões e R$ 7,8 bilhões).
Chefs
como Nicholas Low tiveram que encontrar maneiras de "fragmentar" os
insetos para cozinhar com eles, uma vez que as pessoas nem sempre estão
dispostas a experimentá-los "em sua forma original".
Para a
conferência, Low reinventou a famosa laksa quando substituiu o habitual bolinho
de peixe por hambúrgueres feitos de grilo moído.
Ele
contou que também deu um certo trabalho mascarar o cheiro de terra dos insetos.
Pratos com "sabores fortes", como a laksa, eram ideais porque as
iguarias da receita original distraíam as pessoas dos insetos triturados.
Low
disse que os grilos deixavam pouco espaço para ele fazer experimentos.
Normalmente fritos para obter uma crocância satisfatória, ou moídos até virar
um pó fino, eles não são versáteis como as carnes, que podem ser preparadas de
diferentes maneiras — desde ensopados a churrascos.
Ele não
consegue imaginar cozinhar com grilos diariamente.
"É
mais provável que eu os prepare como um prato especial que faz parte de um
cardápio mais amplo."
Desde
que Cingapura aprovou cozinhar com insetos, alguns restaurantes têm tentado a
sorte. Um estabelecimento de frutos do mar começou a polvilhar grilos em seus
satays (espetinhos) e massas com tinta de lula, ou servi-los como
acompanhamento de cabeça de peixe ao curry.
É claro
que há outros que estão mais comprometidos com o desafio. O Takeo Cafe, com
sede em Tóquio, no Japão, tem servido insetos aos clientes nos últimos 10 anos.
O
cardápio inclui uma salada com duas baratas-de-madagascar aninhadas sobre uma
camada de folhas e tomate-cereja; uma generosa bola de sorvete com três
pequenos gafanhotos em cima; e até mesmo um coquetel com bebidas feitas a
partir dos excrementos do bicho-da-seda.
"O
mais importante é a curiosidade [do cliente]", afirma Saeki Shinjiro,
diretor de sustentabilidade do Takeo Cafe.
E
quanto ao meio ambiente? "Os clientes não estão tão preocupados", ele
diz.
Pelo
sim, pelo não, o Takeo Cafe também tem um cardápio sem insetos.
"Ao
elaborar o menu, temos em mente não discriminar pessoas que não comem
insetos... Alguns clientes estão aqui apenas para acompanhar os amigos",
explica Shinjiro.
"Não
queremos que essas pessoas se sintam desconfortáveis. Não há necessidade de
comer insetos à força."
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Relação com a comida
Mas nem
sempre foi assim. Durante séculos, os insetos foram uma fonte valiosa de
alimento em diferentes partes do mundo.
No
Japão, gafanhotos, bichos-da-seda e vespas eram tradicionalmente consumidos em
áreas sem litoral, onde a carne e o peixe eram escassos.
A
prática ressurgiu durante a escassez de alimentos na Segunda Guerra Mundial,
afirmou a gerente do Takeo Cafe, Michiko Miura.
Hoje em
dia, grilos e bichos-da-seda são comumente vendidos como petiscos em mercados
noturnos na Tailândia, enquanto clientes na Cidade do México pagam centenas de
dólares por larvas de formiga, um prato que já foi considerado uma iguaria
pelos astecas, que governaram a região do século 14 ao século 16.
Mas
especialistas em insetos temem que estas tradições culinárias estejam se
desfazendo com a globalização, já que as pessoas que comem insetos agora
associam este tipo de dieta à pobreza.
Há um
"sentimento crescente de vergonha" em lugares com um longo histórico
de consumo de insetos, como a Ásia, a África e a América do Sul, afirmou Joseph
Yoon, o chef de Nova York.
"Agora
eles têm vislumbres de culturas estrangeiras pela internet, e ficam
envergonhados de comer insetos porque esta não é a prática em outros
lugares."
Em seu
livro Edible Insects and Human Evolution ("Insetos Comestíveis e Evolução
Humana", em tradução livre), a antropóloga Julie Lesnik argumenta que o
colonialismo aprofundou o estigma de comer insetos.
Segundo
ela, Cristóvão Colombo e membros de sua expedição descreveram o consumo de
insetos pelos nativos americanos como "bestialidade... maior do que a de
qualquer animal na face da Terra".
Claro,
o comportamento das pessoas pode mudar. Afinal, delícias gourmet — como o sushi
e a lagosta — já foram um conceito estranho para a maioria das pessoas.
O sushi
começou como um prato da classe trabalhadora encontrado em barraquinhas nas
ruas. E a lagosta, conhecida como "frango de pobre", já foi oferecida
a prisioneiros e escravizados no nordeste da América por causa da sua
abundância, explicou a pesquisadora de alimentos Keri Matiwck, da Universidade
Tecnológica de Nanyang, em Cingapura.
Porém,
à medida que as redes de transporte facilitaram as viagens e o armazenamento de
alimentos melhorou, cada vez mais pessoas foram apresentadas ao crustáceo. Com
o aumento da demanda, seu preço e status também aumentaram.
De
acordo com Matwick, alimentos antes vistos como "exóticos", ou nem
sequer considerados alimentos, podem aos poucos se tornar populares.
"[Mas]
as crenças culturais levam tempo para mudar. Vai levar um tempo para mudar a
percepção de que os insetos são repugnantes e sujos."
Alguns
especialistas incentivam as pessoas a criarem os filhos para serem mais
tolerantes a alimentos incomuns, incluindo insetos, porque as gerações futuras
vão enfrentar todas as consequências da crise climática.
Os
insetos podem muito bem se tornar os "superalimentos" do futuro, tão
cobiçados quanto a quinoa e as berries (frutas vermelhas). Eles podem ser
consumidos relutantemente, e não pelo prazer que uma picanha ou uma feijoada
proporcionam.
Por
enquanto, o chef de Cingapura Nicholas Low acredita que não há nada
pressionando as pessoas a mudarem suas dietas, especialmente em lugares ricos,
onde praticamente tudo o que você deseja está a poucos cliques de distância.
Segundo
ele, os consumidores mais jovens podem estar dispostos a prová-los por
curiosidade, mas a novidade vai passar.
"Há
tantas opções que é difícil escolher. Gostamos da nossa carne como carne, e do
nosso peixe como peixe."
Fonte:
Por Edgar Pulido Chávez e Alejandro Coronal Mariscal, para The Conversation/BBC
News

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