quarta-feira, 25 de junho de 2025

Por que tantos ‘idiotas’ ainda acreditam em teorias da conspiração

Hillary Clinton comandava uma rede global de tráfico de crianças de uma pizzaria em Washington? Não.

George W. Bush orquestrou um plano para derrubar as Torres Gêmeas e matar milhares de pessoas em 2001? Tampouco.

Mas por que algumas pessoas acreditam que sim? E o que as teorias da conspiração dizem sobre a maneira como vemos o mundo?

As teorias da conspiração estão longe de ser um fenômeno novo. Elas são uma presença constante nos bastidores há pelo menos 100 anos, diz o professor Joe Uscinski, autor do livro American Conspiracy Theories ("Teorias da Conspiração Americanas", em tradução livre).

Elas também são mais difundidas do que você imagina.

"Todo mundo acredita em pelo menos uma e provavelmente em algumas", diz ele. "E a razão é simples: há um número infinito de teorias da conspiração por aí. Se fôssemos fazer um questionário sobre todas elas, todo mundo vai assinalar algumas opções."

Esse cenário não se restringe aos EUA. Em 2015, uma pesquisa da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, mostrou que a maioria dos britânicos marcava uma das opções quando apresentada a uma lista de cinco teorias - que variavam da existência de um grupo secreto que controlava eventos mundiais ao contato com extraterrestres.

Isso sugere que, ao contrário da crença popular, o típico teórico da conspiração não é um homem de meia-idade que vive no porão da casa da mãe usando um chapéu de papel alumínio (que protegeria contra o controle mental realizado por satélites do governo e extraterrestres).

"Quando você realmente olha para os dados demográficos, a crença em conspirações transpõe classes sociais, gênero e idade", afirma o professor Chris French, psicólogo da Universidade Goldsmiths, em Londres.

Da mesma forma, seja você de esquerda ou direita, provavelmente vai acreditar em tramas contra você.

"Os dois lados são iguais em termos de pensamento conspiratório", diz Uscinski.

"As pessoas que acreditam que Bush explodiu as Torres Gêmeas eram em sua maioria democratas. Já as pessoas que achavam que Obama tinha falsificado sua própria certidão de nascimento eram em sua maioria republicanas - mas eram números pares dentro de cada partido."

<>< Teorias da conspiração

- A teoria de que o homem não pisou na Lua levou a explicações detalhadas refutando as alegações.

- A tese de que o criminoso de guerra nazista Rudolf Hess foi substituído por um sósia na cadeia foram desmentidas pelo DNA fornecido por um parente distante dele.

- Rumores sustentam a teoria de que os músicos Paul McCartney, Beyoncé e Avril Lavigne foram trocados por clones.

- Algumas versões do mito dos Illuminati sugerem que celebridades e políticos são membros do grupo que controlaria o mundo.

Para entender por que somos tão atraídos pela noção de forças obscuras que controlam eventos políticos, precisamos focar na psicologia por trás das teorias da conspiração.

"Somos muito bons em reconhecer padrões e regularidades. Mas às vezes exageramos nisso - achamos que vemos sentido e significado quando realmente não há", diz French.

"Nós também supomos que quando algo acontece, acontece porque alguém ou algo fez aquilo acontecer por um motivo."

Basicamente, vemos algumas coincidências em torno de grandes eventos e, em seguida, inventamos uma história sobre eles.

Essa história se torna uma teoria da conspiração porque contém "mocinhos" e "vilões" - sendo estes últimos responsáveis por todas as coisas de que não gostamos.

<><> Culpando políticos

Em muitos aspectos, é como a política cotidiana.

Costumamos culpar os políticos por acontecimentos negativos, mesmo quando esses eventos estão além do controle deles, diz o professor Larry Bartels, cientista político da Universidade Vanderbilt, nos EUA.

"As pessoas vão recompensar ou punir cegamente o governo por bons ou maus momentos sem realmente ter uma compreensão clara de se ou como as políticas do governo contribuíram para esses resultados", acrescenta.

Isso é verdade mesmo quando eventos que parecem pouco relacionados ao governo dão errado.

"Um exemplo que analisamos em detalhes foi uma série de ataques de tubarão na costa de Nova Jersey em 1916", afirma Bartels.

"Esta foi a base, bem mais tarde, para o filme Tubarão. Descobrimos que houve uma queda muito significativa no apoio ao presidente [Woodrow] Wilson nas áreas que foram mais afetadas pelos ataques de tubarão."

O papel de "nós" e "eles" nas teorias da conspiração também pode ser encontrado em grupos políticos mais tradicionais.

No Reino Unido, o referendo sobre a saída da União Europeia deu origem a dois grupos praticamente do mesmo tamanho: um a favor e outro contra a permanência no bloco.

"As pessoas sentem que pertencem ao grupo, mas isso também significa que as pessoas sentem um certo antagonismo em relação a quem faz parte do outro grupo", diz a professora Sara Hobolt, da Universidade London School of Economics (LSE), em Londres.

Os grupos contra e a favor do Brexit às vezes interpretam o mundo de maneira diferente. Por exemplo, confrontados com fatos econômicos idênticos, os que eram a favor da permanência no bloco são mais propensos a dizer que a economia está tendo um desempenho ruim, enquanto aqueles que defendiam a saída afirmam que ela está tendo um desempenho favorável.

As teorias da conspiração são apenas mais uma parte disso.

"No período que antecedeu o referendo, aqueles que defendiam a saída acreditavam estar no lado que sairia derrotado e eram mais propensos a pensar que o referendo poderia ser fraudado", sinaliza Hobolt.

"E isso realmente mudou depois que saiu o resultado do referendo, porque naquele momento quem estava no lado perdedor era o grupo a favor da permanência."

<><> Sem solução

Pode não ser muito animador saber que as teorias da conspiração estão tão inseridas no pensamento político. Mas não deveria ser surpreendente.

"Muitas vezes, o caso é que estamos construindo nossas crenças de maneira que sustentem o que queremos que seja verdade", diz Bartels.

E ter mais informações ajuda pouco.

"As pessoas mais sujeitas a essas distorções são as que estão prestando mais atenção", diz ele.

Para muita gente, há poucas razões para acertar os fatos políticos, já que seu voto individual não afetará a política do governo.

"Não há nenhum custo por estar errado sobre suas convicções políticas", completa Bartels.

"Se me faz sentir bem pensar que Woodrow Wilson deveria ter sido capaz de prevenir os ataques de tubarão, então o retorno psicológico de manter essas opiniões provavelmente será muito maior do que qualquer penalidade que eu possa sofrer se as opiniões estiverem erradas."

No fim das contas, queremos nos sentir confortáveis, e não certos.

É por isso que as teorias conspiratórias vêm e vão, mas também por que a conspiração sempre será parte das histórias que contamos sobre eventos políticos.

 

*Esta análise foi encomendada pela BBC a um especialista que trabalha para uma organização externa. James Tilley é professor de política e membro do Jesus College da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

•        Ciência explica por que nossos cérebros adoram uma teoria da conspiração

Se você já se viu no meio de uma discussão em que alguém tenta te convencer de que o Brasil perdeu de propósito a Copa do Mundo de 1998, ou mesmo de que a Terra é plana, sabe que as pessoas adoram uma teoria da conspiração.

Mas existe uma razão neurológica capaz de explicar por que muita gente ainda duvida de que o homem foi à Lua ou que Elvis Presley morreu?

Uma das imagens do furacão Matthew, que passou pelo Caribe em 2016, gerou debate na internet. Muita gente viu a "cara da morte" ou até mesmo um dinossauro no registro feito por satélites da Nasa, a agência espacial americana.

A visão inusitada é resultado de um fenômeno psicológico chamado pareidolia, que consiste em reconhecer padrões ou fazer conexões de dados aleatórios com imagens ou objetos.

É dessa necessidade que o cérebro humano tem de decifrar padrões, seja a partir de imagens, sons ou fatos, que surge, por exemplo, a mania de associar o formato das nuvens no céu a animais.

O fenômeno também explica as "mensagens satânicas" que algumas pessoas juram ouvir quando determinadas músicas - faixas de antigos discos da então apresentadora infantil Xuxa, por exemplo - são tocadas ao contrário na vitrola.

"É um fenômeno cognitivo, de percepção. Isso significa que o que eu vejo nem sempre é o mesmo que você vê. A pareidolia está ligada a quanto mais se viveu e se viu", explica o engenheiro brasileiro Maurício Raymundo de Cunto, perito forense e especialista em analisar imagem e som.

Segundo ele, a pareidolia dificilmente se aplica a uma criança de um ano de idade, por exemplo.

"É com o passar dos anos que nós armazenamos informações. O fenômeno fica mais intenso à medida que nosso banco de dados interno cresce e somos capazes de fazer associações", diz.

"E há pessoas que têm isso de forma mais intensa."

<><> Mas por que o cérebro busca padrões?

Como parte da nossa evolução como seres humanos, somos programados para reconhecer certos indicadores do ambiente ao nosso redor - como o derretimento da neve que anuncia a chegada da primavera nos países de clima temperado, por exemplo.

Isso nos ajuda a entender o mundo à nossa volta e a nos manter seguros de ameaças repentinas e desconhecidas.

Nosso cérebro interpreta um conjunto de eventos aleatórios na tentativa de encontrar algum fator em comum, que dê sentido ao que está sendo observado.

Para a nossa mente, a "teoria da conspiração" é preferível e mais compreensível que a ideia de uma série de acontecimentos desconexos.

Segurança ameaçada

De acordo com a teoria de Maslow sobre a hierarquia de necessidades dos seres humanos, depois de comida e abrigo, a nossa maior preocupação é com segurança.

E ela é "ameaçada" principalmente pelo desconhecido. E esse medo dele faz com que nosso cérebro crie respostas para garantir conforto.

Segundo especialistas, não conseguimos avaliar uma ameaça desconhecida e que não seja visível - mas evoluímos para reconhecer outras pessoas como ameaça. Então, nossa mente "decide" que um grupo oculto de indivíduos é responsável por acontecimentos ruins, agindo em prol de algum "objetivo nefasto".

Essa ideia é mais reconfortante e segura que a de que "um monte de coisas aleatórias estão acontecendo".

E, ao adicionar diferentes níveis de teorias da conspiração, um acima do outro, nosso cérebro consolida uma racionalização.

<><> Senso de comunidade

Pesquisadores também apontam o senso de comunidade como um dos fatores que estimulam as teorias da conspiração.

Os seres humanos sempre viveram em grupos, tribos, sociedades. Participam de clubes, times de futebol, praticam atividades juntos. Fazer parte de um conjunto que compartilha uma crença em comum proporciona um senso de comunidade e pertencimento.

E também faz parte da necessidade humana criar um senso de hierarquia a qualquer grupo de indivíduos. Estar ao redor de pessoas com as mesmas crenças, não importa o quão bizarras ou irracionais sejam, nos ajuda a sentir parte de um clube "especial".

Como animais sociais, ansiamos por respeito e aceitação. E graças à internet é muito mais fácil procurar e encontrar pessoas que pensam como você, assim como compartilhar suas crenças com outros indivíduos.

<><> 'Tudo acontece por uma razão'

No livro Suspicious Minds ("Mentes Suspeitas", em tradução livre), o psicólogo Rob Brotherton discute a ideia de "viés de intencionalidade", que se refere à tendência de ver uma intenção em qualquer ação humana.

Quando crianças, presumimos que tudo ao nosso redor acontece por uma razão. Se o filho vê o pai martelar acidentalmente o dedo, sua mente infantil diz que ele fez isso de propósito, porque um adulto, na visão da criança, está sempre no controle.

A criança pequena ainda não incorporou a noção de que muitas coisas acontecem por acidente ou por acaso.

À medida que crescemos, aprendemos que alguns eventos não têm necessariamente um motivo específico. Simplesmente acontecem.

Mas se nosso cérebro está "distraído" com excesso de informações, se nos sentimos ameaçados ou se tomamos uns drinques a mais, podemos começar a acreditar que existe uma intenção oculta por trás de cada ação - ainda que isso signifique acreditar que Shakespeare nunca existiu, que alienígenas vivem entre nós ou que o aquecimento global é lenda.

 

Fonte: BBC News

 

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