Por
que o governo apequena a Petrobrás?
O
leilão de blocos de petróleo realizado na última terça-feira (17) pela Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) reacendeu críticas
sobre a ausência de uma política estratégica para o setor e foi classificado
por especialistas como uma derrota para o país no longo prazo. A rodada, que
ocorreu sob o regime de concessão, resultou no arremate de 19 blocos na Bacia
da Foz do Amazonas, área considerada uma das mais sensíveis do ponto de vista
socioambiental.
O
governo arrecadou R$ 844 milhões em bônus de assinatura – pagamento para
explorar a área – , valor considerado modesto diante da dimensão e da
importância das áreas envolvidas. Para Mahatma Ramos, diretor técnico do
Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
(Ineep), o leilão “atropelou o debate público” e compromete o controle do
Estado sobre uma região estratégica.
“A
Margem Equatorial deveria ser tratada como o pré-sal: com planejamento, debate
público e sob regime de partilha. Colocá-la sob concessão, como fez a ANP, é
abrir mão da soberania e da capacidade de definir o destino dessa riqueza”,
afirmou Ramos.
O
especialista destaca que a Foz do Amazonas, por seu potencial, poderia ser
explorada de forma planejada, sob um modelo que priorize os interesses
públicos. Segundo ele, a condução do leilão sinaliza uma escolha por atender os
interesses da indústria privada em detrimento do país.
Para
especialistas e movimentos populares, o leilão escancarou a inexistência de um
plano nacional para a Margem Equatorial, considerada a nova fronteira
petrolífera do país. A ausência de diretrizes ambientais, industriais e
econômicas específicas para a região preocupa pesquisadores, que alertam para
os impactos de longo prazo.
“O
maior problema foi leiloar blocos da Foz do Amazonas sem nenhuma política mais
ampla da União, como foi feito com o pré-sal à época”, avalia Eric Gil Dantas,
pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) e do
Observatório Social do Petróleo. “Com a invasão de empresas estrangeiras e
privadas, perdemos totalmente o controle.”
Segundo
Dantas, as companhias estrangeiras operam exclusivamente voltadas para a
exportação, sem contribuir com o parque de refino nacional. “Essas petrolíferas
produzem petróleo que não serve para a industrialização do país. Esse papel é,
praticamente, exclusivo da Petrobras, que vem tentando expandir sua capacidade
de refino.”
A
crítica se soma à percepção de que o modelo atual compromete tanto a segurança
ambiental, pela ausência de estudos conclusivos sobre os impactos nos
ecossistemas costeiros, quanto a estratégia econômica de longo prazo. Segundo a
Federação Única dos Petroleiros (FUP), o petróleo extraído por multinacionais
dificilmente será usado internamente, o que amplia a dependência brasileira de
combustíveis importados refinados.
“As
petrolíferas internacionais extraem e mandam para fora. Só pagam royalties
básicos. Sem partilha, sem participação especial, sem nenhum projeto de
industrialização do país”, afirmou a entidade, em nota.
A
avaliação é que, sem uma política pública clara e com protagonismo estatal, o
Brasil corre o risco de repetir um ciclo extrativista marcado pela exportação
de matérias-primas sem agregação de valor, modelo que aprofunda desigualdades e
compromete o desenvolvimento nacional.
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Multinacionais avançam e Petrobras perde protagonismo
A
condução do leilão também escancarou o avanço de multinacionais do petróleo
sobre áreas estratégicas brasileiras e a perda de protagonismo da Petrobras. Do
total de 34 blocos arrematados em todo o certame, a estatal participou de
apenas 13, sendo operadora em oito. Na Foz do Amazonas, região mais disputada
do leilão, a empresa divide o controle dos campos arrematados com a
multinacional ExxonMobil, enquanto a Chevron, em consórcio com a estatal
chinesa CNPC, saiu como principal operadora.
Deyvid
Bacelar, coordenador-geral da FUP, avalia que a forma como o leilão foi
conduzido amplia o processo de desnacionalização da cadeia do petróleo. Para
ele, o resultado confirma que o país segue favorecendo os interesses das
grandes petroleiras internacionais em detrimento de um projeto nacional de
desenvolvimento.
“Quem
saiu ganhando foram as multinacionais, como Chevron, ExxonMobil e CNPC. A
Petrobras ficou com uma fatia menor. Esse leilão não deveria ter ocorrido. A
Margem Equatorial deveria ser declarada área estratégica, com a Petrobras
responsável pela operação”, afirma Bacelar.
O atual
leilão segue a mesma lógica dos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro
(PL), quando medidas deliberadas fragilizaram o papel da Petrobras como
operadora única do pré-sal e flexibilizaram o regime de partilha, favorecendo
multinacionais. Entre 2016 e 2022, a estatal vendeu 68 ativos — parte de um
total de 96 desde 2013 —, e viu sua participação recuar enquanto empresas
estrangeiras avançavam.
De
acordo com levantamento do Dieese, 51% de todo o volume de petróleo leiloado no
pré-sal durante esse período foi parar nas mãos de petroleiras internacionais.
O leilão da Foz do Amazonas, ao permitir que companhias como Chevron e
ExxonMobil dominem a nova fronteira de exploração, reforça esse movimento e
aprofunda a vulnerabilidade energética do país.
“Então
é muito preocupante nós termos um leilão como esse que ocorreu, inclusive com
uma arrecadação de recursos que disseram que seria salvadora, mas que na
verdade não chegou nem a R$ 1 bilhão, incomparável com o que houve nos leilões
anteriores relacionados ao modelo de partilha. E olha que nós somos contrários
aos leilões. Se quisessem fazer algum tipo de leilão, deveriam pelo menos
pensar melhor no que seria bom para o Brasil, e não para as petrolíferas, que,
como dissemos, com o modelo de concessão têm controle sobre esse óleo e fazem o
que quiserem com ele”, concluiu Bacelar.
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Modelo de concessão enfraquece Estado e amplia perdas econômicas
Um dos
principais pontos de crítica ao leilão da Foz do Amazonas é o modelo jurídico
adotado para ofertar os blocos: o regime de concessão. Nele, as empresas que
arrematam áreas passam a deter o controle sobre o petróleo produzido, pagando
ao Estado apenas os royalties básicos e impostos convencionais. Já no regime de
partilha, o petróleo extraído continua sendo propriedade da União, que define
sua destinação e recebe parte expressiva da produção como “óleo-lucro”.
Para
especialistas, a escolha da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) de adotar o regime de concessão em uma área estratégica
compromete a soberania sobre a principal riqueza nacional. “A margem
equatorial, assim como o pré-sal, deveria ser explorada sob o regime de
partilha. O modelo de concessão reduz o controle do Estado sobre a velocidade e
o nível de exploração e também sobre a destinação da riqueza gerada”, explicou
Mahatma Ramos, do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (Ineep).
Eric
Gil Dantas, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps),
afirma que, sem um regime especial e uma política industrial clara, a margem
equatorial pode seguir o mesmo caminho de outras áreas já dominadas por
multinacionais: extração massiva voltada à exportação, sem encadeamento
produtivo local. “Essas companhias não têm interesse em abastecer o parque de
refino brasileiro. Isso desorganiza a possibilidade de um projeto de
industrialização”, analisa.
Para
Deyvid Bacelar, coordenador-geral FUP, o leilão da margem equatorial representa
a continuidade de um processo iniciado com a quebra do monopólio estatal do
petróleo em 1997. “A FUP sempre foi contrária aos leilões, porque eles ferem a
soberania energética do Brasil. O modelo de concessão, desde o início,
beneficia principalmente as petroleiras internacionais, que passam a controlar
o petróleo que extraem do nosso território”, afirmou.
O
dirigente lembrou que a criação do regime de partilha em 2010 foi uma conquista
parcial diante da correlação de forças no Congresso. “A proposta original da
FUP, apresentada ainda no ano 2000, previa uma Petrobras 100% pública e
estatal, com exclusividade na operação de todos os blocos do pré-sal. Com apoio
dos movimentos populares, conseguimos avançar na criação do regime de partilha,
que representava uma evolução frente ao modelo de concessão e garantia maior
controle da União sobre os recursos.”
Na
avaliação de Bacelar, a realização do leilão de junho, no modelo de concessão e
com predominância de empresas internacionais como Chevron, ExxonMobil e CNPC,
representa um retrocesso que ignora o potencial estratégico da margem
equatorial. “São áreas localizadas em regiões com os piores índices de
desenvolvimento humano do país. Deveriam ser tratadas de forma diferenciada,
com controle público e planejamento de longo prazo. O Conselho Nacional de
Política Energética poderia ter declarado a margem equatorial como área
estratégica, mas optou por não fazê-lo.”
O
avanço do regime de concessão, em detrimento da partilha, não começou agora.
Ele remonta ao governo de Michel Temer (MDB), que assumiu o Planalto após o
golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Um dos primeiros atos de seu mandato
foi sancionar, em novembro de 2016, a lei que retirou da Petrobras a
exclusividade como operadora do pré-sal. A mudança, articulada pelo então
senador José Serra (PSDB), permitiu que empresas privadas e estrangeiras
passassem a controlar diretamente a produção de petróleo em áreas estratégicas,
diminuindo os ganhos do Estado brasileiro e comprometendo os recursos antes
destinados à saúde e à educação.
Além da
mudança no regime jurídico, o ciclo de desmonte iniciado após o golpe de 2016
foi marcado também por uma reorientação da Petrobras. O modelo de partilha foi
substituído por uma ação coordenada que reduziu o protagonismo da estatal,
restringiu sua atuação e priorizou a distribuição de dividendos. A Petrobras
projeta pagar até US$ 65 bilhões aos acionistas entre 2025 e 2029 – valor
equivalente a 31% do seu valor de mercado, percentual que supera amplamente a
média internacional (12,1%) e a recomendação da Agência Internacional de
Energia (9,5%). Essa política compromete o papel estratégico da empresa, que no
auge de sua atuação chegou a representar mais de 10% do total dos investimentos
realizados no Brasil.
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Discurso e prática: leilão contradiz compromissos do governo Lula
A
realização do leilão da Foz do Amazonas também expôs uma tensão dentro do
governo federal. No mesmo dia em que os blocos foram arrematados por
multinacionais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursava no G7, na
Itália, defendendo a soberania energética e criticando a lógica extrativista
colonial que historicamente marcou a inserção do Brasil na economia global.
Para especialistas e entidades do setor, a fala do presidente colide
diretamente com o modelo de exploração adotado no leilão da margem equatorial.
“A
gente vive uma contradição”, avaliou Mahatma Ramos, do Ineep. “Por um lado, o
governo federal lança programas como o Nova Indústria Brasil e tenta recolocar
a política industrial no centro do debate. Por outro, permite um leilão que
entrega a nova fronteira energética do país às multinacionais, sob um regime
que fragiliza o papel do Estado e da Petrobras.”
Deyvid
Bacelar, da FUP, também destacou o simbolismo negativo do leilão realizado no
mesmo dia em que o presidente Lula defendia outro projeto de país no exterior.
Para ele, a contradição revela os limites de um governo de coalizão ampla, no
qual interesses divergentes disputam espaço constantemente. “O presidente tem
alertado que ganhamos o governo, mas não o poder. A pressão à direita é
permanente, inclusive dentro do Executivo. Por isso ele pede que os movimentos
populares pressionem à esquerda”, afirmou.
Segundo
Bacelar, a ausência de diretrizes claras e a influência de setores privatistas
dentro do governo contribuem para decisões que favorecem o capital estrangeiro
em detrimento de um projeto nacional. “O que falta é uma política de Estado que
trate a margem equatorial como área estratégica e que devolva à Petrobras o
protagonismo na construção da soberania energética. O petróleo ainda é
essencial para o Brasil e será por décadas.”
Fonte:
Por Rodrigo Chagas, no Brasil de Fato

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