Pioneiros
abrem espaço para a nova geração no campo na região Oeste da Bahia
“Colhi
a minha última safra”. Com esta frase o produtor rural Renato Joner, 67 anos,
dá por encerrado um ciclo de 40 anos. Paranaense de nascença e baiano de
coração, até porque foi aqui que passou a maior parte da vida, ele passou o
comando dos negócios para a filha, Joana Angélica, de 32 anos, nascida em
Barreiras, agrônoma. Sai a primeira geração e entra a segunda. Longe de um fato
isolado, o processo de transição na Joner Agricultura é um retrato fiel de um
movimento que ganha força na região Oeste da Bahia, com os filhos dos pioneiros
na produção rural assumindo o protagonismo.
O
movimento que se registra nas propriedades é reproduzido nas duas principais
entidades representativas dos produtores rurais. Moisés Schmidt, presidente da
Bahia Farm Show e da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), e
Alessandra Zanotto, presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão
(Abapa), são os primeiros representantes da segunda geração na presidência das
associações. Tanto nas fazendas, quanto nas entidades, os filhos e netos chegam
com o desafio de honrar legados de entrega e superação que transformaram
desertos econômicos em oásis, que há muitos anos vêm empilhando recordes de
produção e de produtividade.
A safra
2024/2025 de soja foi marcada por uma produtividade média de 68 sacas por
hectare. Ao todo, foram produzidas 8,7 milhões de toneladas, de acordo com o
mais recente Boletim Aiba, publicado em 19 de maio. O resultado é o melhor dos
últimos 30 anos e demonstra o avanço técnico no campo. A colheita de milho, em
curso, segue em ritmo acelerado na maioria dos polos produtivos, com
produtividade entre 150 e 220 sacas por hectare. A expectativa é de uma
produção total de 1,1 milhão de toneladas. No caso do algodão, a produtividade
foi de 326 arrobas por hectare, com uma produção total de 2 mil arrobas.
O
produtor Renato Joner destacou o papel da Bahia Farm Show 2025 na transformação
da região. Segundo ele, tanto as tecnologias comercializadas na feira, que é
realizada todos os anos em Luís Eduardo Magalhães, quanto as discussões
técnicas, são fundamentais para entender como uma área “completamente inóspita”
passou a ser uma das principais regiões agrícolas no país.
Na reta
final da aposentadoria, seu Renato acompanhava um painel sobre crédito no
auditório da Aiba na BFS 2025, quando começa a compartilhar sua história com o
jornalista sentado ao seu lado. Filho de gaúchos, que foram pioneiros na
produção agrícola no Paraná, o agricultor fincou suas raízes no Oeste e na
região da Garganta, que faz divisa entre Tocantins e a Bahia, produzindo milho
e soja. Joana, a filha, estava algumas fileiras ao lado, com o marido Eduardo.
Só no final do evento, seu Renato chama os dois para apresentar o casal que vai
tocar as propriedades a partir de agora.
“Eu
tenho muito orgulho do que fiz. Em 1984, essa chapada do Oeste da Bahia era
praticamente um deserto, completamente inóspita. Hoje temos uma realidade bem
diferente. Quando vejo essa Bahia Farm Show aí, a gente volta no tempo e
constata uma transformação enorme”, afirma. Para ele, a possibilidade de
definir o dia 11 de junho como o fim da carreira é emocionante. “Foi uma
escolha importante, necessária e oportuna. Eu creio que é algo acertado,
ninguém é eterno, somos todos passageiros e estou concluindo a minha passagem
na atividade com sucesso”, avalia.
Poderia
ter conquistado mais? Ele acredita que sim, entretanto lembra que a maioria dos
companheiros de migração para a região ficaram pelo caminho. “Acho que menos de
20% tiveram sucesso. Os demais foram ceifados por algum problema com o clima,
planos econômicos, pragas, doenças ou famílias. Não puderam persistir por
inúmeros problemas. Se deslocar do Paraná para cá e permanecer no início não
era fácil”, conta.
Para
ele, o cenário já melhorou muito, ainda vê desafios para a filha com questões
relacionadas às estradas, principalmente as vicinais, e também o fornecimento
de eletricidade. Mas a principal preocupação é outra. “O que preocupa muito é a
parte financeira. O custo da atividade está muito alto, o financiamento está
caríssimo. A Selic está em 15%, mas os juros estão acima disso em muitos casos.
É um cenário complexo porque precisamos investir, mas quem se alavancar demais
vai acabar saindo da atividade”, avisa.
Sai da
linha de frente, mas segue como conselheiro, sempre que demandado, tanto por
Joana, quanto pelo filho mais velho, que toca uma propriedade vizinha ao pai.
“Eles sabem que podem contar comigo se precisarem”, diz.
Além da
terra, outro legado destacado por Renato Joner é o do poder de escolha. Uma das
suas filhas optou por seguir carreira no direito e conta com todo o apoio dele.
“Eu me sinto abençoado por ter dado aos meus filhos a possibilidade de
escolha”, afirma.
Joana
Angélica Joner, 32 anos, sem sombra de dúvidas está no agro por opção. Formada
em agronomia e pós-graduada em agronegócio, ela se orgulha de ser filha de
pioneiros. “Eu escolhi continuar o legado dos meus pais”, afirma. “Hoje sou
diretora da nossa empresa agrícola e com o apoio do meu marido, me preparo para
assumir na safra 2025/2026 a operação por completo”, afirma.
Segundo
ela, o processo de sucessão vem acontecendo há alguns anos, com ela assumindo
cada vez mais atribuições. “A gente já começa com uma responsabilidade muito
grande por todo o trabalho que foi realizado nos últimos anos. E enxergamos
como a oportunidade de lapidar um diamante, esta é a minha visão”, explica.
“Nós temos a missão de continuar fazendo algo que já vem sendo muito bem feito
e aparar algumas arestas, afinar detalhes e continuar produzindo muito bem.
Queremos encontrar o ponto de maior produtividade possível dentro das condições
que temos hoje”, projeta.
Neste
sentido, ela comemora a possibilidade de lançar mão de tecnologias que não
existiam nos anos 80. “Hoje eu posso fazer um gerenciamento à distância,
acompanhar o que está acontecendo em tempo real. Era algo que o meu pai não
podia fazer nos anos 80. São ferramentas que aumentam a rentabilidade para
conseguir gerenciar melhor os detalhes. É onde a tecnologia ajuda”, acredita.
“Meu irmão também está plantando sozinho há vários anos, colhendo ótimas safras
porque meu pai nos ensinou e nos deu o caminho”.
“A vida
no campo é algo que eu devo totalmente ao meu pai, desde pequena ele foi me
ensinando como as coisas funcionam, com muita paciência. Me passou detalhes
sobre a ‘tocada’ do negócio e isso se tornou a minha vida com o passar dos
anos. Quando eu cheguei na época de decisão, eu só via este caminho, porque eu
já estava inserida. Foi algo muito natural, sutil”, conta.
Moisés
Schmidt, presidente da Aiba, destaca o ritmo de crescimento da região Oeste em
relação ao restante do país. “O Brasil cresce o seu consumo de energia em 3,5%
ao ano, enquanto o Oeste cresce a 25% ao ano”, destacou. Para ele, este
movimento tende a se manter com a perspectiva de industrialização da produção.
“A agroindústria não é o futuro, é o presente, isto já está acontecendo e nós
já estamos transformando vidas e gerando desenvolvimento”, avalia.
No ano
que marcou os 35 anos de fundação da Aiba, Schmidt fez questão de honrar os
seus antecessores. “O nosso crescimento nos traz a responsabilidade de produzir
mais, ter mais produtividade, porém continuar fazendo isso com muita
sustentabilidade”, afirma.
Segundo
o presidente da Aiba, o agro está cada vez mais preocupado com o tripé da
sustentabilidade ambiental, social e de governança. Ele lembra que a Aiba foi a
primeira associação agrícola do Brasil a receber a chancela do ESG. “Nós
precisamos dar um passo adiante. Queremos chegar a 20250 com uma agricultura
limpa e conectada com a sociedade”, diz.
Alessandra
Zanotto, presidente da Abapa, acredita que o futuro do campo passa por um
diálogo cada vez mais próximo com a sociedade. “Temos feito muito para avançar
na cotonicultura, mas também no sentido de demonstrar com cada vez mais
transparência a importância da nossa atividade”, diz.
“Nós
estamos fortalecendo a agenda da sustentabilidade. Tem ganhado muita força e
exigibilidade. Para nós do algodão não tem sido uma dor, mas um fato
importante. Além de inovações e muito cuidado com a sua lavoura, o produtor se
preocupa em agregar valor com a pauta ESG”, defende.
• Muito trabalho
A
localização geográfica, nos trópicos, garante ao Oeste da Bahia um dos mais
importantes insumos naturais para a agricultura: o sol. Sem ele não se faz
fotossíntese. Pois a radiação solar é abundante na região, em alguns períodos
até excessivamente, como acontece nos chamados veranicos, que exigiram
capacidade de adaptação aos produtores. Por outro lado, a terra da região é
naturalmente pobre. O que as quase cinco décadas de atividade rural
acrescentaram a este cenário foi muita tecnologia e trabalho, aponta o produtor
rural Luiz Carlos Bergamaschi, vice-presidente da Aiba. “Eu acredito que o que
fez a diferença lá atrás foi o trabalho da Embrapa, trazendo conhecimento, e as
pessoas que vieram para cá”, diz.
O
agrônomo e produtor rural Celito Missio, 70 anos, se mudou para a região em
2005, mas conhece a realidade desde 1981, quando os pais da esposa, Carminha,
compraram terras na área que despontava como uma nova fronteira agrícola do
país. O gaúcho de Espumoso conta que o motivo que atraiu a família da esposa
não foi a qualidade das terras, mas o seu preço. Enquanto as propriedades no
Sul tinham até 60% de argila, por aqui, quando o solo era bom, encontravam-se
15%, lembra.
“Na
época, um hectare era muito barato. Era algo como uma caixa de cigarros, ou um
saco de soja. Algo em torno de US$ 10”, conta. O sogro, por exemplo, pagou
parte da fazenda com a caminhonete que o trouxe do Sul, diz. Hoje, mesmo a
terra bruta, aquela que ainda não recebeu nenhum tipo de beneficiamento, vale
100 vezes mais.
Pelo
menos a terra era plana, pondera, o que permitiria o uso de grandes máquinas.
“O que se imaginou, e o tempo mostrou que havia razão nisso, é que a soja
poderia abrir espaço para a expansão com as cultivares certas”, explica.
“A
gente demorou para entender o solo, demorou para entender o clima, mas aquela
geração tinha um espírito aguerrido”, destaca. Com o tempo, descobriu-se o
papel do gesso para enriquecer o solo, técnicas como a do plantio direto, para
proteger o solo do sol e reter mais a água, entre outras iniciativas.
Em
relação ao futuro, Celito Missio aponta para a industrialização como o caminho.
“A exploração horizontal já está feita. Agora tem que trabalhar verticalmente.
A região vai ser um grande palco para a produção de proteína animal”, aposta.
Com estradas melhores e energia suficiente, o próximo passo do desenvolvimento
do Oeste passa pela implantação de frigoríficos, além da diversificação cada
vez maior da região, onde a soja, o milho e o algodão já dividem espaço com
cacau, café, amendoim e grande diversidade de frutas, acredita.
Para
Bergamaschi, o Oeste caminha a passos largos em direção à industrialização. Mas
ao contrário de processos que se deram em outros locais da Bahia, por lá os
investimentos indicam processos de adensamento de cadeias produtivas locais.
“Vivemos um tempo de informação mais rápida, os filhos da primeira geração
estão voltando com informação e com vontade de inovar”, aponta.
“As
primeiras gerações fizeram uma enorme transformação aqui, mas ainda há muito
por acontecer com a chegada das indústrias”, avalia o produtor. Ele acredita
que os movimentos de adensamento de cadeias irão potencializar os impactos
socioeconômicos da atividade agrícola.
Um
exemplo disso, destaca, é a movimentação para produção de etanol a partir do
milho. Além de gerar energia, o processo tem um subproduto chamado de DDG, que
é riquíssimo em proteínas e deve fomentar um crescimento cada vez maior da
pecuária.
Presente
na Bahia Farm Show, o presidente da Neoenergia, Eduardo Capelastegui, garantiu
que energia não será um gargalo para o desenvolvimento da região Oeste.
“Queremos saber onde o agro estará em 10 ou 20 anos. Fazemos investimentos para
40 anos e esperamos oferecer soluções mais rápidas para a região”, ressaltou.
• Agronegócio representa 14,3% da economia
da Bahia em 2025
O
Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio baiano totalizou R$ 19,8 bilhões no
primeiro trimestre de 2025, representando 14,3% de toda a economia do estado no
período. Essa participação é inferior à verificada no mesmo trimestre de 2024,
quando era equivalente a 15,2% do PIB total baiano. Esse menor nível se deu
pelo fato do conjunto da economia baiana ter experimentado crescimento de 3,2%,
ao passo que o agronegócio cresceu 1,4%.
A
estimativa do PIB do agronegócio baiano é feita a partir da análise e cálculo
de quatro grandes agregados: agregado I (insumos agropecuários); agregado II
(setor agropecuário, também conhecido como da “da porteira para dentro”);
agregado III (indústrias de base agrícola – consomem produtos do agregado II) e
agregado IV (distribuição e comercialização dos produtos do agronegócio –
agregados II e III.
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Crescimento real
Apesar
de ter registrado crescimento real de apenas 1,4%, quando é analisado o
crescimento nominal, observa-se que houve expansão de 16,5% do agronegócio
baiano na comparação com o primeiro trimestre de 2024. Esse crescimento foi
favorecido pela elevação no nível de preços em todos os agregados, com destaque
para a agropecuária (agregado II).
Os
preços dos produtos agropecuários (agregado II), registraram incremento de 20%
no trimestre, comparando com o primeiro trimestre de 2024, com destaque para a
soja, laranja, café, bovinos e lavoura permanente. Além da elevação nos preços
da agropecuária, os insumos do setor primário (agregado I) subiram 11%,
enquanto nos serviços (agregado IV), a variação de preços foi de 15%. Por sua a
vez, a agroindústria (agregado III) registrou a menor variação de preço,
fechando em 9% (neste agregado, os alimentos foram os que mais contribuíram com
crescimento de 13%).
Conforme
explicitado anteriormente, o PIB do agronegócio cresceu 1,4% em termos reais,
onde o agregado II (setor agropecuário) se destacou com o maior nível de
expansão (10,0%).
Por
fim, cabe salientar que o primeiro trimestre, apesar da ocorrência de algumas
importantes safras, não é o principal para o agronegócio baiano, haja vista que
a maior parte da produção agropecuária baiana se desenvolve no segundo
trimestre e isso caracteriza impactos positivos tanto no próprio segmento
agropecuário (Agregado II) quanto nos demais segmentos, especialmente
transporte e comercialização, que compõem o Agregado IV.
Considerando
essa especificidade, espera-se que no segundo trimestre se verifique um
desempenho mais favorável para o segmento do agronegócio baiano com elevação da
participação no PIB total da Bahia. Entretanto, é possível que o aumento de
participação não seja tão significativo como nos anos anteriores em função dos
movimentos descendentes nos preços da maior parte dos produtos agropecuários
bem como do elevado nível de crescimento de outros segmentos da economia baiana
que não estão associados diretamente ao agronegócio.
Fonte:
Correio/A Tarde

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