Paola
Jochimsen: Cristãos por Israel e o uso seletivo da Bíblia em tempos de guerra
O
confronto entre Israel e Irã costuma ser lido sob a lente da geopolítica:
ameaça nuclear, disputas de influência e alianças regionais. Há, porém, outro
campo de batalha, o da religião transformada em trincheira. Em nome de
promessas sagradas, narrativas são fabricadas, histórias são esquecidas e o
outro vira inimigo eterno.
Curiosamente,
parte desse embate recebe aplauso de alguns movimentos evangélicos radicais no
Ocidente. Muitos pregadores desses grupos abandonam o Novo Testamento como guia
ético e recorrem quase somente ao Antigo, oferecendo apoio incondicional a
Israel e silenciando diante de qualquer abuso. Mateus 5:44, “Amai os vossos
inimigos”, quase nunca aparece quando a discussão envolve bombas e fronteiras.
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Israel,
hoje liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, apresenta-se como
democracia plural e herdeira de uma promessa ancestral. A ideia da Terra
Prometida, longe de ser apenas simbólica, pauta decisões concretas. Cresce, em
setores nacional-religiosos, a convicção de que o território é inegociável por
direito divino. Assim, textos de caráter religioso, cujo estatuto histórico é
objeto de debate acadêmico, viram títulos de posse usados para legitimar
ocupações e exclusões, inclusive em áreas palestinas. Reconhecer o direito
inalienável de Israel à segurança e à autodeterminação — assim como o direito
de todos os demais povos da região a viverem livres do medo — não implica
endossar qualquer política que se invoque em nome da fé.
O Irã,
governado pelo presidente Masoud Pezeshkian e submetido à autoridade suprema do
aiatolá Ali Khamenei, é uma República Islâmica com Parlamento e eleições,
embora subordinada ao sistema do líder religioso. A teologia xiita molda o
poder, mas reduzi-lo a simples teocracia obscurantista ignora sua história de
disputas internas e participação popular.
É
curioso criticar o Irã por fundamentos religiosos quando o surgimento do Estado
de Israel, após o Holocausto, foi igualmente legitimado por narrativas de fé.
Criado em 1948 sobre terras já habitadas, o novo Estado apoiou-se na promessa
do retorno à “terra dos pais”, ideia que ultrapassa o direito internacional e
permanece como herança espiritual vista por seus defensores como
inquestionável.
Tanto
Israel quanto o Irã mantêm formas estatais modernas, mas projetos nacionais
atravessados por fundamentos sagrados. Quando essas narrativas deixam o plano
simbólico e passam a ordenar o poder, o dissenso desaparece. Negociar vira
traição e o adversário torna-se inimigo absoluto, cuja existência é percebida
como ameaça. A fé perde o papel de linguagem de sentido e converte-se em
dispositivo de exclusão e violência.
Antes
de serem adversários, judeus e persas foram aliados. O Tanakh, conjunto das
Escrituras judaicas, não retrata os persas como inimigos. Ao contrário, o rei
Ciro da Pérsia permitiu que judeus exilados na Babilônia voltassem a Jerusalém
e reconstruíssem o Templo; Isaías 45:1 chama-o de ungido do Senhor,
reconhecendo em um governante estrangeiro um instrumento de justiça.
Outra
figura central é Ester, judia que viveu na corte persa e evitou o massacre de
seu povo. A festa de Purim celebra até hoje esse ato de diplomacia e coragem. A
terra que corresponde ao Irã foi, portanto, espaço de refúgio, não de ameaça.
Durante
a Segunda Guerra Mundial, milhares de judeus também encontraram abrigo no Irã
ao fugir da perseguição nazista. Entre eles estavam os chamados Tehran Children
( “Crianças de Teerã”) cerca de mil crianças e adolescentes poloneses de origem
judaica que atravessaram a União Soviética, chegaram à capital iraniana em
1942, receberam cuidados da comunidade local e depois seguiram para a Palestina
britânica. O acolhimento não nasceu de afinidade religiosa, mas de
solidariedade humana.
Esses
episódios fazem parte da memória sagrada e histórica judaica, mas são ignorados
por determinados segmentos cristãos, especialmente entre esses movimentos
evangélicos radicais, que apoiam Israel sem reservas. O Cristo que pregava amar
os inimigos cede lugar a um discurso bélico em nome de promessas territoriais.
Que leitura bíblica canoniza a violência e silencia diante da injustiça? Quando
a religião serve para blindar Estados e negar a humanidade do outro, deixa de
ser fé e transforma-se em ideologia.
Recordar
Ciro, Ester e o acolhimento iraniano no Holocausto não é nostalgia; trata-se de
uma afirmação ética. Essas memórias mostram que a justiça pode superar
fronteiras religiosas, que a solidariedade floresce mesmo em contextos de
conflito e que o sagrado, quando não sequestrado pelo ódio, serve à vida. O
esquecimento, aqui, não é neutro; é uma escolha política.
Hoje,
Israel e Irã permanecem em lados opostos de uma guerra de narrativas e ameaças.
Talvez o gesto mais revolucionário, fiel às tradições que ambos dizem honrar,
seja lembrar que nem sempre foi assim. A memória pode ser trincheira, mas
também ponte. Cabe a nós escolher qual passado carregar. Nenhuma promessa
divina, por mais sagrada que seja, autoriza massacres e nenhuma teologia
verdadeira se cala diante da violência.
¨
Guerra Israel-Irã mostra a verdade silenciada e paz como
eco distante. Por Washington Araújo
Na
escalada de tensões entre Israel e Irã, marcada por confrontos indiretos e
narrativas conflitantes até outubro de 2023, a verdade é a primeira vítima de
um conflito onde desinformação molda a percepção global. Neste artigo analiso o
papel da desinformação na guerra de narrativas, exploro casos reais de
manipulação, traço paralelos com a Segunda Guerra Mundial, examino o impacto
das redes sociais geridas por Big Tech, e motivações estratégicas em rivalidade
histórica desde a Antiguidade.
·
O dilúvio de informações e a guerra de narrativas
A
rivalidade entre Israel e Irã, intensificada por ataques indiretos via proxies
como o Hezbollah e operações cibernéticas até outubro de 2023, transcende o
campo físico. A esfera digital, impulsionada por plataformas como X,
Instagram e Telegram, tornou-se um teatro de operações onde a verdade é
distorcida.
Um
relatório da Universidade de Oxford (2023) estima que até 40% do conteúdo em
redes sociais durante conflitos no Oriente Médio contém desinformação, seja por
manipulação deliberada ou erro.
Israel
justifica suas ações como respostas à ameaça do programa nuclear iraniano,
enquanto o Irã se retrata como vítima de agressões, apoiando grupos como o
Hamas.
A contrainformação é
uma arma central: ambos desmentem relatos adversários, frequentemente sem
evidências verificáveis. Em 26 de outubro de 2023, Israel realizou ataques
aéreos contra alvos militares no Irã, descritos por Benjamin Netanyahu como
“precisos e poderosos” (Reuters, 2023). O Irã, por sua vez, alegou
“danos mínimos” e prometeu retaliação (Al Jazeera, 2023). Essas
narrativas conflitantes, amplificadas pela mídia, confundem o público
global.A Anistia Internacional alertou em setembro de 2023 que
a desinformação em conflitos regionais “obscurece violações de direitos
humanos”, exigindo acesso a investigações independentes. A manipulação de
informações, especialmente em Gaza, dificulta a proteção de civis, onde relatos
de vítimas são frequentemente distorcidos.
·
Casos típicos de manipulação
Quatro
exemplos reais, baseados em eventos até outubro de 2023, ilustram como a
verdade é obscurecida:
1.
Ataque a instalações iranianas (26 de outubro de 2023): Israel
atingiu alvos militares no Irã, alegando neutralizar ameaças nucleares. O Irã
reportou dois soldados mortos e “danos limitados” (Al Jazeera, 2023).
Imagens divulgadas por Teerã, mostrando destruição, foram questionadas por
analistas da BBC Verify, que apontaram inconsistências. A narrativa
iraniana de resiliência contrastou com a israelense de sucesso militar.2.
Ataque do Hamas em Israel (7 de outubro de 2023): O Hamas lançou
uma ofensiva, matando cerca de 1.200 pessoas e capturando reféns (The
Guardian, 2023). Israel acusou o Irã de financiar o ataque, enquanto Teerã
negou envolvimento direto. Postagens em X amplificaram
narrativas pró-Hamas, enquanto Israel divulgou vídeos de vítimas para
galvanizar apoio, obscurecendo detalhes sobre a escalada.3. Bombardeios
em Gaza (outubro de 2023): Ataques israelenses em Gaza mataram mais de
8.000 pessoas, segundo o Ministério da Saúde palestino (Reuters, 2023).
Israel alegou atacar alvos do Hamas, enquanto relatos palestinos denunciaram
mortes civis. A BBC encontrou contradições em vídeos de ambos
os lados, mas a falta de acesso a jornalistas independentes perpetuou a
confusão.4. Ataque a hospital em Gaza (17 de outubro de 2023): Uma
explosão no hospital Al-Ahli matou centenas, com o Hamas acusando Israel e a
IDF atribuindo o ataque a um foguete palestino mal disparado (The Guardian,
2023). Análises da Al Jazeera e da BBC não
confirmaram a origem, mas narrativas conflitantes dominaram as redes sociais,
inflamando tensões.
Esses
casos mostram como a manipulação de informações demoniza o adversário e
confunde a opinião pública.
·
Desinformação na Segunda Guerra Mundial
A
desinformação é uma tática antiga. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
os nazistas, sob Joseph Goebbels, disseminavam fake news, como alegações de que
os Aliados planejavam exterminar alemães, para justificar a resistência (The
Guardian, 2019). Os Aliados usaram a Operação Fortitude (1944),
espalhando informações falsas sobre o Dia D, enganando os nazistas. Filmes
nazistas como Der Ewige Jude (1940) demonizavam judeus,
enquanto os EUA exageravam a brutalidade japonesa para galvanizar apoio. Essas
estratégias ecoam nas táticas modernas de Israel e Irã.
·
A informação como arma de guerra
A
manipulação da informação é essencial ao esforço de guerra. Israel usa
narrativas para manter o apoio dos EUA, que forneceram US$ 3,8 bilhões em ajuda
militar em 2023 (Reuters, 2023). Netanyahu, sob pressão após falhas de
segurança em 7 de outubro, projeta força com operações como os ataques de
outubro de 2023. O Irã, enfrentando sanções e crises econômicas, utiliza a
propaganda para mobilizar o Eixo da Resistência e desviar a
atenção de problemas internos.As motivações são claras: legitimar ações, desestabilizar
o adversário e influenciar a opinião global. O Instituto Internacional
de Estudos Estratégicos (IISS) estima que Israel gastou US$ 22 bilhões
em defesa em 2022, contra US$ 9 bilhões do Irã (IISS, 2023).
Ambos
investem em guerra cibernética, com Israel liderando em tecnologia e o Irã em
redes de milícias. A
Human
Rights Watch alertou
em outubro de 2023 que a desinformação “amplifica o sofrimento de civis”,
pedindo moderação na disseminação de conteúdos não verificados.
·
Big Tech e redes sociais no conflito
As
redes sociais, geridas por Big Tech como X, Meta e TikTok,
são palcos centrais da guerra de narrativas. Em outubro de 2023, a Cyabra
identificou que 25% das contas no X publicando sobre o
conflito Israel-Hamas eram falsas, amplificando narrativas polarizadas (Cyabra,
2023). Em Israel, o governo pressiona plataformas para remover conteúdos
pró-Irã ou pró-Hamas, enquanto a sociedade civil exige transparência. A Meta removeu
milhares de postagens em hebraico e árabe por desinformação em 2023, mas
enfrentou críticas por inconsistências (The Guardian, 2023).No Irã, o
governo bloqueia X e Instagram, mas permite
o Telegram para propaganda estatal. Cidadãos dependem de VPNs,
ficando vulneráveis a narrativas controladas. A União Europeia pressionou
em 2023 por moderação sob a Lei de Serviços Digitais, ameaçando multas (Reuters,
2023). A Human Rights Watch criticou as Big Tech por falharem
em conter conteúdos que incitam violência.
·
Um conflito com raízes antigas
A
rivalidade entre Israel e Irã remonta à Antiguidade. Em 539 a.C., Ciro, o
Grande, permitiu o retorno dos judeus exilados, conforme o Livro de
Esdras (Bíblia, Esdras 1). Tensões surgiram sob Dario I e
Xerxes I, com a Pérsia controlando a Judeia. A revolta dos Macabeus (167-160
a.C.) contra os selêucidas, aliados persas, marcou a resistência judaica (Encyclopaedia
Britannica, 2020). Líderes como Davi (c. 1000 a.C.) e Judas Macabeu
moldaram a identidade de Israel, enquanto comandantes persas como Datames
(século IV a.C.) simbolizavam o poder militar.No século XX, a criação de Israel
(1948) e a Revolução Islâmica no Irã (1979) acirraram tensões.
O Irã, sob Khomeini, apoiou o Hezbollah, enquanto Israel intensificou operações
contra o programa nuclear iraniano desde 2003 (BBC, 2023). Essa
rivalidade, amplificada pela tecnologia, persiste.
·
A busca pela verdade em meio ao caos
A
rivalidade Israel x Irã, marcada por eventos até outubro de 2023, ilustra como
a verdade é sacrificada por interesses estratégicos. A desinformação, usada
desde a Segunda Guerra Mundial até as redes sociais, obscurece
fatos. Casos como o ataque ao hospital Al-Ahli mostram a dificuldade de
discernir realidade de propaganda. As Big Tech, sob pressão, lutam
para conter fake news, enquanto a Anistia Internacional e
a Human Rights Watch exigem transparência. Essa rivalidade,
enraizada na Antiguidade, ganhou contornos digitais, mas o padrão persiste: a
verdade é distorcida para servir ao poder.
Como
cidadãos, devemos ser rigorosos ao compartilhar conteúdo midiático, verificando
a credibilidade das fontes e comparando perspectivas. Precisamos perguntar: “A
quem beneficia este texto, este artigo ou este vídeo?”
A
ascensão da inteligência artificial, capaz de criar deepfakes e
narrativas manipuladas, tornou-se um protagonista perigoso na erosão da
verdade.
A
verdade é a base do progresso humano, começando pela construção ética de cada
indivíduo, e sua defesa exige vigilância, ceticismo e um compromisso inabalável
com a paz.
Fonte:
Brasil 247

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