terça-feira, 17 de junho de 2025

Maurício Rands: Alguns mitos sobre o caso do mito

Há quem não se arrisque a se informar por outras fontes que não as suas comunidades de WhatsApp, Insta, Face, TikTok, Kwai ou Threads. Por desinformação, ressentimento ou desconfiança sobre a “grande mídia”. Pessoas que raramente se expõem a informações que não venham de suas bolhas. Por isso, passam a viver num universo virtual que se descola da realidade objetiva. Isso explica o paradoxo de que mesmo pessoas inteligentes acabam por acreditar em mitos. Na esfera pública essas crenças reforçam preconceitos de um senso comum que tende a ser conservador. Gente que não lê um livro ou um jornal, não assiste a um telejornal e não ouve uma rádio. Gente que passa longe do jornalismo profissional e das publicações científicas que vão além dos preconceitos e lugares-comuns por se submeterem ao contraditório e ao “fact-checking”. Aí vão algumas crenças sem base na realidade sobre fatos públicos de nossa história recente.

O mito seria um outsider da política e veio para combater os abusos dos políticos. Como, se exerceu oito mandatos antes da Presidência, sempre bem nutrido pelas rachadinhas?

Ele seria uma pessoa simples, que gosta de pão com leite moça e às vezes fala demais. Como, se ele e seus filhos têm mansões em Angra, em Brasília, na Barra e adoram consumir nos EUA? Sobretudo com Pix dos patriotas?

Ele seria uma pessoa leal aos seus amigos e companheiros políticos. Como, se abandonou amigos como Bebianno, Mourão, ou o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, cuja morte foi vista como queima de arquivo? E, agora, os “malucos” e “coitados” que levaram chuva e sereno nos acampamentos em frente aos quartéis atendendo ao seu chamado pela “intervenção militar” e reversão do resultado das urnas?

Ele teria feito um bom governo, comprometido com a redução do Estado perdulário. O problema teria sido a pandemia. Como, se ele foi um negacionista na pandemia, distribuiu benesses eleitoreiras e deixou um déficit público com direito a calotes nos precatórios e renúncia fiscal de tributos que atingiram os estados? E se terceirizou a gestão delegando-o à direita patrimonialista de gente como Ciro Nogueira e Rogério Marinho, que sequestraram o orçamento com as emendas parlamentares?

Ele não teria praticado atos golpistas porque no 8 de janeiro estava na Flórida. Como, se ajudou a redigir a minuta do golpe, pressionou os comandantes militares, atacou o STF e o TSE e insultou seus ministros, além de ter incentivado os acampamentos nos quartéis que clamavam pela intervenção militar e de onde saíram atos como a bomba que explodiria no aeroporto de Brasília? E se pressionou a Abin e o Ministério da Defesa para que produzissem relatórios contra o sistema eletrônico de votos para fabricar justificativas para o golpe?

Ele não teria atentado contra as instituições e teria apenas cogitado reverter o resultado eleitoral através de estado de sítio ou GLO, e o Direito não pode punir meras intenções. Como, se os crimes das alíneas “l” e “m” do art 359 do CP (tentativas de golpe e de abolição das instituições democráticas) pressupõem uma cadeia complexa de atos que foram praticados e provados pelas 900 páginas do inquérito da PF e pelas 270 da denúncia penal da PGR? Como, se ele próprio confessou a prática de vários desses atos no depoimento prestado ao STF em 10/6/25? E se os seus auxiliares mais próximos, como os generais e seu ajudante de ordens, também confirmaram os fatos?

Ele estaria sendo julgado por Alexandre Moraes, que não poderia julgá-lo porque seria vítima de seus atos, e estaria sendo perseguido por um STF parcial. E não haveria provas contra ele além do depoimento de Mauro Cid. Como, se nos crimes de atentados à democracia o sujeito passivo é a própria sociedade e suas instituições? E se o STF é o guardião último dessas instituições? E se ele próprio arregou e pediu desculpas ao relator em seu depoimento por tê-lo acusado de ter embolsado algumas dezenas de milhões de reais? E se ele próprio confirmou fatos como a afirmativa de que tentara reverter o resultado eleitoral, embora cogitando de um enquadramento mirabolante com a suposta manobra “dentro das quatro linhas“? Como, se respondeu com um “sim, senhor” à pergunta do relator sobre se cogitava das medidas “em virtude da impossibilidade de recurso eleitoral”? Como, se também reconheceu a existência da minuta do golpe, embora dizendo que a exibiu num telão? Como, se confirmou os fatos, embora tentando enquadramento diverso?

A realidade objetiva é que, como seu inspirador Donald Trump, o mito fabricava “emergência” e “comoção social” para continuar no poder e concentrá-lo, mesmo tendo perdido a eleição de 2022.

•        Seis militares no banco dos réus

Pergunta do Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, Relator da Ação Penal 2668, ao réu Jair Bolsonaro, durante o interrogatório realizado em 10/06/2025: “É a segunda vez que o senhor fala isso, é importante esclarecer: O senhor está dizendo que a cogitação, a conversa, o início dessa questão de estado de sítio, de estado de defesa, teria sido em virtude da impossibilidade de recurso eleitoral. É isso?”.

Resposta do réu Bolsonaro: “Sim, Senhor”.

A cena com seis militares no banco dos réus, outrora ocupantes de postos expoentes no Executivo federal, com posturas ameaçadoras, histéricas, supostamente determinados a fazer com que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, legitimamente eleito pelo voto soberano popular, não subisse a rampa do Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2023, impõe minimamente às instituições democráticas brasileiras uma séria reflexão sobre as razões pelas quais militares sintam-se em posição de cogitar a implantação da violência do estado de sítio ou de defesa por haverem sido contrariados seus interesses pessoais e corporativos, políticos e econômicos, e que medidas adotar para barrar de vez tal aberração.

O capitão Jair Bolsonaro, o general Braga Netto (preso por decretação de Alexandre de Moraes), o general Augusto Heleno, o general Paulo Sérgio, o almirante Almir Garnier, o tenente-coronel Mauro Cid, conforme a denúncia apresentada pelo Procurador-Geral Paulo Gonet, são réus por integrarem de maneira livre, consciente e voluntária, uma organização criminosa constituída desde 29 de junho de 2021, operando até 8 de janeiro de 2023, visando ao empreendimento de Golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito, cujos delitos planejados não se deram de forma instantânea, mas se desenrolaram em cadeia de acontecimentos, num processo, para citar o célebre escritor tcheco Franz Kafka.

Como atestou o Procurador Geral na denúncia oferecida, não há ofensa institucionalmente mais grave à democracia do que o atentado pelo impedimento da atuação de quaisquer dos poderes, sobretudo por meio da força não autorizada constitucionalmente. A democracia é causa eficiente do respeito da dignidade humana, por isso precisa ser protegida em grau máximo, e todos aqueles que atentarem de forma violenta e armada contra sua existência, devem ser punidos exemplarmente. Portanto, não cabe anistia a tais criminosos.

Bem anotado pelo Ministro Alexandre, na pergunta registrada acima, um dos focos da ação da referida organização criminosa foi o combate sistemático e crescente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e às urnas eletrônicas, uma vez que por meio do voto escrito, objetivo da ação da organização criminosa, é infinitamente mais fácil ameaçar e manipular eleitores nos mais diversos rincões urbanos e rurais, como ocorria em passado não tão remoto no Brasil.

Era o que almejava a referida organização criminosa: enfraquecer o seguro processo eletrônico de votação brasileira, de referência mundial, para retroceder ao passado do voto escrito ou impresso.

Curioso assistir ao então corajoso general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI, comparecendo ao interrogatório como um rato-toupeira-pelado, combinando perguntas e respostas escritas com o seu patrono, negando qualquer tipo de possibilidade de resposta a questionamentos advindos da parte do Ministro relator e do Procurador geral. Afinal, a mentira tem pernas curtas. A covardia também.

Simultaneamente, merecedor de toda a atenção, o depoimento do capitão Jair Bolsonaro, pedindo clemência, rastejando aos pés daquele ministro para o qual disparou, quando esteve no poder, uma centena de ataques verbais (“Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha!”), incentivando o seu gado às mais alucinadas e violentas ações físicas e midiáticas contra Alexandre de Moraes e ao Supremo Tribunal Federal.

Trata-se de um elemento mentiroso contumaz, fazendo daquele momento mais um espetáculo eleitoral para a sua claque produzir matéria publicitária na internet.

Quando a mentira surge como um fim político, tornando-se um fim em si mesma, onde a falsidade é cultivada como prática regular e aceitável, a confiança na política e nos políticos se deteriora, abrindo espaço para aventureiros autoritários.

Para esses fétidos aventureiros, a verdade passa a ser um obstáculo, disparando contra os cidadãos uma sobrecarga de desinformações visando manipular a compreensão da realidade por parte da sociedade, para poder melhor adequá-la segundo seus interesses de grupo.

O efeito drástico de normalizar a mentira como ferramenta política é a corrosão da democracia. E isto fica, mais uma vez, bem nítido no depoimento do réu do capitão Jair Bolsonaro.

A sistemática adotada por Jair Bolsonaro, de produção da mentira de forma estruturada, tem sido amplamente discutida por especialistas e veículos da imprensa progressista de nosso país, ao utilizar a desinformação como estratégia política para mobilizar sua base de apoiadores e descredibilizar seus inimigos políticos. Há levantamentos que Jair Bolsonaro fez, em média, três declarações falsas ou distorcidas por dia durante os seus dois primeiros anos de mandato.[1]

A questão, portanto, que se coloca como desafio nacional: o que é intolerável no espaço público democrático, para proteger a democracia em grau máximo?

As respostas a esta questão provocarão consequências profundas, tanto na estrutura do sistema político, extirpando de vez qualquer possibilidade de autoritarismo militar ou de outra ordem, como nos limites aceitáveis da convivência democrática.

•        Filho de ex-ministro sanfoneiro de Bolsonaro joga Constituição e ataca Moraes ao falar de prisão

Filho de Gilson Machado Neto, o ex-ministro do Turismo de Jair Bolsonaro (PL), o vereador Gilson Machado Filho (PL) se pronunciou pela primeiro vez sobre a prisão do pai ao discursar nesta segunda-feira (16) na Câmara do Recife, capital de Pernambuco.

Machado Filho, que tem 26 anos e entrou na política influenciado pelo pai, mostrou uma foto de Gilson Machado ao lado de Donald Trump, jogou a Constituição e atacou Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

"O ministro Alexandre de Moraes está buscando todos os aliados de Bolsonaro pra tentar incriminar. Mas mexeram com o cara errado. Esse daqui é um homem íntegro, de bem, que é reconhecido pelo seu trabalho não só no Brasil, mas mundo afora", afirmou mostrando foto do pai com Trump.

Em seguida, ele pega uma edição da Constituição, mostra aos presentes na Câmara e joga fora.

"É que a gente tem esse texto aqui, mas eu poderia jogar a Constituição. É isso que o ministro Alexandre de Moraes faz no nosso país. Ele pega a Constituição brasileira e rasga. Ele hoje está se achando o ditador do Brasil", disse, ecoando o discurso dos bolsonristas.

Machado Filho ainda afirma que a mãe estaria com depressão e que o pai, vendo amigos presos, tinha "medo que esse dia chegasse".

"Todos os aliados, seus amigos, estavam sendo presos. E ela estava com medo que esse dia chegasse no meu pai", afirmou, papagueando que "nós estamos vivendo um tempo sombrio nesse país, sombrio".

Após agradecer pela soltura do pai, o vereador volta a atacar o STF dizendo que as medidas impostas ao "sanfoneiro" o impedem de fazer shows nas festas juninas da região.

"Soltaram ele, mas botaram cinco medidas cautelares. Ele não pode sair de Recife, vereadores. Detalhe, meu pai mora em Jaboatão dos Guararapes. Ele não pode ir para o show da banda dele. Ele é empresário do setor de forró. A gente está no São João, vereadores. Ele tem mais de 10 shows marcados", afirma.

 

Fonte:  Por Alexandre Aragão de Albuquerque, em A Terra é Redonda/Fórum

 

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