Maurício
Rands: Alguns mitos sobre o caso do mito
Há quem
não se arrisque a se informar por outras fontes que não as suas comunidades de
WhatsApp, Insta, Face, TikTok, Kwai ou Threads. Por desinformação,
ressentimento ou desconfiança sobre a “grande mídia”. Pessoas que raramente se
expõem a informações que não venham de suas bolhas. Por isso, passam a viver
num universo virtual que se descola da realidade objetiva. Isso explica o
paradoxo de que mesmo pessoas inteligentes acabam por acreditar em mitos. Na
esfera pública essas crenças reforçam preconceitos de um senso comum que tende
a ser conservador. Gente que não lê um livro ou um jornal, não assiste a um
telejornal e não ouve uma rádio. Gente que passa longe do jornalismo
profissional e das publicações científicas que vão além dos preconceitos e
lugares-comuns por se submeterem ao contraditório e ao “fact-checking”. Aí vão
algumas crenças sem base na realidade sobre fatos públicos de nossa história
recente.
O mito
seria um outsider da política e veio para combater os abusos dos políticos.
Como, se exerceu oito mandatos antes da Presidência, sempre bem nutrido pelas
rachadinhas?
Ele
seria uma pessoa simples, que gosta de pão com leite moça e às vezes fala
demais. Como, se ele e seus filhos têm mansões em Angra, em Brasília, na Barra
e adoram consumir nos EUA? Sobretudo com Pix dos patriotas?
Ele
seria uma pessoa leal aos seus amigos e companheiros políticos. Como, se
abandonou amigos como Bebianno, Mourão, ou o miliciano Adriano Magalhães da
Nóbrega, cuja morte foi vista como queima de arquivo? E, agora, os “malucos” e
“coitados” que levaram chuva e sereno nos acampamentos em frente aos quartéis
atendendo ao seu chamado pela “intervenção militar” e reversão do resultado das
urnas?
Ele
teria feito um bom governo, comprometido com a redução do Estado perdulário. O
problema teria sido a pandemia. Como, se ele foi um negacionista na pandemia,
distribuiu benesses eleitoreiras e deixou um déficit público com direito a
calotes nos precatórios e renúncia fiscal de tributos que atingiram os estados?
E se terceirizou a gestão delegando-o à direita patrimonialista de gente como
Ciro Nogueira e Rogério Marinho, que sequestraram o orçamento com as emendas
parlamentares?
Ele não
teria praticado atos golpistas porque no 8 de janeiro estava na Flórida. Como,
se ajudou a redigir a minuta do golpe, pressionou os comandantes militares,
atacou o STF e o TSE e insultou seus ministros, além de ter incentivado os
acampamentos nos quartéis que clamavam pela intervenção militar e de onde
saíram atos como a bomba que explodiria no aeroporto de Brasília? E se
pressionou a Abin e o Ministério da Defesa para que produzissem relatórios
contra o sistema eletrônico de votos para fabricar justificativas para o golpe?
Ele não
teria atentado contra as instituições e teria apenas cogitado reverter o
resultado eleitoral através de estado de sítio ou GLO, e o Direito não pode
punir meras intenções. Como, se os crimes das alíneas “l” e “m” do art 359 do
CP (tentativas de golpe e de abolição das instituições democráticas) pressupõem
uma cadeia complexa de atos que foram praticados e provados pelas 900 páginas
do inquérito da PF e pelas 270 da denúncia penal da PGR? Como, se ele próprio
confessou a prática de vários desses atos no depoimento prestado ao STF em
10/6/25? E se os seus auxiliares mais próximos, como os generais e seu ajudante
de ordens, também confirmaram os fatos?
Ele
estaria sendo julgado por Alexandre Moraes, que não poderia julgá-lo porque
seria vítima de seus atos, e estaria sendo perseguido por um STF parcial. E não
haveria provas contra ele além do depoimento de Mauro Cid. Como, se nos crimes
de atentados à democracia o sujeito passivo é a própria sociedade e suas
instituições? E se o STF é o guardião último dessas instituições? E se ele
próprio arregou e pediu desculpas ao relator em seu depoimento por tê-lo
acusado de ter embolsado algumas dezenas de milhões de reais? E se ele próprio
confirmou fatos como a afirmativa de que tentara reverter o resultado
eleitoral, embora cogitando de um enquadramento mirabolante com a suposta
manobra “dentro das quatro linhas“? Como, se respondeu com um “sim, senhor” à
pergunta do relator sobre se cogitava das medidas “em virtude da
impossibilidade de recurso eleitoral”? Como, se também reconheceu a existência
da minuta do golpe, embora dizendo que a exibiu num telão? Como, se confirmou
os fatos, embora tentando enquadramento diverso?
A
realidade objetiva é que, como seu inspirador Donald Trump, o mito fabricava
“emergência” e “comoção social” para continuar no poder e concentrá-lo, mesmo
tendo perdido a eleição de 2022.
• Seis militares no banco dos réus
Pergunta
do Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, Relator da Ação
Penal 2668, ao réu Jair Bolsonaro, durante o interrogatório realizado em
10/06/2025: “É a segunda vez que o senhor fala isso, é importante esclarecer: O
senhor está dizendo que a cogitação, a conversa, o início dessa questão de
estado de sítio, de estado de defesa, teria sido em virtude da impossibilidade
de recurso eleitoral. É isso?”.
Resposta
do réu Bolsonaro: “Sim, Senhor”.
A cena
com seis militares no banco dos réus, outrora ocupantes de postos expoentes no
Executivo federal, com posturas ameaçadoras, histéricas, supostamente
determinados a fazer com que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
legitimamente eleito pelo voto soberano popular, não subisse a rampa do Palácio
do Planalto em 1º de janeiro de 2023, impõe minimamente às instituições
democráticas brasileiras uma séria reflexão sobre as razões pelas quais
militares sintam-se em posição de cogitar a implantação da violência do estado
de sítio ou de defesa por haverem sido contrariados seus interesses pessoais e
corporativos, políticos e econômicos, e que medidas adotar para barrar de vez
tal aberração.
O
capitão Jair Bolsonaro, o general Braga Netto (preso por decretação de
Alexandre de Moraes), o general Augusto Heleno, o general Paulo Sérgio, o
almirante Almir Garnier, o tenente-coronel Mauro Cid, conforme a denúncia
apresentada pelo Procurador-Geral Paulo Gonet, são réus por integrarem de
maneira livre, consciente e voluntária, uma organização criminosa constituída
desde 29 de junho de 2021, operando até 8 de janeiro de 2023, visando ao
empreendimento de Golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de
direito, cujos delitos planejados não se deram de forma instantânea, mas se
desenrolaram em cadeia de acontecimentos, num processo, para citar o célebre
escritor tcheco Franz Kafka.
Como
atestou o Procurador Geral na denúncia oferecida, não há ofensa
institucionalmente mais grave à democracia do que o atentado pelo impedimento
da atuação de quaisquer dos poderes, sobretudo por meio da força não autorizada
constitucionalmente. A democracia é causa eficiente do respeito da dignidade
humana, por isso precisa ser protegida em grau máximo, e todos aqueles que
atentarem de forma violenta e armada contra sua existência, devem ser punidos
exemplarmente. Portanto, não cabe anistia a tais criminosos.
Bem
anotado pelo Ministro Alexandre, na pergunta registrada acima, um dos focos da
ação da referida organização criminosa foi o combate sistemático e crescente ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e às urnas eletrônicas, uma vez que por meio
do voto escrito, objetivo da ação da organização criminosa, é infinitamente
mais fácil ameaçar e manipular eleitores nos mais diversos rincões urbanos e
rurais, como ocorria em passado não tão remoto no Brasil.
Era o
que almejava a referida organização criminosa: enfraquecer o seguro processo
eletrônico de votação brasileira, de referência mundial, para retroceder ao
passado do voto escrito ou impresso.
Curioso
assistir ao então corajoso general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI,
comparecendo ao interrogatório como um rato-toupeira-pelado, combinando
perguntas e respostas escritas com o seu patrono, negando qualquer tipo de
possibilidade de resposta a questionamentos advindos da parte do Ministro
relator e do Procurador geral. Afinal, a mentira tem pernas curtas. A covardia
também.
Simultaneamente,
merecedor de toda a atenção, o depoimento do capitão Jair Bolsonaro, pedindo
clemência, rastejando aos pés daquele ministro para o qual disparou, quando
esteve no poder, uma centena de ataques verbais (“Alexandre de Moraes, deixa de
ser canalha!”), incentivando o seu gado às mais alucinadas e violentas ações
físicas e midiáticas contra Alexandre de Moraes e ao Supremo Tribunal Federal.
Trata-se
de um elemento mentiroso contumaz, fazendo daquele momento mais um espetáculo
eleitoral para a sua claque produzir matéria publicitária na internet.
Quando
a mentira surge como um fim político, tornando-se um fim em si mesma, onde a
falsidade é cultivada como prática regular e aceitável, a confiança na política
e nos políticos se deteriora, abrindo espaço para aventureiros autoritários.
Para
esses fétidos aventureiros, a verdade passa a ser um obstáculo, disparando
contra os cidadãos uma sobrecarga de desinformações visando manipular a
compreensão da realidade por parte da sociedade, para poder melhor adequá-la
segundo seus interesses de grupo.
O
efeito drástico de normalizar a mentira como ferramenta política é a corrosão
da democracia. E isto fica, mais uma vez, bem nítido no depoimento do réu do
capitão Jair Bolsonaro.
A
sistemática adotada por Jair Bolsonaro, de produção da mentira de forma
estruturada, tem sido amplamente discutida por especialistas e veículos da
imprensa progressista de nosso país, ao utilizar a desinformação como
estratégia política para mobilizar sua base de apoiadores e descredibilizar
seus inimigos políticos. Há levantamentos que Jair Bolsonaro fez, em média,
três declarações falsas ou distorcidas por dia durante os seus dois primeiros
anos de mandato.[1]
A
questão, portanto, que se coloca como desafio nacional: o que é intolerável no
espaço público democrático, para proteger a democracia em grau máximo?
As
respostas a esta questão provocarão consequências profundas, tanto na estrutura
do sistema político, extirpando de vez qualquer possibilidade de autoritarismo
militar ou de outra ordem, como nos limites aceitáveis da convivência
democrática.
• Filho de ex-ministro sanfoneiro de
Bolsonaro joga Constituição e ataca Moraes ao falar de prisão
Filho
de Gilson Machado Neto, o ex-ministro do Turismo de Jair Bolsonaro (PL), o
vereador Gilson Machado Filho (PL) se pronunciou pela primeiro vez sobre a
prisão do pai ao discursar nesta segunda-feira (16) na Câmara do Recife,
capital de Pernambuco.
Machado
Filho, que tem 26 anos e entrou na política influenciado pelo pai, mostrou uma
foto de Gilson Machado ao lado de Donald Trump, jogou a Constituição e atacou
Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
"O
ministro Alexandre de Moraes está buscando todos os aliados de Bolsonaro pra
tentar incriminar. Mas mexeram com o cara errado. Esse daqui é um homem
íntegro, de bem, que é reconhecido pelo seu trabalho não só no Brasil, mas
mundo afora", afirmou mostrando foto do pai com Trump.
Em
seguida, ele pega uma edição da Constituição, mostra aos presentes na Câmara e
joga fora.
"É
que a gente tem esse texto aqui, mas eu poderia jogar a Constituição. É isso
que o ministro Alexandre de Moraes faz no nosso país. Ele pega a Constituição
brasileira e rasga. Ele hoje está se achando o ditador do Brasil", disse,
ecoando o discurso dos bolsonristas.
Machado
Filho ainda afirma que a mãe estaria com depressão e que o pai, vendo amigos
presos, tinha "medo que esse dia chegasse".
"Todos
os aliados, seus amigos, estavam sendo presos. E ela estava com medo que esse
dia chegasse no meu pai", afirmou, papagueando que "nós estamos
vivendo um tempo sombrio nesse país, sombrio".
Após
agradecer pela soltura do pai, o vereador volta a atacar o STF dizendo que as
medidas impostas ao "sanfoneiro" o impedem de fazer shows nas festas
juninas da região.
"Soltaram
ele, mas botaram cinco medidas cautelares. Ele não pode sair de Recife,
vereadores. Detalhe, meu pai mora em Jaboatão dos Guararapes. Ele não pode ir
para o show da banda dele. Ele é empresário do setor de forró. A gente está no
São João, vereadores. Ele tem mais de 10 shows marcados", afirma.
Fonte: Por Alexandre Aragão de Albuquerque, em A
Terra é Redonda/Fórum

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