sábado, 21 de junho de 2025

Grampo ilegal: de humorista a delegado - veja lista de espionados pela Abin paralela, segundo a PF

O relatório final da Polícia Federal sobre a investigação que apura um monitoramento ilegal de autoridades pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apontou o uso de ferramentas do órgão para espionar uma série de personalidades, como deputados, investigadores e até caminhoneiros.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tirou o sigilo do relatório nesta quarta (18). A PF indiciou mais de 30 pessoas. Para os investigadores, a Abin foi utilizada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro para fins políticos e pessoais.

A lista de indiciados entregue ao STF inclui o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, o ex-diretor da Abin e atual deputado federal Alexandre Ramagem — ambos do PL — e o do atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa.

O esquema de monitoramento irregular ficou conhecido como Abin paralela e mirou também jornalistas. Um dos métodos utilizados para a espionagem irregular era o monitoramento por meio de um software israelense chamado “First Mile”.

A tecnologia, da empresa israelense Cognyte (ex-Verint), foi comprada pelo governo brasileiro e usava GPS para monitorar irregularmente a localização de celulares de servidores públicos, políticos, policiais, advogados, jornalistas e até mesmo juízes.

>>>> Monitoramento político

O relatório da Polícia Federal atribui a Ramagem o ordenamento do uso do programa “First Mile” para monitorar ilegalmente adversários políticos e críticos do governo.

Segundo a PF, o esquema era feito para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Entre os pedidos diretos de Ramagem, estão o monitoramento e ações que buscavam “caçar os podres” de Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara e da então deputada Joice Hasselmann, antiga aliada de Bolsonaro que passou a desafeto do ex-presidente.

A PF também aponta que foram alvo de “dossiês” da Abin:

•        Alexandre de Moraes, ministro do STF;

•        Luís Roberto Barroso, presidente do STF;

•        deputado Kim Kataguiri (União-SP);

•        deputado Arthur Lira (PP-AL);

•        senador Renan Calheiros (MDB-AL);

•        senador Omar Aziz (PSD-AM);

•        senador Randolfe Rodrigues (PT-AP);

De acordo com o inquérito, o pedido de monitoramento dessas autoridades partiu da presidência da República e "comprova o viés precipuamente político da ação clandestina".

>>>> Caso Marielle

Outra utilização feita da Abin foi para o monitoramento do homicídio da ex-vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, assassinada em 2018.

Em 2020, quando a Polícia Civil carioca trocou o delegado do caso, o então diretor-geral, Alexandre Ramagem, pediu para que a equipe fizesse um dossiê sobre o novo delegado, Daniel Freitas da Rosa.

A agência também foi usada para monitorar Simone Sibilio, ex-coordenadora da força-tarefa do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que investigou as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.

De acordo com o inquérito, o monitoramento da investigação ocorreu para antecipar eventuais referências que indevidamente vinculassem ao Núcleo Político que comandava a agência.

>>>> Caso Adélio Bispo

Já em março de 2022, Ramagem pediu para Marcelo Bormevet analisar todos os dados disponíveis sobre o caso de Adélio Bispo, que tentou matar o ex-presidente Bolsonaro.

"Coisa simples. Como está agora. Em que ponto relatoria, quebras, etc. Acredito que tenha tudo em fonte aberta. Preciso saber a condição dele no sistema prisional, onde está. Há quanto tempo. A quebra do tel de advogados. Para hoje à noite", diz o pedido.

Em um dos documentos encontrados sob posse de Ramagem, ele relata o desejo de interferir na Polícia Federal para modificar os rumos da investigação sobre o caso.

"Coloquei na PF a linha de que essa investigação tem que ser toda verificada desde o início. Correição permite. Passei ao Corregedor-Geral. Estou esperando a resposta. Eu cobro, mas não anda", redigiu o deputado em nota.

>>>> Monitoramento de personalidades

O ex-deputado Jean Wyllys e o humorista Gregório Duvivier também foram monitorados a pedido da presidência, o que se comprova a partir de uma troca de mensagens de Giancarlo, que estava fisicamente no GSI no momento.

“Fala, amigão. Eles são muito ariscos. Trocam de chip a todo instante. Mas consegui um número que o Jean usou para baixar o Telegram. O DDD era do Cear. Já deve ter mudado, mas pode ser um bom ponto de partida. Podemos puxar o CPF dessa linha e ver se habilitaram outros telefones nele. Ele também tem o site e o Instagram. Estou em cima. Parece que estão usando Signal”, afirmou um dos agentes.

A tentativa de identificar a localização de Jean Wyllys ainda em 2019, nos primeiros meses de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Entretanto, ela não foi efetiva, porque o ex-deputado federal estava nos Estados Unidos e o contrato para uso do First Mile impede que o programa seja usado para monitoramento no país ou em Israel, mas libera para o restante do mundo.

Após a tentativa frustrada, os agentes partiram para investigar familiares de Wyllys, como uma de suas irmãs.

Outro nome investigado foi o do humorista Gregório Duvivier, que tinha um programa que criticava a “difusão de desinformação do antigo governo”.

“Quero ver se será tão machão perante o juiz, Gregório Duvivier. A Hydra já pegou seus dados e mandou às pessoas competentes”, afirmou o perfil de um dos denunciados pelo inquérito, Richards Pozzer.

>>>> Monitoramento de jornalistas

O programa também foi usado para monitorar jornalistas que atuavam investigando a atuação do governo e tentavam escancarar a existência do gabinete paralelo, como o caso da jornalista Luiza Alves Bandeira.

Outro jornalista monitorado, Pedro Cesar, virou alvo da Abin por ser um dos responsáveis pelo ato "Fora Bolsonaro".

A PF aponta ainda o monitoramento dos jornalistas Vera Magalhães, Luiza Bandeira, Pedro Batista, Reinaldo Azevedo e Alice Martins de Costa Maciel, que segundo os agentes é uma “jornalista left” responsável por fazer trabalhos investigativos.

>>>> Renan Bolsonaro

A Abin também foi utilizada, de forma clandestina, para interferir nas investigações da Polícia Federal contra o filho do ex-presidente.

Além disso, a agência recebeu um pedido para “caçar podre” de Allan Gustavo Lucena do Norte, ex-sócio e personal trainer de Jair Renan Bolsonaro, o filho 04.

Os agentes chegaram até a fazer vigilância do ex-sócio, que desconfiou da movimentação e chamou a Polícia Militar, que deteve um dos agentes, mas ele acabou fugindo para não ser levado à Polícia Civil.

"A determinação da diligência partiu do Palácio do Planalto, na figura do Gabinete de Segurança Institucional e foi realizada diretamente pelos policiais federais cedidos, que respondiam diretamente ao Diretor-Geral, sem a participação de servidores orgânicos", afirmou o inquérito.

A ação frustrada acabou resultando num relatório de inteligência da agência, que acabou sendo ignorado por ser "pobre de conteúdo" e "desnecessário", já que não atendeu aos interesses naturais da Abin.

•        Bolsonaro era o 'principal destinatário' do resultado de ações clandestinas na agência, diz PF

A Polícia Federal afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) era o principal destinatário do resultado de "ações clandestinas" na Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

A conclusão dos investigadores está no relatório final da Polícia Federal que investiga a chamada "Abin paralela", um esquema de monitoramento e espionagem de políticos, autoridades e jornalistas que eram considerados adversários do governo Jair Bolsonaro.

Nesta quarta-feira (18), o ministro Alexandre de Moraes, do STF, retirou o sigilo do documento, que tem mais de 1,2 mil páginas. A PF indiciou mais de 30 pessoas. O indiciamento não significa que os citados são culpados pelos crimes, mas que há elementos de que eles possam ter cometido condutas ilegais.

As ações clandestinas e a instrumentalização da Abin teriam sido dirigidas pelo hoje deputado Alexandre Ramagem (PL), que chefiou a agência de inteligência na gestão do ex-presidente.

A PF disse que há "evidências que corroboram a concorrência do então Presidente da República das ações delituosas perpetradas na Abin".

"Os eventos destacados ao longo da investigação, ainda, demonstram que as ações eram realizadas para obtenção de vantagens precipuamente do núcleo político. As ações clandestinas, portanto, tinham seus produtos delituosos destinados ao interesse deste núcleo com ataques direcionados a adversários e ao sistema eleitoral dentre outros", afirmou.

•        Abin paralela: esquema pode ter monitorado Alexandre de Moraes errado, diz PF

A Polícia Federal concluiu que, em busca de informações sobre o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a chamada "Abin paralela" pode ter monitorado por engano um homônimo do magistrado.

A conclusão está no relatório final da investigação que apura a instrumentalização da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com o objetivo de beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o seu governo.

Segundo as investigações, há elementos que indicam que um agente de inteligência do órgão teria utilizado o sistema First Mile e efetuado pesquisas sobre uma pessoa chamada Alexandre de Moraes Soares, que mora em São Paulo, cidade natal do ministro do STF.

"O registro, por exemplo, associado à pesquisa de 'ALEXANDRE DE MORAES SOARES' não apresenta nenhuma justificativa, levando à plausibilidade de terem sido realizadas 3 pesquisas do homônimo do excelentíssimo ministro relator no dia 18/05/2019. O homônimo alvo da pesquisa, ainda, reside no Estado de São Paulo", afirma o relatório da PF.

Para a Polícia Federal, há indícios de que o objetivo do agente era obter informações relativas à localização do magistrado.

A suspeita é reforçada, conforme o relatório, pela data da pesquisa no sistema First Mile, quatro dias depois uma movimentação no inquérito das fake news, no Supremo Tribunal Federal, do qual Moraes é relator.

"O marco temporal da pesquisa é compatível com a instauração do Inquérito n.º 4781 em março de 2019 pelo então presidente do STF, excelentíssimo ministro DIAS TOFOLLI. Em 14/05/2019, houve a disponibilização para julgamento de recurso para suspender a apuração", acrescenta o relatório.

A busca teria sido efetuada pelo agente Thiago Quinalia, que em 2024 foi designado para o posto de auxiliar de adido na França. Quinalia deveria ter retornado ao Brasil em abril de 2024, o que não ocorreu.

Ele abandonou o cargo público e não há, conforme as investigações, informações sobre o paradeiro do ex-servidor.

Segundo a apuração da PF, o homônimo do ministro do STF monitorado pela Abin paralela sequer atua no Poder Judiciário e trabalharia como gerente em um estabelecimento comercial.

>>>> Alto potencial ofensivo

Segundo a Polícia Federal, uma organização criminosa de "alta potencialidade ofensiva" atuou, durante a gestão Jair Bolsonaro, a partir da estrutura da Agência Brasileira de Inteligência, empregando de forma clandestina recursos humanos, financeiros e tecnológicos da instituição para interesses próprios e ilegais.

De acordo com o relatório, as ações eram "controladas pelos altos gestores da Abin", que se valiam da hierarquia interna para evitar o envolvimento direto e mascaravam a operação com justificativas de legalidade.

A PF afirma que houve "uso reiterado de recursos humanos e materiais da Agência Brasileira de Inteligência para fins ilícitos, diversos das finalidades institucionais do órgão".

A apuração identificou a formação de uma "estrutura paralela de inteligência" integrada por policiais federais cedidos e oficiais de inteligência, que aderiram às práticas da organização criminosa.

Segundo os investigadores, o objetivo do grupo era a "manutenção no poder, inclusive pelo rompimento do Estado Democrático".

•        PF encontra PowerPoint no celular de auxiliar de Braga Netto com plano para pressionar Congresso e STF no 7 de setembro

Mensagens encontradas nos celulares do ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto e de seu assessor, o coronel Flávio Peregrino, expõem o que a Polícia Federal (PF) classifica como “mecanismos de pressão” planejados pelo governo Jair Bolsonaro nas vésperas do 7 de setembro de 2021. A análise faz parte de um relatório elaborado pela PF.

Os registros, interceptados durante uma operação da PF em novembro de 2024, mostram que o entorno de Bolsonaro articulava o uso simbólico e estratégico das comemorações da independência para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) e sustentar uma narrativa de apoio das Forças Armadas ao presidente. “O possível cenário que tangenciava a instituição da Garantia da Lei e da Ordem […] chegou próximo à sua concretização”, afirma o relatório da PF.

Dois documentos em PowerPoint enviados por Peregrino a Braga Netto detalham o planejamento da Defesa para a data. Um deles apresenta a estratégia de comunicação: enquanto a grande mídia deveria receber a imagem de um evento “em paz e harmonia”, os “canais bolsonaristas” seriam abastecidos com a mensagem de que o presidente contava com o “apoio incondicional” das Forças Armadas para garantir a liberdade popular, vendendo a data como uma “segunda independência”.

Já o segundo arquivo é ainda mais explícito ao considerar o 7 de setembro como “um ponto de decisão e de inflexão para o governo”. Nele, são traçados três cenários possíveis para os desdobramentos após os atos: recuo estratégico sem desmobilização, reação da oposição com restrições e a adoção da GLO (Garantia da Lei e da Ordem). O uso da GLO, segundo os slides, poderia envolver convulsão social, confrontos entre policiais militares e o Exército e distúrbios nas principais capitais do país.

O relatório da PF também faz referência a uma reportagem de O Globo segundo a qual o então presidente do STF, Luiz Fux, teria cogitado solicitar a GLO caso houvesse risco à integridade do prédio da Corte. A tensão institucional se agravou naquele setembro: Bolsonaro ameaçava publicamente ministros, declarou que não mais cumpriria decisões de Alexandre de Moraes e falava em reunir o Conselho da República, etapa anterior à decretação de estado de sítio.

Na véspera do feriado, caminhoneiros bolsonaristas tomaram a Esplanada dos Ministérios. Em um momento crítico, romperam bloqueios da Polícia Militar e invadiram a Praça dos Três Poderes, gerando temores de ruptura. Dias depois, porém, Bolsonaro recuou. Com a intermediação do ex-presidente Michel Temer, publicou uma carta em tom conciliador — o que causou decepção entre seus apoiadores mais radicais.

Entre eles, Braga Netto, que desabafou com o então ajudante de ordens Mauro Cid: “Podemos virar a mesa. Ele [Bolsonaro] fez tudo para apaziguar. Se não cumprirem, ele abre o jogo e viramos com ele. Os Cmts [comandantes] estão cientes.”

Em outro trecho revelado pela PF, uma conversa de 6 de agosto de 2021 entre Braga e Cid traz ainda mais indícios do clima conspiratório. O ex-ministro envia uma imagem alusiva ao golpe militar de 1964 e escreve: “Histórica”. E complementa: “Não manda para o 01, mas pode mostrar” — em provável referência a Jair Bolsonaro.

•        STF mantém prisão de coronel Marcelo Câmara após audiência de custódia

O Supremo Tribunal Federal decidiu manter, nesta quinta-feira (19), a prisão preventiva do coronel do Exército Marcelo Câmara. A informação foi divulgada pela CNN Brasil, que também confirmou que a medida foi mantida após a audiência de custódia, realizada para avaliar as condições da detenção.

De acordo com a reportagem, o advogado do militar, Eduardo Kuntz, informou que a defesa pretende recorrer da decisão por meio de um agravo regimental, a ser protocolado na próxima segunda-feira (23), “demonstrando a ilegalidade da prisão e aguardando que ele seja solto imediatamente”.

A prisão foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, e cumprida por agentes da Polícia Federal, que conduziram Câmara de sua residência até a sede da corporação para os trâmites legais. O coronel permanece detido no Batalhão da Polícia do Exército, em Brasília.

Na mesma decisão, Moraes determinou a abertura de inquérito não apenas contra Câmara, mas também contra seu advogado, Eduardo Kuntz. Segundo o ministro, ambos atuaram para tentar acessar informações sigilosas do acordo de colaboração premiada firmado por Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Esse mesmo motivo já havia levado à prisão preventiva do general Walter Braga Netto, que foi ministro no governo anterior.

As investigações revelam que Kuntz teria conversado com Mauro Cid utilizando um perfil que, supostamente, pertencia à esposa do delator — o que representaria uma violação às restrições impostas, já que Cid estava proibido de usar redes sociais. As mensagens trocadas entre eles foram publicadas pela revista Veja e serviram de base para o despacho de Moraes, que destacou o “completo desprezo” do coronel pelas medidas cautelares anteriormente impostas.

Conforme os autos, o coronel estava proibido de manter contato com outros investigados, o que teria sido contornado com o uso de seu advogado como intermediário. Para o ministro, a intenção da defesa era "descobrir os termos do acordo de colaboração para beneficiar" Câmara no processo em curso. Moraes determinou ainda que os três envolvidos — Câmara, Kuntz e Cid — sejam ouvidos pela Polícia Federal no prazo máximo de 15 dias.

Em nota também enviada à CNN, o advogado Renato Marques Martins, que representa Eduardo Kuntz, classificou como “abusiva” a decisão do ministro e argumentou que seu cliente, ao ser procurado por Mauro Cid, apenas “exerceu seu dever de verificar se a delação foi ou não espontânea”.

 

Fonte: g1/Brasil 247

 

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