segunda-feira, 23 de junho de 2025

Desde a Grécia Antiga, as pessoas lutam pela verdadeira liberdade contra os ricos

Liberdade é vida”, dizia uma faixa em um protesto recente contra as medidas de saúde pública adotadas para reduzir o impacto da pandemia. De fato, esse se tornou um tema constante durante a pandemia, à medida que o movimento contra vacinas e medidas de saúde pública reivindicava o manto da “liberdade”. Em resposta, a esquerda apontou que nossa liberdade individual depende da solidariedade social, argumentando que as medidas públicas são necessárias para preservar nosso direito à saúde.

Em jogo estão duas definições opostas de liberdade — e esse conflito não é novo. Em seu livro recente, Freedom: Na Unruly History, Annelien de Dijn ajuda a lançar luz sobre esses significados frequentemente contraditórios do termo. Trata-se de uma história abrangente da ideia de liberdade no Ocidente, desde a Grécia Antiga até os dias atuais.

<><> Liberdade democrática

“Durante séculos”, escreve de Dijn, “os pensadores e atores políticos ocidentais identificaram a liberdade não com ser deixado sozinho pelo Estado, mas com exercer controle sobre a maneira como alguém é governado”. Como isso sugere, de Dijn distingue entre dois tipos de liberdade: “liberdade de” versus “liberdade para”, ou, como às vezes são denominadas, liberdade negativa versus liberdade positiva.

“Liberdade de” é o tipo de liberdade mais frequentemente utilizado pela direita reacionária e de governo pequeno. Os defensores do capitalismo invocam regularmente esse tipo de liberdade negativa para justificar a desregulamentação do trabalho, a revogação de leis de saúde e segurança ou a redução do salário mínimo. Os fundamentalistas do livre mercado a citam para justificar a desregulamentação dos mercados financeiros. E os conservadores cristãos reivindicam liberdade negativa ao argumentar que a intolerância de inspiração religiosa deveria ser isenta das leis antidiscriminação.

O instigante livro de de Dijn rompe com essa retórica ao explicar como essa concepção negativa de liberdade surgiu há relativamente pouco tempo, como uma forma de combater as lutas populares pela liberdade de participar democrática e ativamente na política.

Na Grécia Antiga, e mais tarde em Roma, a liberdade era definida em oposição à escravidão. Ser escravo era não ser livre; significava não ter voz nem poder sobre o próprio futuro. Quando os gregos antigos “se referiam a si mesmos como livres”, escreve de Dijn, “queriam dizer que, ao contrário dos súditos do Grande Rei Persa, não eram governados por outros, mas governavam a si mesmos”. É isso que ela descreve como uma “concepção democrática de liberdade”.

Esta é a base da “liberdade para”, ou liberdade positiva, uma concepção de liberdade que de Dijn traça como um fio condutor em todos os debates subsequentes sobre o termo. Começando na Grécia Antiga e continuando na República Romana, essa noção de liberdade democrática começou a declinar à medida que o cesarismo transformava Roma em um império.

Muito mais tarde, pensadores renascentistas como Nicolau Maquiavel reviveram o significado democrático e positivo da liberdade. À medida que as grandes revoluções do século XVIII nos Estados Unidos e na França estabeleciam novos governos republicanos, as massas lutavam pela “liberdade” de dirigir seus governos novamente. No final do século XIX e início do século XX, os movimentos pela conquista do sufrágio universal mantiveram viva a ideia de liberdade democrática. A narrativa da autora termina com o período pós-Segunda Guerra Mundial e a transição para o século XXI, durante o qual o conceito de liberdade positiva declinou lentamente à medida que o neoliberalismo se tornava hegemônico.

Essa narrativa histórica abrangente é um dos pontos fortes do livro. Ela permite que de Dijn mostre como um pensador individual — como Maquiavel — pode ser situado em sua época e também inserido em um contexto histórico muito mais amplo.

Mostra também como a noção de liberdade democrática se desenvolveu e se aprofundou ao longo do tempo. Por exemplo, Maquiavel adotou uma abordagem mais analítica da liberdade em Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio do que os historiadores da Grécia e Roma Antigas, como Heródoto. Como demonstra de Dijn, isso importa — os preceitos de Maquiavel tiveram um “impacto considerável” nas abordagens subsequentes da liberdade e das instituições políticas.

<><> A ascensão da “liberdade de”

Segundo de Dijn, as grandes revoluções dos séculos XVII e XVIII também deram origem a uma forma de liberdade fortemente oposta à concepção democrática defendida por pensadores democratas e republicanos. A “liberdade de”, ou liberdade negativa, surgiu em oposição às formas democráticas e representativas de governo estabelecidas nos Estados Unidos, Inglaterra e França.

De acordo com de Dijn, o período de Terror sob Maximilien Robespierre, durante a grande Revolução Francesa, estimulou o desenvolvimento da liberdade negativa e foi em grande parte motivado por medos da elite de uma redistribuição democrática da riqueza.

Depois disso, a concepção negativa de liberdade cresceu e se desenvolveu durante os anos 1800, até o século XX, quando foi defendida por pensadores como Isaiah Berlin, que, de acordo com de Dijn, “introduziu uma nova ideia: a de que a liberdade negativa era a própria essência da civilização ocidental”.

No entanto, esse desenvolvimento da “liberdade de” não foi totalmente desprovido de valor. Ele aponta para um paradoxo no cerne da liberdade democrática — a saber, que a maioria pode oprimir a minoria. De Dijn dá um exemplo desse problema no início de seu livro, ao relatar como a antiga democracia ateniense decidiu democraticamente executar o filósofo Sócrates.

Em nome da proteção das minorias contra a maioria, contudo, a “liberdade de” permitiu que tiranias minoritárias crescessem e prosperassem. Isso ajuda a explicar por que a liberdade negativa é particularmente útil para membros da classe proprietária com acesso a um poder econômico extraordinário que a maioria das pessoas não possui.

Para ilustrar o argumento, de Dijn cita um antigo tratado antidemocrático de Atenas, a Constituição dos Atenienses. Embora o autor permaneça anônimo, os historiadores se referem a ele como “o Velho Oligarca”.

Neste texto, o autor afirma que a maioria pobre de Atenas governava em seu próprio interesse e usava o Estado para redistribuir riqueza, de modo que os pobres “se tornassem ricos e os ricos, pobres”. De fato, em Democracy: A Life [Democracia: Uma Vida], o professor Paul Cartledge argumentou que a democracia ateniense é melhor compreendida como um exemplo da ideia de Lênin da “ditadura do proletariado” e representava uma concepção mais democrática de liberdade.

A comparação é pertinente. No auge da democracia ateniense, o Estado redistribuiu riqueza para promover a participação democrática. A república ateniense garantiu que os trabalhadores pobres pudessem participar das decisões democráticas, pagando-lhes para participar das assembleias cidadãs. Os atenienses também experimentaram outras formas de democracia, incluindo a eleição por sorteio (ou seja, por loteria). Os cidadãos eleitos para cargos governamentais recebiam uma recompensa, permitindo-lhes deixar seus empregos cotidianos durante o mandato.

É importante destacar que de Dijn traça como a Velha Oligarquia — que foi derrubada pela democracia ateniense — temia o poder redistributivo da democracia política. Desde a Atenas Antiga até hoje, esse medo tem sido uma constante no pensamento reacionário.

<><> Direitos humanos

Há uma lacuna óbvia no livro de de Djin, ligada aos dois tipos de liberdade que ela aborda: o papel desempenhado pelos direitos humanos desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

A Declaração dos Direitos Humanos inclui tanto a liberdade positiva, democrática, quanto a negativa, a “liberdade de”. Por exemplo, o Artigo 21 afirma que toda pessoa tem “o direito de participar do governo de seu país”, o que, como vimos, implica uma concepção democrática de liberdade. Em contrapartida, o Artigo 17(2) afirma que “ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade”, o que impõe restrições ao governo popular em consonância com a “liberdade de”.

Em um nível mais amplo, a ideia de direitos humanos influencia profundamente as discussões contemporâneas sobre liberdade. Tipicamente, aqueles que lutam contra governos repressivos e antidemocráticos têm se baseado na retórica dos direitos humanos — por exemplo, na Rússia de Putin. Cada vez mais, porém, a direita reacionária e os conservadores cristãos afirmam defender a liberdade contra governos democráticos e representativos. Por exemplo, eles alegam que impostos ou leis que proíbem a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ são uma violação de sua liberdade de propriedade e de consciência, respectivamente. Esses desenvolvimentos influenciaram ainda mais a maneira como a esquerda pensa sobre liberdade, e a narrativa histórica de de Dijn teria se beneficiado ao incluí-los.

Em defesa de de Dijn, no entanto, ela se esforça para destacar as limitações das formas históricas de liberdade. Ela deixa claro que os sistemas políticos históricos construídos em torno da liberdade democrática ainda excluíam muitas pessoas. Por exemplo, a República Ateniense negava liberdade a escravos, mulheres e homens não atenienses.

Freedom: An Unruly History é um livro excelente que captura o alcance de mais de 2.500 anos de debate ocidental sobre a natureza da liberdade política. É claro que esse escopo impede um foco detalhado em qualquer período histórico particular. Ao mesmo tempo, porém, a visão de longo prazo de de Deijn ajuda a fundamentar concepções divergentes — e deficientes — de liberdade nas realidades políticas das quais surgiram.

Essa amplitude histórica ajuda a mostrar que, embora uma forma de liberdade antidemocrática e elitista possa estar em ascensão, esse é um desenvolvimento relativamente novo que surgiu em oposição à expansão sem precedentes da liberdade democrática e do governo representativo a partir do século XVII.

Isso deixa claro que só conquistaremos a liberdade econômica se conquistarmos maior liberdade política. E embora isso signifique superar a “liberdade de”, de Dijn nos lembra que só podemos construir uma liberdade política mais forte se a estendermos às minorias — excluindo, é claro, os ultrarricos.

¨      Igualdade salarial ainda está distante

No próximo dia 3 de julho, a Lei de Igualdade Salarial completa dois anos de vigência. Ao sancionar a norma, o presidente Lula anunciou uma atuação firme para acabar com as desigualdades e injustiças que ocorrem no mundo do trabalho em prejuízo às mulheres. "Não existe essa de lei pegar ou não pegar. Na verdade, o que existe é governo que faz cumprir a lei e governo que não faz cumprir a lei. E nosso governo vai fazer cumprir", disse Lula, ao sancionar a Lei nº 14.611/2023.

À época, a então ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, deu um diagnóstico da realidade brasileira. "Em plena segunda década do século 21, a mulher ainda recebe, em média, 22% a menos do que o homem. E as mulheres negras recebem menos da metade do salário dos homens brancos", observou.

De lá para cá, o quadro apresentou poucos avanços. O 3º Relatório de Transparência Salarial e Desigualdade, divulgado em abril, indicou o muro que separa homens e mulheres quanto se trata de remuneração. O levantamento, feito a partir de informações cedidas por 53 mil estabelecimentos privados com ao menos 100 empregados, concluiu que elas ganham em média 20,9% a menos do que os trabalhadores do sexo masculino. A desvantagem é ainda maior em relação às negras: o rendimento delas equivale a 47,5% do que ganham homens brancos.

Não bastasse a perpetuação dessa injustiça social, a iniciativa de remunerar homens e mulheres em valores iguais tornou-se um imbróglio no Judiciário. Tramitam no Supremo Tribunal Federal duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra determinados trechos da Lei de Igualdade Salarial. Argumentam, de um lado, que a atual legislação desconsidera critérios de diferenciação salarial previstos em lei, como tempo no exercício da função; de outro, obriga as empresas a divulgarem dados que podem ser interpretados como política discriminatória ou comprometem os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa.

No final de abril, a Procuradoria-Geral da República atendeu parcialmente às reivindicações presentes nas ações que tramitam no Supremo. Entendeu que é inconstitucional os Relatórios de Transparência Salarial divulgarem valores e funções que permitam identificar o empregado, ainda que ele esteja anônimo. Pontuou, ainda, que não cabe à Lei nº 14.611/2023 punir empresas que estipulam diferenças salariais a partir de um programa de cargos e salários, em conformidade com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

As ações relativas à Lei de Igualdade Salarial estão sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Espera-se que os alegados ajustes ocorram, de modo que o sentido maior da lei seja cumprido. A desigualdade no Brasil resulta de um processo histórico, que levará gerações para ser corrigido. Combater a iniquidade, valorizar a meritocracia e estabelecer mecanismos contra a discriminação são princípios civilizatórios dos quais o país não pode prescindir se quiser obter avanços sociais relevantes. 

 

Fonte: Por Paul Sutton – Tradução Pedro Silva, em Jacobin Brasil/Correio Braziliense

 

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