Bets
e influenciadores: “Não podemos brincar com o sonho dessas pessoas”
Nos
últimos anos, as propagandas de apostas online, as chamadas bets, deixaram os
sites clandestinos da internet e passaram a fazer parte do cotidiano. Hoje,
estão nas camisetas dos times, patrocinam eventos culturais e invadem os lares
brasileiros por meio de influenciadores digitais.
Contratos
milionários colocaram nomes como Virgínia Fonseca, Deolane Bezerra e Gkay no
centro da publicidade de plataformas de apostas. Prometidas como uma forma de
“dinheiro fácil e rápido”, as bets são promovidas para milhões de seguidores
nas redes sociais.
Para
Carolline Sardá, publicitária, criadora de conteúdo e crítica das propagandas
de apostas, essa estratégia de aliar o marketing das plataformas a
influenciadores digitais serve para legitimar e dar autoridade ao que, na
prática, promove a ludopatia (vício em jogos) como estilo de vida.
Em uma
live no Instagram da Agência Pública, Sardá discutiu o papel dos
influenciadores na epidemia das apostas nas redes. A conversa é uma ação da
campanha de financiamento coletivo da Pública, que busca arrecadar recursos
para realizar uma investigação aprofundada sobre o império das bets no Brasil.
A
publicitária compara a publicidade das bets com a das antigas campanhas de
cigarro. “Os publicitários sabiam que o cigarro matava, e mesmo assim sentaram
à mesa para pensar em como esconder isso. A mesma coisa aconteceu com as
plataformas de apostas. Em sites piratas, as pessoas não confiam. Mas quando
veem um influenciador que seguem, que acompanham, que se parece com elas, aí
confiam.”
Em
2024, 23 milhões de pessoas fizeram alguma aposta nas bets, o que representa
15% da população acima de 16 anos, de acordo com o Raio-X do Investidor
Brasileiro. Para Sardá, os influenciadores têm responsabilidade direta nessa
epidemia das apostas. “Influenciar no tempo em que nós estamos, das redes
sociais, onde você precisa ter uma grande audiência, precisa saber de
engajamento, de alcance, é uma forma de poder. E você utilizar esse poder, que
poderia influenciar as pessoas positivamente, e direcionar para um vício é
muito complicado. […] A gente tem que ter essa influência responsável.”
“Quando
nós alcançamos um grupo grande de pessoas que nos seguem, não são números: são
seres humanos. Essas pessoas têm vida, têm trabalho, têm família, têm sonhos. E
nós, como influenciadores, não podemos brincar com o sonho dessas pessoas.
Principalmente com o salário que está na conta delas, um salário contadinho”,
defende.
<><>
Regulação das propagandas e responsabilização dos influencers
Em
2024, o setor de apostas online se tornou o mais punido pelo Conselho Nacional
de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Segundo levantamento do Meio &
Mensagem, 43 marcas de apostas foram alvo de sanções, representando 22,3% de
todas as punições aplicadas pelo órgão no período.
O CONAR
estabelece regras específicas para a publicidade de apostas. Os anúncios devem
deixar claro que se trata de uma atividade paga, que envolve riscos e é
permitida apenas para maiores de 18 anos. É proibido associar as apostas a
promessas de ganhos fáceis, sucesso pessoal ou ascensão social. Também não se
pode usar linguagem imperativa — como “jogue agora” — nem sugerir que apostar
seja uma forma segura de ganhar dinheiro. Celebridades e influenciadores não
podem induzir o público a acreditar que jogam ou ganham com frequência, e
precisam sinalizar claramente quando o conteúdo é patrocinado. Além disso, as
peças devem conter alertas de responsabilidade, como o incentivo ao jogo
consciente e o respeito aos limites financeiros de cada usuário.
Mas a
ausência de regulamentação da profissão de influenciador contribui para um
cenário ainda de impunidade, onde a responsabilização é rara — mesmo diante de
abusos recorrentes.
Esse
descompasso entre regras e fiscalização também ficou evidente na CPI das Bets,
encerrada recentemente no Senado. Na quarta-feira (12), os senadores
rejeitaram, por 4 votos a 3, o relatório final da senadora Soraya Thronicke
(Podemos-MS), que recomendava o indiciamento de influenciadores, como Virgínia
Fonseca e Deolane Bezerra, e empresários do setor por indícios de lavagem de
dinheiro, propaganda enganosa e outros crimes. O texto ainda propunha 20
medidas para conter o avanço das apostas online no país. Com a rejeição, a CPI
terminou sem qualquer encaminhamento prático aos órgãos competentes.
Para
Carolline Sardá, além da responsabilização dos influenciadores, é essencial que
as plataformas digitais também sejam cobradas. Segundo ela, as redes sociais
deveriam ter mecanismos mais eficazes para monitorar, restringir e derrubar
conteúdos e perfis que descumprem as regras de publicidade de apostas.
A
urgência dessa regulação fica ainda mais clara diante de um problema crescente:
o impacto da publicidade de apostas em crianças e adolescentes. De acordo com
um estudo do Unicef, 22% dos adolescentes entrevistados disseram ter feito sua
primeira aposta antes dos 11 anos de idade. A maioria (78%) começou aos 12 anos
ou mais — ainda assim, dentro de uma faixa etária proibida por lei para esse
tipo de atividade.
“A
questão do vício não dá para a gente brincar na publicidade”, afirma Sardá.
“Envolve princípios éticos, o limite da publicidade”. E completa: “É importante
que os influenciadores se responsabilizem pelo que fazem, principalmente pelo
que divulgam. Nós precisamos de regulação, de educação midiática, mas
principalmente de uma resposta coletiva e organizada, porque o que está em jogo
aqui é saúde mental, financeira, social e pública. Se eles não forem
responsabilizados, que olhem para si e entendam o poder da influência que têm:
de levar as pessoas para algo bom, mas também para o abismo.”
Milhões
de brasileiros em situação de vulnerabilidade estão perdendo dinheiro para
plataformas de apostas. Para investigar a fundo quem lucra com esse império e
quais são as consequências reais para a vida das pessoas, a Pública precisa do
seu apoio. Só com a ajuda de leitores como você podemos dedicar tempo e
recursos para uma apuração independente e aprofundada sobre esse mercado
bilionário.
Fonte:
Por Letícia Gouveia, da Agência Pública

Nenhum comentário:
Postar um comentário