terça-feira, 11 de março de 2025

Tarifas de Trump podem abalar liderança da China como potência industrial?

O presidente dos Estados UnidosDonald Trump, atingiu a China com a imposição de uma nova tarifa, o que significa que as importações do país asiático agora estão sujeitas a uma taxa de pelo menos 20%.

Esta é sua mais recente investida contra Pequim, que já enfrenta tarifas pesadas de Washington — de 100% sobre veículos elétricos até 15% sobre roupas e calçados fabricados na China.

As tarifas de Trump atingem o coração do rolo compressor da indústria chinesa — uma rede de fábricas, linhas de montagem e cadeias de suprimentos que produzem e exportam praticamente tudo, de fast fashion e brinquedos a painéis solares e carros elétricos.

O superávit comercial da China com o mundo atingiu um valor recorde de US$ 1 trilhão em 2024, devido às fortes exportações (US$ 3,5 trilhões), que superaram as importações (US$ 2,5 trilhões).

Há muito tempo a China é a fábrica do mundo — o país prosperou devido à mão de obra barata e ao investimento estatal em infraestrutura desde que abriu sua economia para os negócios globais no fim da década de 1970.

Mas até que ponto será que a guerra comercial de Trump poderia prejudicar o sucesso da manufatura chinesa?

<><> O que são tarifas, e como elas funcionam?

As tarifas são impostos cobrados sobre mercadorias importadas de outros países.

A maioria das tarifas é definida como uma porcentagem do valor das mercadorias e, geralmente, é o importador que as paga.

Assim, uma tarifa de 10% significa que um produto importado da China pelos Estados Unidos, no valor de US$ 4, teria uma taxa adicional de US$ 0,40 aplicada a ele.

O aumento do preço dos produtos importados tem o objetivo de incentivar os consumidores a comprar produtos nacionais mais baratos, ajudando assim a impulsionar o crescimento da sua própria economia.

Trump vê as tarifas como uma forma de fazer crescer a economia dos EUA, proteger empregos e aumentar a receita tributária. Mas estudos econômicos sobre o impacto das tarifas que Trump impôs durante seu primeiro mandato sugerem que as medidas acabaram aumentando os preços para os consumidores americanos.

O presidente afirmou que suas tarifas mais recentes têm como objetivo pressionar a China a fazer mais para impedir o fluxo de fentanil, um poderoso opioide, para os Estados Unidos.

Ele também impôs tarifas de 25% sobre seus vizinhos, México e Canadá, dizendo que os líderes destes dois países não estavam fazendo o suficiente para reprimir o comércio ilegal de drogas entre as fronteiras.

<><> As tarifas de Trump podem prejudicar as fábricas da China?

Sim, dizem os analistas.

As exportações têm sido a "salvação" da economia chinesa e, se os impostos permanecerem, as exportações para os EUA podem cair de um quarto a um terço, afirmou Harry Murphy Cruise, economista da Moody's Analytics, à BBC.

O enorme valor das exportações da China — que representam um quinto das receitas do país — significa que uma tarifa de 20% poderia enfraquecer a demanda do exterior, e reduzir o superávit comercial.

"As tarifas vão prejudicar a China", disse à BBC Alicia Garcia-Herrero, economista-chefe para a região da Ásia-Pacífico do banco de investimento Natixis, em Hong Kong. "Eles realmente precisam fazer muito mais. Eles precisam fazer o que Xi Jinping já disse: aumentar a demanda interna."

Essa é uma tarefa difícil em uma economia em que o mercado imobiliário está em baixa, e os jovens desiludidos estão lutando para encontrar empregos bem remunerados.

Os chineses não estão gastando o suficiente para revitalizar a economia — e Pequim acaba de anunciar uma série de medidas de estímulo para impulsionar o consumo.

Embora as tarifas possam desacelerar a produção chinesa, elas não podem pará-la ou substituí-la tão facilmente, dizem os analistas.

"A China não é apenas o grande exportador — às vezes, é o único exportador, como no caso dos painéis solares. Se você quiser painéis solares, só pode recorrer à China", explica Garcia-Herrero.

A China já havia começado a migrar da fabricação de roupas e calçados para tecnologia avançada, como robótica e inteligência artificial (IA), muito antes de Trump se tornar presidente. E isso deu à China uma vantagem competitiva, sem falar da escala de produção na segunda maior economia do mundo.

As fábricas chinesas podem produzir tecnologia de ponta em grandes quantidades a um baixo custo, destaca Shuang Ding, economista-chefe para a China do banco Standard Chartered.

"É realmente difícil encontrar um substituto... O status da China como líder de mercado é muito difícil de derrubar."

<><> Como a China está reagindo às tarifas de Trump?

A China respondeu retaliando com tarifas de 10% a 15% sobre produtos agrícolas, carvão, gás natural liquefeito, caminhonetes e alguns carros esportivos dos EUA.

Além disso, impôs restrições de exportação para os EUA, atingindo empresas americanas de aviação, defesa e tecnologia, e anunciou uma investigação antimonopólio contra o Google.

A China também passou anos se adaptando às tarifas do primeiro mandato de Trump. Alguns fabricantes chineses transferiram suas fábricas para fora do país, por exemplo. E as cadeias de suprimentos passaram a depender mais do Vietnã e do México, exportando de lá para burlar as tarifas.

Mas as recentes tarifas de Trump sobre o México não prejudicariam muito a China, uma vez que o Vietnã é uma porta de entrada maior para os produtos chineses, observa Garcia-Herrero.

"O Vietnã é o segredo aqui. Se forem impostas tarifas ao Vietnã, acho que será muito difícil", diz ela.

O que preocupa a China mais do que as tarifas, segundo os analistas, são as restrições impostas pelos EUA aos chips avançados.

Estas restrições têm sido um dos principais pontos de atrito entre os dois países, mas também alimentaram a determinação da China de investir em tecnologia nacional que seja independente do Ocidente.

É por isso que a empresa chinesa de inteligência artificial DeepSeek chocou o Vale do Silício e desconcertou Washington quando lançou um chatbot que rivaliza com o ChatGPT, da OpenAI. A empresa teria supostamente estocado chips da Nvidia antes de os EUA começarem a restringir o acesso da China aos chips mais avançados.

Embora isso possa "afetar a competitividade da China, não acho que afetaria o status da China como uma potência industrial", avalia Ding, do Standard Chartered.

Por outro lado, qualquer terreno que a China ganhe na fabricação de tecnologia avançada, vai impulsionar suas exportações de grande valor.

<><> Como a China se tornou uma superpotência industrial?

Isso aconteceu devido ao apoio do Estado, a uma cadeia de suprimentos incomparável e à mão de obra barata, dizem os analistas.

"A combinação da globalização, das políticas a favor dos negócios e o potencial de mercado da China, ajudaram a atrair a onda inicial de investidores estrangeiros", explicou Chim Lee, analista da consultoria The Economist Intelligence Unit, à BBC.

Em seguida, o governo dobrou a aposta, investindo fortemente na construção de uma ampla rede de estradas e portos para trazer matérias-primas e levar os produtos fabricados na China para o mundo. O que também ajudou foi uma taxa de câmbio estável entre o yuan chinês e o dólar americano.

A migração nos últimos anos para a tecnologia avançada garantiu que a China continuasse a ser relevante e estivesse à frente de seus concorrentes, dizem os analistas.

A China já tem bastante influência econômica por ser uma potência industrial. Mas há também uma oportunidade política, uma vez que as tarifas de Trump estão alterando o relacionamento dos Estados Unidos com o mundo.

"A porta está entreaberta para a China se posicionar como defensora do livre comércio e uma força global estável", diz Cruise, da Moody's.

Mas isso não é fácil, já que Pequim foi acusada de violar as normas de comércio internacional — impondo, por exemplo, uma tarifa de mais de 200% sobre as importações de vinho australiano em 2020.

Os analistas dizem que a China também precisa olhar para além dos EUA, que ainda é o principal destino de suas exportações. A China é o terceiro maior mercado para as exportações dos EUA, depois do Canadá e do México.

O comércio chinês com a Europa, o Sudeste Asiático e a América Latina vem crescendo, mas é difícil imaginar que as duas maiores economias do mundo possam deixar de depender uma da outra.

 

¨      A nova cara do protesto. Por Slavoj Zizek

Algo importante está acontecendo na China, e isso deveria preocupar a liderança política do país. Os jovens chineses demonstram cada vez mais uma atitude de resignação passiva, capturada pela nova expressão da moda, bai lan (‘deixe apodrecer’). Nascida do desencanto econômico e da frustração generalizada com normas culturais opressoras, a bai lan rejeita a corrida desenfreada e incentiva as pessoas a fazerem apenas o mínimo necessário no trabalho. O bem-estar pessoal tem precedência sobre o avanço na carreira.

A mesma tendência é refletida em outra palavra da moda recente: tang ping (‘deitado de barriga para cima’), um neologismo que denota o sentimento de resignação diante da implacável competição social e profissional. Ambos os termos sinalizam a rejeição às pressões sociais para a superação das expectativas e ao engajamento social rendido como um jogo para tolos com rendimentos decrescentes.

Em julho passado, a CNN relatou que muitos trabalhadores chineses estavam trocando empregos de escritório de alta pressão por trabalhos flexíveis de colarinho azul. Como explicou um jovem de 27 anos de Wuhan: ‘Eu gosto de limpar. Com a melhoria dos padrões de vida (em todo o país), a demanda por serviços de limpeza doméstica também está aumentando… A mudança que isso traz é que minha cabeça não fica mais tonta. Sinto menos pressão mental. E estou cheio de energia todos os dias.’

Atitudes do tipo são apresentadas como apolíticas, rejeitando tanto a resistência violenta ao poder quanto qualquer diálogo com aqueles no poder. Mas seriam essas as únicas opções para os alienados?

Os protestos em massa que estão ocorrendo na Sérvia sugerem outras possibilidades. Os manifestantes não apenas reconhecem que há algo podre no estado da Sérvia; eles também insistem em não deixar que a podridão continue.

Os protestos começaram em novembro passado em Novi Sad, após o desabamento de um telhado que deixou 15 mortos e dois gravemente feridos em uma estação ferroviária recentemente reformada. Desde então, as manifestações se espalharam por 200 cidades e vilas sérvias, atraindo centenas de milhares de pessoas e tornando este o maior movimento liderado por estudantes na Europa desde 1968.

Obviamente, o desabamento do telhado foi apenas a faísca que acendeu o pavio da insatisfação reprimida. As preocupações dos manifestantes abrangem muitas questões, desde a corrupção desenfreada e a destruição ecológica (o governo planeja investir pesadamente na mineração de lítio) até o desprezo geral que o presidente sérvio, Aleksandar Vučić, demonstrou pela população. O que o governo apresenta como um plano para aproveitar os mercados globais, os jovens sérvios veem como uma artimanha para encobrir corrupção, vender recursos nacionais a investidores estrangeiros sob condições obscuras e eliminar gradualmente a mídia de oposição.

Mas o que torna essas manifestações únicas? O refrão dos manifestantes é: ‘Não temos demandas políticas e estamos mantendo distância dos partidos de oposição. Simplesmente pedimos que as instituições sérvias trabalhem em benefício dos cidadãos.’ Para isso, eles estão insistindo, de forma específica, em transparência sobre a reforma da estação ferroviária de Novi Sad; acesso a todos os documentos sobre o acidente; a anulação das queixas contra os presos durante o primeiro protesto contra o governo em novembro; e a queixa criminal contra aqueles que atacaram os manifestantes estudantis em Belgrado.

Assim, os manifestantes querem colocar em curto-circuito o processo que permitiu que o partido no poder mantivesse o Estado refém, controlando todas as instituições. De seu lado, o governo de Aleksandar Vučić reagiu com violência, mas também com uma técnica conhecida no boxe como ‘clinching‘: quando um lutador envolve os braços em torno de um oponente para impedi-lo de golpear livremente.

Quanto mais Aleksandar Vučić sucumbe ao pânico, mais desesperado ele fica para tentar chegar a algum acordo com os manifestantes. Mas os manifestantes recusam qualquer diálogo. Eles especificaram suas exigências e estão insistindo nelas incondicionalmente.

Tradicionalmente, os protestos em massa dependem, pelo menos implicitamente, da ameaça de violência, combinada com uma abertura para a negociação. No entanto, aqui temos o oposto: os manifestantes sérvios não estão ameaçando com violência, mas também rejeitam o diálogo. Essa simplicidade causa confusão, assim como a aparente ausência de líderes óbvios. Nesse sentido estrito, os protestos têm algumas semelhanças com o bai lan.

Em algum momento, é claro, a política organizada terá que entrar no jogo. Mas, por enquanto, a postura ‘apolítica’ dos manifestantes cria as condições para uma nova política, em vez de outra versão do mesmo jogo de sempre. Para alcançar a lei e a ordem, as mesas precisam ser limpas.

Isso é motivo suficiente para o resto do mundo apoiar os protestos incondicionalmente. Eles provam que um apelo simples e direto por lei e ordem pode ser mais subversivo do que a violência anárquica. Os sérvios querem o Estado de direito sem todas as regras não-escritas que deixam a porta aberta para a corrupção e o autoritarismo.

Os manifestantes estão longe da velha esquerda anárquica que dominou as manifestações de 1968 em Paris e em todo o Ocidente. Depois de bloquear uma ponte sobre o Danúbio em Novi Sad por 24 horas, os jovens manifestantes decidiram estender seu protesto por mais três horas para limpar a área. Alguém consegue imaginar os parisienses que atiravam pedras em 1968 fazendo o mesmo?

Embora alguns possam ver o apoliticismo politicamente motivado dos manifestantes sérvios como hipócrita, é melhor entendê-lo como um sinal de seu radicalismo. Eles estão se recusando a jogar política pelas regras existentes (em sua maioria não-escritas). Eles estão buscando mudanças fundamentais em como as instituições básicas funcionam.

O maior hipócrita nesta história é a União Europeia, que está se abstendo de exercer qualquer pressão sobre Aleksandar Vučić com medo de que ele se aproxime da Rússia. Enquanto a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyenexpressou apoio ao povo georgiano ‘lutando pela democracia’, ela permaneceu notavelmente silenciosa sobre o levante na Sérvia – um país que oficialmente é candidato à adesão à União Europeia desde 2012. A União Europeia está deixando Aleksandar Vučić agir à vontade porque ele prometeu estabilidade e exportações de lítio, um insumo crucial para veículos elétricos.

A falta de críticas da União Europeia, mesmo diante de alegações de fraude eleitoral, repetidamente deixou a sociedade civil sérvia à deriva. Devemos nos surpreender por haver tão poucas bandeiras da União Europeia sendo agitadas pelos manifestantes? A ideia de uma ‘revolução colorida’ do tipo que surgiu na Ucrânia há 20 anos para ‘se juntar ao Ocidente democrático’ não tem mais apelo. A União Europeia atingiu outro baixo ponto político.

 

Fonte: BBC News /A Terra é Redonda 

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