terça-feira, 11 de março de 2025

A política externa de Donald Trump

Muitos estão impressionados com a maneira como Donald Trump vem se afastando de aliados tradicionais para entabular negociações com a Rússia – apesar de isto não constituir exatamente uma surpresa, pois o fim da guerra era promessa de campanha do republicano. O símbolo máximo dessa virada foi o bullying – digno de Tony Soprano em relação aos seus subordinados – realizado contra Volodymyr Zelensky em pleno Salão Oval, gravado para o mundo inteiro assistir.

As perguntas são inevitáveis. Por que abandonar o papel de vanguarda mundial da defesa do “mundo livre”? Por que abdicar do papel de liderança global do “Ocidente”, reconhecido pela Europa Ocidental?

Afinal de contas, não apenas a OTAN está ameaçada, mas também a rede complexa de alianças e soft power construída pacientemente ao longo de décadas. Isso se manifesta concretamente em iniciativas de pôr fim à USAID ou mesmo em efeitos que passam mais desapercebidos mas são significativos.

Por exemplo: o Australian Strategic Policy Institute (ASPI), um think tank especializado em difundir propaganda anti-China, anunciou que deixará de realizar uma “pesquisa” sobre China por falta de verbas após a chegada de Donald Trump.[i] (Deixemos de lado a questão de um órgão responsável por subsidiar políticas públicas para a Austrália precisar de financiamento de uma potência estrangeira para lidar com outro país…).

Donald Trump nunca escondeu que sua visão sobre política externa era abertamente chauvinista, mas ao contrário tanto dos democratas quanto dos neocons (cuja aliança simbólica foi consagrada pelo apoio de Dick Cheney a Kamala Harris), voltada para o protecionismo e isolacionismo, características que marcavam os EUA antes de Woodrow Wilson.

Isso não é de hoje – antes de entrar para a política, escreveu textos até mesmo contra a guerra no Iraque, além de ter sempre denunciado que o livre-comércio irrestrito prejudicava os EUA e favorecia a China – mas parece que neste segundo mandato incorporou um ímpeto muito mais audacioso e “monárquico” (no sentido de sequer considerar o Parlamento) – em conformidade com certos ideais antidemocráticos de ideólogos caros a Elon Musk, como Mencius Moldbug – o que lhe confere o poder de ditar o ritmo da agenda do país e do globo.

Basta escutar qualquer discurso de J.D.Vance, seu vice-presidente que pretende representar o espírito do “Rust Belt“, para notar mudanças significativas: há o reconhecimento do fim da globalização iniciada nos anos 1990, bem como da realidade da multipolaridade – termo também saído da boca de Marco Rubio, secretário de Estado – e até mesmo o elogio à política externa chinesa de não interferir em assuntos internos dos outros países, reconhecendo que o proselitismo em nome da democracia e dos direitos humanos, marca do “globalismo” tão criticado pela extrema direita, era prejudicial aos interesses dos EUA.

Não nos iludamos, no entanto, com o discurso, pois dificilmente os EUA abdicarão totalmente de seu papel interventor – principalmente em seu “quintal”, já que a Doutrina Monroe voltou com tudo –, apenas haverá uma mudança de estilo, passando da retórica pró-direitos humanos para algo a favor da “liberdade de expressão”, como vemos na postura de Elon Musk contra o Judiciário brasileiro.

Tem lógica? Para alguns liberais, Donald Trump seria uma espécie de agente de Vladimir Putin – logo eles que odeiam teorias da conspiração… -, ressuscitando a histeria do “Russiagate” que deu a tônica do discurso democrata contra o primeiro mandato do atual presidente norte-americano.

Na real, tanto a fabricação da guerra contra a Rússia, quanto o atual recuo, possuem, sim, explicações bastante racionais. Joe Biden apenas seguia a lógica de um processo político de longa data, iniciado com o desmonte da URSS, envolvendo expansionismo da OTAN (que é bom dizer, havia perdido razão de existir após o fim da Guerra Fria) para o leste europeu.

Muitos estrategistas norte-americanos reputados criticaram tal política já nos anos 1990, como George F. Kennan[ii] (arquiteto da estratégia de “containment” da Guerra Fria), mas a velha “húbris” (nome, aliás, de um livro de Jonathan Haslam muito bom sobre o assunto) falou mais alto: tratava-se de humilhar e isolar a Rússia, quem sabe balcanizando-a ainda mais, em vez de incorporar seus interesses num novo arranjo partilhado. Ao agirem assim, as lideranças norte-americanas estavam repetindo a velha estratégia do império britânico de impedir a Rússia de ter qualquer acesso a águas quentes, na lógica de controle do poder terrestre eurasiático (chamado de “Heartland“) consagrada por um dos pais da geopolítica, Halford Mackinder.

Esta estratégia, cristalizada no famoso livro The Grand Chessboard de Zbigniew Brzezinski, bastante influente, especialmente nos círculos democratas, considerava que a Rússia estava fraca demais para reagir. E, de fato, os anos Yeltsin pareciam indicar isso – a Rússia mal foi considerada durante a guerra da Iugoslávia, envolvendo a Sérvia, de interesse especial para os russos devido à herança cristã ortodoxa e eslava. Mesmo nos anos Putin, até que este chegasse à decisão de impor um “basta”, no seu famoso discurso de 2007 em Munique, houve tentativas russas de amizade e cooperação com os EUA – como na parceria inicial na “guerra ao terror” após o 11 de setembro.

Após o golpe de Estado na Ucrânia em 2014 – no qual figuras do Estado norte-americano, como Victoria Nuland, exerceram papel decisivo – e os acontecimentos subsequentes, desencadeando uma mortífera e sectária guerra civil, tal política norte-americana foi intensificada, com alguns ganhos importantes para os EUA, ao contrário do que Donald Trump diz: não apenas pelo papel econômico do complexo industrial-militar (não são poucos os que sustentam que os EUA vivem uma espécie de “keynesianismo militar”), mas principalmente pelo objetivo de afastar a economia da Alemanha da Rússia (de novo, algo presente nas considerações antigas do Império Britânico), incluindo destruição do gasoduto Nordstream, o que teve efeitos econômicos desastrosos para o continente, privado do gás barato russo, mas agora dependente do gás oferecido pelos EUA, extraído por métodos particularmente agressivos ao meio-ambiente, o tal fracking.

E como disse cinicamente um senador norte-americano: trata-se de um dinheiro militar bem gasto, pois nenhum norte-americano estava morrendo! Nada melhor do que usar territórios distantes como bucha de canhão.

O que deu errado então? Bem, Brzezinski, que menosprezava a Rússia em seu livro supracitado, avaliando que o gigante euroasiático não teria condições de reagir, já dizia qual seria o pior cenário possível: uma aliança entre China, Rússia (que tradicionalmente possuem rusgas, inclusive na época da Guerra Fria) e Irã. Bem, foi exatamente o que aconteceu.

Ao contrário do que os democratas previam, a economia russa não colapsou com as sanções – pelo contrário, cresce bastante –, e a parceria entre China e Rússia apenas se intensificou com a “virada ao Oriente” feita pela Rússia, necessária após o rompimento de laços com a Europa. A Ucrânia, apesar de muito dinheiro, tecnologia e homens, não conseguiu recuperar território significativo em suas contra-ofensivas espetaculosas (como a de Bakhmut), a ponto de mudar o destino da guerra.

Atualmente, é difícil vislumbrar uma saída vitoriosa para a Ucrânia, presa em um atoleiro, a não ser que uma terceira guerra mundial se instalasse, com todos os perigos nucleares envolvidos, afinal a Rússia já fez questão de dizer várias vezes que se trata de uma “guerra existencial” para eles, ou seja: não podem perder de jeito nenhum. Como já alertavam muitos analistas de um perfil mais realista, como Jeffrey Sachs[iii] e John Mearsheimer, a aposta na derrota da Rússia era delirante.

Isto significa que agora EUA e Rússia viraram parceiros estratégicos? Não. A postura de negociação não implica que a Rússia se separará da China, o principal inimigo norte-americano, contra quem Donald Trump quer focar seus esforços, em vez de explorar várias frentes. As analogias com Nixon e China nos anos 70 são capciosas, pois na época, ao contrário de hoje, as relações entre China e URSS já estavam esgarçadas há mais de uma década.

Em várias zonas decisivas e estratégicas, como no Oriente Médio – onde o Irã é o principal parceiro da Rússia –, os interesses se colidem frontalmente, pois Donald Trump é aliado incondicional de Benjamin Netanyahu, cujo sonho mais molhado é entrar numa guerra contra o regime xiita.

A Europa, sem autonomia militar e estratégica há dezenas de anos, encena agora uma “independência” capaz de lhe assegurar uma liderança do tal “mundo livre”, uma vez que o Pai abdicou da tarefa, mas a realidade é que dificilmente isto terá efeito concreto no curso da guerra. Que europeu está, de fato, disposto a dar sua vida pela Ucrânia? É muita pose. Donald Trump não os enxerga como forças políticas independentes e relevantes, por isso a ausência do convite para participar das negociações, e ele não está totalmente errado nisso – vassalagem excessiva não gera respeito em ninguém.

Infelizmente, as lideranças europeias parecem viver num mundo de fantasia caracterizado por uma Guerra Fria eterna. A propaganda algo infantilizada de que se trata do bem contra o mal, encarnado em Vladimir Putin, um novo avatar de Hitler que decidiu, do nada, invadir a Ucrânia e não parar até chegar em Berlim, é ridícula, mas ainda domina a mentalidade europeia, viciada em se auto-congratular como o umbigo da civilização mesmo quando não representam mais muita coisa.

Raramente vimos lideranças de responsabilidade tão elevada agirem de forma tão pueril e insensata, como o caso de Kaja Kallas, chefe da política externa europeia, declarando que a vitória contra a Rússia é necessária para uma posterior vitória contra a… China![iv]

Esta guerra inútil, totalmente catastrófica para a Ucrânia – que está prestes a assinar um acordo neocolonial de entrega de metade dos lucros advindos da exploração de recursos mineiras inexplorados para os EUA –, poderia ter sido evitada em muitas ocasiões: se os dois Acordos de Minsk, assinados com o beneplácito da ONU e voltados a garantir, em um modelo federativo, autonomia linguística e cultural para o leste da Ucrânia (pois é, resolveram simplesmente eliminar os direitos linguísticos básicos de quase metade do país…), fossem respeitados; se a OTAN tivesse se comprometido a nunca aceitar o ingresso da Ucrânia, numa proposta feita por Moscou em 2021; se as negociações de Ancara em 2022 – o verdadeiro objetivo inicial da invasão – tivessem ido para a frente, em vez do rompimento unilateral ucraniano, após pressão feita por Joe Biden e Boris Johnson – que chegou a dizer que a guerra era necessária para garantir a “hegemonia do Ocidente coletivo”… –, com direito até a morte misteriosa do negociador ucraniano.

À luz dos acontecimentos recentes, parece claro que quem dizia tratar-se de uma guerra por procuração entre a OTAN e Rússia – o que foi admitido depois até por Jens Stontelberg, ex secretário-geral da OTAN[v] – teve suas análises e prognósticos validados. Volodymyr Zelensky, que foi dragado pelos holofotes e acabou acreditando demais nas adulações falsas, entregou o destino do seu país às potências ocidentais, atolado em um moedor de carne infernal e sem saída.

Ele, que fora eleito prometendo paz com o fim da guerra civil (e por isso teve bastante voto no leste do país), aprofundou todos os processos desastrosos iniciados em 2014: guerra contra o Donbass, russofobia explícita, eliminação da língua e cultura russa vividas por quase 40% do país, incorporação de milícias nazistas nas forças de segurança e defesa, celebração do ultranacionalismo de “heróis”, como Stepan Bandera, genocida de russos e judeus na Segunda Guerra Mundial, proibição de mídia e partidos populares no leste (como o relevante Partido Comunista Ucraniano, hoje banido).

Fica a velha lição de Mao Tsé-Tung: é necessário contar sempre com as próprias forças. Ou na versão de Henry Kissinger, outra grande cabeça a alertar contra a estratégia norte-americana que levou à atual guerra: pode ser perigoso ser inimigo da América, mas ser amigo da América é fatal.

 

¨      Um novo período histórico. Por Valério Arcary

A etapa internacional aberta em 1989/91, quando da derrota histórica da restauração capitalista na ex-URSS, se encerrou. Estamos em um novo período histórico. Durante vinte e cinco anos prevaleceu uma supremacia indiscutível da Tríade, a liderança dos EUA compartilhada com a EU e associada ao Japão, com a hegemonia de um projeto liberal de mundialização da circulação livre de capitais e mercadorias. Ocorreu o fortalecimento das organizações do sistema ONU, em particular as iniciativas de transição energética diante do aquecimento global que culminaram no Tratado de Paris, consolidação da OMC com a incorporação da China. Não menos importante, a extensão de regimes democrático-liberais para além da Europa e da América do Norte, em especial, na América Latina, pela primeira vez na história. Nos anos noventa os EUA conheceram um mini boom com Clinton, impulsionada pela financeirização e implantação da internet. Nos anos 2000 um mini boom com Bush, apesar da estratégia de guerra contra o Iraque e Afeganistão, com saltos qualitativos de nanotecnologias que transformaram as comunicações telemáticas. Mas a segunda década do século XXI foi, qualitativamente, distinta. A economia capitalista, em especial nos países da Tríade, passou a andar de lado, pela primeira vez desde o final da Segunda Guerra Mundial. A estratégia de QE (relaxamento monetário) contornou a ameaça catastrófica de uma depressão internacional, mas não conseguiu evitar uma longa estagnação, enquanto a China permanecia crescendo, ininterruptamente. Os custos de uma transição energética acelerada não serão possíveis sem uma ampla concertação mundial. A orientação de Trump e de seus aliados da extrema-direita pelo mundo afora é uma ruptura ou um giro. Não estão dispostos a sacrificar suas vantagens competitivas. Qualquer potência que decida descarbonizar mais rápido que as outras se colocará em uma posição mais vulnerável, porque terá custos produtivos mais elevados. A “globalização” está interrompida, e voltamos a uma situação de crescente protecionismo confirmada pela avalanche de tarifas sobre importações dos EUA, que detém a maior parcela do mercado mundial. Exercerá o poder do mais forte.

O episódio ruidoso de abuso de poder de Trump na Casa Branca contra Zelensky confirma que estamos em outra etapa na situação mundial. Controle do Canal do Panamá, aquisição da Groenlândia à Dinamarca e a incrível provocação de anexação do Canadá sinalizaram uma nova estratégia. Há poucas semanas já tínhamos assistido perplexos e aterrorizados a defesa explícita de limpeza étnica palestina na Faixa de Gaza, com apoio às lideranças mais fascistas dentro da coalizão de governo chefiada por Netanyahu. No entanto, estes dois movimentos de Washington não autorizam concluir que a Aliança Atlântica entre os EUA e a Europa caducou. O que está em curso é uma mudança na relação política de forças dentro da Tríade, e Washington está na ofensiva para relocalizar o seu papel na OTAN impondo novas condições. Não é verdade que a suspensão de apoio a Zelensky significa que Trump abandonou a Europa à sua própria sorte. A Europa responde por mais de 20% do PIB mundial, e sem o apoio da EU e do Reino Unido não será possível conter a China. Mas Washington não está disposta a manter, indefinidamente, apoio a uma guerra sem solução militar, a não ser um envolvimento total cujo desenlace teria que ser uma aposta na derrubada de Putin. Isso seria arriscar uma guerra atômica, uma aposta suicida. Os EUA vão precisar da Europa, talvez, mais do que nunca, diante de uma aliança da Rússia com a China que não é conjuntural. Mas exige uma Europa alinhada com um novo projeto de longo prazo. Trump se inspira na tática Nixon/Kissinger diante da URSS. A aproximação com a China foi chave para encerrar a guerra no Vietnam, e decisiva para isolar a URSS. Só que não será tão simples isolar a China.  

Trump é consciente que o peso relativo dos EUA diminuiu e, ainda que mantenha ampla superioridade militar e supremacia financeira, não é mais possível um poder unipolar. A Rússia se consolidou como um estado imperialista que ambiciona manter influência regional, demonstrada no controle da Crimeia em 2014, invasão da Georgia, deslocamento de tropas para o Cazaquistão e Bielorrússia para defender regimes ameaçados por mobilizações populares e, finalmente invasão da Ucrânia em 2022.  A Coreia do Norte permanece intacta, na fronteira de Seul, um protetorado defendido pela presença de dezenas de milhares de soldados yankees. O regime ditatorial do aparelho religioso-militar no Irã se manteve de pé, apesar de protestos da população jovem feminina e urbana. A Índia não é mais uma semicolônia anglo-norte-americana. A Venezuela possui a maior reserva mundial de petróleo e é um país independente. O fortalecimento do Mercosul sob liderança do Brasil, associado ao Chile e Bolívia, e a presença do governo Petro na Colômbia, além da resistência heroica de Cuba, indicam uma perda de influência na América do Sul, o que se agrava pela eleição de Cláudia Sheinbaum no Mexico. Não fosse o bastante, os Brics ampliaram participação com novas adesões. Trump decidiu partir para uma linha de máxima iniciativa e vai para a ofensiva. O mundo ficou muito mais perigoso do que foi nos últimos trinta e cinco anos.

Os EUA sob Trump estão com uma nova estratégia de preservação da hegemonia no sistema internacional de Estados. Trata-se de uma contra-ofensiva brutal de longa duração. Quem a subestimar cometerá um erro irreparável. Ela passa, essencialmente, por um reposicionamento diante do perigo representado pela China. Ela obedece ao cálculo de que é indispensável isolar o inimigo principal: Pequim. A hipótese de uma lenta absorção subordinada da China no sistema de Estados repousava num projeto que fracassou. Nos últimos quarenta anos, desde a consolidação do programa formulado por Deng Xiaoping, prevaleceu na burguesia norte-americana a expectativa de que a restauração capitalista na China fomentaria a transformação de uma burguesia compradora em burguesia interna que, apoiada na rápida ampliação de uma classe média urbana, seriam sujeitos sociais de uma revolta contra o domínio do aparelho do partido comunista sobre Estado, fraturando a burocracia, repetindo, ainda que em câmara lenta, o processo na ex-URSS iniciado por Gorbatchev. Essa aposta não se confirmou. Trump tem um novo projeto em construção.    

Outro giro da situação mundial é que o perigo de regimes autoritários é iminente e real. A subversão dos regimes democrático-liberais por dentro de sua própria institucionalidade vem se demonstrando um padrão da estratégia da extrema-direita. Muitos se interrogam na esquerda sobre as razões que explicam uma corrente de inspiração neofascista no século XXI. Acontece que o nazifascismo foi um movimento político-social dos anos vinte e trinta do século passado que respondia a várias determinações. Era uma resposta ao perigo de novas revoluções de outubro. Mas não era só isso. A dimensão defensiva era impor uma derrota histórica aos trabalhadores, destruir suas organizações, “tocar o terror”. Mas era, também, um projeto de luta pela liderança no sistema internacional de Estados. A destruição da URSS obedecia ao cálculo de uma Eurásia unificada sob liderança da Alemanha, associada à Itália e Japão, que poderia medir forças com os EUA. Fracassou, mas o custo foram mais de 60 milhões de vidas. Nos últimos dez anos, desde o Brexit, um laboratório político-eleitoral no Reino Unido, uma fração da classe dominante ocidental se deslocou para a extrema-direita para impor uma derrota histórica às suas classes trabalhadoras, erradicando as concessões feitas às últimas duas gerações: educação e saúde gratuitos, financiamento subsidiado da habitação, transportes públicos, aposentadorias por repartição, férias de treze ou até quatorze salários. Mas esta estratégia de aceleração do movimento de acumulação de capital e superexploração obedece, também, à luta pela preservação da hegemonia mundial contra a China. A febre nacional imperialista nos EUA tem sintomas ideológicos degenerados: machismo, racismo, homofobia, anti-intelectualismo e fanatismo messiânico. Mas responde a um projeto estratégico em construção: regimes autoritários que fortaleçam a coesão social interna para poder enfrentar a ameaça que vem do Oriente. A corrida armamentista apenas começou. Diante deste novo período os desafios colocados para a esquerda mundial serão gigantescos. A única esperança repousa no internacionalismo dos que vivem do trabalho, os explorados e oprimidos. Mas o tempo não corre a nosso favor. Mais do que nunca, devíamos estar com pressa.  

 

Fonte: Por Diogo Fagundes, em A Terra é Redonda

 

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