A política externa de Donald
Trump
Muitos estão impressionados com a maneira como Donald
Trump vem se afastando de aliados tradicionais para entabular negociações com a
Rússia – apesar de isto não constituir exatamente uma surpresa, pois o fim da
guerra era promessa de campanha do republicano. O símbolo máximo dessa virada
foi o bullying – digno de
Tony Soprano em relação aos seus subordinados – realizado contra Volodymyr
Zelensky em pleno Salão Oval, gravado para o mundo inteiro assistir.
As perguntas são inevitáveis. Por que abandonar o papel
de vanguarda mundial da defesa do “mundo livre”? Por que abdicar do papel de
liderança global do “Ocidente”, reconhecido pela Europa Ocidental?
Afinal de contas, não apenas a OTAN está ameaçada, mas
também a rede complexa de alianças e soft power construída
pacientemente ao longo de décadas. Isso se manifesta concretamente em
iniciativas de pôr fim à USAID ou mesmo em efeitos que passam mais
desapercebidos mas são significativos.
Por exemplo: o Australian Strategic Policy Institute (ASPI),
um think
tank especializado
em difundir propaganda anti-China, anunciou que deixará de realizar uma
“pesquisa” sobre China por falta de verbas após a chegada de Donald Trump.[i] (Deixemos de
lado a questão de um órgão responsável por subsidiar políticas públicas para a
Austrália precisar de financiamento de uma potência estrangeira para lidar com
outro país…).
Donald Trump nunca escondeu que sua visão sobre
política externa era abertamente chauvinista, mas ao contrário tanto dos
democratas quanto dos neocons (cuja aliança simbólica foi consagrada pelo apoio
de Dick Cheney a Kamala Harris), voltada para o protecionismo e isolacionismo,
características que marcavam os EUA antes de Woodrow Wilson.
Isso não é de hoje – antes de entrar para a política,
escreveu textos até mesmo contra a guerra no Iraque, além de ter sempre
denunciado que o livre-comércio irrestrito prejudicava os EUA e favorecia a
China – mas parece que neste segundo mandato incorporou um ímpeto muito mais
audacioso e “monárquico” (no sentido de sequer considerar o Parlamento) – em
conformidade com certos ideais antidemocráticos de ideólogos caros a Elon Musk,
como Mencius Moldbug – o que lhe confere o poder de ditar o ritmo da agenda do
país e do globo.
Basta escutar qualquer discurso de J.D.Vance, seu
vice-presidente que pretende representar o espírito do “Rust Belt“, para notar
mudanças significativas: há o reconhecimento do fim da globalização iniciada
nos anos 1990, bem como da realidade da multipolaridade – termo também saído da
boca de Marco Rubio, secretário de Estado – e até mesmo o elogio à política
externa chinesa de não interferir em assuntos internos dos outros países,
reconhecendo que o proselitismo em nome da democracia e dos direitos humanos,
marca do “globalismo” tão criticado pela extrema direita, era prejudicial aos
interesses dos EUA.
Não nos iludamos, no entanto, com o discurso, pois
dificilmente os EUA abdicarão totalmente de seu papel interventor –
principalmente em seu “quintal”, já que a Doutrina Monroe voltou com tudo –,
apenas haverá uma mudança de estilo, passando da retórica pró-direitos humanos
para algo a favor da “liberdade de expressão”, como vemos na postura de Elon
Musk contra o Judiciário brasileiro.
Tem lógica? Para alguns liberais, Donald Trump seria
uma espécie de agente de Vladimir Putin – logo eles que odeiam teorias da
conspiração… -, ressuscitando a histeria do “Russiagate” que deu a tônica
do discurso democrata contra o primeiro mandato do atual presidente
norte-americano.
Na real, tanto a fabricação da guerra contra a Rússia,
quanto o atual recuo, possuem, sim, explicações bastante racionais. Joe Biden
apenas seguia a lógica de um processo político de longa data, iniciado com o desmonte
da URSS, envolvendo expansionismo da OTAN (que é bom dizer, havia perdido razão
de existir após o fim da Guerra Fria) para o leste europeu.
Muitos estrategistas norte-americanos reputados
criticaram tal política já nos anos 1990, como George F. Kennan[ii] (arquiteto da
estratégia de “containment” da Guerra Fria),
mas a velha “húbris” (nome, aliás, de
um livro de Jonathan Haslam muito bom sobre o assunto) falou mais alto:
tratava-se de humilhar e isolar a Rússia, quem sabe balcanizando-a ainda mais,
em vez de incorporar seus interesses num novo arranjo partilhado. Ao agirem
assim, as lideranças norte-americanas estavam repetindo a velha estratégia do
império britânico de impedir a Rússia de ter qualquer acesso a águas quentes,
na lógica de controle do poder terrestre eurasiático (chamado de “Heartland“) consagrada por
um dos pais da geopolítica, Halford Mackinder.
Esta estratégia, cristalizada no famoso livro The Grand Chessboard de Zbigniew
Brzezinski, bastante influente, especialmente nos círculos democratas,
considerava que a Rússia estava fraca demais para reagir. E, de fato, os anos
Yeltsin pareciam indicar isso – a Rússia mal foi considerada durante a guerra
da Iugoslávia, envolvendo a Sérvia, de interesse especial para os russos devido
à herança cristã ortodoxa e eslava. Mesmo nos anos Putin, até que este chegasse
à decisão de impor um “basta”, no seu famoso discurso de 2007 em Munique, houve
tentativas russas de amizade e cooperação com os EUA – como na parceria inicial
na “guerra ao terror” após o 11 de setembro.
Após o golpe de Estado na Ucrânia em 2014 – no qual
figuras do Estado norte-americano, como Victoria Nuland, exerceram papel
decisivo – e os acontecimentos subsequentes, desencadeando uma mortífera e
sectária guerra civil, tal política norte-americana foi intensificada, com
alguns ganhos importantes para os EUA, ao contrário do que Donald Trump diz:
não apenas pelo papel econômico do complexo industrial-militar (não são poucos
os que sustentam que os EUA vivem uma espécie de “keynesianismo militar”), mas
principalmente pelo objetivo de afastar a economia da Alemanha da Rússia (de
novo, algo presente nas considerações antigas do Império Britânico), incluindo
destruição do gasoduto Nordstream, o que teve efeitos econômicos desastrosos
para o continente, privado do gás barato russo, mas agora dependente do gás
oferecido pelos EUA, extraído por métodos particularmente agressivos ao
meio-ambiente, o tal fracking.
E como disse cinicamente um senador norte-americano:
trata-se de um dinheiro militar bem gasto, pois nenhum norte-americano estava
morrendo! Nada melhor do que usar territórios distantes como bucha de canhão.
O que deu errado então? Bem, Brzezinski, que
menosprezava a Rússia em seu livro supracitado, avaliando que o gigante
euroasiático não teria condições de reagir, já dizia qual seria o pior cenário
possível: uma aliança entre China, Rússia (que tradicionalmente possuem rusgas,
inclusive na época da Guerra Fria) e Irã. Bem, foi exatamente o que aconteceu.
Ao contrário do que os democratas previam, a economia
russa não colapsou com as sanções – pelo contrário, cresce bastante –, e a
parceria entre China e Rússia apenas se intensificou com a “virada ao Oriente”
feita pela Rússia, necessária após o rompimento de laços com a Europa. A
Ucrânia, apesar de muito dinheiro, tecnologia e homens, não conseguiu recuperar
território significativo em suas contra-ofensivas espetaculosas (como a de
Bakhmut), a ponto de mudar o destino da guerra.
Atualmente, é difícil vislumbrar uma saída vitoriosa
para a Ucrânia, presa em um atoleiro, a não ser que uma terceira guerra mundial
se instalasse, com todos os perigos nucleares envolvidos, afinal a Rússia já
fez questão de dizer várias vezes que se trata de uma “guerra existencial” para
eles, ou seja: não podem perder de jeito nenhum. Como já alertavam muitos
analistas de um perfil mais realista, como Jeffrey Sachs[iii] e John
Mearsheimer, a aposta na derrota da Rússia era delirante.
Isto significa que agora EUA e Rússia viraram parceiros
estratégicos? Não. A postura de negociação não implica que a Rússia se separará
da China, o principal inimigo norte-americano, contra quem Donald Trump quer
focar seus esforços, em vez de explorar várias frentes. As analogias com Nixon
e China nos anos 70 são capciosas, pois na época, ao contrário de hoje, as
relações entre China e URSS já estavam esgarçadas há mais de uma década.
Em várias zonas decisivas e estratégicas, como no
Oriente Médio – onde o Irã é o principal parceiro da Rússia –, os interesses se
colidem frontalmente, pois Donald Trump é aliado incondicional de Benjamin
Netanyahu, cujo sonho mais molhado é entrar numa guerra contra o regime xiita.
A Europa, sem autonomia militar e estratégica há
dezenas de anos, encena agora uma “independência” capaz de lhe assegurar uma
liderança do tal “mundo livre”, uma vez que o Pai abdicou da tarefa, mas a
realidade é que dificilmente isto terá efeito concreto no curso da guerra. Que
europeu está, de fato, disposto a dar sua vida pela Ucrânia? É muita pose.
Donald Trump não os enxerga como forças políticas independentes e relevantes,
por isso a ausência do convite para participar das negociações, e ele não está
totalmente errado nisso – vassalagem excessiva não gera respeito em ninguém.
Infelizmente, as lideranças europeias parecem viver num
mundo de fantasia caracterizado por uma Guerra Fria eterna. A propaganda algo
infantilizada de que se trata do bem contra o mal, encarnado em Vladimir Putin,
um novo avatar de Hitler que decidiu, do nada, invadir a Ucrânia e não parar
até chegar em Berlim, é ridícula, mas ainda domina a mentalidade europeia,
viciada em se auto-congratular como o umbigo da civilização mesmo quando não
representam mais muita coisa.
Raramente vimos lideranças de responsabilidade tão
elevada agirem de forma tão pueril e insensata, como o caso de Kaja Kallas,
chefe da política externa europeia, declarando que a vitória contra a Rússia é
necessária para uma posterior vitória contra a… China![iv]
Esta guerra inútil, totalmente catastrófica para a
Ucrânia – que está prestes a assinar um acordo neocolonial de entrega de metade
dos lucros advindos da exploração de recursos mineiras inexplorados para os EUA
–, poderia ter sido evitada em muitas ocasiões: se os dois Acordos de Minsk,
assinados com o beneplácito da ONU e voltados a garantir, em um modelo
federativo, autonomia linguística e cultural para o leste da Ucrânia (pois é,
resolveram simplesmente eliminar os direitos linguísticos básicos de quase
metade do país…), fossem respeitados; se a OTAN tivesse se comprometido a nunca
aceitar o ingresso da Ucrânia, numa proposta feita por Moscou em 2021; se as
negociações de Ancara em 2022 – o verdadeiro objetivo inicial da invasão –
tivessem ido para a frente, em vez do rompimento unilateral ucraniano, após
pressão feita por Joe Biden e Boris Johnson – que chegou a dizer que a guerra
era necessária para garantir a “hegemonia do Ocidente coletivo”… –, com direito
até a morte misteriosa do negociador ucraniano.
À luz dos acontecimentos recentes, parece claro que
quem dizia tratar-se de uma guerra por procuração entre a OTAN e Rússia – o que
foi admitido depois até por Jens Stontelberg, ex secretário-geral da OTAN[v] – teve suas
análises e prognósticos validados. Volodymyr Zelensky, que foi dragado pelos
holofotes e acabou acreditando demais nas adulações falsas, entregou o destino
do seu país às potências ocidentais, atolado em um moedor de carne infernal e
sem saída.
Ele, que fora eleito prometendo paz com o fim da guerra
civil (e por isso teve bastante voto no leste do país), aprofundou todos os
processos desastrosos iniciados em 2014: guerra contra o Donbass, russofobia
explícita, eliminação da língua e cultura russa vividas por quase 40% do país,
incorporação de milícias nazistas nas forças de segurança e defesa, celebração
do ultranacionalismo de “heróis”, como Stepan Bandera, genocida de russos e
judeus na Segunda Guerra Mundial, proibição de mídia e partidos populares no
leste (como o relevante Partido Comunista Ucraniano, hoje banido).
Fica a velha lição de Mao Tsé-Tung: é necessário contar
sempre com as próprias forças. Ou na versão de Henry Kissinger, outra grande
cabeça a alertar contra a estratégia norte-americana que levou à atual guerra:
pode ser perigoso ser inimigo da América, mas ser amigo da América é fatal.
¨ Um novo período histórico.
Por Valério Arcary
A etapa internacional aberta em 1989/91, quando da
derrota histórica da restauração capitalista na ex-URSS, se encerrou. Estamos
em um novo período histórico. Durante vinte e cinco anos prevaleceu uma
supremacia indiscutível da Tríade, a liderança dos EUA compartilhada com a EU e
associada ao Japão, com a hegemonia de um projeto liberal de mundialização da
circulação livre de capitais e mercadorias. Ocorreu o fortalecimento das
organizações do sistema ONU, em particular as iniciativas de transição
energética diante do aquecimento global que culminaram no Tratado de Paris,
consolidação da OMC com a incorporação da China. Não menos importante, a
extensão de regimes democrático-liberais para além da Europa e da América do
Norte, em especial, na América Latina, pela primeira vez na história. Nos anos
noventa os EUA conheceram um mini boom com Clinton, impulsionada pela financeirização
e implantação da internet. Nos anos 2000 um mini boom com Bush, apesar da
estratégia de guerra contra o Iraque e Afeganistão, com saltos qualitativos de
nanotecnologias que transformaram as comunicações telemáticas. Mas a segunda
década do século XXI foi, qualitativamente, distinta. A economia capitalista,
em especial nos países da Tríade, passou a andar de lado, pela primeira vez
desde o final da Segunda Guerra Mundial. A estratégia de QE (relaxamento
monetário) contornou a ameaça catastrófica de uma depressão internacional, mas
não conseguiu evitar uma longa estagnação, enquanto a China permanecia
crescendo, ininterruptamente. Os custos de uma transição energética acelerada
não serão possíveis sem uma ampla concertação mundial. A orientação de Trump e
de seus aliados da extrema-direita pelo mundo afora é uma ruptura ou um giro.
Não estão dispostos a sacrificar suas vantagens competitivas. Qualquer potência
que decida descarbonizar mais rápido que as outras se colocará em uma posição
mais vulnerável, porque terá custos produtivos mais elevados. A “globalização”
está interrompida, e voltamos a uma situação de crescente protecionismo
confirmada pela avalanche de tarifas sobre importações dos EUA, que detém a
maior parcela do mercado mundial. Exercerá o poder do mais forte.
O episódio ruidoso de abuso de poder de Trump na Casa
Branca contra Zelensky confirma que estamos em outra etapa na situação mundial.
Controle do Canal do Panamá, aquisição da Groenlândia à Dinamarca e a incrível
provocação de anexação do Canadá sinalizaram uma nova estratégia. Há poucas
semanas já tínhamos assistido perplexos e aterrorizados a defesa explícita de
limpeza étnica palestina na Faixa de Gaza, com apoio às lideranças mais
fascistas dentro da coalizão de governo chefiada por Netanyahu. No entanto,
estes dois movimentos de Washington não autorizam concluir que a Aliança
Atlântica entre os EUA e a Europa caducou. O que está em curso é uma mudança na
relação política de forças dentro da Tríade, e Washington está na ofensiva para
relocalizar o seu papel na OTAN impondo novas condições. Não é verdade que a
suspensão de apoio a Zelensky significa que Trump abandonou a Europa à sua
própria sorte. A Europa responde por mais de 20% do PIB mundial, e sem o apoio
da EU e do Reino Unido não será possível conter a China. Mas Washington não
está disposta a manter, indefinidamente, apoio a uma guerra sem solução
militar, a não ser um envolvimento total cujo desenlace teria que ser uma
aposta na derrubada de Putin. Isso seria arriscar uma guerra atômica, uma
aposta suicida. Os EUA vão precisar da Europa, talvez, mais do que nunca,
diante de uma aliança da Rússia com a China que não é conjuntural. Mas exige
uma Europa alinhada com um novo projeto de longo prazo. Trump se inspira na
tática Nixon/Kissinger diante da URSS. A aproximação com a China foi chave para
encerrar a guerra no Vietnam, e decisiva para isolar a URSS. Só que não será
tão simples isolar a China.
Trump é consciente que o peso relativo dos EUA diminuiu
e, ainda que mantenha ampla superioridade militar e supremacia financeira, não
é mais possível um poder unipolar. A Rússia se consolidou como um estado
imperialista que ambiciona manter influência regional, demonstrada no controle
da Crimeia em 2014, invasão da Georgia, deslocamento de tropas para o
Cazaquistão e Bielorrússia para defender regimes ameaçados por mobilizações
populares e, finalmente invasão da Ucrânia em 2022. A Coreia do Norte
permanece intacta, na fronteira de Seul, um protetorado defendido pela presença
de dezenas de milhares de soldados yankees. O regime ditatorial do aparelho
religioso-militar no Irã se manteve de pé, apesar de protestos da população
jovem feminina e urbana. A Índia não é mais uma semicolônia
anglo-norte-americana. A Venezuela possui a maior reserva mundial de petróleo e
é um país independente. O fortalecimento do Mercosul sob liderança do Brasil,
associado ao Chile e Bolívia, e a presença do governo Petro na Colômbia, além
da resistência heroica de Cuba, indicam uma perda de influência na América do
Sul, o que se agrava pela eleição de Cláudia Sheinbaum no Mexico. Não fosse o
bastante, os Brics ampliaram participação com novas adesões. Trump decidiu
partir para uma linha de máxima iniciativa e vai para a ofensiva. O mundo ficou
muito mais perigoso do que foi nos últimos trinta e cinco anos.
Os EUA sob Trump estão com uma nova estratégia de
preservação da hegemonia no sistema internacional de Estados. Trata-se de uma
contra-ofensiva brutal de longa duração. Quem a subestimar cometerá um erro
irreparável. Ela passa, essencialmente, por um reposicionamento diante do
perigo representado pela China. Ela obedece ao cálculo de que é indispensável
isolar o inimigo principal: Pequim. A hipótese de uma lenta absorção
subordinada da China no sistema de Estados repousava num projeto que fracassou.
Nos últimos quarenta anos, desde a consolidação do programa formulado por Deng
Xiaoping, prevaleceu na burguesia norte-americana a expectativa de que a
restauração capitalista na China fomentaria a transformação de uma burguesia
compradora em burguesia interna que, apoiada na rápida ampliação de uma classe
média urbana, seriam sujeitos sociais de uma revolta contra o domínio do
aparelho do partido comunista sobre Estado, fraturando a burocracia, repetindo,
ainda que em câmara lenta, o processo na ex-URSS iniciado por Gorbatchev. Essa
aposta não se confirmou. Trump tem um novo projeto em construção.
Outro giro da situação mundial é que o perigo de
regimes autoritários é iminente e real. A subversão dos regimes democrático-liberais
por dentro de sua própria institucionalidade vem se demonstrando um padrão da
estratégia da extrema-direita. Muitos se interrogam na esquerda sobre as razões
que explicam uma corrente de inspiração neofascista no século XXI. Acontece que
o nazifascismo foi um movimento político-social dos anos vinte e trinta do
século passado que respondia a várias determinações. Era uma resposta ao perigo
de novas revoluções de outubro. Mas não era só isso. A dimensão defensiva era
impor uma derrota histórica aos trabalhadores, destruir suas organizações,
“tocar o terror”. Mas era, também, um projeto de luta pela liderança no sistema
internacional de Estados. A destruição da URSS obedecia ao cálculo de uma
Eurásia unificada sob liderança da Alemanha, associada à Itália e Japão, que
poderia medir forças com os EUA. Fracassou, mas o custo foram mais de 60
milhões de vidas. Nos últimos dez anos, desde o Brexit, um laboratório
político-eleitoral no Reino Unido, uma fração da classe dominante ocidental se
deslocou para a extrema-direita para impor uma derrota histórica às suas
classes trabalhadoras, erradicando as concessões feitas às últimas duas
gerações: educação e saúde gratuitos, financiamento subsidiado da habitação,
transportes públicos, aposentadorias por repartição, férias de treze ou até
quatorze salários. Mas esta estratégia de aceleração do movimento de acumulação
de capital e superexploração obedece, também, à luta pela preservação da
hegemonia mundial contra a China. A febre nacional imperialista nos EUA tem
sintomas ideológicos degenerados: machismo, racismo, homofobia,
anti-intelectualismo e fanatismo messiânico. Mas responde a um projeto
estratégico em construção: regimes autoritários que fortaleçam a coesão social
interna para poder enfrentar a ameaça que vem do Oriente. A corrida
armamentista apenas começou. Diante deste novo período os desafios colocados
para a esquerda mundial serão gigantescos. A única esperança repousa no
internacionalismo dos que vivem do trabalho, os explorados e oprimidos. Mas o
tempo não corre a nosso favor. Mais do que nunca, devíamos estar com pressa.
Fonte: Por Diogo Fagundes, em A Terra é Redonda
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