Luís Nassif: A
imprensa e a ditadura – 4
<><> O
Poder e o controle da Imprensa
A Secom do ministro
Said Farhat, não se limitará a tornar mais transitáveis os
caminhos do bom relacionamento com a Imprensa. Seus planos incluem a
criação de um sistema estatal de comunicação. Há uma agência estatal Durante
sua curta, porém intensa experiência no serviço de marketing do candidato
Figueiredo, Said Farhat soube captar com presteza as nuanças da psicologia
militar, às quais somou sua antiga experiência como jornalista foi diretor da
revista Visão, em sua fase áurea. Disso resultou um esclarecedor
documento de análise da política de comunicação social governamental. Batizado
de “Bases para uma Política de Comunicação Social no governo João Baptista
Figueiredo”, o trabalho, datado de fevereiro deste ano, vazou para a Imprensa
através de resumos, divulgados pela própria Secom. O documento original,
porém, permaneceu inédito mais por desinteresse geral e má avaliação de sua
importância. Nele se fez uma análise meticulosa do processo de abertura
política e das novas regras de relacionamento entre o Poder e a Imprensa. Além
de se delinear um permanente conflito entre os conceitos militar e democrático
da informação do qual o autor parece não se dar conta.
No capítulo I,
“Governo e Comunicação”, por exemplo, Farhat procede inicialmente a um bê-a-bá
da democracia. Faz questão de lembrar que, “no regime democrático, todo poder
emana do povo e é exercido em seu nome; consequentemente, o povo tem o direito
de saber o que fazem seus mandatários, por que o fazem, que ônus e
benefícios decorrerão, em cada caso, da ação da autoridade”.
<><>
Apoio popular
Nesse mesmo
capítulo, Farhat inclui entre os deveres dos comunicadores sociais do governo o
de “motivar e conscientizar o público, para obter sua participação voluntária
na solução dos problemas nacionais ou mesmo locais, que não prescindam do
esforço comum”. Em várias passagens, ele salienta a importância da adesão
pública voluntária aos projetos do governo. “A eficácia de qualquer ato,
atividade, decisão política, trabalho, esforço, obra ou realização dos
administradores depende, em larga escala, de que o povo os
compreenda (grifo do autor). E, compreendendo-os, os aceite como bons. Só
assim será possível obter o apoio e a participação de todos.” Mais à
frente, Farhat toca uma corda sensível do sentimento militar: o chamado aspecto
psicossocial da segurança. “A importância da motivação da opinião pública
demonstra-se, às vezes, de maneira dramática. Os demagogos constroem sobre a
aspiração legítima da sociedade que eles detectam e exploram. Nações vão à
guerra (na qual as pessoas perdem a vida) para defender princípios abstratos.
E, como prova a história recente, ‘ganhar’ uma guerra pode ser mais uma questão
de apoio popular, na frente interna do que de poderio bélico, na frente
externa.” Assim sendo, “outros grandes objetivos poderão igualmente ser
atingidos, na medida em que nos dispusermos a vencer a apatia, a desinformação
e o desinteresse”.
Nesse ponto, o
documento procede simplesmente a uma releitura dos velhos conceitos militares,
bebidos diretamente dos clássicos Clausewitz, o grande teórico. O próprio
Clausewitz, o grande teórico do pensamento militar do século passado, já
estabelecia as ligações entre a política e a guerra. E considerava, como grande
fator de vitória a “mística”, o entusiasmo, a fé numa causa. Ele citava como
exemplo as vitórias dos franceses sobre os prussianos, em Iena; Farhat recorre
ao exemplo da guerra do Vietnã. Ambos procuram enfatizar a importância do que
os pensadores militares alemães do século passado denominavam de das
menschliche Herz (o coração humano). E é esse o fator estratégico
importante que a Secom se dispõe a administrar. Naturalmente, a informação é
apenas um aspecto de uma estratégia mais global, já que “a eficiência da
mobilização da vontade coletiva estará sempre condicionada aos fatores que
limitam a aceitação do apelo por parte do público. Assim, não se recolherá
resultados satisfatórios contra a inflação, enquanto uns ganharem com ela, e
outros perderem”. Dentro da série de aspectos novos provocados pela abertura, o
documento salienta que “o elemento qualitativo que mais profundamente marca as
mutações políticas e sociais que o novo governo deverá encontrar, em relação à
situação do último decênio, é o restabelecimento da liberdade de imprensa”.
<><>
Princípios
No capítulo II,
“Comunicação Social e Democracia”, Farhat procede a uma explicação didática
sobre o direito à informação, preconizado pelos princípios democráticos. “A
interpelação, a indagação sobre o andamento dos negócios do Estado devem ser
consideradas formas corriqueiras do exercício do direito do mandante de saber o
que faz o mandatário”. Em seguida, enumera uma série de princípios de conduta.
Recomenda a divulgação dos negócios do Estado, “na medida em que digam respeito
ao bem comum”, embora ressalvando as situações em que “os interesses nacionais
possam vir a ser prejudicados”. Quanto aos casos não sigilosos, recomenda ampla
e total divulgação. E acrescenta que se deve responder não só às indagações
tradiconais “o que, quem, quando, onde, como e porque”, ensinadas pelas escolas
de jornalismo, como a uma nova categoria, o “porque não”.
Finalmente, expele
algumas regras de boas maneiras a serem seguidas no relacionamento com a
Imprensa. “Sempre que a informação não puder ser dada, ou que o informante a
desconheça, isso deverá ser dito com clareza. A frase enganosa é um insulto a
quem a ouve ou lê.”
<><> O
estilo Secom
Ao menos no
organograma da Secom, a informação e a notícia ficaram em compartimentos
distintos. A notícia fica por conta da Assessoria de Imprensa, composta pelos
jornalistas Alexandre Garcia que cobriu a campanha de Figueiredo como setorista
do Jornal do Brasil – escolhido por Farhat, e oferenda floral. Um redator de um
jornal carioca não resistiu à oportunidade e garantiu que em breve a Secom iria
começar a denominar as estradas de “tapetes asfálticos”.
<><>
Relações públicas
É no campo da
relações públicas, porém, que o trabalho da Secom tem sido mais evidente. O
cargo de chefe da Secretaria de Projetos Especiais, que corresponde à antiga
Aerp, foi entregue ao publicitário Carlos Eduardo Jardim (não confundir com o
seu irmão, também Eduardo Jardim, que é funcionário da agência de publicidade
MPM), que passou 15 anos trabalhando no Jornal do Brasil, “fazendo até coluna
social”, na parte comercial, e depois em agências de publicidade carioca. E nos
últimos quatro anos trabalhou com Farhat na Embratur. A Secretaria terá sob seu
encargo os trabalhos de publicidade, relações públicas, promoção de eventos,
atividades cívicas e culturais. Para tanto, passará a coordenar também todo o
sistema de comunicação social do governo. De 4 a 7 de dezembro houve o I
Seminário Nacional de Comunicação Social do Governo que, na verdade, foi o
segundo, já que o então coronel Toledo Camargo realizou um encontro semelhante,
nos tempos em que chefiava a Assessoria de Imprensa do governo Geisel. Desse
seminário participaram coordenadores de comunicação social dos ministérios,
empresas vinculadas e governos estaduais. -Nesse seminário, procuraremos
colocar os parâmetros profissionais da comunicação -explicava Jardim, antes de
sua realização. A lei nos permite a fiscalização técnica, e é isso o que nós
vamos fazer.
<><>
Poder de pressão
Unificar o sistema
de comunicação socialdo governo significará, automaticamente, unificar toda a
verba publicitária da administração pública. A formação dessa superestrutura de
publicidade não poderá se constituir futuramente num irresistível poder de
pressão sobre a Imprensa? Afinal, ainda hoje o governo mantém uma lista de
publicações consideradas suspeitas para receber a publicidade oficial. – Poderá
até ser perigosa se cair em mãos erradas e for mal utilizada – admite Jardim,
provavelmente na presunção que a gestão Farhat é eterna. Mas esse é um risco
que correm todos os órgãos públicos ou privados. No momento, eu acho difícil
que isso ocorra porque o comando é contrário a interferências, e não pretende
transformar a Secom num segundo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda do
Estado Novo). Assim, no momento a função da Secom seria apenas a de “dar uma
linha de ação”.
Hoje, a Secretaria
de Projetos Especiais possui duas subsecretarias: uma de Relações Públicas;
outra de Eventos Cívicos e Atividades Culturais. A primeira abreviou o nome do
presidente para João Figueiredo; colocou-o num táxi, de Viracopos até o estádio
do Morumbi, em São Paulo; fê-lo escolher repolhos numa feira de São Paulo; ser
tomado por uma autêntica compulsão por cafezinhos de bar; e foi até o Maracanã
ensinar o Hino Nacional à seleção brasileira de futebol.
Tem mais. A
subsecretaria de Relações Publicas vai montar uma estrutura de 22 pessoas para
administrar a publicidade oficial do regime. E seu primeiro ato será transferir
a elaboração das campanhas institucionais para as agências de publicidade
privadas. Até hoje, a AERP sempre recorreu aos filmes de produtoras
independentes. A Secretaria está encarregada também de selecionar os filmes
institucionais para serem passados na televisão, nos 10 minutos diários a que
ela tem direito. – Agora, estamos preparando um calendário de eventos cívicos
para 1980- informa o subsecretário de Relações Públicas, Jorge Guilherme, um
ex-chefe de reportagem da TV Globo. O próximo seminário deverá nos dar
elementos para o projeto 80. Como os eventos cívicos correm o risco de serem
monótonos, juntamos o Estado-Maior das Forças Armadas para analisar a
programação. Para este ano, a Secretaria herdou o orçamento da Aerp, de Cr$ 13
milhões. Com esses recursos produziu cerca de 70 filmes institucionais, a um
custo médio de Cr$ 200 mil cada.
Fora isso, a
Secretaria está promovendo o que Guilherme garante ser “um dos trabalhos mais
sérios de Relações Públicas”: a análise de atitudes. – A partir dessa análise,
faremos um projeto para devolver ao brasileiro o orgulho para as práticas
cívicas. E nossa primeira medida foi ensinar a seleção a cantar o seu hino. Outro
fruto colhido pela “análise de atitude” da Secretaria foi o veto à campanha da
Petrobrás, em que a empresa recorria aos velhos lemas da campanha de O
petróleo é nosso. Até o momento, enquanto toma pé da situação, a Secretaria tem
desenvolvido poucos projetos – além de ensinar o Hino Nacional à seleção
brasileira de futebol.
No nonagésimo aniversário
da proclamação da República, por exemplo, foi realizada uma reunião para se
saber que providências tomar. – Resolvemos apoiar uma série de eventos já
programados, revela Jardim. Assim, o Rio comemorou os 90 anos da proclamação da
República com uma gincana, São Paulo com corridas de bicicleta – sob os
chamados auspícios da Secom. Mas o conflito entre a noção militar de informação
e a noção jornalística de notícia não poderia, evidentemente, esgotar-se no
arrazoado em que Farhat fundamenta a ação da Secom ou na separação física entre
a assessoria de imprensa da Secom e a Secretaria de Projetos Especiais.
Num regime militar,
com a informação assumindo tal importância estratégica, não bastava ao governo
simplesmente mudar sua forma de tratamento com a Imprensa e, assim como nos
países capitalistas avançados considerá-la a grande aliada na reprodução dos
conceitos ideológicos do sistema.
Na verdade,
principalmente após a segunda metade do governo Geisel, quando se completou o
processo de liberalização da chamada grande Imprensa, e de gradativa perda do
medo, os mandatários do regime foram submetidos a uma breve porém intensíssima
barragem de fogo.
Escândalos
ocultados durante os anos de arbítrio vieram à tona. Seguiram-se uma sucessão
de denúncias, algumas graves, que não foram aprofundadas; outras levianas, que
acabaram recebendo uma repercussão indevida. Esses tropeços bem poderiam ser
debitados ao processo de reaprendizado do pleno exercício do jornalismo,
embotado pelos anos de censura!
Em todo caso, serviram
para aprofundar as desconfianças militares. Se, por um lado, constatava-se que
era necessário civilizar o tratamento à Imprensa e entender a sua dinâmica, por
outro persistia a dificuldade para se aceitar a busca da notícia e o que um
ex-assessor de Farhat denomina de “a compulsão selvagem do furo”.
<><>
Depoimento
O depoimento que se
segue é importante. É de um importante ex-assessor do governo Geisel e
sintetiza de maneira clara o pensamento militar majoritário atual em relação à
Imprensa: -No meu entender, a Imprensa interpreta mal as notícias. Ela tem o
sensacionalismo como regra de marketing. Quando isso ocorre, ela investe na
crise, não na construção. Além disso, muitas vezes ela se utiliza da informação
vazada. Não julgo que seja por má intenção, mas pela própria dinâmica da
Imprensa. E muitas vezes, por falta de uma estrutura de comunicação própria, o
governo não tem como se defender desses vazamentos.
Aqui, ele entra em
um aspecto sensível da formação militar o que denomina de a violência da palavra:
– Não sou contra a crítica bem colocada, que respeita os Direitos Humanos. E
vocês não entendem que desrespeitar os Direitos Humanos não é só o catiripapo
na nuca. Porque não se discute a violência da palavra? A violência física se
esgota no ato. A da palavra, perdura.
Assim, dentro do
rígido processo de análise de situação, ensinado pelos princípios de estratégia
militar, não se pode confiar num instrumento sobre o qual não se pode ter pleno
domínio. – Na Imprensa, o que importa é a versão. – continua esse ex-assessor
do governo Geisel. Por isso, acho que o governo tem de aparelhar-se o melhor
possível para divulgar a sua versão.
<><>
Ameaças
De fato, a Secom
não se limitará a tornar mais transitáveis os caminhos do bom relacionamento
com a Imprensa. Seus planos incluem a criação de um sistema estatal, de
comunicação. De um lado, há uma agência estatal de notícias, a Empresa
Brasileira de Notícias, que, herdando a estrutura da extinta Agência Nacional,
concorrerá diretamente com as agências privadas na cobertura do que é hoje o
principal tema jornalístico: o governo. A EBN terá fontes de receita
independentes da venda de seus serviços. De modo que poderá simplesmente
oferecer seu noticiário de graça aos futuros assinantes como, aliás, pretende
fazer no início. Na outra ponta estará a Empresa Brasileira de
Radiodifusão (Radiobrás). Dona de emissoras de rádio em Brasília e no Rio e de
uma ampla rede de emissoras encarregada de cobrir a Amazônia legal, além de uma
emissora de TV estatal e da possibilidade de administrar as TVs Educativas dos
diversos estados, os planos da Radiobrás são igualmente ambiciosos. Planeja ser
a central produtora das emissoras de rádio e televisão que até o momento não
integram nenhuma rede particular. Para elas, a Radiobrás oferecerá inicialmente
um jornal diário, de rádio e um de televisão com noticiário farto e abundante
sobre o poder federal. (Sobre a EBN e a Radiobrás, nos referiremos em outro
capítulo.) Completa-se, dessa maneira, um quadro que possui ingredientes
ameaçadores, e que permite se avançar em suposições.
Suponha-se apenas
que em lugar de Said Farhat, até agora, ao que consta uma pessoa de boa
formação democrática, assuma uma pessoa disposta a utilizar os poderes de
persuasão dessa estrutura que se arma. Haveria à sua disposição, de
início, o tremendo poder decorrente da unificação das verbas oficiais hoje,
indiscutivelmente o grande cliente publicitário. Um jornal que fosse colocado
no index do governo estaria arriscado a ter o mesmo fim do extinto Correio da Manhã.
As ameaças não
param aí. Entregando seus serviços praticamente de graça, a EBN
praticaria um verdadeiro dumping entre as agências de notícias. Tendo a seu
lado o poder do governo, e sem a obrigação de apresentar resultados
financeiros, ela poderá se converter em um verdadeiro monopólio da notícia
oficial, montando uma estrutura de cobertura imbatível. Poderia, eventualmente,
selecionar clientes em determinadas regiões, fortalecendo as publicações
consideradas aliadas do regime. Como a maioria das publicações fora do
eixo Rio-São Paulo não tem condições técnicas de processar as informações das
agências, interpretá-las ou contradizê-las, a verdade oficial, e apenas ela,
seria reproduzida por todos os cantos do País, montando um sistema de controle
ideológico de seríssimas consequências para a democracia, uma espécie de
equivalente tropical do que ocorre hoje nos países comunistas.
<><>
Farhat se defende
Dentro da estrutura
do Planalto, Farhat é, hoje em dia, um ministro poderoso. No governo Geisel,
julgava-se o poder de um ministro pelas vezes que ele fosse convidado a jogar
biriba com o presidente. No governo Figueiredo, pelas audiências exclusivas.
Hoje em dia, os chamados ministros da casa Gabinete Militar, Gabinete Civil,
Planejamento e SNI têm um despacho diário e coletivo com o presidente, às 9
horas da manhã. As 9h45, é a vez de Farhat ter uma audiência diária e exclusiva
com o presidente. Já bastou para que se afirmasse em Brasília que ele
conquisfou a intimidade de Figueiredo e estaria provocando ressentimentos
mortais no ministro Golbery do Couto e Silva, da Casa Civil.
Se a análise está
correta, é difícil saber. Os critérios para se analisar a psicologia do
Planalto são muito fluidos. Em todo caso, não escapa de nenhum observador
atento que o trabalho desenvolvido pela Secom não tem agradado aos segmentos
militares. Eles não condenam propriamente a criação da estrutura proposta pela
Secom. Pelo contrário. Mas não conseguem ocultar seu ressentimento contra o
fato de a Secretaria ter sido elevada a nível de Ministério e o cargo confiado
a alguém “de fora”. (Essa designação “de fora”, que se aplicaria aos empregados
qualificados do regime, como Delfim e Farhat, e os “de dentro”, que são os
representantes do segmento militar, foi incorporada recentemente pelos
analistas políticos de Brasília, e ajuda a se compreender uma série de
fenômenos políticos do Planalto.) Afinal, se a informação é um fator
estratégico, deveria ficar com alguém do meio, alegam esses militares.
<><>
Personalismo
Um outro ponto que
se condena na política desenvolvida pela Secom é a sua excessiva ênfase em
campanhas personalistas, de promoção pessoal do nome de Figueiredo. Num
país que tem um Ziraldo, um Chico, um Henfil e um Jaguar não se pode facilitar
tanto na divulgação da imagem de uma pessoa, explicava-me um importante general
brasiliense. Em sua sala no Planalto, Farhat não parece muito preocupado
com as críticas. Assume intencionalmente um ar didático ao responder às
perguntas e, pelo teor de algumas respostas, não se sabe qual público ele está
visando. Às vezes, ele parece dirigir-se à opinião pública. As vezes, parece
referir-se diretamente aos “de dentro”. – O fundamento teórico da atuação
da Secom é simples diz ele, com voz pausada. O povo tem o direito de saber; o governo
tem o dever de informar. Isso faz parte das próprias diretrizes do governo
Figueiredo.
Já a Secom será o
canal de abertura da comunicação e instrumento de abertura política. – O que a
diferencia das assessorias dos outros governos é, primeiro, o fato de ser uma
organização só, abrangendo as funções de coordenação de Imprensa e de relações
públicas. Em segundo, o fato de dispor de alguns instrumentos de trabalho, como
a EBN e a Radiobrás. E, finalmente, por seu nível hierárquico, ela tem muito
mais condições que as assessorias anteriores.
<><>
“Rua de duas mãos”
Leia a entrevista:
·
Mas
a divulgação de informações e o trabalho de relações públicas são
complementares?
Acho que sim, se se
entender cada função em sua definição correta. A RP é um tipo de atividade no
Brasil deturpado na compreensão de muitas pessoas. Fazer RP não é fazer
festinhas, banquetes, andar bem vestido e conhecer cronistas que possam falar
bem ou mal. RP está mal traduzida. Significa relações com o público. Engloba
tudo aquilo que concorre para melhorar as relações da entidade com o público,
basicamente através da disposição de informar corretamente, com
veracidade.
·
A
função da RP seria, portanto, aproximar Brasília do resto do País?
Não apenas isso.
Entendo essa atividade como uma rua de duas mãos. Significa informar ao público
e recolher, de forma sistematizada, utilizando para isso os métodos
estatísticos adequados, a opinião pública, para fins de informação das
autoridades.
<><> Quer
dizer que as autoridades poderiam começar a pautar suas atitudes pelos
resultados das pesquisas de opinião?
-A pesquisa é um
mero elemento informativo. Não vai trazer alterações ao sistema. O sistema de
comunicação é um veículo, não um instrumento de decisão. O processo de tomada
de decisão do governo é um processo íntimo, que abrange a informação, a
avaliação e a decisão. O Ministro-chefe da Secom apresentará, quando muito,
observações e ponderações sobre o que ele considera as repercussões na opinião
pública de atos ou decisões do governo.
Nesse ponto, Farhat
começa a falar para o público de dentro: Depois que a decisão tenha sido
tomada, mesmo contra a sua posição, o dever do ministro-chefe é usar o melhor
de seu talento para transmitir, aquela decisão no espírito em que foi tomada.
Há muita gente que imagina que o ministro da Comunicação Social é um ponta de
lança da oposição dentro do próprio governo. Não há nada de mais errado. O
ministro da Comunicação Social, ou qualquer outro, quando não estiver mais
satisfeito, põe o chapéu na cabeça e vai embora. É muito simples.
·
-Pode-se
democratizar o poder central e fazer com que ele se compenetre da obrigação de
dar satisfação de seus atos à opinião pública?
Vai depender muito
da orientação pessoal de cada gestão. (…) prematuramente dos seus planos
de comercialização; Não fazer o lançamento do produto numa época
incorreta.
<>< O
senhor reivindica, então, que a Secom deveria se tornar o juiz da oportunidade
na divulgação das notícias?
-Em cada órgão há
um organismo de comunicação social cujo mandato é o mesmo: informar. Essa
autoridade é que será o juiz da oportunidade. Mas, certamente, é dos princípios
governamentais que assuntos administrativos só devem ser comunicados depois da
decisão tomada. Tem que se distinguir a notícia do vazamento. A notícia tem que
ser superabundante, com todos os detalhes possíveis. Enquanto que o vazamento é
a revelação não autorizada.
·
A
notícia, para a Secom, seria então somente o fato consumado?
Não só. A imensa
maioria dos negócios do Estado deve ser fornecida às claras. Agora, assuntos
que envolvam tomadas de decisão, mudanças de política econômica, só devem ser
divulgados no momento oportuno.
<><> O
fato de o governo não ter um controle absoluto sobre suas informações não é bom
para a democracia?
-Eu duvido que um
regime, por mais democrático que seja, revele prematuramente a mudança de sua
política fiscal, por exemplo. Agora, o sigilo é exceção que tem de ser
administrado com muita prudência.
·
Não
é antes da decisão ser tomada que a opinião pública tem mais condição de
influir?
O sigilo que eu
digo é na fase de instrução, em que as alternativas estão sendo estudadas.
Tomada a decisão do governo não significa fato consumado. E é parte integrante
da administração do sigilo e sua transitoriedade.
<><> O senhor fala na notícia como fator de
democratização. Ela não pode ser também um fator de controle ideológico?
-Eu não entendo
assim.
·
A
verdade das notícias tem muitas faces. Com o alcance que pretende ter, a EBN
chegará à maioria dos jornais brasileiros, que terão a possibilidade de receber
apenas a verdade governamental. Não é uma forma muito unilateral de encarar a
notícia?
Seria, se o governo
proibisse a esse jornal receber opiniões contrárias.
·
Mas
a própria estrutura financeira dos jornais do Interior impede essa
diversificação de enfoques.
Volto a dizer:
seria preferível que eles recebessem ou não a informação? Estamos diante de uma
realidade. Existem, no Brasil, centenas de jornais e milhares de emissoras de
rádio. O governo considera seu dever colocar diante desses canais de
comunicação pública os seus atos, as notícias referentes à sua atividade.
Ninguém estará fazendo proselitismo ou propaganda. Estará simplesmente
informando. Não vejo como pode ser contra a democracia.
·
Vamos
tomar um exemplo concreto. Recentemente, o governo divulgou um decreto
aumentando as alíquotas do Imposto de Renda das pessoas jurídicas. A Imprensa
recebeu um material da EBN com o decreto, a exposição de motivos e uma defesa
suplementar da medida, em que se mostrava que havia uma evasão na arrecadação
de impostos da alíquota. Essa a verdade oficial. O material não informou nem
era o caso de ele informar que esse aumento não afetaria as empresas que já não
estavam pagando imposto, mas apenas aquelas que não conseguiram escapar do fisco,
e que por isso era injusto.
Veja bem. Eu não
sei se você tem razão na análise que está fazendo. Devo lembrar uma distinção
bastante nítida entre notícia e editorial. Nós fazemos as duas coisas: os
editoriais, através da Voz do Brasil. No exemplo citado, nós transmitimos uma
notícia, uma análise do fato. Obviamente, o governo não pode estar de acordo
com a sua observação de que à lei é inócua (na verdade, eu falara em injusta),
se não não teria assinado o decreto.
·
Isso
não é uma interpretação. É um fato. E, no entanto, a maioria dos jornais que
recebeu o material da EBN não teve condições de avaliar o noticiário. Ficou a
versão do governo.
O governo viu o
problema de uma maneira, você enxerga de outra. O governo disse a maneira como
ele viu o problema, porque tomou a medida, o que ele espera dessas medidas.
Agora, o governo de forma alguma impede que pessoas que pensem diferentemente
também se expressem. E Farhat se despede, porque tem uma a audiência
marcada com o presidente.
Fonte: Jornal GGN
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