Trump dá início a
uma nova era de imperialismo?
Apenas no primeiro
mês após voltar para a Casa Branca, Donald Trump prometeu
comprar a Groenlândia, anexar o Canal do Panamá, tornar o Canadá o 51º estado
americano e tomar o controle de Gaza para transformar a região na "Riviera
do Oriente Médio". Ainda não está claro se ele pretende mesmo seguir em
frente com todos esses planos. Mas a presença cada vez
mais comum dessa retórica nos discursos do presidente americano tem levado
analistas a especularem sobre o início de uma nova era de imperialismo no
mundo. Essa visão foi apenas reforçada pelo primeiro discurso
de Trump no Congresso nesta terça-feira (5/3). Além de falar sobre suas
ambições territoriais, o republicano deixou mais uma vez claro que o maior
objetivo de seu governo é "tornar a América grande novamente".
Trump também voltou
a falar da implementação de tarifas comerciais para proteger a economia e os
trabalhadores americanos e das negociações de paz entre Rússia e Ucrânia — tudo
isso após protagonizar um bate-boca público com Volodymyr Zelensky durante uma
reunião na Casa Branca. "O sonho americano é imparável", disse Trump
no mais longo discurso presidencial já registrado no Capitólio, com uma hora e
40 minutos.
Para Jennifer
Mittelstadt, professora da Universidade Rutgers, as ameaças e o estilo colérico
da política externa de Trump podem abrir caminhos para que outros países cujos
líderes também apresentam tendências imperialistas — como China e Rússia —
tomem o controle de territórios disputados ou que estão em sua mira há tempos.
"O momento que
estamos vivendo me lembra outra época instável: aquela após 1919", diz a
historiadora sobre o período marcado pelo fim da 1ª Guerra Mundial e a assinatura
do Tratado de Versalhes. Esses eventos são apontados como de impacto direto no
colapso dos grandes impérios, como o Austro-Húngaro e o Otomano, na
redistribuição colonial e na consolidação dos Estados-Nação como conhecemos
hoje. "A maioria das pessoas presumia que com o fim dos impérios
viveríamos em um futuro formado por Estados-nação parcialmente igualitários que
criariam uma ordem internacional baseada em regras. Mas o que estamos vendo não
é bem isso", avalia Eric Storm, professor da Universidade de Leiden e
autor do livro Nationalism: A World History (Nacionalismo: Uma História
Mundial, em tradução livre). Segundo o especialista, diversas lideranças
americanas desde então colocaram em cheque a ideia de que a era dos impérios
havia chegado ao fim, seja conduzindo intervenções militares no exterior ou
mantendo uma forte esfera de influência em torno de seus aliados. "Mas
Trump levou isso a outro nível", diz.
<>< > McKinley
do século 21?
A ideia de que os
impérios nunca deixaram de existir por completo é defendida por muitos
historiadores, que apontam o modelo de relação política e econômica desigual
entre países como um dos principais sintomas do 'neoimperialismo' dos séculos
20 e 21. Segundo essa corrente, as colônias podem ter deixado de existir, mas
as esferas de influência e poder das antigas potências permanecem, em muitos casos,
quase inalteradas. No caso dos Estados Unidos, explica Jennifer Mittelstadt, a
expansão territorial pode ter sido deixada para trás no século 19, mas a
instalação de bases militares ao redor do mundo, o envio de tropas e a
assinatura de acordos econômicos com diversas nações continua servindo como uma
espécie de "controle informal". E apesar desse modelo ter sido
seguido pelos antecessores de Donald Trump, o atual presidente americano adota
uma postura muito distinta em relação ao tema, afirma a especialista. "Há
algo de novo no comportamento dele que me parece motivado pela psicologia e
pelo ego", diz. "Pesquisadores que observam Trump de perto concordam
que ele se vê como uma espécie de figura de rei ou imperador."
O último presidente
americano a defender da mesma forma que Trump a expansão do território
americano foi William McKinley, no final do século 19. Durante a presidência de
McKinley, os EUA anexaram Porto Rico, as Filipinas, o Havaí e a ilha de Guam. Em
seu discurso na posse, Trump inclusive citou o ex-presidente como um exemplo a
ser seguido: "McKinley tornou nosso país muito rico por meio de tarifas e
por talento". E segundo o historiador Eric Storm, o atual presidente
parece "acreditar que seu país deveria ser um império".
As ameaças de Trump
começaram antes mesmo da posse, quando ele mencionou a intenção de tomar o
controle sobre o Canal do Panamá. Segundo ele, o
Panamá estaria cobrando tarifas exorbitantes de embarcações americanas e deixando a China
expandir sua influência na região. Trump também diz que a decisão dos Estados
Unidos de ceder o controle do canal ao Panamá em 1977 foi um erro. "Vamos
recuperá-lo, ou algo muito poderoso vai acontecer", afirmou no início de
fevereiro. O republicano também falou em
anexar a Groenlândia,
por motivos comerciais e de segurança nacional. Trump ainda chegou a dizer que
não descarta usar a força militar para tomar esses territórios.
Sobre o Canadá,
disse no mês passado que o país "é um concorrente muito forte para ser
nosso 51º Estado." No início de seu mandato, o presidente assinou um
decreto para renomear o Golfo do
México como Golfo da América e, mais recentemente, divulgou
um plano para a
reconstrução da Faixa de Gaza que inclui assumir o controle da região e
realocar palestinos para o Egito, Jordânia e possivelmente outros países. "Trump
trata os Estados menores como uma espécie de Estados vassalos — ele não leva a
opinião da Ucrânia em consideração quando discute o
processo de paz com Vladimir Putin, também não negocia com países
latino-americanos quando manda
imigrantes ilegais de volta", avalia Eric Storm. "A maneira de agir dele
é muito unilateral, focada na política de poder duro. Se ele realmente ocupar
territórios contra a vontade da população e contra o direito internacional,
realmente entraríamos em uma era de imperialismo em grande escala",
completa o historiador.
A política
tarifária implementada por Trump desde que chegou à Casa Branca também pode ser
vista como mais um alargamento do chamado "neoimperialismo" americano,
dizem os especialistas. O republicano impôs tarifas de 25% sobre produtos do
Canadá e do México e implementaram uma taxa de 10% extra sobre importações
chinesas, elevando a taxa tarifária total para 20%. A historiadora Naoko
Shibusawa, professora da Universidade Brown, acredita que países como os
Estados Unidos usam sua superioridade no campo econômico para manter o controle
sobre países mais pobres. "Mesmo que um país tenha independência política,
não tem necessariamente soberania econômica", diz. "Muitos países
mais pobres ou descolonizados ainda têm suas economias amarradas, ou sujeitas
aos desejos do Norte Global."
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Ameaça ou estratégia de negociação?
Mas os
especialistas consultados pela BBC News Brasil também admitem que as posições,
assim como a retórica classificada como "agressiva" adotada por
Trump, podem estar mais ligadas a uma estratégia de negociação do que a um
desejo de fato de se engajar em uma aventura expansionista. "Trump é muito
imprevisível e costuma usar suas declarações como forma de abrir uma
negociação", diz Eric Storm, "No caso do Panamá, por exemplo, ele
pode estar apenas tentando diminuir a influência chinesa e negociar tarifas
mais baratas para os navios americanos."
"Trump vê seus
aliados como um incômodo e gosta de trazer suas supostas habilidades de
negociação para o cenário internacional", avalia Andrew Mumford, professor
de Estudos de Guerra na Escola de Política e Relações Internacionais da
Universidade de Nottingham. O presidente americano usou, por exemplo, a ameaça
da implementação de tarifas emergenciais de 25% sobre todos os produtos
colombianos importados pelos EUA como forma de
convencer Gustavo Petro a receber voos com imigrantes ilegais deportados.
Analistas que
acompanham as decisões de Trump e sua equipe de perto veem na política externa
do atual presidente o emprego de um modelo de
negociação conhecido como o da cenoura e do porrete — ou seja, de
incentivos e punições para cooptar aliados e chegar a acordos. De um lado, ele
usa o porrete, ou seja, ameaças de uso da força militar ou de sanções econômicas
para coagir outras nações. De outro, estaria a cenoura, ou um incentivo
positivo para convencer aliados — por exemplo, negociando investimentos, ajuda
humanitária, acordos bilaterais ou assentos em organismos multilaterais. E há
quem acredite que as posições recentes de Trump em relação à Ucrânia e a
Volodymyr Zelensky, por exemplo, sejam apenas mais um exercício em busca dos
interesses americanos. E, de fato, Zelensky aceitou os
termos americanos um dia depois de Trump suspender toda a ajuda militar ao
sitiado aliado dos EUA.
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Apenas 'bravatas'
Para a historiadora
Naoko Shibusawa, da Universidade Brown, um acordo econômico de Trump para
explorar a Groenlândia pode até ser factível. Mas, segundo ela, as demais
ameaças de Trump não passam de bravatas. "Não consigo imaginar os Estados
Unidos invadindo o Canadá. Isso não vai acontecer, é muito mais uma bravata. Os
Estados Unidos vão invadir e tomar Gaza? Eu também acho isso muito
improvável", afirma. "Vemos o homem mais poderoso da Terra fazendo
declarações que parecem realmente fora de sintonia com o mundo
contemporâneo."
Jennifer
Mittelstadt, da Universidade Rutgers, afirma ainda que não vê espaço para uma
expansão territorial baseada em força militar. "Não há nada que me sugira
que os EUA estejam em uma posição militar que permita invadir e lutar uma
guerra para tomar o Canadá e a Groenlândia", avalia a historiadora, autora
do livro The Rise of the Military Welfare State (A ascensão do estado
de bem-estar militar, em tradução livre para o português). "Até teríamos
condições se essa fosse a única ameaça no mundo. Mas há um milhão de outras
ameaças com as quais os EUA tem que lidar em termos de defesa, então não têm
capacidade para conduzir uma guerra terrestre massiva no hemisfério
ocidental."
Já Andrew Mumford
acredita que atitudes de Trump devem ser analisadas com as lentes da política
interna, não externa. "Não definiria como uma nova era de imperialismo,
mas sim uma recalibração da política externa americana ao longo das linhas
políticas domésticas em um nível que não víamos há muito tempo", diz o
especialista. Para Mumford, o objetivo do presidente é ativar sua base política
e promover sua agenda "America First" (Estados Unidos em primeiro
lugar, em tradução para o português). O slogan foi adotado por Trump desde sua
primeira campanha, em 2016. Ao concorrer desta vez, o republicano voltou a
falar em "rejeitar o globalismo" e acabar com guerras e em um recuo
em intervenções no exterior, gerando expectativa de uma política externa mais isolacionista.
"Toda política externa começa em casa — e uma quantidade significativa das
declarações sobre política externa de Donald Trump tem o público doméstico e
sua base política como alvo", diz Mumford.
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Trump não está sozinho
E segundo
estudiosos do dito 'neoimperialismo', esse modelo não é exclusivo dos Estados
Unidos. O caso mais claro fora os EUA é o de Vladimir
Putin na
Rússia, diz Eric Storm. "A ocupação da Crimeia [2014] e a invasão total da
Ucrânia em 2022 são exemplos mais recentes desse imperialismo", afirma.
"Mas antes mesmo disso, Putin já havia travado uma guerra contra a Geórgia
em 2008." O especialista também aponta o apoio a regiões secessionistas,
como a Transnístria e a Abkházia, e a participação russa na guerra da Síria e a
presença de forças ligadas ao Kremlin em diversos países na África como outros
sintomas da posição de Putin.
Quando o tema é
a China, Andrew Mumford
afirma que Pequim se utiliza mais do soft power para expandir sua esfera de
influência, atrair países e empresas para parcerias e atingir seus objetivos
políticos e militares. "A China se utiliza de outras formas de influência
não militar, não das tradicionais conquistas territoriais", diz o
especialista. "É por isso que o debate sobre o que significa o imperialismo
atualmente é tão complexo." Ainda assim, Mumford afirma que o país deve
ser observado de perto, já que a instabilidade em
torno de Taiwan é
um dos potenciais pontos crítico para atividade militar na Ásia. A China vê
Taiwan como uma província separatista que um dia voltará a estar sob o controle
de Pequim. No entanto, a ilha se vê como um país independente, com sua própria
Constituição e líderes democraticamente eleitos. Pequim envia rotineiramente
navios e aviões para as águas e o espaço aéreo de Taiwan, no que os analistas
chamam de tática de "guerra na zona cinzenta", com a intenção de
normalizar tais incursões. Em setembro passado, o governo de Xi Jinping lançou
com sucesso um míssil balístico intercontinental (ICBM) carregando uma ogiva
fictícia, que caiu no Oceano Pacífico. Tratou-se da primeira vez desde 1980 que
um ICBM foi lançado em águas internacionais. Por tudo isso, Mumford considera a
questão ainda mais crítica do que o atual confronto entre Rússia e Ucrânia.
"Putin já
pagou um preço alto pelo que fez na Ucrânia e, portanto, a capacidade russa de
ampliar sua ofensiva é limitada", afirma. "A minha maior preocupação
é mesmo com a China, que diminuiu significativamente suas relações com Taiwan
nos últimos anos." E segundo o analista, Trump pode estar estabelecendo um
precedente perigoso ao defender de forma tão explícita a conquista de novos
territórios. "Trump não é avesso a estabelecer precedentes e agir de forma
não convencional", diz. "Mas ele pode estar estabelecendo um
precedente para que outras grandes potências reivindiquem territórios, mesmo
aqueles fora da sua esfera de influência hemisférica natural." Para
Jennifer Mittelstadt, as ações americanas são muitas vezes vistas como
criadoras de limites e marcos importantes em torno de questões como soberania e
direito internacional. "Os EUA sempre defenderam que existe uma ordem
internacional baseada em regras que nem mesmo eles, como nação militar mais
poderosa e maior economia do mundo, desrespeitaria", diz. "Mas se os
EUA estão desrespeitando, há uma abertura para outros fazerem o mesmo."
¨ A questão da desigualdade americana.
Por Wagner Souza
Uma das características das mudanças engendradas na economia política
dos países ricos, desde o início da década de 1980, tem sido a concentração de
renda. Do “consenso keynesiano”, que vigorou do pós-guerra ao fim dos anos
1970, (o republicano Richard Nixon disse, certo momento, “somos todos
keynesianos”), que tinha no investimento público e adição dos ganhos de
produtividade aos salários duas de suas principais “âncoras”, a economia passou
a ser gerida tendo como premissas de sua eficiência a redução do papel do
Estado, e portanto do investimento público, e a “financeirização” da gestão da
riqueza, na qual os lucros de curto prazo passaram a ditar a estratégia
empresarial. Assim, a contenção de gastos das empresas, com demissões e redução
de custos salariais, está, desde então, no cerne destes planos.
Na virada dos anos 1970 para a década de 1980, viu-se o aumento brutal
da taxa de juros pelo Federal Reserve, então dirigido por Paul Volcker, no
intuito de domar a inflação e reafirmar o papel do dólar como moeda reserva
mundial e do lugar central do sistema financeiro dos EUA no mundo. A “revolução
conservadora” de Ronald Reagan, no entanto, tirou a economia norte-americana da
recessão com um “keynesianismo militar”, resultado de forte expansão dos gastos
de defesa. Este investimento na capacidade bélica cumpriu a função de dar
sustentação necessária para a recuperação da economia e debilitar a economia da
URSS, provocando o colapso de seu regime político, um objetivo geopolítico,
portanto. Reafirmação da supremacia da moeda e das armas dos EUA em nível global
compunham o processo muito bem descrito no artigo “A retomada da hegemonia
norte-americana”, obra da saudosa professora Maria da Conceição Tavares.
A vitória norte-americana na Guerra Fria, com o fim da URSS e do bloco
socialista e a reunificação da Alemanha, fez com que a “hegemonia unipolar” dos
EUA se estabelecesse a partir dos anos 1990 e com esta a consolidação do
chamado “neoliberalismo” tendo como seus principais objetivos as liberalizaçôes
comercial e financeira, as privatizações e desregulamentações das normas vistas
como “empecilhos” ao investimento privado. A economia das “bolhas de ativos”
com inflação dos valores de ações (a “bolhapontocom” dos anos 1990) e imóveis
(“bolha imobiliária” dos anos 2000) substituiu a dinâmica anterior da economia com
crescimento contínuo dos salários reais e “aburguesamento” da classe
trabalhadora e sua integração à classe média. O proletariado norte-americano
viu seus empregos industriais escassearem ao se deslocarem para o exterior,
pela busca da indústria por mão de obra mais barata. Novos empregos surgiram na
“economia de serviços”, porém, na maioria das vezes, com remuneração pior,
condições de trabalho precarizadas, em situações que variam das jornadas
extenuantes aos part time jobs, que fazem com que muitos trabalhadores
trabalhem menos horas do que gostariam e ganhem, em consequência, salários
menores. O trabalho nos Estados Unidos se tornou, em grande medida, mais
precário, instável e com remuneração menor.
O filósofo britânico John Gray em Falso Amanhecer – os equívocos
do capitalismo global descreveu a realidade do capitalismo
norte-americano de fins dos anos 1990:
“É interessante notar que essas ansiedades não são um efeito colateral
da estagnação econômica. Ao contrário. Durante os últimos quinze anos, a economia
norte-americana manteve-se em uma expansão quase contínua. A produtividade e a
riqueza nacional cresceram firmemente. A reestruturação da indústria americana
deu-lhe condições de recuperar mercados que se pensava estarem definitivamente
perdidos para o Japão. Como na Inglaterra de meados da era vitoriana, a
liberalização dos mercados na América do final do século 20 construiu um
espetacular – e não reproduzível – boom econômico. Ao mesmo tempo, a renda da
maioria dos americanos estagnou. Mesmo para aqueles cujas rendas aumentaram, o
risco econômico pessoal cresceu visivelmente. A maioria dos americanos tem
pavor de um distúrbio econômico do qual – suspeitam – nunca mais se
recuperarão. Poucos pensam agora em termos de uma ocupação vitalícia. Muitos preveem,
não sem razão, que suas rendas cairão no futuro. Estas, evidentemente, não são
circunstâncias que alimentam uma cultura de satisfação (GRAY, 1998, p. 146)”.
Também analisando esta problemática, o economista francês Thomas
Piketty, em O Capital no século XXI, obra de 2013 que teve grande
impacto no debate global sobre a crescente desigualdade, menciona, sobre a
concentração de riqueza no extrato do 1% mais rico da população:
“Nos anos 1970, a parcela do centésimo superior na renda nacional era
muito próxima nos vários países. Ela estava entre 6 e 8% nos quatro países
anglo-saxões estudados, e com os Estados Unidos não era diferente, os
americanos eram até ligeiramente ultrapassados pelo Canadá, que atingia 9% (…)
Trinta anos depois, no começo dos anos 2010 a situação é totalmente diferente.
A parcela do centésimo superior atingiu quase 20% da renda nacional nos Estados
Unidos (…).” (PIKETTY, 2013, p. 307).
Piketty explica que nos países anglo-saxões a concentração de renda foi
mais pronunciada do que na Europa continental e no Japão, onde também ocorreu.
No Reino Unido e no Canadá o centésimo superior passou a ter entre 14-15% da
renda nacional e na Austrália entre 9-10%. Japão e França passaram de 7% para
9%, Suécia, de 4% para 7% e Alemanha de 9% para 11%. (PIKETTY, 2013, p. 308).
Em todo o mundo rico houve concentração de renda no topo da pirâmide social,
mas foi nos EUA onde aconteceu com mais intensidade.
Todo esse processo de polarização de renda e, como consequência,
polarização social, visível na paisagem de muitas partes do interior dos EUA,
com suas fábricas abandonadas e cidades outrora pujantes, decadentes, alimentou
forte ressentimento social daqueles que “ficaram para trás”. A candidatura de
Donald Trump, desde quando despontou nas primárias republicanas para a eleição
de 2016 e o seu mote de “fazer a América grande novamente” tem relação com esta
frustração das massas, especialmente nos eleitores brancos pobres, de que as
oportunidades econômicas e o caminho para a ascensão social estavam disponíveis
e não mais estão.
A crescente polarização social, portanto, vem alimentando a extrema
direita e enfraquecendo consensos existentes na sociedade e na esfera política
a respeito de políticas públicas internas e da política externa. John Gray
trata, no livro aqui mencionado, do apelo nacionalista da pré-candidatura de
Patrick Buchnann pelo Partido Republicano ou da candidatura independente de
Ross Perot, que apareceram nos anos 1990 como sintomas desta insatisfação, mas
então avaliava como inviáveis candidaturas tão críticas ao status
quo bipartidário. Como sabemos, era questão de tempo.
Fonte: BBC News/Outras
Palavras
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