segunda-feira, 10 de março de 2025

Mulheres ainda têm pouca representação em cargos-chave nos partidos, apontam especialistas e parlamentares

A baixa representatividade de mulheres em cargos de comando dentro dos partidos é um dos principais desafios para a igualdade de gênero na política, segundo avaliação de cientistas políticas e de parlamentares.

Como reflexo desse cenário, estão a falta de recursos e espaços para candidatas — que muitas vezes são escolhidas como “laranjas” apenas para cumprirem a cota de gênero exigida pela legislação.

Além disso, é comum que mulheres sejam preteridas pelos partidos nas indicações para assumirem ministérios, lideranças no Congresso e relatorias de projetos relevantes como o Orçamento ou propostas sobre administração pública e questões tributárias.

Um levantamento feito pela GloboNews mostra que, entre os 10 partidos com maior representatividade na Câmara dos Deputados, oito não alcançam nem 30% de presença feminina nas executivas nacionais - órgão decisório das legendas.

<><> Veja a representatividade por partido:

# PL
Integrantes da executiva: 22
Mulheres: 3 (13%)

# PT
Integrantes da executiva: 29
Mulheres: 14 (48%)

# União Brasil
Integrantes da executiva: 14
Mulheres: 2 (14%)

# PP
Integrantes da executiva: 30
Mulheres: 5 (16%)

# MDB
Integrantes da executiva: 10
Mulheres: 2 (20%)

# PSD
Integrantes da executiva: 35
Mulheres: 11 (31%)

# Republicanos
Integrantes da executiva: 17
Mulheres: 3 (17%)

# PDT
Integrantes da executiva: 30
Mulheres: 8 (26%)

# PSB
Integrantes da executiva: 47
Mulheres: 12 (25%)

# PSDB
Integrantes da executiva: 37
Mulheres: 8 (21%)

A proporção é ainda menor quando se fala do comando dos partidos: apenas cinco têm mulheres como presidentes: o PCdoB, com Luciana Santos; o Podemos, com Renata Abreu; o PSOL, com Paula Coradi; a Rede com Heloísa Helena; e o PMB, com Suêd Haidar Nogueira.

Até esta sexta-feira (7), o PT também era comandado por uma mulher, Gleisi Hoffmann, que se afastou para assumir a Secretaria de Relações Institucionais.

Das 10 ministras hoje no governo Lula, duas são ou foram presidentes de partidos - o que demonstra a importância da estrutura partidária nestas indicações. Além de Gleisi, Luciana Santos é ministra de Ciência e Tecnologia.

Embora este seja o maior número de mulheres em ministérios da história do país, o percentual ainda está longe da paridade: 26% das 38 pastas estão sob comando feminino.

·        Falha de representativade

Para a professora de Direitos Fundamentais da FGV Direito SP Luciana Ramos, o fato de homens serem maioria no comando dos partidos faz com que eles indiquem candidatos semelhantes ao seu próprio perfil — seja para cargos no Executivo ou Legislativo.

"Os dirigentes dos partidos têm um perfil muito específico, são homens, brancos e em geral heterossexuais. Em geral, eles vão indicar pessoas com perfis semelhantes aos deles, com quem eles convivem. Você acaba afetando toda a cadeia: se você indicar menos mulheres candidatas, menos chance delas serem eleitas”, afirma.

A baixa representatividade é vista também em outras esferas do Poder Executivo.

No ano passado, 727 mulheres foram eleitas prefeitas - o que representa 13% dos 5.569 municípios.

Em 2022, apenas dois estados elegeram mulheres como suas governadoras - Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte, e Raquel Lyra (hoje PSD), em Pernambuco.

A deputada Carol Dartora (PT-PR) destaca que uma das dificuldades da disparidade na direção dos partidos é o acesso a recursos para candidatas mulheres.

“Quem ocupa esses espaços de poder dentro dos partidos tem a caneta na mão para decidir candidaturas, distribuição de recursos e apoios políticos”, diz. “Isso gera um ciclo de exclusão. Sem acesso ao poder partidário, as mulheres tem menos chance de crescer politicamente e ocupar cargos estratégicos e a consequência disso são um Congresso e um governo que não refletem a diversidade da sociedade.”

·        90 anos e ‘nem um plenário’ cheio

Desde 1934, quando foi eleita a primeira deputada no Brasil, apenas 335 mulheres ocuparam este espaço. Ou seja, em 90 anos, as mulheres eleitas deputadas federais não ocupariam nem mesmo um plenário completo de 513 deputados.

Atualmente, o Congresso é composto por 91 mulheres entre 513 deputados e 16 senadoras entre 81 parlamentares no Senado. Um número recorde, mas ainda muito baixo.

“Como os homens pensam e coordenam o poder nas suas legendas, isso se reflete na política institucional. Também afeta a não priorização das candidatas mulheres nas eleições, no fenômeno das candidatas laranjas e as ‘vices’ para preencher as cotas de gênero”, diz a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), uma das coordenadoras adjuntas da Secretaria da Mulher na Câmara.

Uma das três mulheres da Mesa do Senado, que é composta por 11 senadores, Ana Paula Lobato (PSB-MA) diz que a estrutura partidária formada majoritariamente por homens limita as oportunidades das mulheres.

“Para mudar isso, é fundamental incentivar mais mulheres a participarem da política, garantir mecanismos que fortaleçam sua presença nos partidos e cobrar compromissos reais das legendas com a paridade de gênero. Sem mulheres nas instâncias de decisão partidária, continuamos sendo minoria nos espaços de poder”, diz.

A ex-deputada Vivi Reis defende que uma forma de mudar essa realidade é estabelecer regras que garantam maior participação feminina nas instâncias de decisão. Contudo, como os partidos têm autonomia de funcionamento, é preciso que a decisão parta das legendas.

"Com menos mulheres em cargos estratégicos, as decisões políticas tendem a não refletir as demandas e perspectivas das nossas pautas e lutas de forma prioritária. Além disso, a ausência de referências e lideranças femininas pode desestimular outras mulheres a ingressarem e se consolidarem na política."

·        Mulheres negras, indígenas e trans

A professora Luciana Ramos destaca que a representação é ainda mais baixa quando se fala em mulheres negras, mulheres indígenas e mulheres trans. A título de comparação, das 91 deputadas federais eleitas em 2022, 29 são negras, quatro são indígenas e duas são trans.

No caso da distribuição obrigatória de 30% de recursos dos fundos partidário e eleitoral para mulheres, Luciana diz que o repasse costuma ser feito majoritariamente para mulheres brancas porque “os dirigentes partidários são homens brancos e em geral vão indicar pessoas dos seu ciclo social, que em geral são mulheres brancas ou pessoas que são suas esposas, mulheres, filhas”.

“Mulheres negras, mulheres indígenas e mulheres trans não fazem parte deste espaço de poder e tomada de decisão que é a Executiva dos partidos. Consequentemente, elas serão muito menos selecionadas para serem candidatas”, diz.

 

¨      Mulheres de diferentes gerações sonham em desbravar o mundo

Conhecida entre personalidades do mundo da moda, a influenciadora Izaura Demari, de 83 anos, tem um sonho que ainda não realizou: viajar para a Itália. Nascida e criada num sítio no Paraná, ela sempre quis conhecer a terra onde seu pai nasceu, mas teve que adiar os planos depois de casar-se aos 18 anos e ter três filhos.

"Depois da morte do meu marido, comecei a viajar mais com meu filho caçula. Peguei gosto e não quero parar", conta Demari, conhecida nas redes sociais pelos chapéus elegantes.

Descobrir o mundo é o sonho de muitas meninas e mulheres brasileiras. Uma pesquisa envolvendo mais de mil entrevistadas pelo país mostra que viajar é o sonho de infância comum entre as diferentes gerações. Casar e ter filhos deixou de ser prioridade para as mais jovens, mostra o estudo feito pela organização Think Olga.

"A viagem representa um universo inteiro de coisas. Quando essa mulher se desloca do seu contexto para outro diferente, deixa para trás problemas do cotidiano, coisas que achatam os sonhos, experimenta novas versões de si mesmo, conhece o novo", explica Maíra Liguori, presidente da ONG.

A investigação visava os sonhos de infância e o que eles se tornaram na vida adulta. As entrevistadas tinham entre 18 e 60 anos, o que permite comparar a evolução dos sonhos e anseios femininos entre diversas gerações.

<><> E o casamento?

O desejo de viver uma relação amorosa, um casamento e ter filhos aparecem como sonho de infância entre as entrevistadas mais idosas. Entre aquelas de 18 a 30 anos, essas palavras nem são citadas muito como projeto de vida. Para esse grupo é mais importante ter uma carreira e independência e ter um filho – mais do que constituir uma família.

Débora Diniz, antropóloga e professora licenciada da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Unb, considera impressionantes os resultados da pesquisa. Ela acredita que, ao falar de desbravar o mundo, as mulheres mostram que querem ir além dos muros da casa.

"Isso não significa abandonar a maternidade, abandonar o casamento, mas é que eles não são um único sonho, como foi o caso da geração que me antecedeu, da minha mãe. Para elas, casar era mais do que um sonho, era um destino", diz a antropóloga. "Às mulheres do século 21 está sendo permitido não confundir o sonho com o destino do gênero."

<><> Desigualdades que persistem

Viajar o mundo, explorar e viver experiências culturais mostra a vontade de acumular conhecimento e sede de liberdade, apontam os resultados da pesquisa. E 88% das entrevistadas reconhecem que alcançar esse objetivo hoje só é possível, graças aos avanços conquistados por anos de lutas.

"Estamos falando de mulheres que viram suas bisavós voltarem, suas avós já não tendo a mesma quantidade de filhos, suas mães trabalhando e sonhando com outras coisas… Então elas podem se ver dentro de um horizonte de possibilidades", analisa Diniz, que não participou do estudo.

Maíra Linguori, do Think Olga, lembra que ainda há um longo caminho a ser percorrido rumo a essa desejada liberdade. Apesar dos avanços das políticas públicas, o Brasil é um dos líderes globais de feminicídio, o assassinato por questão de gênero, muitas vezes provocado pela ideia de que a mulher é uma posse do companheiro.

"Tem ainda outras barreiras. As mulheres gastam mais do que o dobro do tempo dos homens com os trabalhos de cuidado da casa e filhos, que virou um 'pedágio' que a mulher tem que pagar para prosperar e ter autonomia. Falta apoio de políticas públicas para mudar isso", comenta Linguori

Os salários também divergem: em média, as brasileiras ganham 19,4% menos que os homens. Em cargos de gerência, essa diferença chega a 25,2%. As mulheres negras, além de estar em menor número no mercado de trabalho, têm renda mais desigual, quase 30% a menos que a média dos homens, revela um levantamento de 2024 feito pelos ministérios do Trabalho e Emprego e das Mulheres.

"Além dessas desigualdades, elas estão suscetíveis ao assédio e sofrem intolerância em relação à maternidade, pois muitas empresas barram as mães de subirem na carreira", acrescenta a ativista do Think Olga.

<><> Sonhe como uma garota

A pesquisa feita pelo Think Olga é parte de um projeto idealizado por Camila Alves, produtora cultural que queria inspirar jovens, revelando o perfil de mulheres atuantes, de profissões diversas.

"Nós percebemos que muitas tinham dificuldade em acessar os sonhos de infância, principalmente as mais velhas. As pessoas ficaram muito endurecidas", diz Alves ao detalhar as fases do projeto, que incluiu oficinas e trabalhos manuais. A iniciativa visa sensibilizar e incentivar mulheres a se olharem, a pensarem em suas trajetórias como lugar de transformação, para que sonhem mais do que suas mães.

Tornar-se uma influenciadora digital aos 76 anos nunca passou pela mente de menina de Izaura Demari, mas os chapéus nunca saíram de sua cabeça. Desde criança, ela gostava do acessório, uma forma de proteção contra o sol que as irmãs usavam no trabalho braçal no sítio.

"Eu também sempre gostei de ir aos bailes. Mas quando eu me casei, tive que parar. Um outro sonho que tenho desde garota é aprender a dançar tango. Espero um dia realizar", conta Demari, que já foi capa de revista e fez propaganda de uma marca de cosméticos alemã.

<><> "Nunca pare de sonhar"

A vontade de se tornar jogadora profissional de vôlei acompanhou Jamile Cruz na infância, mas desapareceu quando a adolescência chegou e a "realidade bateu à porta". Ela acabou estudando engenharia e atualmente trabalha como alta executiva de uma multinacional. Para realizar seus novos sonhos, que incluíam conquistas profissionais e construção de um legado que pudesse impactar mais pessoas, ela se mudou para o Canadá há 19 anos.

"A experiência profissional fora do país e o aprendizado de novas línguas indicava o aumento da possibilidade de um futuro melhor e de eu poder proporcionar oportunidades para mais meninas como eu."

Na vida entre Canadá e Brasil, Cruz também fundou uma empresa com políticas voltadas para inclusão e melhoria das condições de trabalho para mulheres. E às meninas de hoje, ela aconselha que não nunca parem de sonhar: "É importante estar aberta a novas perspectivas e sempre buscar conhecimento, interno e externo, isso ajuda muito na definição de caminhos prósperos. É importante ter curiosidade e coragem", assegura, com base em sua própria experiência.

 

Fonte: g1/DW Brasil

 

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