Mulheres
ainda têm pouca representação em cargos-chave nos partidos, apontam
especialistas e parlamentares
A baixa representatividade de mulheres em cargos de
comando dentro dos partidos é um dos principais desafios para a igualdade de
gênero na política, segundo avaliação de cientistas políticas e de
parlamentares.
Como reflexo desse cenário, estão a falta de recursos
e espaços para candidatas — que muitas vezes são escolhidas como “laranjas”
apenas para cumprirem a cota de gênero exigida pela legislação.
Além disso, é comum que mulheres sejam preteridas
pelos partidos nas indicações para assumirem ministérios, lideranças no
Congresso e relatorias de projetos relevantes como o Orçamento ou propostas
sobre administração pública e questões tributárias.
Um levantamento feito pela GloboNews mostra que,
entre os 10 partidos com maior representatividade na Câmara dos Deputados, oito
não alcançam nem 30% de presença feminina nas executivas nacionais - órgão
decisório das legendas.
<><> Veja a representatividade por
partido:
# PL
Integrantes da
executiva: 22
Mulheres:
3 (13%)
# PT
Integrantes da
executiva: 29
Mulheres:
14 (48%)
# União Brasil
Integrantes da
executiva: 14
Mulheres:
2 (14%)
# PP
Integrantes da
executiva: 30
Mulheres:
5 (16%)
# MDB
Integrantes da
executiva: 10
Mulheres:
2 (20%)
# PSD
Integrantes da
executiva: 35
Mulheres:
11 (31%)
# Republicanos
Integrantes da
executiva: 17
Mulheres:
3 (17%)
# PDT
Integrantes da
executiva: 30
Mulheres:
8 (26%)
# PSB
Integrantes da
executiva: 47
Mulheres: 12
(25%)
# PSDB
Integrantes da
executiva: 37
Mulheres:
8 (21%)
A proporção é ainda menor quando se fala do comando
dos partidos: apenas cinco têm mulheres como presidentes: o PCdoB, com Luciana
Santos; o Podemos, com Renata Abreu; o PSOL, com Paula Coradi; a Rede com
Heloísa Helena; e o PMB, com Suêd Haidar Nogueira.
Até esta sexta-feira (7), o PT também era comandado
por uma mulher, Gleisi Hoffmann, que se afastou para assumir a Secretaria de
Relações Institucionais.
Das 10 ministras hoje no governo Lula, duas são ou
foram presidentes de partidos - o que demonstra a importância da estrutura
partidária nestas indicações. Além de Gleisi, Luciana Santos é ministra de
Ciência e Tecnologia.
Embora este seja o maior número de mulheres em
ministérios da história do país, o percentual ainda está longe da paridade: 26%
das 38 pastas estão sob comando feminino.
·
Falha de representativade
Para a professora de Direitos Fundamentais da FGV
Direito SP Luciana Ramos, o fato de homens serem maioria no comando dos
partidos faz com que eles indiquem candidatos semelhantes ao seu próprio perfil
— seja para cargos no Executivo ou Legislativo.
"Os dirigentes dos partidos têm um perfil
muito específico, são homens, brancos e em geral heterossexuais. Em geral, eles
vão indicar pessoas com perfis semelhantes aos deles, com quem eles convivem.
Você acaba afetando toda a cadeia: se você indicar menos mulheres candidatas,
menos chance delas serem eleitas”, afirma.
A baixa representatividade é vista também em outras
esferas do Poder Executivo.
No ano passado, 727 mulheres foram eleitas
prefeitas - o que representa 13% dos 5.569 municípios.
Em 2022, apenas dois estados elegeram mulheres como
suas governadoras - Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte, e Raquel Lyra
(hoje PSD), em Pernambuco.
A deputada Carol Dartora (PT-PR) destaca que uma
das dificuldades da disparidade na direção dos partidos é o acesso a recursos
para candidatas mulheres.
“Quem ocupa esses espaços de poder dentro dos
partidos tem a caneta na mão para decidir candidaturas, distribuição de
recursos e apoios políticos”, diz. “Isso gera um ciclo de exclusão. Sem acesso
ao poder partidário, as mulheres tem menos chance de crescer politicamente e
ocupar cargos estratégicos e a consequência disso são um Congresso e um governo
que não refletem a diversidade da sociedade.”
·
90 anos e ‘nem um plenário’ cheio
Desde 1934, quando foi eleita a primeira deputada
no Brasil, apenas 335 mulheres ocuparam este espaço. Ou seja, em 90 anos, as
mulheres eleitas deputadas federais não ocupariam nem mesmo um plenário
completo de 513 deputados.
Atualmente, o Congresso é composto por 91 mulheres
entre 513 deputados e 16 senadoras entre 81 parlamentares no Senado. Um número
recorde, mas ainda muito baixo.
“Como os homens pensam e coordenam o poder nas suas
legendas, isso se reflete na política institucional. Também afeta a não
priorização das candidatas mulheres nas eleições, no fenômeno das candidatas
laranjas e as ‘vices’ para preencher as cotas de gênero”, diz a deputada Sâmia
Bomfim (PSOL-SP), uma das coordenadoras adjuntas da Secretaria da Mulher na
Câmara.
Uma das três mulheres da Mesa do Senado, que é
composta por 11 senadores, Ana Paula Lobato (PSB-MA) diz que a estrutura
partidária formada majoritariamente por homens limita as oportunidades das
mulheres.
“Para mudar isso, é fundamental incentivar mais
mulheres a participarem da política, garantir mecanismos que fortaleçam sua
presença nos partidos e cobrar compromissos reais das legendas com a paridade
de gênero. Sem mulheres nas instâncias de decisão partidária, continuamos sendo
minoria nos espaços de poder”, diz.
A ex-deputada Vivi Reis defende que uma forma de mudar
essa realidade é estabelecer regras que garantam maior participação feminina
nas instâncias de decisão. Contudo, como os partidos têm autonomia de
funcionamento, é preciso que a decisão parta das legendas.
"Com menos mulheres em cargos estratégicos, as
decisões políticas tendem a não refletir as demandas e perspectivas das nossas
pautas e lutas de forma prioritária. Além disso, a ausência de referências e
lideranças femininas pode desestimular outras mulheres a ingressarem e se
consolidarem na política."
·
Mulheres negras, indígenas e trans
A professora Luciana Ramos destaca que a
representação é ainda mais baixa quando se fala em mulheres negras, mulheres
indígenas e mulheres trans. A título de comparação, das 91 deputadas federais
eleitas em 2022, 29 são negras, quatro são indígenas e duas são trans.
No caso da distribuição obrigatória de 30% de
recursos dos fundos partidário e eleitoral para mulheres, Luciana diz que o
repasse costuma ser feito majoritariamente para mulheres brancas porque “os
dirigentes partidários são homens brancos e em geral vão indicar pessoas dos
seu ciclo social, que em geral são mulheres brancas ou pessoas que são suas
esposas, mulheres, filhas”.
“Mulheres negras, mulheres indígenas e mulheres
trans não fazem parte deste espaço de poder e tomada de decisão que é a
Executiva dos partidos. Consequentemente, elas serão muito menos selecionadas
para serem candidatas”, diz.
¨ Mulheres de
diferentes gerações sonham em desbravar o mundo
Conhecida entre
personalidades do mundo da moda, a influenciadora Izaura Demari, de 83 anos,
tem um sonho que ainda não realizou: viajar para a Itália. Nascida e criada num
sítio no Paraná, ela sempre quis conhecer a terra onde seu pai nasceu, mas teve
que adiar os planos depois de casar-se aos 18 anos e ter três filhos.
"Depois da morte do meu
marido, comecei a viajar mais com meu filho caçula. Peguei gosto e não quero
parar", conta Demari, conhecida nas redes sociais pelos chapéus elegantes.
Descobrir o mundo é o sonho
de muitas meninas e mulheres brasileiras. Uma pesquisa envolvendo mais de mil
entrevistadas pelo país mostra que viajar é o sonho de infância comum entre as
diferentes gerações. Casar e ter filhos deixou de ser prioridade para as mais
jovens, mostra o estudo feito pela organização Think Olga.
"A viagem representa um
universo inteiro de coisas. Quando essa mulher se desloca do seu contexto para
outro diferente, deixa para trás problemas do cotidiano, coisas que achatam os
sonhos, experimenta novas versões de si mesmo, conhece o novo", explica Maíra
Liguori, presidente da ONG.
A investigação visava os
sonhos de infância e o que eles se tornaram na vida adulta. As entrevistadas
tinham entre 18 e 60 anos, o que permite comparar a evolução dos sonhos e
anseios femininos entre diversas gerações.
<><> E o
casamento?
O desejo de viver uma
relação amorosa, um casamento e ter filhos aparecem como sonho de infância
entre as entrevistadas mais idosas. Entre aquelas de 18 a 30 anos, essas
palavras nem são citadas muito como projeto de vida. Para esse grupo é mais
importante ter uma carreira e independência e ter um filho – mais do que
constituir uma família.
Débora Diniz, antropóloga e
professora licenciada da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Unb,
considera impressionantes os resultados da pesquisa. Ela acredita que, ao falar
de desbravar o mundo, as mulheres mostram que querem ir além dos muros da casa.
"Isso não significa
abandonar a maternidade, abandonar o casamento, mas é que eles não são um único
sonho, como foi o caso da geração que me antecedeu, da minha mãe. Para elas,
casar era mais do que um sonho, era um destino", diz a antropóloga.
"Às mulheres do século 21 está sendo permitido não confundir o sonho com o
destino do gênero."
<><>
Desigualdades que persistem
Viajar o mundo, explorar e
viver experiências culturais mostra a vontade de acumular conhecimento e sede
de liberdade, apontam os resultados da pesquisa. E 88% das entrevistadas
reconhecem que alcançar esse objetivo hoje só é possível, graças aos avanços
conquistados por anos de lutas.
"Estamos falando de
mulheres que viram suas bisavós voltarem, suas avós já não tendo a mesma
quantidade de filhos, suas mães trabalhando e sonhando com outras coisas… Então
elas podem se ver dentro de um horizonte de possibilidades", analisa Diniz,
que não participou do estudo.
Maíra Linguori, do Think
Olga, lembra que ainda há um longo caminho a ser percorrido rumo a essa
desejada liberdade. Apesar dos
avanços das políticas públicas, o Brasil é um dos líderes globais de feminicídio, o assassinato
por questão de gênero, muitas vezes provocado pela ideia de que a mulher é uma
posse do companheiro.
"Tem ainda outras
barreiras. As mulheres gastam mais do que o dobro do tempo dos homens com os
trabalhos de cuidado da casa e filhos, que
virou um 'pedágio' que a mulher tem que pagar para prosperar e ter autonomia.
Falta apoio de políticas públicas para mudar isso", comenta Linguori
Os salários também divergem: em média, as
brasileiras ganham 19,4% menos que os homens. Em cargos de gerência, essa diferença
chega a 25,2%. As mulheres negras, além de estar em menor número no mercado de
trabalho, têm renda mais desigual, quase 30% a menos que a média dos homens,
revela um levantamento de 2024 feito pelos ministérios do Trabalho e Emprego e
das Mulheres.
"Além dessas
desigualdades, elas estão suscetíveis ao assédio e sofrem
intolerância em relação à maternidade, pois muitas empresas barram as mães de
subirem na carreira", acrescenta a ativista do Think Olga.
<><> Sonhe como
uma garota
A pesquisa feita pelo Think
Olga é parte de um projeto idealizado por Camila Alves, produtora cultural que
queria inspirar jovens, revelando o perfil de mulheres atuantes, de profissões
diversas.
"Nós percebemos que
muitas tinham dificuldade em acessar os sonhos de infância, principalmente as
mais velhas. As pessoas ficaram muito endurecidas", diz Alves ao detalhar
as fases do projeto, que incluiu oficinas e trabalhos manuais. A iniciativa
visa sensibilizar e incentivar mulheres a se olharem, a pensarem em suas
trajetórias como lugar de transformação, para que sonhem mais do que suas mães.
Tornar-se uma influenciadora
digital aos 76 anos nunca passou pela mente de menina de Izaura Demari, mas os
chapéus nunca saíram de sua cabeça. Desde criança, ela gostava do acessório,
uma forma de proteção contra o sol que as irmãs usavam no trabalho braçal no
sítio.
"Eu também sempre
gostei de ir aos bailes. Mas quando eu me casei, tive que parar. Um outro sonho
que tenho desde garota é aprender a dançar tango. Espero um dia realizar",
conta Demari, que já foi capa de revista e fez propaganda de uma marca de
cosméticos alemã.
<><> "Nunca
pare de sonhar"
A vontade de se tornar
jogadora profissional de vôlei acompanhou Jamile Cruz na infância, mas
desapareceu quando a adolescência chegou e a "realidade bateu à
porta". Ela acabou estudando engenharia e atualmente trabalha como alta
executiva de uma multinacional. Para realizar seus novos sonhos, que incluíam
conquistas profissionais e construção de um legado que pudesse impactar mais
pessoas, ela se mudou para o Canadá há 19 anos.
"A experiência
profissional fora do país e o aprendizado de novas línguas indicava o aumento
da possibilidade de um futuro melhor e de eu poder proporcionar oportunidades
para mais meninas como eu."
Na vida entre Canadá e
Brasil, Cruz também fundou uma empresa com políticas voltadas para inclusão e
melhoria das condições de trabalho para mulheres. E às meninas de hoje, ela
aconselha que não nunca parem de sonhar: "É importante estar aberta a
novas perspectivas e sempre buscar conhecimento, interno e externo, isso ajuda
muito na definição de caminhos prósperos. É importante ter curiosidade e
coragem", assegura, com base em sua própria experiência.
Fonte: g1/DW Brasil
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